Projeto Memória dos Trabalhadores da Bacia de Campos
Entrevistada por Douglas Tomaz
Depoimento de Raquel Theodoro Amâncio da Silva
Macaé 04/06/2008
Realização Museu da Pessoa
Depoimento PETRO_CB347
Transcrito por Denise Yonamine
P/1 – Queria que você começasse falando o seu nome completo...Continuar leitura
Projeto Memória dos Trabalhadores da Bacia de Campos
Entrevistada por Douglas Tomaz
Depoimento de Raquel Theodoro Amâncio da Silva
Macaé 04/06/2008
Realização Museu da Pessoa
Depoimento PETRO_CB347
Transcrito por Denise Yonamine
P/1 – Queria que você começasse falando o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Raquel Theodoro Amâncio da Silva, eu nasci no Rio de Janeiro, no dia 01 de novembro de 1978.
P/1 – Raquel qual é a sua formação?
R – Sou geóloga, especializada em geofísica.
P/1 – Eu queria que você começasse a nossa entrevista falando um pouco quando e como você ingressou na Petrobrás.
R – Eu ingressei na Petrobrás em 2003, a prova foi realizada em 2001, eu fiz a prova porque estava grávida (risos), meu sonho era ser professora universitária, mas aí meu pai me inscreveu eu fiz a prova e passei.
P/1 – Mas qual a relação de estar grávida e entrar pra Petrobrás?
R – Porque meu ex-marido era hippie (risos) e ele não tinha condições de sustentar nós três, né? Então meu pai me inscreveu, eu fiz a prova, meio a contragosto, mas passei e vim.
P/1 – E hoje qual é a função que você exerce aqui, queria que você falasse um pouco também da importância do seu trabalho, o que você faz realmente?
R – Eu trabalho na área de exploração de petróleo, interpretação exploratória na verdade, então a gente faz mapas das locações pra encontrar novos campos de petróleo.
P/1 – Esse trabalho, hoje na Petrobrás, não sei se você sabe das mudanças que vem acontecendo na sua área em termos de tecnologia?
R – A tecnologia tem avançado muito rápido, né, o pessoal antes trabalhava fazendo mapas com a mão, tinha até desenhistas, contratavam desenhistas pra fazer os mapas e de cinco anos pra cá, talvez, talvez menos, a gente hoje em dia faz mapa sozinho no computador, usando uma estação, claro mais avançada, né, com uma memória além do que se vende nas lojas de computador, mas a gente consegue fazer tudo numa estação de trabalho, numa baia comum, sozinhos.
P/1 – Mas como é que é isso? Como se descobre isso?
R – Como se descobre? Primeiro o navio sísmico vai pro mar, né, que é onde tem petróleo aqui na Bacia de Campos, daí ele pega os dados sísmicos e manda pro pessoal do processamento; o pessoal do processamento retira as múltiplas, junta os dados tudo e chega pra gente como uma imagem, como uma radiografia das rochas. Daí a gente usando as técnicas aprendidas na faculdade de geologia a gente consegue identificar aonde é possível que exista petróleo, óleo, né, e onde não, então a gente baseado nessas teorias e na prática com os poços que já foram perfurados a gente consegue dar uma locação num lugar que tenha probabilidade de ter petróleo, né? Nunca é 100%, né, de probabilidade, as vezes a gente tem certeza absoluta até veio um poço agora, meu primeiro poço a gente tinha certeza absoluta, vendeu o peixe assim como se já tivesse óleo lá, né, ia ser uma reserva absurda, né, muito grande e deu seco, sem nenhum indício de óleo.
P/1 – E um bom poço o que é um bom poço?
R – Um poço é o que tem óleo, né, esse não tinha, tinha, mas num lugar que a gente previa, mas que a gente não esperava que tivesse, né, então ele está até abandonado por enquanto, porque não tem sonda disponível pra perfurar num lugar tão profundo, né, e é muito profundo e muito distante da costa.
P/1 – E característica da rocha, não sei se é possível falar pra um leigo, que características uma rocha, a partir de uma imagem você pode dizer “Ah isso aqui é possível que tenha alguma coisa”?
R – Olha, a sísmica você pode colocar várias palhetas de cores, mas a que a gente usa freqüentemente é a escala de cinzas, né, tons de cinza, então na literatura a rocha que é o arenito, né, mais comum onde se encontra petróleo, ela aprece como um pico branco, é o que a gente fala, é o pico branco! Só que hoje em dia, né, a gente foi atrás de muitos picos brancos e deram secos, aí a teoria vai evoluindo, vai vendo que não é bem assim e tudo e aí a gente vai calibrando com novas tecnologias, com informações de poços, aí a gente vai fazendo um ajuste fino, baseado nisso aí. Daí a gente tem hoje em dia a gente tem os carbonatos, os carbonatos não dão resposta sísmica de (impedância?), né, porque é uma rocha menos densa, o arenito é menos denso, por isso ele dá uma impedância menor do que as (encaixantes?), aí fica o pico branco, o carbonato ele é denso, mais ele pode ta cimentado, pode não ta, pode ter reservatório em rocha menos porosa, pode ter rocha mais porosa, às vezes a rocha porosa está cimentada, então é muito imprevisível o carbonato, né? Daí a gente vai furando pra saber (risos).
P/1 – E é comum criar essa expectativa e depois não acontecer de não ter nada?
R – Ah, é comum! É como um filho que vai nascer, né, aí você fica esperando assim “ah como que vai ser? Será que vai estar perfeito? Será que vai ser bonito? Será que vai ser parecido com a mãe? Com o pai?” é um igual um filho, né?
P/1 – É uma alegria muito grande então quando nasce o filho, né?
R – É. (risos)
P/1 – Raquel eu queria que, cortando um pouco o assunto, até mesmo ainda dentro do assunto dessas expectativas, dessa coisa, como é que é o cotidiano do trabalho, com os amigos? Aqui na Petrobrás a sua visão.
R – Então logo que a gente sai da Petrobrás a gente vem aqui com o maior gás, né, querendo trabalhar e fazer um monte de coisa, inovar, revolucionar, jovem é assim, então a gente teve uma dificuldade muito grande de se adaptar com os antigos, porque a Petrobrás estava há dez anos sem contratar pessoas, então o pessoal que já estava aqui tinha no mínimo dez anos de casa, né? E a visão de uma pessoa que tem dez anos de Petrobrás pra uma que chegou agora é diametralmente oposta, né, o cara já ta acomodado, já tem os trabalhinhos que ele já esta acostumado a fazer, ele vai fazendo com aquela calma, né? Jovem não, ele chega querendo fazer tudo ao mesmo tempo, agora, e vamos lá e o pessoal não se adaptou muito bem a esse ritmo não, nem os jovens e nem os antigos, então hoje em dia a gente ta chegando num meio termo, vamos dizer assim (risos).
P/1 – E a equipe toda que entrou agora é bem jovem?
R – Muita gente jovem, no meu setor acho que a metade agora, metade do pessoal é recém concursado.
P/1 – Qual foi a resistência maior aqui?
R – Resistência?
P/1 – Desses antigos funcionários em relação aos novos?
R – Eles nos olhavam como concorrentes ao invés de aprendizes, né, essa foi a maior dificuldade.
P/1 – E nesses anos que você está trabalhando aqui você saberia me dizer qual foi o seu maior desafio? Maior desafio que você enfrentou?
R – Maior desafio foi ter ido pra Amazônia pra mim, logo que a gente entrou na Petrobrás a gente foi fazer um curso de treinamento, né, e no curso de treinamento existia a parte prática também, nós fomos pra Amazônia e a turma foi dividida em três e eram grupos de sete pessoas ou dez... Dez pessoas! E o meu filho nessa época tinha sete meses, não, tinha um ano já, aí foi difícil a separação.
P/1 – Mas o que vocês foram fazer lá na Amazônia?
R – Nós fomos acompanhar os trabalhos da equipe sísmica, né, que faz parte também da geofísica, geofísica de campo. Tem a geofísica de campo, tem a geofísica de processamento e tem a geofísica de interpretação, eu faço parte da equipe de geofísica de interpretação. Então a Petrobrás nessa etapa de treinamento ela quis mostrar pra gente todas essas possibilidades da geofísica.
P/1 – Você então sempre trabalhou aqui na Bacia de Campos em terra?
R – É.
P/1 – Você saberia me dizer qual o perfil do trabalhador da Bacia de Campos? Você já percebe isso, tem essa percepção?
R – Perfil? É o perfil de quem gosta de trabalhar e que gosta de ir pra serra no final de semana (risos), não gosta muito de badalação, de festa, um pessoal mais caseiro, né, mais familia.
P/1 – Por que você acha isso?
R – Porque é só olhar a cidade, né, não tem nada pra fazer nos finais de semana (risos)
P/1 – Então você não convive com pessoas que não são de Macaé, pessoas que vem de outro lugar?
R – Se eu convivo? Eu não tenho muita convivência aqui com pessoas não. Eu trabalho, levo meu filho pra escola e casa, casa, trabalho, só isso, final de semana eu viajo como todas as pessoas fazem. (risos)
P/1 – Você teria alguma história interessante pra contar pra gente? Ou uma triste que marcou? Uma história, um causo, tanto da Amazônia, essa coisa que parece ser legal ou mesmo diariamente pode ser que aconteça alguma coisa, ou histórias que você já ouviu que você nem trabalhava aqui também, são lendas, né, ou mitos da Bacia de Campos.
R – Ah, sim! Tem uma história sim, eu fui selecionada pra carregar a tocha do Pan (risos).
P/1 – E por quê? Como foi isso?
R – Olha, não sei por que, não sei por quê. Só que o que aconteceu foi o seguinte, me ligaram um dia “Ah, Raquel então você vai carregar a tocha do Pan, não sei o quê, você vai fazer isso...” “Calma aí! Vou carregar o quê?” “A tocha do Pan” “mas por quê? Não sou nem atleta!” (risos) a única coisa que eu pratico é ioga como é que eu vou carregar a tocha do Pan? Aí eu fiquei assim em estado de choque logo que eu desliguei o telefone, aí eu fiquei “não! Não vou carregar não, eu vou procurar alguém pra me substituir, alguma pessoa, alguma mulher, tem ser mulher que pratique alguma atividade física pra me substituir”, aí eu comecei a procurar no setor e nada, nenhuma garota praticava atletismo, nenhuma atividade física, a maioria delas praticava era musculação, né, e tal, aí eu pensei numa menina que era deficiente física, aí liguei pra lá “Ah, não deficiente física não pode porque já tem uma representante de Macaé que é deficiente física e tal”, aí eu ah o que eu faço agora, né? Então ta, eu vou (risos), eu carrego a tocha (risos), foi legal, meu filho ficou orgulhoso, falou ,né, “Ah, a minha mãe agora entrou pra história” (risos), foi engraçado!
P/1 – Eu percebi que aqui tem durante alguns horários aqui do dia, tem professor de ginástica, né, que trabalha com o pessoal, você participa disso ou não?
R – Participava bastante, ultimamente que eu tenho estado meio preguiçosa e tal, mas é fase, né, mas geralmente eu participo, eu gosto.
P/1 – Saberia definir pra mim o que é ser petroleira, qual o sentimento de estar trabalhando na Petrobrás?
R – Olha, apesar de todos os problemas que a gente enfrenta, não como Petrobrás, mas como mercado de trabalho, regime de trabalho, né, a Petrobrás sempre costuma inovar, né, flexibilizando horários, né, pagando, dando um auxílio escola, né, auxílio moradia e tudo, mas eu sinto que ainda tem muito pra melhorar, eu sou mãe solteira, né, já fui casada, mas sustento meu filho sozinha e é muito difícil pra mulher se adaptar a um regime de trabalho de oito horas diárias, é muito tempo fora de casa, essa é a minha...
P/1 – A presença feminina aqui é grande, é marcante?
R – Tem crescido, tem crescido bastante, tem bastante mulher lá no setor, mas ainda é minoria.
P/1 – E enfrenta algum tipo de preconceito ou não?
R- Enfrenta sim, enfrenta.
P/1 – Que tipo?
R – Do tipo que a mulher ainda é considerada inferior até ela provar o contrário, até que a gente marque a nossa posição e ganhe espaço, então essa é uma luta que tem que ser travada no dia a dia, depois que a gente conquista ganha respeito até, respeitam o nosso trabalho depois, mas é uma luta. (risos)
P/1 – É uma luta?
R – É, porque o homem já tem, o homem quando entra ele já é respeitado, né, porque é homem, porque se espera que ele vá produzir, espera-se que ele vá trazer resultado pra empresa e que ele seja competente, né, a mulher eu vejo que ainda é vista como uma decoração, até a hora que ela mostra serviço, também, né? Ela pode ser só uma decoração depende de cada uma, né?
P/1 – Sua postura é sempre de estar combatendo esse tipo de preconceito?
R – Não to combatendo sempre não, mas quando pisam no meu calo eu reclamo. (risos).
P/1 – Raquel você consegue vislumbrar a Bacia de Campos no futuro? Que mudanças você ainda acham que irão passar, como é que você pensa o futuro na Bacia de Campos até mesmo a sua relação com esse futuro?
R – Eu não gosto de pensar muito no futuro não, porque ele sempre nos surpreende, né, é perda de tempo, eu acho, mas eu espero que a Petrobrás cresça, porque ela dá muita oportunidade pros brasileiros, eu acho, né?
P/1 – Você tem ainda alguma coisa ainda pra falar que talvez tenha escapado, que eu não tenha perguntado que você queira dizer?
R – Ah, sim na Amazônia foi quando eu comecei a escrever, foi legal porque eu passei meu aniversário de 25 anos lá e embarcado na equipe sísmica tinha um astrólogo, aí ele tava com o programinha dele de astrologia, né, e tal aí ele falou pra mim assim “olha, quando uma pessoa comemora o aniversário muito longe da cidade natal ela vai ter uma revolução na vida” (risos) e eu lembro disso até hoje, né, porque começou como uma brincadeira escrever, né, na equipe sísmica eu mandava emails pro pessoal contando o dia a dia na equipe que era muito exótico, né, na Amazônia e tal e hoje em dia é mais do que um hobby pra mim, eu adoro escrever e continuo.
P/1 – Mas o que que é? Você não me disse não, o que você escrevia nesses e-mails, nesses relatos da Amazônia?
R – O dia a dia, falava dos passarinhos que a gente via, eu perguntava tudo, aí eu perguntava sobre os índios, né, que naquela região existem os índios caceteiros, esse nome é porque eles carregam um cacete, um porrete no pé, amarrado no pé, daí quando as pessoas tentam se aproximar deles, eles aparentemente são assim, são tranqüilos e tal, mas se eles se sentem ameaçados eles puxam o porrete com o pé, pegam e acertam mesmo, já mataram um agente da Funai. (risos)
P/1 – Você tiveram contato com esses índios?
R – Não, não, eles são selvagens ainda.
P/1 – Ah, é?
R – É, não tem muito contato com humano, até porque eles sofreram ameaça dos madeireiros, muitos deles foram mortos pelos madeireiros, então eles são traumatizados por isso, né?
P/1 – Mas vocês quando estavam fazendo curso ouviram essas histórias?
R – Ouvimos, é, várias de índios, né?
P/1 – E dos próprios funcionários da Petrobrás lá na Amazônia?
R – É, porque eles estão na mata o tempo todo, né, implantando geo fones e tudo, é um perigo constante.
P/1 – E o que hoje você escreve?
R – Hoje eu escrevo poesias, contos e ainda não consegui concluir um romance, mas um dia chego lá, até porque não gosto de romance, um dia eu consigo escrever uma ficção. (risos)
P/1 – Mas do que se trata assim? Seu principal romance, sua grande obra?
R – É sobre a minha vida, sobre as minhas descobertas como ser humano, como mulher, porque eu acho que a gente, a gente vai se descobrindo ao longo da vida, né, às vezes a gente descobre até que é outra pessoa.
P/1 – E você costuma trabalhar com memórias ou não?
R – Com as minhas memórias mais, eu vou registrando tudo, viagens, em poesias né? Eu fiz uma poesia no Chile, né, eu viajei pro Deserto do Atacama, aí eu fiz uma poesia chamada o deserto em mim, aí participei de um concurso de poesia aqui em Macaé e fiquei em sexto lugar com ela.
P/1 – Você divulga essas poesias aqui na Bacia de Campos?
R – Não, agora que eu comecei a pensar nisso, aí eu inventei o projeto monte o seu livro, aí eu vou vender poesia a R$ 0,20 cada uma. (risos)
P/1 – Aqui na Petrobrás?
R – Não, lá na rua, vou vender no Rio eu acho, porque aqui o pessoal não sai muito, né, e no Rio eu já conheço pessoas e o santo de casa não faz milagre, eu vou pro Rio até pra me soltar, lá eu posso falar o que eu quiser e tudo, eu vou lá vender minhas poesias, R$0,20 cada uma, se vocês quiserem. (risos)
P/1 – Você acha que teria uma aceitação aqui na unidade vendendo isso? Você seria bem vista?
R – Dentro não pode fazer comércio dentro da empresa (risos), mas eu acho que seria sim, eu já escrevo num blog, né, o pessoal parece que gosta das coisas.
P/1 – As pessoas costumam ler?
R – Costumam.
P/1 – Já que a gente ta falando de memórias eu queria que você pra finalizar falasse do que você achou de ta participando do nosso projeto, de contar um pouco da história da Petrobrás, mas também a história das pessoas a partir das suas memórias?
R – Eu gostei, acho importante até, porque a gente nunca sabe quem a gente vai ser do futuro, né, quem a gente vai ser quando crescer, então eu registro esse relato, essa entrevista mais pensando no meu futuro, no futuro da Petrobrás, no futuro da humanidade, né, que isso sirva de exemplo pra alguém.
P/1 – Não era pra fazer essa pergunta, era pra terminar mesmo, mas porque você correu há dois dias da entrevista, fez tudo e voltou só agora?
R – Ah, porque eu estava de mau humor. (risos)
P/1 – Ta bom então (risos).
(Fim da Entrevista)Recolher