IDENTIFICAÇÃO Sou Giuseppe Bacoccoli, nasci em oito de outubro de 1941, na Itália, na localidade de Spoleto, hoje mais conhecido como uma cadeia de lanchonetes. Sou formado em Geologia, pela Escola Federal do Rio de Janeiro, na turma de 1964. CHEGADA AO BRASIL Meu pai veio para o Bra...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Sou Giuseppe Bacoccoli, nasci em oito de outubro de 1941, na Itália, na localidade de Spoleto, hoje mais conhecido como uma cadeia de lanchonetes. Sou formado em Geologia, pela Escola Federal do Rio de Janeiro, na turma de 1964.
CHEGADA AO BRASIL Meu pai veio para o Brasil, em 1957, contratado como engenheiro eletricista da General Eletric em Maria da Graça, aqui no Rio de Janeiro. Ele se transferiu com a família, para trabalhar como engenheiro na General Eletric. Eu vim com 15 anos de idade para ir morar na Ilha do Governador, onde resido até hoje. Estudei em colégio na Ilha do Governador e Geologia na UFRJ.
INGRESSO NA PETROBRAS Naquele tempo, tínhamos um único amor e um único emprego. Ainda no fim da universidade, a Petrobras nos procurava, nos entrevistava e tudo mais. Eu me lembro que tinha uma entrevista muito engraçada, onde o pessoal me perguntou se eu era brasileiro naturalizado, se tinha nascido no exterior. Perguntei se poderia trabalhar na Petrobras, e disseram: "À não ser que queira ganhar em dólar. Você pode”. Eu disse: “Não, eu não quero ganhar em dólar”. Eu fiz concurso para a Petrobras, fui até classificado na ‘seleção brasileira’ em quinto ou sexto lugar. Uma firma aqui do Rio de Janeiro me chamou para trabalhar, cheguei a ficar indeciso, porque na Petrobras era para trabalhar na Bahia, longe da família, e na outra empresa era para trabalhar no Rio de Janeiro. Fiquei nessa indecisão, mas depois de pensar um pouco, não tive dúvida. Então, o meu primeiro emprego foi a Petrobras.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL O pessoal da geologia tinha um curso introdutório muito curto. Chegamos à Bahia no início de 1965. Eu não sabia o que estava acontecendo. Você era geólogo de poço ou geólogo de superfície. Eu trabalhava em poço. Estavam juntando uma quantidade enorme de sondas oriundas de outras bacias brasileiras e levando para a Bahia. Depois de entender o que era exploração, o processo, eu fiquei sabendo que cheguei na Bahia exatamente quando havia uma decisão de remover boa parte dos equipamentos das bacias paleozóicas, no interior, e levar para as bacias cretácicas costeiras, das quais a Bahia era uma delas. Então, entendi o que aconteceu comigo, fui atropelado por um furacão e não sabia por que.
EXPLORAÇÃO NA BAHIA Nós chegamos na Bahia junto com vários outros colegas. Fomos mandados para um curso que devia durar dois meses e durou menos um mês. O chefe nos chamou e disse: “Vocês vão ter que interromper o curso. Vocês têm que trabalhar, porque está faltando geólogo em sonda. Vocês vão trabalhar”. O acontecimento era este, estava se concentrando sondas na Bahia, porque depois do Walter Link, os brasileiros tinham assumido, nos anos 60, o comando da exploração no Brasil e decidiram mudar a filosofia exploratória. Por isso imediatamente, praticamente sem curso, fui parar numa sonda, sem saber exatamente o que estava fazendo lá, tremendo de medo de não saber fazer as coisas. Realmente, não sei se sabia fazer. Supostamente, eu ia ter um geólogo mais experiente do lado, mas nem sempre tinha. Eu me lembro que cheguei à sonda e acordei de madrugada com três gringos imensos falando inglês, entrando no lugar onde estava dormindo, perguntando onde era para sentar o packer, uma ferramenta de teste de formação. Eu nem sabia o que era packer, onde ia sentar o packer. O outro geólogo não estava presente e depois fui saber que o capataz da sonda sabia de tudo. Mas eles vieram perguntar a mim, porque deveriam perguntar ao geólogo. Foram várias situações de aperto, mas que foram rapidamente ultrapassadas. Foram experiências e aprendizados fantásticos. Nessa altura, os estrangeiros da Petrobras já tinham saído. O pessoal do Walter Link estava saindo, tinha restado muito pouco. O grosso do pessoal da perfuração era empregado, geólogo da Petrobras. Havia muito estrangeiro nas companhias de serviços, que faziam perfilagem. Tinha a companhia de perfuração estrangeira, a companhia de teste de formação... Por exemplo, quem fazia teste de formação eram essas companhias: a Halliburton, a Schlumberger, a Delba Perfuração, das companhias francesas de perfuração. Tínhamos que falar inglês e francês. Nós ainda tínhamos alguns princípios de inglês, mas tinha que falar termos referentes a uma sonda, que nem sempre conhecia. Foi uma exposição séria e um curso intensivo muito rápido. Aprendizado ao vivo. Passei pouco tempo na Bahia, praticamente, três anos. Em 1968, era solteiro, era o predileto, o chefe adorava me mandar para os poços mais distantes. Trabalhei naqueles poços ao sul da Bahia, de Jequitinhonha ao Espírito Santo, poços longínquos. Quando era Bahia o poço era a 600 quilômetros da cidade, nos lugares mais afastados. Eu era solteiro, não tinha problema de trabalhar longe.
SEPLAL Em 1968, começou o zum zum zum que a Petrobras ia trabalhar no mar. Nós pensávamos: Meu deus do céu Como será trabalhar no mar? Soubemos que a Petrobras ia começar a trabalhar no mar. Lá pelas tantas soubemos que a Petrobras ia selecionar um grupo de profissionais que começariam a trabalhar no mar. Ficamos cheios de orgulho, porque foi dito que seriam os melhores empregados novos que iriam começar as operações no mar. Um belo dia chegou um telegrama, que tinha o nome de uma meia dúzia de colegas, geólogos de poço, que iriam trabalhar nos poços marítimos e o meu nome estava no telegrama. Estava escrito senhor Giuseppe Bacocoli, Guilherme de Oliveira Estrella, atual diretor de exploração, Modesto Dauzacker, Luiz Carlos Toffoli, Manoel Figueiredo. Enfim, um grupo de geólogos seletos que foram escolhidos. Imediatamente fomos chamados para sair dos nossos respectivos distritos – no meu caso o distrito unidade operacional da Bahia – e nos apresentarmos no Rio de Janeiro, onde iríamos servir em um órgão que poucos conhecem: Serviço Especial da Plataforma Continental, o famoso Seplal, órgão que deu o pontapé inicial aos trabalhos no mar. Era um órgão especial, ele funcionou mais ou menos dois anos e foi extinto. Depois, outros órgãos absorveram o famoso Seplal. Então, eram engenheiros de perfuração, geólogos... Naquele tempo era Serviço Especial da Plataforma Continental. Nós viemos ao Rio e começamos a trabalhar num edifício de esquina da Uruguaiana com Presidente Vargas. Foi alugado um andar daquele edifício pequeno, Edifício Tóquio, para o órgão.
ESPÍRITO SANTO SUBMARINO 1 / PRIMEIRO POÇO OFFSHORE A operação no mar era feita com sondas americanas contratadas, nos comunicávamos pelo rádio, era um horror. Chegava lá de manhã e chamava a sonda. A primeira sonda se chamava Vinegaroon. Você tinha que pegar o microfone: “Alô, alô. Vinegaroon, Vinegaroon, Vinegaroon”. Isso levava um bom tempo. Meia hora depois entrava um apito e alguém falava: “Fala, Bacoccoli”. Eu sempre dizia: “Como você sabe que é Bacoccoli?”. Ele dizia: “Pôxa, com a sua voz, todo mundo sabe”. Começamos a trabalhar nesse órgão no mar. Recebemos um treinamento adequado para isso. Embarcamos no primeiro poço, não tinha helicóptero, era lancha. Em um dia maravilhoso, dia de sol fantástico, saímos para o primeiro poço. Era junho de 1968 e o poço era Espírito Santo Submarino número 1: o primeiro poço do Brasil furado no mar.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Nós íamos de lancha, levava umas oito horas para chegar à sonda. Eu saí em um dia maravilhoso, numa lancha do porto de Vitória, eu e o Estrella. Estava um dia maravilhoso, um mar calmo no porto de Vitória, uma maravilha Eu disse: “Não tem nada melhor do que trabalhar no mar.” Quando nos aproximamos da saída do porto, a lancha americana começou a balançar. Daqui a pouco chegou o marinheiro e falou: “O comandante mandou vocês entrarem”. O Estrella disse: “Não vou entrar. Eu prefiro ficar aqui fora, respirar o ar puro”. Daqui a pouco voltou o marinheiro e disse: “O comandante disse que se vocês não entrarem, tudo bem, mas ele vai mandar fechar tudo, porque o pau vai comer”. Fechou tudo, as escotilhas, nós entramos e a partir daí entramos em mar aberto. As ondas, literalmente, passavam em cima da lancha. Estávamos com o limpador de pára-brisa ligado, o radar ligado, oito horas nessa agonia, todo mundo enjoado, um negócio terrível Chegamos à sonda e tinha um guindaste que nos pegava da lancha e nos içava para ir a bordo. Essa foi a nossa primeira experiência no mar. Aquela redinha, nós presos no alto, os tubarões dentro d´água e nós nessa aventura. Essa foi a nossa primeira experiência no mar.
TRABALHO EMBARCADO Naquele tempo, o sistema de trabalho era três por um; a cada três dias embarcado, tinha direito a um dia de folga. Significava um regime pior do que trabalhar no escritório, porque quem trabalhava na sede, em terra, tinha a cada cinco dias, dois de folga, trabalhava cinco dias e tinha folga sábado e domingo. Nós tínhamos três por um e um adicional baixíssimo, mas era a glória de trabalhar no mar. Isso foi no primeiro poço, onde embarcávamos, ficávamos 15 dias. Depois, desembarcávamos. Embarquei poucas vezes. A sonda era autônoma. Uma sonda americana, onde só se falava inglês. Aí começou nossa luta, porque a medida da profundidade era em pés, tudo era unidade americana, a unidade de volume era barris e se falava inglês direto, um inglês texano. Sabendo ou não, todo mundo a bordo era texano. Essa sonda Vinegaroon pertencia a Zapata Drilling Company. Muito tempo depois fui saber que o dono da dessa companhia era o George Bush pai. Eu tenho uma foto, hoje, que dou aula com ela: o Bush pai com um menininho ao lado, o “Bushinho”. Tem a mesma cara, a bordo de uma sonda da Zapata Drilling Company. Ele foi criado com o pai dono de uma sonda, uma relação incestuosa com a indústria do petróleo, o Bush pai era da indústria de petróleo. Mas naquela época não sabíamos o que era isso.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Tiveram cenas emocionantes, terríveis No primeiro temporal que nós pegamos a bordo tinham ventos de 100 quilômetros por hora. Eu disse: “Será que essa plataforma vai agüentar? Isso não vai virar?”. Os caixotes voavam em cima do convés... Um medo danado, não sabia o que era aquilo. Enchíamos a caneca de café, quando abria a escotilha, o vento esvaziava a caneca. Em um dia de sol apareceu o primeiro navio petroleiro da Petrobras. Naquele tempo, os petroleiros tinham as cores da Petrobras, hoje em dia são pretos. O petroleiro nos viu, veio em direção à nossa plataforma, com toda a tripulação em cima do convés, e apitou várias vezes. Deu uma volta em torno da plataforma apitando, foi a primeira vez que encontramos um navio petroleiro na plataforma. Aquele navio apitando dava vontade de chorar, foi um negócio emocionante esse tipo de cena.
TRAJETÓRIA / COTIDIANO Mas durou pouco tempo, porque embarquei poucas vezes, umas três vezes num período de 15 dias. A partir daí o chefe me nomeou supervisor de acompanhamento de poço. Eu passei a ter a seguinte função: mandava os outros embarcar. Sempre em poço offshore, dentro do Seplal. Eu mandava os outros embarcar, supervisionava o trabalho deles e, eventualmente, fazia uma viagem de inspeção pra ver como estava indo o trabalho, mas já não ficava mais a bordo. Eu mantinha a escala e dizia: “Amanhã você vai substituir o fulano e vai embarcar”. A partir desse momento comecei a trabalhar mais na sede. Um ano depois, o Seplal foi extinto. As operações no mar passaram a ser das unidades operacionais da Petrobras, que tomaram conta de terra e mar com outras operações.
No Rio de Janeiro ficou a parte nobre, de interpretação, de estudos e tudo mais. Eu fui imediatamente absorvido pra parte que fazia os estudos, chamava-se interpretação exploratória, na sede. Quando acabou o Seplal – não sei se foi prêmio de consolação porque acabou – me mandaram fazer um curso nos Estados Unidos. Fiz um estágio numa companhia americana e um curso no exterior. Na minha volta, já estava nos famosos grupos de interpretação de bacia, onde fazíamos os estudos geológicos e geofísicos, e dizíamos onde furar os poços. Mas não acompanhava mais os poços. Isso foi no início dos anos 70.
Em 1968, foi o primeiro poço. No início dos anos 70, eu já estava na interpretação. E aí começaram as coincidências dessa vida, porque tinha vários grupos de interpretação, de várias bacias, da Foz do Amazonas até a Bacia de Pelotas. Eu era o geólogo que cuidava de Espírito Santo e Campos. Em Campos ainda não tinha óleo. Éramos três colegas que cuidávamos de Espírito Santo e de Campos. Por sinal, sempre acreditei mais no Espírito Santos do que em Campos. Eu apostava no Espírito Santos mais do que em Campos. Em 1974, furamos vários poços secos. Nós dizíamos onde furar os poços na Bacia de Campos, nós submetíamos à nossa gerência, que aprovava a perfuração desses poços. Furamos vários poços secos. No terceiro poço deu indício, no sétimo teve um indício maravilhoso, mas o poço não conseguiu produzir, e no nono poço... O primeiro poço, o Rio de Janeiro 9 foi perdido por acidente mecânico, teve que se repetir a perfuração. O Rio de Janeiro 9 já era em águas profundas, 120 metros. Imagina? Hoje, para nós, águas profundas são 2000 metros.
DESCOBERTA DE GAROUPA
Mas qual é a definição de águas profundas? A Petrobras mandou construir um navio no Japão. Esse navio veio do Japão e estava cheio de problemas, o navio Petrobras II. Ele furou o poço do Rio de Janeiro 9, na Bacia de Campos. Com 3000 metros de profundidade, houve um acidente mecânico, uns tubos caíram dentro do poço e não se conseguiu retirar; o poço foi perdido. O pessoal da perfuração disse: “Bom, se já furamos o poço...”. Eu disse: “Não furou o poço. Ele foi até 3000 metros e nós queremos que vá mais profundo”. O objetivo inicial era para 3500 metros. Foi uma briga, insistimos que o poço fosse perfurado de novo inteiramente. Nessa altura, se furou o Rio de Janeiro 9-A. Essa letrinha “A” quer dizer que era repetição do original. Quando a sonda chegou a 3l00 metros de profundidade, 100 metros adiante de onde tinha parado o primeiro, encontrou-se o Campo de Garoupa, que produziu óleo. Nessa altura estávamos em fevereiro de 1974. Vamos ver onde estamos historicamente? O primeiro choque do petróleo foi em 1973, então, até lá o petróleo custava baratinho. Importava-se petróleo a 10 dólares por barril. O Brasil era um grande importador, mas o petróleo era barato. O segundo choque foi 1979. O petróleo ficou caríssimo e o Brasil não tinha petróleo, tinha que pagar uma fortuna para importar esse petróleo. Pagava-se muito caro por esse petróleo. Dizem que boa parte da dívida externa brasileira foi criada importando petróleo.
No meio dessa situação, nós tínhamos abandonado as bacias terrestres, porque não davam resultados. Tínhamos apostado tudo no mar, onde fizemos descobertas anti-econômicas em Sergipe e Rio Grande do Norte. Eram pequenas descobertas, mas pelo preço de petróleo na época eram anti-econômicas. O meu chefe era Carlos Walter, sempre foi meu grande chefe. Durante 20 anos ele foi o meu chefe, eu subia e ele subia mais, sempre estive abaixo dele. No meio desse insucesso, ele falava: “Bacoccoli, você é bom geólogo. Acho melhor você trabalhar em mineração, larga desse negócio, porque o Brasil não tem petróleo”. Em fevereiro de 1974, descobrimos o Campo de Garoupa, uma vazão do reservatório de calcário de mais de seis mil barris por dia de petróleo. Foi considerado um negócio fantástico, era o petróleo que esperávamos. Naquele tempo, não sei se ele era ministro das Minas e Energia ou se era presidente da Petrobras, o Shigeaki Ueki, festejou muito essa descoberta. A Petrobras festejou muito, pela primeira vez tivemos que ir a diretoria, ao conselho de administração, fazer uma exposição sobre a posição geológica onde tinha sido feita a descoberta e tudo o mais. Foi o grande acontecimento em minha vida, a descoberta da Bacia de Campos. Eu estava ligado, porque era o geólogo do grupo de exploração da Bacia de Campos. No grupo de exploração tinha um geofísico, um nisei, chamado Makoto Saito, eu, o geólogo da bacia, e um gaúcho, o Tessari, que era o estatígrafo. Nós três fizemos todos os estudos para chegar à conclusão que deveria furar naquele lugar para ver se achava óleo, e achamos.
ECOS DA DESCOBERTA No nosso grupo vibrávamos, teve muito chope, mas não teve nenhuma festa. Teve muita solenidade, entrevista a jornais, fomos levados para falar com o Shigeaki Ueki, com a diretoria, conselho de administração da empresa. Às vezes, o paletó não dava na gente, porque ainda não estávamos acostumados a usar paletó. Tivemos que usar paletó todo dia. Lembro-me da primeira vez que nos chamaram, o Carlos Walter disse: “Todo mundo vai para o conselho de administração fazer umas apresentações da descoberta de Garoupa”. Tivemos que tomar o paletó emprestado de um colega, porque não tínhamos, e o paletó às vezes não dava. Íamos lá conversar, tinham as comemorações, explicávamos para os conselheiros o que era a Bacia de Campos, o que podia significar para o Brasil a descoberta. As pessoas não sabiam o que ia significar a bacia. Ouvi frases muito engraçadas. Não vou dizer nomes, mas lembro que um dos conselheiros, por sinal um dos mais velhos, falou depois da apresentação: “Eu sabia que em Campos tinha que ter petróleo, porque em Campos tem cana. Já se chegou à conclusão que onde tem cana tem petróleo, porque lá em Alagoas, Sergipe e Bahia têm”. Eram afirmativas desse tipo. Mas é gostoso, isso faz parte do folclore do negócio.
TRAJETÓRIA PROFISSONAL Nesse ano de 1974 aconteceram dois fatos: descobrimos petróleo na Bacia de Campos e, por conseguinte, me tornei chefe. Não sei por que. Os nossos méritos nessas coisas são muito limitados. Eu poderia estar trabalhando na Foz do Amazonas, somente no Espírito Santo ou em outra bacia, mas estava incumbido da Bacia de Campos. Vou dizer com toda sinceridade, não vislumbrei naquela época o que era a Bacia de Campos, se você me falasse que ela produziria mais de um milhão de barris por dia, ia dizer que era lorota. A Bacia de Campos é o Oriente Médio do Brasil. Nós brincávamos: “A Bacia de Campos não é brasileira”, porque hoje, quando o Brasil já é suficiente, ela corresponde com 80 e tantos por cento da produção brasileira, e 80 e tantos por cento das reservas. É uma bacia fantástica Em função dessa descoberta começaram a me nomear para linha gerencial. E eu me casei. Aconteceram três coisas: fizemos a descoberta da Bacia de Campos, virei chefe e casei. Casei, por sinal, com uma colega da Petrobras.
CASAMENTO COM JOANA Nós trabalhávamos juntos na Petrobras. O nome dela é Joana Lúcia. Até hoje estou casado com ela. A minha vida mudou por completo por conta da Bacia de Campos. A Joana não trabalhava comigo. Trabalhava na linha administrativa e eu era geólogo da linha técnica. Quando nos conhecemos, ela trabalhava no Seplal. Eu a conheci, quando voltei ao Rio de Janeiro, de volta da Bahia, a encontrei no escritório, trabalhando na administração do Seplal.
DISTRITO DE CAMPOS Éramos três pessoas no grupo da Bacia de Campos. Em um instante passaram para 10, 20, 30 pessoas. Começávamos a pensar em criar o distrito da Bacia de Campos. Fui assumindo vários cargos na linha de interpretação das bacias, até que em 1979 foi criada uma divisão somente para mim, a famosa Divib, que o pessoal brincava dizendo que era a Divisão do Bacoccoli. Mas não era do Bacoccoli, era Divisão de Interpretação das Bacias. Era uma divisão que cuidava dos estudos em todas as bacias brasileiras, a partir daqui, da sede no Rio de Janeiro. Isso foi em 1979. O grupo da Bacia de Campos cresceu, se agigantou, até criarmos o Distrito de Campos.
COMPRA DA SEDE DA UNBC Eu fiz, junto com o Carlos Walter, uma viagem para Macaé, muito interessante. Ele disse: “Onde vamos botar nosso distrito em Campos?”, “Ah, vamos botar na cidade de Macaé, porque tem um porto”. Fomos visitar a Macaé para ver se tinha condições de abrigar uma sede de distrito e fizemos uma grande maldade para Macaé, porque fomos na melhor praia da época, perto de Imbetiba. Do lado da praia de Imbetiba tinha um terreno abandonado da Rede Ferroviária Federal e achamos que aquele terreno daria muito bem para construir a sede da Petrobras e construir um pequeno porto na praia. Voltamos ao Rio de Janeiro e o Carlos Walter determinou que fizéssemos gestões junto a essa Rede Ferroviária Federal para comprar o terreno, que foi comprado. Na praia de Imbetiba havia um terminal da Rede Ferroviária Federal, da Central do Brasil, porque tinha trem que ia até Macaé. E o último lugar, a estação de Macaé, ficava junto à praia de Imbetiba, bem perto da praia. Tinha uma base de manutenção de locomotivas muito grandes. Tinha uma colina no centro e uma casinha lá em cima, a casa do engenheiro residente da Rede Ferroviária Federal de Macaé. Só que nessa altura, o ramal de Macaé tinha sido desativado. Essa base de Macaé estava totalmente desativada, estava parada. Vimos a instalação e dissemos: “Dá perfeitamente para transformar essa base da Rede Ferroviária numa base da Petrobras". Esse lugar é onde hoje funciona a Unidade da Bacia de Campos. O Carlos Walter disse: “A única coisa que quero é que vocês não derrubem a casa do engenheiro, aquela casa lá em cima. Deixem essa casinha”. A casa está lá até hoje, é o serviço de comunicações da base de Macaé. O sistema de rádio está lá na casinha. Ele tinha gostado da casinha, porque era a casa do engenheiro. Ficou comovido com esse negócio e disse: “É a casa do engenheiro”. Não sei dizer precisamente quando isso aconteceu, deve ter sido por volta de 1979 ou 1980.
A base só podia ser ali, porque a cidade de Campos não tem porto, fica à beira do Rio Paraíba, não fica na costa. Em Atafona não teria condições de construir um porto. Teria condições em Búzios, mas seria uma tremenda sujeira fazer um porto em Búzios. A cidade de Macaé era o único local onde poderíamos fazer isso. Nós fomos tímidos na ocasião, porque não se antevia a verdadeira dimensão da Bacia de Campos, devíamos ter construído algo maior. Logo depois a Petrobras teve que começar a usar tanto o porto do Rio de Janeiro, como Niterói e Vitória como bases complementares de apoio, porque Macaé não dava mais conta. Não fazíamos idéia do que seria a Bacia de Campos. Aí vieram as descobertas, uma atrás da outra.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Vou encerrar o episódio de Macaé com uma passagem engraçada. Depois que resolvemos comprar o terreno, o conselho de administração da empresa, aqueles velhinhos, o Marechal Ademar de Queiroz e o Marechal Levy Cardoso, resolveram autorizar a compra do terreno. Para autorizarem essa compra, resolveram conhecer o terreno. Fizemos uma viagem que, para mim, foi gozadíssima, porque tivemos que levar os velhinhos para ver o terreno. Aquele tempo era depois dos anos de chumbo. Nós tínhamos dois marechais na comitiva, então, era uma fila de seis Opalas: carro de segurança na frente e carro de segurança atrás. O Exército e a Polícia Rodoviária nos escoltaram, eles haviam sido avisados. Nós tínhamos rádio, armamentos, agentes de segurança e tudo mais. Fizemos essa viagem do Rio para Macaé com os velhinhos. De vez em quando, os velhinhos pediam para ir ao banheiro ou para ver o panorama. Toda a comitiva encostava na beira da estrada, porque os velhinhos queriam parar. Essa viagem foi gozadíssima. Ao invés de visitarmos o terreno, eles quiseram visitar o quartel da artilharia da costa que está em Macaé. O Marechal Ademar de Queiroz tinha servido lá na artilharia de Macaé e quis visitar o quartel. Fomos recebidos pela tropa formada, uma cerimônia militar muito importante. Mas no fim se comprou o terreno.
BACIA DE CAMPOS / DÉCADA DE 70 Em 1979, estava na chefia divisão de interpretação das bacias, e veio o segundo choque de petróleo. Aí a coisa começou a pegar mesmo. O petróleo passou para 30 dólares o barril. Além de ser caro era difícil de achar. Nessa altura, o General Geisel era presidente, e ele começou a dar a seguinte sinalização: “O Brasil tem que aumentar os investimentos de exploração, para ver se resolve esse problema”. Havia os temores da equipe de exploração de receber mais investimento e não responder. Eu disse: “O Brasil de hoje é um país difícil, não tem petróleo. Vão querer investir mais e petróleo não é chuchu, que se plantando tudo dá”. Petróleo não é isso, depende de condições muito especiais, mas queriam investir mais para ver se resolviam o problema. E, no fim, chegou de Brasília uma sinalização: “É para aumentar substancialmente os investimentos de exploração e produção no Brasil”. Isso foi acontecer em 1980, um ano depois de estar na divisão de operação das bacias.
AMPLIAÇÃO DE INVESTIMENTOS Os meus chefes, na ocasião, o pessoal da diretoria, não concordaram: “É uma loucura o Governo querer investir mais. Vão jogar dinheiro fora”. O próprio Carlos Walter disse. Ele era muito temeroso, gostava de fazer as coisas com segurança. Bom, Brasília quer isso. Sobrou para mim, que estava abaixo dele, a missão de fazer um plano junto com pouquíssimas pessoas. Na verdade, uma pessoa da área de planejamento, o Pedro Pinho, foi o único que me ajudou. Sentei em uma sala durante um mês, mais ou menos, para fazer um plano que triplicava os investimentos de exploração no Brasil. Antes tínhamos cinco sondas na Bacia de Campos, passamos a ter quinze. Tudo foi triplicado. Nós planejamos de que maneira fazer isso, para ver se achava esse óleo. Foi colocada uma meta, um plano qüinqüenal, de 1970 até 1985. Foi colocada a meta governamental de se chegar em 1985 com 500 mil barris por dia. O Brasil produzia 250 mil ou 300 mil, chegar a 500 mil era dobrar a produção. Era considerado ousado. Guardei, até pouco tempo atrás, vários documentos dizendo para não fazer isso, porque seria uma loucura, que não íamos chegar lá.
BACIA DE CAMPOS / 500 MIL BARRIS Iniciaram os investimentos, foi uma loucura, não se dormia, se trabalhava fim de semana, se trabalhava sábado e domingo, porque 15 sondas perfurando poço exploratório na Bacia de Campos, era um horror Tinha que acompanhar esses poços e ver os resultados para dar os próximos passos. Isso foi feito e as descobertas começaram a ocorrer. A Bacia de Campos começou a responder, não fazíamos idéia do seu tamanho. Graças à Bacia de Campos, em 1984, o Brasil estava produzindo 500 mil barris por dia. Não é mérito meu, não é mérito nosso, é mérito da Bacia de Campos, uma tremenda de uma bacia de petróleo, fantasticamente boa, que nos atendeu e respondeu aos nossos anseios. Tudo funcionou maravilhosamente. O Ueki estava na presidência da Petrobras. Em 1984, chegamos a 500 mil barris por dia.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Houve num acidente terrível, porque se resolveu uma comemoração em Macaé, uma festinha em Macaé. Em apenas 10 anos da bacia, já estava produzindo 500 mil barris por dia. Foi determinado o seguinte: os jornalistas do Brasil inteiro pegariam um avião no Santos Dumont e seguiriam para Macaé, onde haveria uma festividade para comemorar a meta atingida dos 500 mil de barris. O avião era um Bandeirante, que levantou vôo num dia nublado aqui do Rio de Janeiro. Não esqueço esse dia, porque o avião estava cheio de jornalistas e bateu no morro de São João. Estava nublado e morreu todo mundo, todos os jornalistas morreram, foi um tremendo acidente. São João é a única montanha que tem no percurso para Macaé. O avião bateu e morreu todo mundo, no dia da comemoração dos 500 mil barris por dia. Esse fato me marcou muito.
INVESTIMENTOS E RESULTADOS Há algum tempo, eu tinha notado um fenômeno. O Carlos Walter não queria reconhecer que quando se aumentava os investimentos, fazendo um trabalho sério numa bacia, geralmente você tinha respostas maiores. Não chegava a ser chuchu, mas era meio chuchu. Havia uma relação entre os investimentos que se fazia e os resultados coletados. Isso era muito claro, desde aquele tempo que cheguei na Bahia, que vi aquelas sondas chegando da Bacia do Paraná, da Bacia do Amazonas e da Bacia do Parnaíba. Naquele mesmo ano, na Bahia se achou Miranga e Araxás. Eu comecei a desconfiar que havia essa relação, que foi comprovada na Bacia de Campos. É um negócio difícil de explicar: quando se aumenta os investimentos, você consegue fazer com que os técnicos superem seus problemas psicológicos. Eles conseguem derrubar paredes, quebrar paradigmas, quebrar modelos e partir para coisas novas. Geralmente isso dá certo. É um incentivo maior quebrar paradigmas, fazer algo diferente daquilo que sempre fez. Isso acaba dando certo.
Na Bacia de Campos, há muitos anos, Garoupa estava em 120 metros de lâmina d´água e Namorado estava a 150 metros. Tínhamos indicações claras de ir para as águas profundas. O Ueki não deixava. Uma vez nós aprovamos um poço de 300 metros de lâmina d´água, ele descobriu: “Vocês não vão furar em águas profundas”. Ele tinha uma frase: “Estou aqui para plantar feijão, não estou aqui para plantar carvalho”. Porque carvalho leva 30 anos para crescer. Ele disse: “Não tenho tecnologia para águas profundas. De que adianta descobrir em águas profundas?”. Ele descobriu que iríamos furar um poço em 300 metros e não deixou. Não sei dizer o nome do poço, mas era a leste, na proximidade de Namorado.
SISTEMA ANTECIPADO DE ENCHOVA Tem um episódio, em 1977. O maior poço da época foi o Enchova I, no Campo de Enchova.
Esse poço, Enchova I, produzia 10 mil barris por dia. Não tínhamos nenhum poço no Brasil que produzisse 10 mil barris. Hoje, Marlim Sul tem poço que produz 40 mil barris por dia. Mas para nós, 10 mil barris por dia, era meu deus do céu Nós falávamos: “10 poços desses são 100 mil barris por dia”. Estávamos lutando aqui para produzir 500 mil. Na ocasião, no Brasil, Enchova I era o poço que mais produzia, Então, se resolveu antecipar a produção no Enchova I, fixando uma semi-submersível nele e colocando o navio do lado com uma mangueira interligando, era o chamado Sistema Antecipado de Enchova. Esse sistema ficou famosíssimo histórico na saga da tecnologia brasileira, um negócio que os gringos disseram que não ia funcionar e funcionou. Esses FPSOs que estão por aí são descendentes do Enchova I. Então, o grande poço era Enchova. Mas nos anos de 1984, 1985, exatamente em cima do aumento dos esforços para os 500 mil barris de, conseguimos furar os poços de águas profundas e achamos os dois primeiros gigantes: Albacora, em 1984, e Marlim, 1985, os gigantões. Marlim é um campo que chegou a produzir sozinho, meio milhão de barris por dia.
MARLIM E ALBACORA Marlim foi a maior descoberta em caráter mundial. Não era mais a grande descoberta da Bacia de Campos, não era mais a grande descoberta do Brasil, era uma grande descoberta da indústria mundial. Nós fomos a um congresso, em 1988, na Offshore Tecnology, em Houston. Levamos os dados de Marlim e penduramos no stand da Petrobras. Tinha fila de americanos para ver os dados de Marlim, para olhar como era. Um campo com oito bilhões de barris, com óleo original, um negócio fantástico. E Albacora não ficava atrás. Logo em seguida veio uma série dos gigantes das águas profundas, no final dos anos 80. Por que não chegamos aos gigantes das águas profundas, se não tínhamos tecnologia? Com que diabos nós achamos as águas profundas? A grande motivação foi ter investido mais, ter tido maiores investimentos para resolver um problema do Brasil. Isso nos impelia a quebrar paredes, passar o trator por cima, quebrar paradigmas e vencer essas novas situações. O que realmente foi feito. Imediatamente, a engenharia brasileira correu atrás. Nós começamos a ter tecnologia para produzir nesses campos e chegamos onde chegamos. Se você me perguntar por que o Brasil é auto-suficiente, eu diria duas coisas: por causa do plano qüinqüenal, de 1970 a 1985, que virou a situação na Bacia de Campos, e por causa da Bacia de Campos, fundamentalmente. Isso mostrou que investindo no Brasil a coisa daria certo.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Pessoalmente, não vem ao caso, porque continuei fazendo praticamente as mesmas coisas. Mas a divisão de interpretação das bacias, da divisão do Bacoccoli, foi extinta também numa dessas reorganizações. No início dos anos 80, fui trabalhar no contrato de risco. Foi um episódio controvertido, quando a Petrobras foi autorizada a contratar companhias de fora para investir no Brasil. Foi um momento em que o Governo Federal achou que devia chamar investimentos estrangeiros e vieram as companhias de fora para investir no Brasil. Fui trabalhar com essas companhias de fora, cheguei a ser superintendente adjunto do contrato de risco.
CONTRATO DE RISCO A Petrobras fazia o que sempre fez e mais o que ANP [Agência Nacional de Petróleo] faz hoje – só que era feito dentro da Petrobras. Estudávamos, liberávamos e negociávamos esses blocos com as companhias estrangeiras. Era uma negociação extremamente difícil, sentar com uma companhia estrangeira e negociar um contrato para trabalhar no Brasil. Autorizávamos essas companhias a assumir a exploração desses blocos no Brasil. Essa fase durou no início dos anos 80 até 1985. Eu fiquei no contrato de risco e, em 1985, voltei para a exploração no Brasil como superintendente. Tinha sido chefe da divisão de interpretação e em 1985 já superintendente de interpretação e geologia, do departamento de exploração, onde fiquei até os anos 90.
No contrato de risco, tivemos lances interessantes, como, particularmente, o lance da Texaco. Lá pelas tantas apareceu o pessoal da Texaco para falar comigo, eu era superintendente-adjunto do contrato de risco, eles nunca haviam explorado no Brasil. A Texaco estava no Brasil há muitos anos como companhia distribuidora, tinha posto de gasolina. Eles chegaram ao Rio de Janeiro e pediram para analisar os dados da Bacia de Marajó, no Pará. Eu falei: “Mas a Petrobras já furou alguns poços em Marajó e aparentemente não tem nada que interessa”. Fui falar com Carlos Walter, e ele disse: “Bacoccoli, esconde os dados deles. Eles estão interessados, mas a bacia não presta. Não deixa eles perceberem que a bacia não presta”. Não dá para esconder dados. Tive que discutir os dados com a Texaco e ela achou que a bacia era maravilhosa, em que pese os dados desfavoráveis, e pediram para ficar com a Bacia de Marajó inteira. Fizeram a sísmica e começaram a furar poço. Disseram que a Bacia de Marajó teria, segundo a estimativa deles, 20 bilhões de barris de óleo e que seria do tamanho do Mar do Norte. Quando eles anunciaram isso, a Petrobras tremeu nas bases. Imagina, naquela época, se viesse uma companhia estrangeira e pegasse uma bacia que a Petrobras até certo ponto havia desprezado, e fizesse uma descoberta em terra, em Marajó, ao lado de Belém, onde tínhamos um distrito? “Nós estaríamos perdidos, isso é o fim da Petrobras”.
Fomos chamados à diretoria, eu e o meu colega superintendente, eu era o adjunto dele, com a seguinte ordem: “Vocês tem que negociar com a Texaco e dar um jeito da gente ser sócio”. Mas nós não podíamos ser sócios, porque o contrato de risco é uma figura jurídica e era no tempo de monopólio. O contrato de risco é uma figura jurídica que autorizava a Petrobras a contratar alguém para trabalhar para ela. Mas se nós nos tornássemos sócios, seria quebra do monopólio efetivo, porque não existiria mais monopólio. Isso nos rendeu algumas viagens aos Estados Unidos para conversar com o pessoal da Texaco em alto nível. O pessoal da Texaco foi muito receptível: “Se a Petrobras puder ser nossa sócia, será ótimo”. Só que o aspecto jurídico não autorizava isso e nunca foi possível. Os orixás nos ajudaram mais uma vez, porque nesse contrato de risco ninguém achou nada. Os orixás nos ajudaram, porque a Texaco furou meia dúzia de poços secos, profundos, e não teve nem um indício. Teve um indício, que até o presidente Sarney comemorou, mas foi uma seqüência de poços secos. Depois se soube, a boca pequena, não sei até que ponto isso é verdade, que a Texaco estava em situação financeira muito difícil e estava com as ações em baixa na bolsa. Ela lançou essa notícia de Marajó, que foi um impacto, e quando a notícia publicada saiu nos jornais internacionais suas ações foram para as estrelas. Salvou a companhia. Foi um golpe de marketing. Nós corremos atrás, comovidos, porque a nossa Petrobras ia acabar se a Texaco descobrisse um outro Mar do Norte.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Em 1985, retornei para frente de exploração como superintendente de interpretação de geologia. Foi uma fase muito boa, continuamos fazendo descobertas em várias partes do Brasil, descobrimos petróleo no Solimões, no Amazonas e em várias outras bacias. Eu trabalhava no Rio de Janeiro e tinha que supervisionar o que acontecia no Brasil inteiro. Viajava muito, era comum estar um dia no Amazonas e no dia seguinte na Bacia do Paraná. Atravessava esse Brasil de ponta a ponta. E assim foi até os anos 90, quando o preço do petróleo voltou a cair, os investimentos de exploração começaram a diminuir e fui mandado para o Cenpes. Foram os meus últimos anos na Petrobras, saí em 1997. Nos últimos anos de Petrobras, trabalhei sempre em atividades no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento, com desenvolvimento científico. Aliás, na Petrobras é muito bom fazer isso ou trabalhar em assessorias na sede. O último trabalho que fiz dentro da Petrobras foi uma organização da companhia, que levou a fusão da exploração e produção, o famoso E&P. Foi um trabalho muito bom de re-organização.
APOSENTADORIA Para você ver como as coisas na Petrobras são gozadas... Naquele tempo, entrou um plano de aposentadoria voluntária. Eles te colocavam na parede da seguinte maneira. Deixa eu voltar atrás, vou rebobinar um pouco. Em 1997, saiu a nova lei do petróleo, que acabava com o monopólio, abria para as companhias internacionais trabalharem no Brasil. Antes disso, já havia uma preparação para essa fase. A Petrobras começou a desacelerar os investimentos na área. Isso é típico, porque ia chegar o pessoal de fora para explorar, então, não precisava investir tanto através da Petrobras. É normal que isso aconteça. A Petrobras chegou a atingir 60 mil empregados diretos. A partir daquele momento começou a ter uma série de ações no sentido de reduzir o efetivo da Petrobras, junto com o negócio de reduzir os investimentos e efetivo. Começou a aparecer esses planos de aposentadoria voluntária, que eram mais ou menos o seguinte, o chefe chegava para você e dizia: “Se sair hoje, vai receber tanto”. Era uma quantia significativa. Para dar uma idéia: era o preço de um apartamento. Eu disse: “Se não se aposentar agora, a cada ano que você que esperar mais, esse valor vai diminuir. Simplesmente, você vai perder dinheiro.” Eu entrei nessa ratoeira, nessa chantagem: ou aposenta agora e recebe isso, ou não aposenta e não recebe. Em 1997, precisamente, assinei meu pedido de aposentadoria voluntária e saí da Petrobras.
TRAJETÓRIA PROFISSIOAL Dou aula na Coppe, na UFRJ. Deixa eu explicar o seguinte: a Agência Nacional do Petróleo tem um programa de desenvolvimento de recursos humanos patrocinado por eles. Tem alguns programas que são patrocinados. O pesquisador visitante da Coppe recebe uma bolsa da Agência Nacional de Petróleo. Eu sou pesquisador visitante da Coppe, pelo Programa da ANP. Ou seja, recebo uma bolsa da Agência Nacional do Petróleo para orientar pós-graduados da Coppe, voltados para setor de petróleo. Não trabalho mais em geologia, porque a Coppe é engenharia. Todos os meus alunos são engenheiros, a maioria dos meus alunos é engenheiro. Hoje, não trabalho somente com exploração. Trabalho com geopolítica do petróleo, estratégias da indústria do petróleo, economia e engenharia do petróleo, dentro da Coppe. Dou aula. Hoje de manhã mesmo dei aula. Dou aulas regulares em uma disciplina que se chama “indústria do petróleo”, onde tento explicar o que é a indústria do petróleo. Dou muita palestra sobre geopolítica do petróleo e aula de análise de bacia. Oriento alunos de pós-graduação, uma tarefa extremamente compensadora: pegar gente jovem, gente muito boa, e orientar o desenvolvimento de um trabalho na área de petróleo. Para mim, hoje isso é o que mais compensa: pegar um menino brilhante e ver ele começar a se iniciar no mundo do petróleo. E também, a partir de 1997, fiz algumas consultorias importantes para companhias nacionais e internacionais, sobre exploração e produção de petróleo no Brasil. Faço isso eventualmente. Mas fundamentalmente, o que hoje faço com mais gosto, é ser orientador dos meninos de pós-graduação da Coppe.
BACIA DO ESPÍRITO SANTO O trabalho de exploração é como o de um investigador, você é um detetive que segue pistas raras e escassas. Não são pistas diretas. O petróleo nunca disse “Olha eu aqui Olha eu aqui”. Você segue uma série de indícios e pistas, vai reunindo essas pistas, até: “Deve ser por aqui, deve ser por ali”. Esqueci de falar que quando estava na Bahia, trabalhei no sul da Bahia e também no Espírito Santo, em terra, como geólogo de poços. Furei os primeiros poços no Espírito Santo em terra. Nesses primeiros poços no Espírito Santo já descobri óleo, em 1969, na descoberta de São Mateus. Era um campo comercial em terra no Espírito Santo. Descobrimos indícios nos poços que acompanhei e nos poços seguintes começamos a descobrir campos comerciais. Era em uma bacia onde já tínhamos produção. A Bacia do Espírito Santo já tinha óleo nessa época, ainda não tinha em Campos. A grande diferença é que se achava que o Espírito Santo tinha muito mais chance. Agora, por razões de geologia da bacia, a parte marítima da Bacia do Espírito Santo só acabou respondendo muito mais tarde. Agora está respondendo adequadamente. Naquele tempo, a Bacia do Espírito Santo, em águas rasas, não respondeu bem.
Na Bacia de Campos, não levava tanta fé. Realmente, começou no Rio de Janeiro 3, o terceiro poço que furamos, que deu indício muito bom. O poço importante foi o Rio de janeiro 7, que encontrou um reservatório de 200 metros de calcário com óleo, foi o grande indício da Bacia de Campos. Do sete para o nove foi um pulo. Até hoje tenho guardado comigo as fotos do teste de formação Rio de Janeiro 9, ninguém tem na Petrobras. A revista manchete conseguiu fotografar esse teste e mandei pedir as fotos diretamente a Manchete, quando ela ainda existia. Eu tenho as fotos e os slides do poço testado. Tenho um quadro na minha casa, que a minha mulher não gosta muito; ter dentro de casa um quadro com um navio de perfuração queimando óleo, não é um assunto muito agradável. Mas essas coisas a gente guarda.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS O mar brasileiro é desconhecido, a bacia marítima é desconhecida, então, todo dia no Seplal mandávamos fazer os levantamentos sísmicos. Todo dia chegavam as linhas sísmicas de bacias nunca antes vistas. Era um verdadeiro ritual, a gente se sentava no Rio de Janeiro, com o Carlos Walter e as outras pessoas: “Acabaram de chegar as linhas da Foz do Amazonas”. Hoje, as linhas são vistas no terminal, numa workstation. Naquele tempo, as linhas sísmicas eram de papel; abríamos aquele rolo de papel, olhávamos a linha sísmica com aquela infinidade e víamos aquelas coisas que nunca tinham sido vistas antes. Éramos apresentados pela primeira vez. A Petrobras nos deu oportunidade, porque era a primeira vez que um ser humano via conformação geológica e geofísica de uma bacia nunca antes vista. Isso era em Campos, Espírito Santo, Foz do Amazonas, Bacia de Santos etc. Todo dia chegava uma bacia, abríamos, olhávamos, discutíamos o que podia ser: isso ou aquilo. Isso dava uma emoção e uma sensação de ignorância fantástica. Algumas coisas que víamos naquela época, não sabíamos o que eram. Simplesmente não sabíamos. Eu falo com toda a sinceridade, na saga de aprendizado tecnológico, a Petrobras era fantástica. Já me pediram para escrever esse livro e, infelizmente, não escrevi, sobre tudo que fizemos de errado por desconhecimento, coisas fantásticas.
Para assentar a primeira plataforma do primeiro poço no mar, precisamos usar três navios. Era um navio da geodésia, que tinha umas antenas a bordo para medir a latitude, e a longitude, para dizer a posição de onde ia assentar. Era um navio que carregava uma bóia do tamanho dessa sala, uma bóia gigantesca. Tinha um navio com guindaste para lançar a bóia no mar. Hoje isso é feito em um barco com GPS, aquele sistema de posicionamento. Aperta-se um botão para jogar uma bóia pequena no mar. A evolução foi um negócio fantástico. Não sabíamos trabalhar no mar, não sabíamos o que eram as coisas. Foi um aprendizado constante. O que me chamou atenção e me emocionou profundamente foi a Bacia de Campos. Confesso que sempre me senti meio inseguro a bordo de um helicóptero. Gostava muito de ir perto do piloto e, para não ficar inseguro, ficava olhando o radar e os instrumentos. Inicialmente, quando íamos para o mar, uma unidade aparecia no radar, uma plataforma lá longe. Víamos aquele pontinho luminoso que ficava lá girando, parecia um pontinho luminoso. Passado alguns anos, aquele radar inteiro ficou todo iluminado. Tinha dez pontinhos luminosos, dez plataformas. Passado alguns anos, aquilo parecia uma esquadra de navios. Isso me deixava profundamente emocionado, ver uma bacia crescer desse jeito, uma bacia no mar. Temos casos aos montes, mas as principais coisas a dizer são essas.
CAPACIDADE BRASILEIRA Mais um ponto que queria dizer, algo que vejo na universidade, acho que o brasileiro não se compenetra. O brasileiro não é só bom em futebol e samba. Por razões que não saberia analisar agora, somos talvez o único país em desenvolvimento que detém os conhecimentos técnicos de toda cadeia produtiva da indústria de petróleo, com nicho de excelência. O Brasil é um dos raros países, não conheço outro – e olha que já andei por esse mundo afora. Nós somos capazes de fazer geologia, geofísica, perfurar os poços, colocar esses poços em produção em águas profundas, na Amazônia, onde quer que seja, produzir esse óleo, produzir o gás, refinar e distribuir, fazer os dutos, transportar em navios, sem precisar de ninguém. Essa é uma capacitação que foi desenvolvida no Brasil. Acho que na Venezuela não tem essa capacitação, embora seja um grande país produtor de petróleo. No México não tem. Não estou querendo fazer desfeita com nenhum desses países, mas o Brasil desenvolveu isso. Além de sabermos fazer, temos um nicho de excelência. Por exemplo, no nicho de águas profundas, somos melhores do que os outros. Temos mais capacitação, sabemos fazer tudo nesse negócio, com excelência. O diretor do Instituto Francês do Petróleo, quando nos visitou no Centro de Pesquisa, numa certa ocasião, disse o seguinte: “Na França, gastamos em investimento alguns poucos milhões de dólares. Nós gastamos em pesquisa e desenvolvimento. Nos Estados Unidos gastam dez vezes mais. Evidentemente, se os Estados Unidos gastam dez vezes mais, nós não pretendemos, jamais, estarmos acima dos Estados Unidos. Não é minha intenção estar acima dos Estados Unidos. Quero ficar por aqui, ombro a ombro. Enquanto estiver ombro a ombro, está bom”. Eu me lembro disso, porque estamos abaixo do Instituto Francês do Petróleo. Mas estamos ombro a ombro em tudo: no refino, na exploração, na produção. Essa capacidade que o brasileiro teve de trabalhar, estudar e aprender, é fantástica.
IMAGEM DA PETROBRAS A Petrobras representa uma grande mãe. Quando estava na Petrobras, sempre usava uma frase, porque o pessoal me dizia: “Você tem coragem de ir para Urucu ou para o meio da Amazônia ou para a plataforma não sei de onde?”. Eu respondia assim: “Com a Petrobras vou até no inferno”. Porque se a Petrobras me disser: “Você vai para o inferno”, eu vou com a Petrobras, porque ela vai me dar suporte. Eu chegava ao Rio Urucu e encontrava assistência médica, comunicação para poder ligar pra minha casa, amigos, alimentação, segurança. Se você me disser que uma companhia de mineração vai para o Amazonas, eu não vou, sei o que é uma companhia de mineração, sei dos perigos de ir lá. Com a Petrobras vou até no inferno. A Petrobras representava segurança, uma infra-estrutura fantástica de apoio e a grande chance, desde os primeiros dias na Bahia, de aprender. A fase inicial da Petrobras era missional, muito diferente do que é hoje. Eu vi a Petrobras de quando entrei. A Petrobras de quando saí era muito diferente. Quando entrei na Bahia estava numa missão, uma missão do país. Você se orgulhava de ficar no dia de natal na sonda, e não é raro passar o natal na sonda, especialmente, porque era solteiro. Havia um pacto: o solteiro ficava no natal, e fim de ano e carnaval ficavam os casados. Passávamos o natal na sonda e comíamos uma marmita, coisas de natal. Mas estava escrito em cima: “A Petrobras é grande, vamos fazê-la maior”. Era legal passar o natal lá, comendo essa marmita. Quando saí já era a Petrobras dos grandes negócios, dos grandes investimentos, uma Petrobras diferente.
A Petrobras é um negócio fantástico. Não quero criticar a Petrobras, mas quero dizer uma algo que sempre fiz. Uma vez li um livro sobre os jesuítas e existe aquele negócio da “ordem jesuítica”. Existem quatro níveis de obediência. Primeiro, você obedece aos seus chefes. Depois de obedecer, no final eles diziam: “Todo o seu pensamento será dominado pela ordem e você só pensará a favor da ordem”. Isso levava até àquela discussão sobre os jesuítas: será que era lícito pecar em favor da ordem ou seria lícito matar alguém? Eu senti muito isso no final de tempo na Petrobras. Desculpe, não é a Petrobras, não posso falar que era a Petrobras. Eu senti muito em algumas pessoas na Petrobras, indo para o caminho dos jesuítas. Isso eu me recuso. Respeito a Petrobras, admiro a Petrobras, considero como a minha grande mãe e ao mesmo tempo professora, mas me recuso a não exercer o direito que tenho de eventualmente criticar algo, o que tenho feito. Os meus colegas da Petrobras têm me alertado várias vezes e disseram: “Rapaz, você outro dia...”. Eu falo muito com jornalistas, porque na Coppe tem serviço de assessoria e, de vez em quando, faço uma crítica à Petrobras. Eu faço com toda sinceridade, não querendo, absolutamente, criticar por criticar, mas simplesmente por achar que naquele episódio penso de uma maneira diferente. Excetuando esse aspecto de não querer ser jesuíta, está tudo bem.
MEMÓRIA PETROBRAS É uma grande satisfação estar aqui. Eu queria te agradecer por ter motivado essa conversa. Evidentemente, num prazo desses não deu para conversar tudo o que tínhamos para conversar. Mas foi bom para caramba Eu acho que deu para perceber que gosto de falar essas coisas. Se não gostasse, não estaria aqui. Foi um prazer, uma satisfação.Recolher