Memória dos Trabalhadores da Bacia de Campos
Depoimento de José Guilherme Monteiro Paixão
Entrevistado por Tânia Coelho
Macaé, 5 de junho de 2008
Realização Instituto Museu da Pessoa.Net
Entrevista número PETRO_CB360
Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha
P – Guilherme, eu queria que v...Continuar leitura
Memória dos Trabalhadores da Bacia de Campos
Depoimento de José Guilherme Monteiro Paixão
Entrevistado por Tânia Coelho
Macaé, 5 de junho de 2008
Realização Instituto Museu da Pessoa.Net
Entrevista número PETRO_CB360
Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha
P – Guilherme, eu queria que você começasse com o seu nome completo, local de nascimento e data.
R – O meu nome é José Guilherme Monteiro Paixão. Eu nasci em Campos Goitacazes, norte fluminense, estado do Rio de Janeiro, em 24 de agosto de 1957.
P – E você se formou em...
R – Eu me formei em, eu fiz escola técnica, curso técnico em Eletrotécnica, me formei em 1975 e entrei na empresa em 1976 e depois me graduei em Administração e depois fiz um MBA na área de gestão de negócios, petróleo e gás, na Fundação Getúlio Vargas.
P – E hoje você está atuando em que área?
R – Eu sou consultor técnico na área de turbomáquinas.
P – Desde que você entrou? Quando é que você entrou na Petrobrás?
R – Em 1 de setembro de 1976.
P – Como é que você chegou até aqui? Você fez concurso?
R – Eu terminei a escola técnica, como eu falei, técnico em Eletrotécnica, hoje (Cefeti?), antiga Escola Técnica Federal, em 1975. E logo no início de 1976 eu participei de um processo seletivo cujo processo objetivo já era o recrutamento de funcionários para trabalhar na Bacia de Campos, que estava já no início de descoberta, né? E através da escola técnica, a Petrobrás procurou a escola e fez esse concurso. Na época foram 66 candidatos e seis foram aprovados e nós fomos pra Bahia, onde era a escola da Petrobrás, na realidade. Era o berço do petróleo no país, né?
P – E quando você ingressou na Petrobrás?
R – Em 1976. O processo iniciou no início de 1976 e eu fui admitido em 1 de setembro de 1976.
P – E você hoje, como é a sua rotina hoje, de trabalho? Você atua em que área?
R – Eu atuo na área de operações de turbomáquinas, de turbocompressores, compressão de gás natural e operações de produção de petróleo, gás, com uma especialidade em compressão de gás.
P – É aqui em terra ou você trabalha na plataforma?
R – Não, eu trabalho em terra desde 2006. Eu fiquei embarcado de 1977 até 2006, trabalhando embarcado direto. Hoje eu faço embarques esporádicos. Praticamente todo mês eu faço pequenos embarques, até mesmo pelo meu trabalho de consultoria, que hoje eu exerço a função de consultor técnico nessas plataformas como também... Como foi o meu berço, eu não me vejo evoluir sem estar, não na rotina que estava, mas continuar a ir à bordo e estar participando dos trabalhos de bordo, de operações de produção, que é a minha escola, né? Então...
P – Vinte e nove anos embarcado.
R – Fiquei direto 29 anos.
P – E aí você fala dessa rotina. Você pode trazer pra gente um pouco o que é essa rotina?
R – Eu confesso que pra mim foi tranqüilo. Eu nunca... Eu costumo dizer que a dificuldade do embarque se resume em você não aproveitar bem a sua folga. O embarque eu acho que, existe milhares de tipos de trabalho. São muito mais complexos e muito mais árduos, a gente pode dizer, o cara que trabalha numa mina de carvão. É como um trabalho. É difícil o confinamento? Eu costumo dizer que nós somos descendentes de vikings. Nós somos brasileiros, gostamos de carnaval, de cerveja. E realmente eu conheci profissionais que embarcavam três meses dentro de uma plataforma, direto dentro de um rebocador. São profissionais que vêm de países que a origem tem muito a ver com navegadores, com... Mas eu, particularmente, sempre me adaptei muito bem ao trabalho, sempre gostei muito do que fiz, principalmente pela satisfação de desenvolver, conseguir realmente chegar onde eu cheguei. Agora, o problema é quando você desembarca e não aproveita bem a sua folga. O aproveitar bem não necessariamente é não fazer nada. É você realmente se sentir útil, ou estudar ou fazer um curso de inglês, ter uma atividade, não só não fazer nada. É lógico que o não fazer nada em alguns momentos é mais do que necessário.
P – A solidão não mata, no embarque?
R – Não.
P – Não é uma coisa...
R – Eu nunca tive problema, mesmo em todas as fases de dificuldade e problemas de saúde da minha mãe, do meu pai, até falecerem, tudo isso aí.
P – A convivência é uma convivência saudável?
R – É. Eu considero que...
P – Você lidar com gente de tudo quanto é estado, de...
R – É, eu acho que principalmente isso aí, você conhecer pessoas. A dificuldade da convivência realmente é uma dificuldade que lá se agrava em função do confinamento, que já é a dificuldade de um relacionamento do ser humano no dia-a-dia. Se existisse...
P – __________
R – Se existisse harmonia na convivência humana nós seríamos realmente um país, um mundo, um planeta, uma maravilha. A grande dificuldade é justamente a harmonia entre os seres. Essa é a grande dificuldade, né?
P – E o grande desafio? Qual foi o maior desafio, que foi mais difícil?
R – Nessa etapa toda? A nível de trabalho ou convivência?
P – Os dois, pessoal e profissional.
R – Profissional foi realmente a gente observar que tudo dependia de profissionais estrangeiros. E o que me ajudou muito foi a fluência de inglês, o conhecimento que eu tenho do idioma, em aprender tudo e multiplicar isso. Esse foi, realmente foi difícil mas muito prazeroso, sem dúvida. E pra chegar onde nós chegamos hoje. Hoje, por exemplo eu sou um consultor e sou um modificador de conhecimentos graças a ter conseguido sobrepor a esses desafios, porque a relação com o estrangeiro é muito difícil.
P – _________
R – A relação com o estrangeiro é muito difícil. Eles vinham não querendo ensinar nada, nada, absolutamente nada. Então a harmonia na convivência com eles, ou seja, o cativar a amizade, você conseguia através disso aí realmente tirar informações, aprender e traduzir isso em termos que pudesse ser multiplicado, que é o que a gente faz hoje.
P – Você considera então que você faz parte de uma equipe de gestores que conseguiu reverter esse quadro de uma tecnologia nacional, de uma bagagem de conhecimento que era um conhecimento, um know-how que o Brasil não tinha? Ou tinha mas não era...
R – Eu não digo de gestores porque no meu caso específico é muito técnico, né, de profissionais técnicos. Apesar de ter passado pelos processos de gestão, mas realmente é isso aí. Fiz parte de uma equipe de profissionais que conseguimos fazer essa empresa se tornar a empresa que é em termos de conhecimento, de eficácia, de potencial. Tudo isso, nós fizemos parte disso aí. Aqui era o chão de fábrica, vamos dizer assim. O nosso centro de pesquisa chegar, onde nós chegamos em termos de tecnologia de exploração em off-shore, tudo isso aí foi, nós iniciamos realmente. A escola, a base, o berço disso aí, que se tem catalogado e em história é a indústria de petróleo americana.
P – Como você vê hoje o resultado desse trabalho, do que é pro país, do que internacionalmente isso significa? Você tem um sentimento de protagonista, ou pelo menos de orgulho?
R – Ah, sim, de orgulho, muito.
P – Eu vou tentar continuar. E você, nesses desafios, nessa perspectiva você consegue ver hoje as novas gerações de técnicos, de profissionais, e percebendo a grandiosidade desse trabalho os mais jovens vão buscar em vocês essa referência?
R – Sim, sempre.
P – Porquê não é comum, né? Normalmente você tem os mais jovens tendo que...
R – Não, mas de certa forma o grande orgulho também é perceber isso como forma de respeito, sem dúvida nenhuma. É fazer parte da história e ser reconhecido por isso.
P – Essa emoção que você tem, esse sentimento de orgulho, toda essa força dessa vivência é comum na empresa? Ao seu lado isso pode se multiplicar, pode se ver como quase consensual, pelo menos?
R – Ah, eu vejo que sim. Eu vejo que existe muita empolgação ainda, muita energia em todos nós. Eu acho que a empresa produz isso junto conosco. A própria visão de missão dela, do que era a empresa, o que é, do crescimento, isso só faz transmitir pra gente todo esse sentimento, com certeza de muita satisfação, de muito orgulho.
P – E em tempos de globalização, das coisas tão descartáveis, qual é o berço, você avalia qual seria o berço dessa força que a Petrobrás trás, desse orgulho dos técnicos que trabalham, dos profissionais que constroem esse projeto?
R – Eu acho justamente por termos vencido os desafios. Eu acho que a história de desafios e ter sobreposto todas essas etapas, de onde viemos, conhecimento externo, pra adquirir esse conhecimento e toda a formação, o desenvolvimento dentro da empresa e o crescimento dela, com certeza isso aí é uma grande força, é uma...
P – Nós falamos de reverter. Quer dizer, os estrangeiros vinham pra cá e não queriam ensinar nada, só queriam levar informações, e isso foi revertido. É possível que também tenha se invertido hoje, os estrangeiros vêm aqui buscar informação?
R – Sim, com certeza, a tecnologia, principalmente o que diz respeito à tecnologia de águas profundas, de exploração. A Petrobrás hoje exporta isso aí, vamos dizer assim. Essa tecnologia faz parte da exportação dela, do conhecimento dela em termos de negócio. É um negócio. Fomos premiados por isso em conferências internacionais, com certeza. E uma coisa que chama muito a atenção nesse período, nesse processo todo também, é que de certa forma eles também se surpreenderam muito conosco porque muitos vinham achando que nós passávamos de um galho pra outro, de cipó, que é só a floresta. Não têm, algumas pessoas até hoje moram em alguns lugares, principalmente nos Estados Unidos, que não têm a mínima noção do quê que é, não conhecem o território. Não é como nós. Nós estudamos história geral, geografia. Então a gente conhece o mapa dos Estados Unidos. Lá não existe isso. Então tem pessoas lá que não fazem nem idéia. Quando vêm pra cá se surpreendem. E se surpreendem também, eu acho que isso me chamou muito a atenção, justamente da nossa facilidade de lidar com as coisas, a nossa flexibilidade. Eles são muito, eu diria assim, olhando muito só pra frente. Não têm uma amplitude de visão, de maneira de, eu não diria o jeitinho brasileiro porque esse jeitinho brasileiro na realidade não é uma coisa boa, mas a facilidade que nós temos de ver as coisas, de sermos criativos e chegar à potência que nós estamos chegando. Não a empresa, o próprio país, né? A gente vê que realmente o país está crescendo muito e a força de trabalho. Apesar de todos os nossos defeitos, dos nossos problemas, a gente está, eu acho que a gente está evoluindo bem, e isso realmente a gente vê que... Eu tenho muito essa referência justamente porque eu era novo quando eu comecei a embarcar. No primeiro embarque eu tinha feito 20 anos. Praticamente eu embarquei dez dias depois que eu fiz 20 anos. E isso me chamou muito a atenção, de você conviver. Tinha plataforma que a gente tinha de 40 a 50 pessoas numa plataforma e você tinha 30 gringos de muitos lugares do mundo, da Holanda, da Inglaterra, dos Estados Unidos principalmente. Os profissionais daquela região mesmo dos Estados Unidos, que é a região de exploração de produção de petróleo, que é a parte sul dos Estados Unidos, centro-sul. Então um pessoal muito rude. E realmente a gente... Foi interessante porque o crescimento e você lidar com essas pessoas, principalmente no sentido de que as pessoas não tinham essa coisa dessa relação como nós brasileiros temos, né? Então você tirar disso aí amizades e reconhecimento, aprendizagem, isso aí foi muito legal.
P – E nessa vivência de uma disputa de mercado internacional que você participou, presenciou ou pelo menos acompanhou, qual foi o maior marco, que você diria: “Esse aqui mudou a nossa história”?
R – Ah, eu acho que quando a gente ganhou o prêmio na Conferência de Tecnologia Off-Shore nos Estados Unidos de Águas Profundas. Ali com certeza a visão do mundo dos negócios de petróleo realmente passou a ser direcionada de uma maneira diferente pro Brasil. Com certeza isso aí foi um grande marco, né?
P – E você participou dessa história?
R – É, eu participei no chão da fábrica, a equipe, no sentido de realmente... A gente começou a produzir, na época, em ordem de grandeza, 110, 120 metros de profundidade, que foi o Enchova Um, o Campo de Enchova, o 3EN1RJS, à bordo de uma plataforma americana (7135DSS6?), que era o código dela pra Petrobrás. E produziu de uma maneira antecipada, os sistemas antecipados de produção, já usou de engenharia da Petrobrás, de grandes profissionais que desenvolveram esse processo. E à partir daí a gente hoje produz em águas de, fala-se já em dois mil, três mim metros, a produção em campos de águas profundas. Praticamente não tem em lugar nenhum, é aqui. Nós continuamos, eles continuam nos perseguindo nisso aí, na realidade. A tecnologia lá de fora, a engenharia lá de fora persegue a nossa engenharia.
P – Há uma certa distância, inclusive, né?
R – É, na realidade eles têm o dinheiro de muito investimento, mas... Eles se aproximaram mais, com certeza, mas a gente continua...
P – À frente. Você tem saudades da vida de embarcado?
R – Não, eu não digo a você que eu tenho saudade. Eu tenho saudade de momentos, de muitos momentos de embarcado.
P – Por exemplo.
R – Alguns momentos realmente da gente falar que no dia que sair realmente sentiria saudade. Da convivência, dos momentos de confraternização, dos momentos de estar almoçando e dos processos, das coisas que acontecem, né?
P – Dos encontros.
R – Dos encontros. E não só dos encontros, de fatos que ocorreram e que a gente tem lembrança, e trazer isso à tona em alguns momentos de alegria, com certeza. Eu acho que eu tenho muito mais momentos de alegria embarcado do que de tristeza.
P – Eu falei de um fato marcante, de um marco, de processo que você teria participado, que foi esse do prêmio. Mas existe um momento...
R – Todos nós participamos. A família Petrobrás toda participou, né?
P – Com certeza. Mas ali tem aquele acompanhamento que a gente faz, pessoal, você fala: “Aquele processo particularmente, diretamente eu tenho uma intervenção, mesmo que pequena, mas eu tenho, eu vi”, aquela coisa assim: “Eu vi acontecer”, como a gente diz (para os nossos netos?)?
R – Todo processo de pré-operação de todas as plataformas que eu tive, de pré-operação das primeiras grandes máquinas, turbocompressores, na bacia em que eu aprendi com os estrangeiros, desenvolvi um material didático em função desse aprendizado, desse conhecimento adquirido e treinar o pessoal, e sala de aula depois, estar a bordo iniciando a operação desses equipamentos, que nós chamamos de pré-operação, junto com essa equipe treinada e acompanhar a operação desses equipamentos no passar do tempo e ver as pessoas desenvolverem, sem dúvida nenhuma. Até hoje pra mim é o meu combustível, é a minha energia, com certeza.
P – A Bacia de Campos é um capítulo à parte na história da Petrobrás?
R – Eu acho. Eu consideraria. Eu acho que outros capítulos estão vindo aí, a Bacia de Santos, a Bacia do Espírito Santo. Mas realmente... Porque que eu digo isso? Porque quando eu saí da Bahia nós produzíamos em torno de 120 mil barris por dia e o melhor poço produzia o equivalente a 700 barris por dia. E eu vim participar de uma equipe que colocou um poço em produção, que foi o pioneiro em produção na bacia, como eu falei o 3EN1RJS, que ele produzia aproximadamente 12 mil barris só ele. Então, e chegamos onde nós chegamos hoje. Então era só...
P – Um diferencial.
R – Era um diferencial. Simplesmente não tem como não ser.
P – Você, qual seria a sua avaliação em relação a esse projeto de trazer essa história à tona e de ouvir os profissionais da Petrobrás contando cada um ou trazendo seu olhar, cada um, pra ____?
R – Ah, eu acho assim fora de série porque a história tem que ter, não pode deixar de ter, sem dúvida nenhuma. A primeira oportunidade que houve eu fiquei até triste que eu não pude participar. Eu estava fora. Aí, quando eu vim agora, pra mim foi...
P – Tem alguma coisa que você considera importante trazer pra gente, que a gente não tenha perguntado?
R – Eu acho que vocês perguntaram, vocês foram bem abrangentes.
P – Então muito obrigada.
R – Nada.
P – Foi ótimo.Recolher