Memória dos Trabalhadores da Bacia de Campos
Depoimento de Cássio da Cruz Valente
Entrevistado por Sérgio Ricardo Retroz
Macaé, 3 de junho de 2008
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista número PETRO_CB337
Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha
P – Diz o seu nome completo, local...Continuar leitura
Memória dos Trabalhadores da Bacia de Campos
Depoimento de Cássio da Cruz Valente
Entrevistado por Sérgio Ricardo Retroz
Macaé, 3 de junho de 2008
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista número PETRO_CB337
Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha
P – Diz o seu nome completo, local de nascimento e data.
R – Meu nome completo, Cássio da Cruz Valente. Eu nasci em 14 de junho de 1959 aqui em Macaé mesmo, estado do Rio, né? Entrei na empresa dia 21 de abril de 1987.
P – Você nasceu em Macaé então. O que é crescer sabendo que tem essa Petrobrás aqui do lado?
R – Bem, isso não aconteceu, né? Macaé era uma cidade com um pequeno, assim, região de turismo, uma pequena, em termos de trabalho era um pequeno comércio, que também é uma região de pesca, né, e não tinha previsão nenhuma de Petrobrás vir pra cá. Tanto é que a maioria do pessoal saía de Macaé pra ir pra outros lugares, Campos, pra estudar na escola técnica, ou pro Rio, Niterói, pra fazer faculdade. Não tinha faculdade aqui também e não tinha nenhuma perspectiva de que isso fosse melhorar. Quando a Petrobrás veio pra Macaé aqui mudou tudo, né? Aí eu já estava com uma idade já, eu entrei na Petrobrás já com 20 e tantos anos. Entrei novinho. Então a perspectiva era sair daqui pra estudar e trabalhar em outro local, até a chegada da empresa, com todo o progresso e tudo que ela trouxe a partir daí.
P – Em que ano que você entrou na empresa?
R – Eu entrei em 1987.
P – E como era a empresa em 1987?
R – Bem, não era tudo isso que nós estamos vendo aqui hoje, né? É claro, tinha as diferenças. Eu entrei como auxiliar de segurança e trabalhava rolando cilindros de 180 quilos. Era um negócio complicado. Trabalhava direto. É uma empresa que é muito interessante porque eu entrei como auxiliar de segurança e hoje eu sou gerente de SMS. Ela dá condições daquelas pessoas que querem, crescer dentro da companhia e de procurar e de estudar, de aprimorar, de melhorar, de galgar até mesmo níveis gerenciais.
P – O que era isso, rolar cilindros?
R – Eu, quando falei rolar cilindros, eram cilindros de CO2, de 180 quilos, cilindros grandes que fazem parte da bateria de proteção de uma plataforma. Cilindros que têm CO2 dentro e a bateria de combate a incêndio, né? Então desciam aqueles caminhões, porque eram feitos por contratadas. Desciam os caminhões, pegavam esses cilindros, desciam nas plataformas, iam pra lá pra manutenção e voltavam, e nós é que fazíamos todo o processo de embalar, colocar dentro dos (skids?) pra mandar pras plataformas de volta.
P – Então você começou fora da plataforma, né?
R – Comecei fora da plataforma, trabalhando em oficina de segurança industrial.
P – E como foi o primeiro dia de entrar na plataforma?
R – Rapaz, é uma novidade, né, uma novidade porque é tudo novo. Você olha e anda pra todos os lugares, só tem água. E é um negócio assim, às vezes meio assustador, porque o piso é grelhado e você olha pra baixo, só vê água também. E é um negócio assim meio complicado. No início você fica assim meio amedrontado, fala: “Será que esse negócio não cai não?” Mas é muito gostoso quando você entra e vê uma cidade de ferro no meio do mar. É uma coisa muito interessante. Quem tiver a oportunidade de poder conhecer não pode perder porque é muito interessante, é algo único.
P – Você lembra do primeiro dia?
R – Lembro.
P – O que aconteceu?
R – Ah, eu cheguei lá na minha função. Você acha que sabe tudo e quando você chega lá pra trabalhar na sua função você vê que as coisas não são bem assim, né? Você tem que ter um aprendizado no trabalho offshore, você tem que conhecer linhas, fluxos de produto, é linha de óleo e gás pra tudo quanto é lado, equipamentos. Quer dizer, é uma cidade de ferro como eu falei, né? E você tem que aprimorar os seus conhecimentos, você tem que colar com pessoas que já conhecem, tem que ter humildade pra poder aprender o trabalho que vai ser realizado lá em cima. Tudo é novidade, é uma coisa muito interessante.
P – E o que você fazia lá?
R – Veja, eu sou da área de segurança industrial. Eu, quando vim pra Petrobrás, eu já tinha sido bombeiro de aeródromos. Então eu corri atrás de aeronaves, já corri atrás de Boeing no aeroporto internacional, já corri atrás de helicópteros, corri com caminhão bombeiro e corri a pé. Naquela época eu fazia aí 100 metros em 12 segundos, 13 segundos. Hoje eu faço em meia hora, com três contraturas, três distensões e outras coisas mais. Mas eu sou da área de bombeiro de aeródromo, né? E é uma área que eu digo o seguinte, é uma área de aventura porque você trabalha com muitas pessoas e às vezes acontece algo indesejável e você é obrigado a atuar. Enquanto as pessoas correm pra fora você, que é da área de segurança, corre pra dentro pra resolver os problemas, incêndios, acidentes, explosões, o que tiver. O que tiver de não conformidade dentro de um ambiente de trabalho você vai pra lá resolver, mas lembrando que nós somos condicionados e treinados pra isso, não vamos lá de qualquer jeito não, né? Você é condicionado, é treinado a atuar em momentos de sinistro, digamos assim.
P – Você lembra alguma situação especial?
R – Lembro. Eu tive várias situações dessa, mas uma me marcou muito. Eu me lembro que o flotel, que na verdade é um hotel flutuante, ele foi pra Plataforma de (Cherne 2?), ou melhor dizendo, Namorado 2, né? São os peixes, essas plataformas têm os nomes dos peixes lá. E nós íamos fazer um teste na (duble way?). A (duble way?) é uma ponte elevada que liga o flotel à plataforma. E nós íamos fazer um teste elevando a ponte porque, em casos de alarme, o flotel é obrigado a levantar a ponte e se afastar da plataforma. Eu me lembro que eu estava ali no local, no módulo dois, eu e mais alguns coordenadores, pra fazermos esse teste, quando eu vi uma porção de contratados correndo, saindo dos módulos de produção e correndo e passando pela (duble way?), onde pode passar de duas, três pessoas ao mesmo tempo, estava passando cinco, seis, sete, né? E eu segurei um deles, falei: “O que está acontecendo?” e ele só falava: “Fu, fu, fu, fu”. Eu: “Que fu, fu, rapaz?”. Aí ele: “Fu, fu” “Que fu, fu?”. Aí ele: “Fogo”. Até que ele conseguiu falar fogo. Eu falei: “Aonde, cara?” “Lá no módulo cinco”. Aí eu saí correndo pra lá. Cheguei na porta, eu fiquei assustado com o que eu vi. Um massariqueiro contratado cortou uma linha ligada aos separadores de óleo, água e gás. Ele cortou uma linha ligada a esse separador de 15 quilos de pressão de óleo vivo e ele estava cortando caixas de passagem no piso e ele acabou cortando a linha junto. E o quê que aconteceu? O óleo e gás saíram e teve um grande incêndio. As labaredas iam até o teto do módulo. O negócio estava feio. Então eu me lembrei que tinha liberado um trabalho pela manhã e solicitado uma mangueira de incêndio pressurizada para corte de (skids?) no módulo três, e esse módulo dos separadores é ao lado desse módulo três, é o módulo cinco. Então eu entrei e correu todo mundo, não tinha ninguém no local. Eu entrei com essa mangueira e comecei a fazer o primeiro combate. E eu me lembro que eu olhei pra trás, só via as cabecinhas de algumas pessoas na porta olhando, né? E eu comecei então, segurando a mangueira com uma mão e com o rádio na outra, comecei chamando o controle na plataforma pra que desligassem o circuito elétrico no módulo e chamasse a brigada de incêndio e tocasse alarme pra que a plataforma soubesse que estava havendo um acidente. E o pessoal que estava lá em cima lembra que o rapaz que estava no controle naquele momento, já até falecido, deu branco nele porque ele viu a gritaria no rádio e ele viu que era real, era um problema real, não um treinamento. E ele ficou sem saber como tocar o alarme, como ligar o sistema de dilúvio, que é o sistema de combate a incêndio do módulo, pra apagar o incêndio. E ele nervoso, sem saber o que fazer. E aí chegou o Fernando, que era um operador. Chegou por trás de mim: “Valente, o quê que está acontecendo?” Quando ele viu aquelas labaredas enormes eu gritei pra ele: “Corre lá embaixo no _____ e abre manualmente o sistema de dilúvio”. E enquanto isso as labaredas, né? Eu consegui controlar o fogo mas não acabar com ele de imediato. As labaredas eram muito grandes. E existe uma coisa que acontece entre as pessoas que combatem incêndio, bombeiros, eles criam uma intimidade toda com o fogo. É uma coisa que quem vê parece que está vendo uma loucura porque você fala com o fogo como se estivesse falando com uma pessoa.
E eu chamava ele pra briga, o fogo. Eu falei: “Vem”, e ele vinha. Era interessante, a labareda vinha no espelho do meu esguicho. Eu abria 60 graus pra combater o incêndio. Quando a labareda vinha pra cima de mim eu abria 90 graus pra me proteger, porque aí saía aquele arco de água e me protegia das labaredas. Mas o óleo espirrava pra cima e caía no que estivesse embaixo. Então estava tudo sujo de óleo. Se eu fosse atingido por uma labareda daquela com certeza eu teria virado uma tocha humana. E eu falava com o fogo como se estivesse falando com uma pessoa, como se estivesse brigando com uma pessoa. É muito interessante isso. Os bombeiros sabem o quê que eu estou falando. Bem, uma coisa que eu não tinha visto foi que o maçariqueiro, quando ele cortou ele largou o bico do maçarico dentro do fogo, próximo do fogo, e o conjunto do (oxiacetileno?), que é o gás, quando você faz o corte, estava na porta e o cilindro não tinha válvula corta-chamas. Então o pessoal gritou da porta: “Valente, olha o cilindro aí, olha o bico”. Quando eu olhei que eu fui ver, a linha passava por trás de mim e ia até o cilindro, e eu gritei pro pessoal: “Começa a puxar”. Enquanto isso o Fernando correu lá e abriu manualmente o dilúvio. O dilúvio é um sistema de canalizações que tem água sob pressão. Quando você liga ele sai água sob pressão e aí você não vê nada, é água pra tudo quanto é lado. Quando eu percebi que o dilúvio estava sendo aberto eu pedi ao pessoal que puxasse a mangueira de incêndio e o bico, a linha do (oxiacetileno?). Foi aí que eu vi o risco que eu passei, porque quando eu cheguei lá no cilindro, que eu meti a mão no cilindro, ele estava totalmente aberto e o bico lá no fogo. Se aquela linha tivesse queimado o quê que ia acontecer? Ia queimar o gás residual dentro da linha, ia até o cilindro, o cilindro ia engolir o fogo, ele ia explodir nas minhas costas, e eu todo sujo de óleo, com certeza eu não estaria aqui agora dando essa entrevista. Mas eu acredito muito no papai do céu. O papai do céu me protegeu naquela e eu atuei porque estava condicionado a atuar. A Petrobrás treina todas as suas equipes de emergência, ela prepara as suas equipes para esses momentos, né? Eles são indesejados. Nós cercamos tudo quanto é tipo de bloqueio e de segurança mas às vezes foge ao controle e acontece. Então, de várias emergências que eu passei essa foi uma que eu quase que, como eu falei, não estaria aqui agora conversando com vocês se papai do céu também não protegesse a gente.
P – Tem alguma história engraçada também, que você passou por lá?
R – Rapaz, tem sim. De vez em quando saía (pastinhas?), comunicados que tinha vazamento de óleo nas águas aqui no mar, perto de Cabo Frio, e na verdade era da lavagem de tanques de navios petroleiros que passavam ali e, em alto mar, eles davam uma lavada em seus tanques e esse óleo vinha bater aqui na Praia do Peró, na Praia do Foguete. E nós saíamos daqui, uma equipe grande, de todo o contingente do setor de segurança, antigo Segur, e nós íamos limpar as praias. Então ia aquela porção de homem vestido de macacão laranja, e chegávamos lá, era obrigado a ouvir os moradores xingando as nossas mães. Não podia falar nada, era quietinho, né? “Esses filhos da mãe da Petrobrás, esses filhos disso, filho daquilo”, porque sujava a praia. Então nós éramos obrigados, com pá, com enxada, nós começávamos a tirar aquele óleo. Só que quando a maré subia o quê que acontecia? Ela ia lá, pegava o óleo que estava na areia e levava pro mar. Nós limpávamos. Quando nós voltávamos no outro dia, você metia a pá na areia, tinha uma camada de óleo, uma camada de areia, uma camada de óleo, uma camada de areia. É um negócio complicado, né? E nós levávamos, junto com a gente, muitos contratados. E chegava na hora do almoço, nós comíamos em quentinha e rachávamos uma pelada, né? Então você imagina, numa praia, conhecida internacionalmente como Cabo Frio, aquela porção de homem, tudo vestido de laranja, com as roupas arregaçadas até o joelho, de bota, jogando bola na areia da praia, todo mundo sujo de óleo até a ponta do cabelo, porque você mexia com aquele óleo direto, né, se sujava. Todo mundo correndo atrás de bola na hora do almoço. Era muito engraçado aquela porção de homens brincando de bola, vestidos de macacão laranja e fazendo um trabalho desse. É um negócio muito bacana, muito legal, coisas do passado que hoje você, hoje quando eu penso naquilo eu sinto saudade. Hoje eu trabalho administrativamente e eu sempre digo pro pessoal o seguinte: “Olha, o meu tempo de aventura eu acho que acabou”, né, mas é coisas que trazem assim muita saudade. Era feliz e não sabia.
P – Você falou os nomes até de alguns amigos de trabalho, né? Como era o relacionamento assim com os amigos?
R – Rapaz, o relacionamento embarcado é uma coisa muito interessante porque você convive com essas pessoas durante 15 dias. Então, querendo ou não você cria um vínculo de amizade que se tiver acontecendo qualquer coisa você se sacrifica pra poder ajudar aquela pessoa. Eu me lembro, rapidamente falando, que nós fizemos uma vez um treinamento e pegamos um colega. Era um simulado, era um treinamento, mas quase ninguém sabia. Então pegamos um macacão, rasgamos, botamos silicone na pele desse rapaz e jogamos iodo no rosto, no braço. Então quem olhava assim parecia que teve incêndio e que ele estava todo queimado. E eu me lembro que nós botamos ele num módulo e soltamos um fumígeno. Fumígeno é o equipamento de identificação de casos de homem ao mar, você joga no mar e sai aquela fumaça, né? Jogamos dentro do módulo e acionamos o alarme de incêndio da plataforma. Então a brigada correu pro local. Quando nós chegamos no local, que os brigadistas que não sabiam que era um simulado se depararam com aquele colega caído lá, um deles sofreu uma crise nervosa. Ele viu o colega deitado lá naquele estado e ele começou, ele entrou em choque, ele começou a gritar: “Não, fulano, você não”, aloprou. Tanto é que a partir daí nós proibimos esses simulados dessa forma. Então isso mostra que o vínculo de amizade que a gente passa no dia-a-dia de trabalho numa plataforma cria uma amizade assim muito profunda, no sentido até de você, muitas vezes, se colocar em risco em prol do seu colega. Nós tivemos dois colegas que nós perdemos na P36, eram quase que dois irmãos, o Magela e o Mateus, né? Até hoje quando eu me lembro eu tenho que me segurar senão eu abro a boca porque eu digo pra todo mundo que eu não perdi dois amigos não, eu perdi dois irmãos. E nós criamos um vínculo de amizade tão grande que é aquele negócio. Pode parecer estranho o que eu vou falar aqui pra vocês, mas eu chorei durante muito tempo porque eu não estava lá pra, no mínimo, ter ido junto com eles. É um negócio interessante, né, porque nós somos brigadistas e nós temos que proteger uns aos outros, entendeu? Então até hoje eu sinto uma frustração de não estar lá pra, de repente, ter ido junto com eles. Eu sinto isso. É o que eu falei, são sentimentos que nós brigadistas sempre temos, que eu acredito que outras funções não têm. Mas nós que passamos muitas emergências juntos, nós sentimos muito esse negócio assim de amizade, de tentar passar por uma coisa pra que seu colega não passe, entendeu? É por aí.
P – E a família, como... Porque você ficava 14 dias embarcado, né?
R – Rapaz, isso é complicado porque você fica 14 dias lá, você... Um problema grande do pessoal embarcado é solidão. Você sente muita solidão porque você só fala por telefone e você... Passam coisas aqui em terra, por exemplo, acidentes com familiares, pessoas que adoecem, é filho que adoece e você não pode fazer nada, você está lá embarcado, e outras coisas mais, né? E é complicado. Mas eu me lembro também que minha filha quando nasceu, Isabelle, uma menina que eu adoro, eu chamo ela de “Meu bichinho de fubá” porque ela é branquinha e o pai é meio claro também, né? Eu sou meio amarelado, né, não branco. Mas quando ela nasceu eu me lembro que eu estava deitado num camarote, isso era meio dia, estava dando uma descansada depois da hora do almoço. E o telefone tocou, eu estava no segundo beliche, no andar de cima, e falaram: “Valente, sua esposa foi pro hospital”. Aí eu dei um pulo lá de cima e gritei: “Olha, arranje outro que eu vou pra Macaé nem que seja a nado”. E o Gepat, que também já faleceu, campeiro, falou assim: “Valente, oh, ta vindo a aeronave aí”. Eu aprontei minha roupa correndo e, eu posso dizer que este foi um dos dias mais felizes da minha vida. Quando eu cheguei no hospital ela não tinha nascido ainda e eu ouvi um choro lá dentro, quando a enfermeira saiu com aquela coisinha enrolada num pano verde, ainda suja de sangue. Era magrinha, nasceu magrinha. Ela nasceu com dois quilos e setecentos, só tinha olhos. E ela chorando e eu, a enfermeira, eu disse: “É minha, então dá pra mim”. Peguei ela no colo e comecei a falar com ela: “Nenequinha de papai”. Eu falava muito com a barriga da minha esposa, né? E ela parou de chorar e começou a procurar o som, porque eu acho que a criança ainda não está enxergando direito, não enxerga, né, mas escuta sons. E eu acho que ela conheceu a minha voz e ela começou, parou de chorar na hora e começou assim procurando de onde está vindo aquele som que pra ela deveria ser conhecido, que era a voz do pai dela, né? Pô, foi um momento assim, pra mim, como eu te disse, um dos melhores momentos da minha vida, que eu guardo até hoje, exatamente por que a gente trabalha embarcado, né, e você as vezes não sabe o que pode acontecer. Então foi lindo, foi uma coisa que eu não vou esquecer nunca mais. Muito lindo mesmo. É isso, a família é tudo, né? A família é o esteio de tudo.
P – E na plataforma tinha alguma brincadeira que vocês faziam entre vocês?
R – Rapaz, olha, na plataforma o pessoal brinca. Quando eu falo brinca o tempo todo às vezes o pessoal: “Pô não trabalha?” É claro que trabalhamos, e trabalhamos muito. Mas é aquele negócio, como o convívio é diário, o pessoal brinca muito porque é uma maneira também de passar o tempo. Então às vezes a gente prepara um banho. Deixamos um balde de água guardado. O colega vem subindo a escada, toma um banho. Eu me lembro de uma vez na escada, caiu um balde d’água em cima de mim e eu gritei: “joga a mãe”, caiu um monte de graxa no meu pescoço e eu saí correndo. Então existe muita brincadeira, né? É claro, as brincadeiras não são pra machucar ninguém, não é nada disso, mas o pessoal brinca exatamente pra ajudar também a passar o tempo, como eu já falei. E tem que ter. Tem que ter porque é aquele negócio, a solidão lá é brava. Você passar 14 dias longe de todo mundo da sua família que você gosta, você cria aquele vínculo de amizade com os seus colegas e vocês brincam, contam piada. Às vezes nós vamos pra determinados locais, como chamamos a “Toca das Ienas”. É onde os operadores se reúnem. Lá nós tomamos o café, comemos um biscoito, conversamos, depois cada um segue para o seu trabalho. E tem que existir. Tem que existir porque cria exatamente essa, sai um pouco da rotina, né, da rotina de trabalho. Então é necessário. Bem, como eu estava falando, no passado a gente teve emergências bravas, né? Nós fomos resgatar uma baleeira que estava à deriva e amarramos um cabo na extremidade de um rebocador e ela nos levou até o local onde estava o guindaste com uma balança, a balança é um travessão de ferro, de aço, com dois cabos de aço nas extremidades, então quando nós prendemos nas extremidades pra subir. Só que a corrente lá é muito forte, então nós conseguimos prender numa extremidade e não conseguimos prender na outra. Estava eu e mais dois contratados na baleeira, né? Então, no afã de tentar colocar na outra extremidade, de conseguir pegar o outro cabo, nós começamos a verificar que o rebocador começou se aproximando da onde nós estávamos. E eu chamei pelo rádio a equipe que estava lá em cima olhando e falei: “Olha, avisa o comandante da embarcação que eles estão chegando muito próximo”. E aí veio a notícia brava: “Oh, Valente, o comandante disse que o cabo”, a corda que tínhamos amarrado à baleeira e trouxe até aquele local, embolou no hélice e eles estavam sem máquina, sem motor, né, “está indo na sua direção”. E eu falei pros outros dois: “Está vindo na nossa direção, vamos rápido, vamos rápido”. Só que eu estava na extremidade exatamente de onde ela estava se aproximando do rebocador. E é um negócio assim tenebroso ver aquela embarcação enorme na qual a popa, devido às marolas altas, ela levantava e batia. E eu vendo aquele negócio eu querendo sair do cinto de segurança que eu estava fixado e não consegui porque fiquei nervoso ao ver aquele negócio, aquele monstro se aproximando. E eu tentando e o pessoal gritando: “Sai daí” “E eu não estou tentando, pô?” Aí eu consegui tirar. Quando eu consegui tirar e eu pulei pra cima da baleeira, eu saí exatamente do ponto onde ia haver o impacto. Na hora que eu pulei o rebocador bateu na extremidade da baleeira. Bateu. Quando bateu a baleeira foi empurrada no mar um pouco mais longe. Só que eu fui jogado pra cima. A primeira coisa que eu vi na minha frente foi o cabo da balança. Eu não perdi tempo. Eu estava de luvas e o cabo não estava engraxado, eu fiquei seguro no cabo de aço. Então você imagine, o rebocador de um lado, a baleeira do outro e eu no meio dos dois, segurando num cabo de aço, no mar. E o meu medo é que eu caísse no meio das duas porque, como a marola levantava a popa da embarcação, o meu medo era cair dentro d’água e ser sugado pra baixo do rebocador e levar uma cacetada em cima da cabeça, e aí seria fatal. Então o pessoal gritando: “Valente, sai daí, sai daí”. Eu falei: “Pô, se eu pudesse eu não estava aqui, gente”. Aí comecei a dar uma de Tarzan, né? Comecei balançando num cabo da balança e me atirei em cima da baleeira. Caí com os dois joelhos em cima da (baluastre?). Caí, do jeito que eu caí, fiquei. Uma dor terrível nos joelhos, os joelhos incharam na hora. Eu fiquei deitado lá e a embarcação foi levada à deriva, o mar foi levando lá pra Cherne 1, que fica a oeste, sudoeste da (Penha Dois?). Depois que a embarcação conseguiu tirar o cabo ele foi lá e nos buscou de novo eu mesmo com o joelho baleado, conseguimos prender as extremidades e nós subimos. Aí me levaram para o camarote e lá eu fui tratado. Vimos que não aconteceu nada, foi só um impacto, Graças a Deus, também não aconteceu nada, mas foi emocionante cara. Eu adoro essa vida de aventura, eu não trocaria por nada, adoro o que faço.
P – O que é ser petroleiro, Valente?
R – Olha, rapaz, no início, quando eu passei pra Petrobrás eu falei: “Poxa, Graças a Deus, meu futuro está garantido”. É porque quando você entra no mercado de trabalho, você procura encontrar uma empresa que te dê condições de trabalho, te dê garantias de trabalho, de estabilidade, inclusive um bom salário pra você ter uma vida tranqüila. Mas hoje eu vejo que não é só isso. Eu aprendi a amar a Petrobrás, rapaz, eu amo a Petrobrás, e se alguém falar mal dela perto de mim ta arriscado a ouvir poucas e boas e até coisas piores, né? Eu amo a empresa, ela me deu tudo que eu tenho, não só em termos de bens materiais mas conhecimento, treinamentos. Como eu falei, tudo que eu tenho hoje eu devo à Petrobrás. Então eu amo essa empresa, faço tudo que for possível por ela. Arrisquei minha vida várias e várias vezes pra manter a integridade dos equipamentos. Porque a (Penha Dois?) como eu já citei antes, foi um caso desse ai. Arrisquei minha vida lá e faria tudo de novo, sem nenhum tipo de arrependimento. Então ser petroleiro pra mim é tudo isso, né, não é só ganhar dinheiro não, só procurar galgar degraus e procurar cargos bons não, é você primeiro ter um sentimento de amor por aquela empresa que você trabalha, e eu tenho, cara. Eu tenho, não digo igual a minha filha, um amor assim que é diferente, mas eu amo a Petrobrás, é uma relação de amor antiga. E esses colegas meus que deram as suas vidas pela empresa no desenvolver das suas funções, das suas atividades, amam a empresa da mesma forma como eu. É algo muito bacana no sentido de você fazer por onde. Você trabalha fazendo tudo porque, não é porque você tem que fazer seu trabalho não, porque amanhã tem outra coisa pra fazer, não é isso. Você faz porque você gosta da empresa onde você trabalha, você gosta daquilo que você faz, você quer que a empresa cresça porque você ama essa empresa. É por aí.
P – O que você acha dessa iniciativa de recolher as entrevistas, os depoimentos?
R – Rapaz, eu acho importantíssimo, porque infelizmente nesse país, o país não tem memória, né? O brasileiro tem memória curta. Às vezes nós votamos em candidatos aí que fazem coisas no passado absurdas e nós votamos neles porque não temos memória. Então isso que vocês estão fazendo aqui, de pegar esses históricos de pessoas, dos trabalhadores, é guardar a memória da empresa. Talvez esses novos empregados que estão chegando agora, eles não conhecem o que foi a Petrobrás, a história da Petrobrás, o esforço que os empregados mais antigos tiveram para ela chegar onde chegou, né? Eu diria assim, o lançamento de pedras fundamentais dentro da empresa, tudo o que aconteceu, as pessoas que deram suas vidas para que a empresa fosse o que ela é hoje, né? Hoje nós somos detentores de produção e exploração em águas profundas em termos internacionais, somos detentores de recordes que nenhum país hoje possui. A empresa hoje descobriu, no pré-sal, as nossas reservas aumentaram assustadoramente e creio que tem muito mais coisa por aí. Então essa história o Brasil não conhece, o Brasil acha que nós somos marajás. Falavam isso na época do Collor, os marajás da Petrobrás. Eles não sabem como é que é o trabalho nosso lá em cima. É trabalho pesado, às vezes nós ficamos no ar, quando tem parada de produção, dois dias no ar sem dormir, o pau dentro, correndo ali, fazendo uma coisa com risco de vida e você fazendo laudos de segurança, dando treinamento pra brigadas de incêndio, o pessoal produzindo. É uma doideira, e isso pouca gente conhece. Então o que a Petrobrás está fazendo, que vocês estão fazendo aqui, é importantíssimo pra que as pessoas conheçam a história da Petrobrás, conheçam como é o trabalho do pessoal lá, off-shore, como é o trabalho do pessoal aqui em terra também, que é muito dinâmico, tem bastante coisa pra ser feita que é importantíssimo, é importantíssimo que a Petrobrás tenha sua história gravada, recontada pra que novas, como já falei, pros novos empregados e pro Brasil inteiro, para que o pessoal conheça o quê que é a Petrobrás, a grandeza da Petrobrás e a grandeza dos brasileiros que trabalham nessa empresa. Muito importante isso.
P – Obrigado, Valente.
R – Muito obrigado.Recolher