IDENTIFICAÇÃO Mário Carminatti, gaúcho de Estrela, eu nasci em 25 de maio de 1954. FORMAÇÃO Sou geólogo, com PhD em Estratigrafia, pela Universidade de Parma, na Itália. Eu me formei pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, em 1977. INGRESSO...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Mário Carminatti, gaúcho de Estrela, eu nasci em 25 de maio de 1954.
FORMAÇÃO Sou geólogo, com PhD em Estratigrafia, pela Universidade de Parma, na Itália. Eu me formei pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, em 1977.
INGRESSO NA PETROBRAS Ingressei na Petrobras no início de 1978, em Belém do Pará. Minha atividade era de geólogo de campo, cuidando das bacias paleozóicas do Amazonas e Solimões, e da parte marítima, desde a plataforma do Maranhão até Cassiporé, na fronteira norte do Brasil. Foi meu primeiro trabalho.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Na época em que ingressei, a Petrobras passava por uma transformação dos modelos geológicos. Começava-se a discutir a sedimentação das águas profundas. Águas profundas, em 1978, eram de 200 a 400 metros; hoje estamos explorando acima de 2 mil, 2.500 metros de lâmina d’água. Eu já me interessava por essa sedimentação, por esses modelos geológicos. E coincidiu de a Petrobras aos poucos concentrar atividade exploratória, antes bastante espalhada pelo Brasil, nas bacias paleozóicas em terra, notadamente a bacia do Solimões e toda margem equatorial. Essa atividade foi se concentrando na área marítima e, notadamente, para a Bacia de Campos, onde começavam a aparecer os primeiros sucessos exploratórios. Eu era muito novo, quase sem nenhuma experiência de campo, fui selecionado pelos meus superiores para trabalhar na interpretação da Bacia de Campos, no Rio de Janeiro, aqui no Edise.
ROCHAS RESERVATÓRIAS Na verdade, um leigo precisa compreender o seguinte: tira-se o petróleo de rochas reservatórias, que tem uma porosidade e permeabilidade. O petróleo ali acumulado é extraído. Na metade dos anos 70 começava no mundo um movimento científico que mostrava que além dos deltas – quando o rio chega na praia formam-se os deltas – chegavam sedimentos arenosos que poderiam formar rochas reservatórias. A Petrobras acreditou nisso e começou a montar uma equipe, que aos poucos foi se especializando nesse tipo de sistema deposicional e na formulação de modelos geológicos baseado nesse conceito. A Petrobras investiu muito nesse conceito. Ali começa a se formar a imagem que nós temos da Petrobras hoje, de uma companhia de águas profundas.
Quebraram um paradigma em que se explorava petróleo no mar, próximo às linhas da costa, em sistemas impulsionais deltáicos, como nós geólogos chamamos. Quebrar esse paradigma e chamar a atenção da diretoria da companhia, que era importante explorar em águas mais profundas, trouxe com o tempo essa marca Petrobras como uma companhia de águas profundas. A exploração desses sistemas puxou a tecnologia da companhia, porque uma vez que você descobre petróleo em águas profundas e ultra-profundas, vem a necessidade de um desenvolvimento tecnológico, e o salto é a Petrobras que conhecemos hoje.
TURBIDITOS Basicamente, estamos tratando da rocha reservatório, de o fato de ter possibilidade geológica de encontrar nas atuais águas profundas sedimentos não-deltáicos e não fluviais. Nós geólogos chamamos esses sedimentos de “turbiditos”. Encontrar esses turbiditos, esse motor, essa idéia, transforma a Petrobras, principalmente nos anos 80, quando vai definitivamente para as águas profundas de Campos.
AUTOSSUFICIÊNCIA Havia uma preocupação muito grande na aplicação correta dos recursos probatórios, no sentido de não apenas abrir fronteiras, mas concentrar em descobertas. Foi um ponto importante, porque aí nasce também a perspectiva da auto-suficiência. Talvez seja a primeira semente, no meio técnico, da auto-suficiência, se vislumbrava essa possibilidade no início dos anos 80 e final dos anos 70. Com a descoberta de Marlim, em 1984, desencadeia um processo de descobertas de “gigantes” , onde hoje se sustenta a auto-suficiência da Petrobras. Do Brasil, na realidade, mas pelo trabalho forte e exclusivo da Petrobras.
GRANDES DESCOBERTAS Na verdade, não trabalhamos com a descoberta de A, B ou C, ou de fulano e beltrano. Trabalhamos com a descoberta das equipes, da Petrobras. Essas descobertas não têm um “pai”. Eu tive sorte de estar no lugar certo e na hora certa, e de ter tido o privilégio de trabalhar em uma equipe única no mundo, em termos de capacidade. E aí foram descobertos os campos gigantes de Marlim, Albacora, Roncador, Marlim Sul. No início, participavam da equipe pessoas que hoje já estão aposentadas, algumas falecidas. Não gosto muito de citar nomes, mas para pergunta não ficar sem resposta: falecido Ferradaes, falecido Lobo, Egon Meister, [Roberto Gamarra] Morales, [Guiseppe] Bacoccoli, [Celso] Lucchesi, Lincoln [R.Guardado], [Luiz Carlos] Tufou, [Sérgio] Possato, Kaoru [Tsubone], João Victor [Campos], Paulo Camargo, [André] Romanelli, e um cem número de pessoas.
COTIDIANO DA EXPLORAÇÃO Fantástico. Indescritível. Ser intérprete e trabalhar em exploração de petróleo é viver com constantes níveis altíssimos de adrenalina. É impressionante, porque a cada poço que perfura, você testa uma idéia. Você tem uma idéia e em três meses sabe se estava correto ou não. Quando se sabe que essas idéias – estou me reportando aos anos 70 e 80, inclusive o início dos anos 90 – eram fundamentais para a auto-suficiência do país, para ter um país independente em termos de energia, tratando-se especificamente de petróleo, pode-se imaginar o entusiasmo que essas equipes tinham em gerar e testar essas idéias, tendo como resultado as descobertas de petróleo dos campos gigantes. Mas não podemos esquecer que, paralelamente a descoberta dos gigantes, outras equipes estavam descobrindo outros campos. Talvez não tão grandes, mas com uma importância imensa na montagem do volume de petróleo que a Petrobras tem hoje.
INTEGRAÇÃO DAS EQUIPES Esse é outro ponto fundamental no sucesso exploratório da Petrobras: a disseminação do conhecimento e formação na massa crítica. Embora seja natural que em cada equipe existam os expoentes, a Petrobras tem sucesso em função da sua massa crítica técnica, falando especificamente na área da geologia. Há um nível alto de conhecimento. Para que isso ocorra, a inter-relação ou disseminação do conhecimento, é uma preocupação constante dentro da área de geologia. Se tivermos um colega trabalhando no Rio Grande do Norte e outro em Santa Catarina, em algum momento, por alguma ação da companhia, estarão trocando idéias e experiências entre eles. Com o tempo isso eleva a massa crítica. O conhecimento de um e a experiência de outro diminui o risco exploratório, e o sucesso vem naturalmente. Na nossa atividade, todo projeto é discutido no meio técnico e, posteriormente, aprovado por uma comissão técnico-gerencial. São chamados representantes de todo o Brasil, que vêm ao Rio de Janeiro. Estou falando agora de um hábito atual, mas tínhamos isso no passado também, trazíamos pessoas das várias unidades para apresentar seus projetos aqui no Rio de Janeiro. Você cria um fórum de discussão bastante amplo, onde as experiências são trocadas com o objetivo de aprovar um projeto com sucesso.
DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIA Posso colocar de uma maneira bastante simples: a área de interpretação, que mexe com a geologia e a geofísica, sai na frente e busca o petróleo onde estiver. Ali você é obrigado a estar constantemente com a cabeça aberta, buscando horizontes novos. Há toda uma ciência em evolução constante e você tem que dominar isso. A partir do momento em que você descobre, traz consigo todo o desenvolvimento de uma tecnologia para produzir aquele petróleo. Uma empresa – vamos citar como exemplo – habituada a explorar e produzir até 200 metros de lâmina d’água, muda completamente a sua estrutura tecnológica na hora que é obrigada ou levada à produzir petróleo a 1500 metros de lâmina d’água. As condições físicas são completamente diferentes, as condições logísticas, tecnológicas, a resistência de equipamentos... Tudo isso é modificado e entra em evolução. Fica muito difícil precisar se foi esse ou aquele ponto que tiveram uma evolução maior. Tudo evoluiu de maneira bastante homogênea. A Petrobras tem seus projetos de companhia tipo Procap, Provap e Profex, exatamente para sustentar todo esse avanço tecnológico que é necessário para transformar algo descoberto em óleo produzido. De uma maneira genérica, seria isso.
METODOLOGIA Naturalmente, avaliar uma evolução metodológica é sempre mais difícil do que quantificar, por exemplo, a construção de uma plataforma de 200 para mil metros de lâmina d’água. É mais difícil medir a construção metodológica. Mas vou tentar colocar de uma maneira bastante clara. Na geologia do petróleo, na hora que um intérprete monta o projeto – ou seja, na hora em que concebe um projeto para ser perfurado e para tentar descobrir uma acumulação de petróleo –, ele lida com alguns elementos fundamentais, que são os tijolos da construção dele: o reservatório, uma rocha selante, uma estrutura, a migração desse óleo, desde o gerador, até essa estrutura com reservatório, e com um elemento que se chama tempo. Ou seja, a estrutura, o reservatório e o selo devem estar prontos no momento em que o óleo migra da rocha geradora para o seu reservatório, que virá a se tornar um campo. Toda a metodologia e desenvolvimentos metodológicos, na área da exploração, visam evoluir na lida com esses elementos, que são sempre os mesmos. Se tiver uma rocha geradora que está a cinco mil metros de profundidade e tenho um reservatório que vai coletar o óleo gerado em três mil metros, tenho dois mil metros de caminho e preciso fazer com que o óleo chegue a esse ponto. Um grande avanço metodológico foi saber lidar de maneira física, saber mapear esse caminho, desde que o óleo sai até o momento em que chega. Isso é uma especialidade extremamente elevada, que utiliza conceitos de geoquímica, geofísica, física, matemática, e da própria geologia. Metodologicamente, o que estamos fazendo? Estamos tentando evoluir sempre, descobrindo quais são as rotas preferenciais do petróleo. Esse é um quebra-cabeça diário. Lidamos com isso todo dia. E todo dia aparece uma forma diferente de ver isso, mais evoluída, uma tecnologia que ajuda o método, um avanço no método. De tal forma que muitas vezes se confundem: técnica, método e experiência. No fundo, voltamos à massa crítica, um grupo que tem especialidades e especialistas de todas as áreas, de todos os segmentos e de toda a ciência, que se juntam para fazer uma descoberta.
RELAÇÃO GEÓLOGOS - ENGENHEIROS Essa é uma relação constante e extremamente necessária. O processo todo envolve desde a ciência, o modelo, a geração de uma idéia, até chegar ao final e construir um sistema que produza aquele petróleo. Nesse princípio estão, principalmente, os geólogos e geofísicos. Nesse segundo segmento entra todo o universo da engenharia, que também é extremamente complexo, existem “n” especialidades na engenharia nesse campo. O nosso relacionamento é muito próximo, porque de nada adianta descobrir uma acumulação de petróleo se não tenho condições de retirar. Toda essa questão da evolução da engenharia marítima está relacionada com o nosso dia-a-dia. Temos um relacionamento diário com os engenheiros e com esse universo de complexidade imensa, um necessita do outro, e isso forma a equipe Petrobras.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Existem tantas histórias importantes que vivenciamos... Vou começar por Belém, quando fui à Belém do Pará. Viajávamos muito de helicópteros, demais Quando fazíamos Cassiporé, saíamos de Belém com um monomotor ou um bimotor, íamos para a base da Segunda Guerra no Amapazinho, no Amapá mesmo. Chegávamos de avião, que tinha que sobrevoar para o gado sair da pista. Era uma pista do tempo da Segunda Guerra, totalmente tomada por pasto. Dormíamos ali de noite, usávamos dois mosquiteiros, porque o ataque dos mosquitos era impressionante No dia seguinte, tomávamos um helicóptero, com duas ou duas horas e meia de vôo, até as plataformas. Essa viagem era natural para nós, convivíamos com isso, e se tornava sempre um pouquinho mais tenso quando o helicóptero pousava na praia. O piloto dizia: “Bom, prefiro dormir na minha cama no Amapazinho do que dormir no meio do mar. Então, vamos parar aqui e dar uma olhada nessa turbina que deu problema”. Os próprios pilotos eram os mecânicos. Nós convivíamos com essa aventura do exploracionista naquelas áreas bastante remotas. Hoje ainda são remotas, imagina 20 ou 30 anos atrás São histórias que marcam as pessoas. Nessa idade é muito difícil falar em medo, não tínhamos medo, tínhamos o espírito de aventura, era necessário, era uma dose de incentivo. Longe das famílias. Era a nossa vida. Hoje guardo com um carinho muito grande essas dificuldades, é interessante isso. Existem outros casos, de colegas que às vezes esqueciam que estavam trabalhando, seguiam noite adentro, e quando olhavam no relógio eram nove ou 10 horas da noite, tamanho era o desafio a ser vencido em termos de desenvolvimento metodológico e de conceitos novos. Isso mais aqui no Rio de Janeiro, a ponto de às vezes um familiar ligar: “Escuta, não é hora de estar em casa?”. São histórias humanas do dia-a-dia e que nós vivemos.
COTIDIANO DE TRABALHO Hoje estou responsável pela Gerência-Geral de Exploração das bacias da costa sul. Esse cargo compreende todas as bacias sedimentares da Petrobras, que vão de Cabo Frio para o Sul. Principalmente, Santos e Pelotas, e secundariamente a Bacia do Paraná. Um ponto que me marca profundamente hoje, dentro da Petrobras, e que me impressiona, é que vivemos um processo de concentração da exploração da Bacia de Campos, uma concentração relativa, porque outras bacias continuaram descobrindo petróleo e se mantendo, notadamente, as bacias da Bahia, Sergipe/Alagoas, e Ceará/Potiguar, no Espírito Santo, as bacias terrestres. Menos no mar, porque tivemos uma concentração muito grande em Campos. Isso teve uma importância enorme, porque proporcionou a auto-suficiência. Havia uma disseminação muito grande da exploração, que com o tempo se recolheu e focou mais em algumas bacias. Dessas bacias, a principal foi a de Campos. Dali nasceu, na prática, a auto-suficiência brasileira.
Recentemente, a Petrobras está em outro caminho, saindo de Campos. Estou falando das bacias marítimas ou “marinhas”, principalmente, no universo das águas profundas. Hoje temos importantíssimas descobertas no Espírito Santo e em Santos. Saímos daquele foco de Campos, que nos mantém auto-suficientes e onde estamos com praticamente todas as instalações principais de produção atuando. Saímos agora, porque a exploração está puxando novas descobertas para Espírito Santo e Santos. Estamos abrindo outras fronteiras. Isso nos dá a certeza de que essa auto-suficiência vai perdurar. Esse fato atual, que está ocorrendo com a concorrência de todas as empresas que aqui estão, marca um novo momento da história da Petrobras. Esses campos começam a produzir no Espírito Santo, com o campo de Mexilhão, e Santos começa a produzir daqui a pouco. Outros campos serão paulatinamente levados a produzir. A atividade exploratória está sempre na frente disso, buscando novas fronteiras. É um ponto importantíssimo.
QUEBRA DO MONOPÓLIO No Brasil existe um fato marcante, a quebra do monopólio de petróleo dado a Petrobras pela União. Hoje, os blocos exploratórios são licitados para as companhias de petróleo do mundo inteiro. Esse movimento começa, na prática, em torno de 1995, mas se concretiza em 1998, quando de fato a atividade exploratória é aberta para todas as companhias no Brasil. Esse é um ponto importante, porque leva a Petrobras a andar mais rápido. Todos os blocos exploratórios que estavam sob sua responsabilidade, agora entram no processo de concorrência. Temos que andar rápido para buscar os maiores blocos. Esse “escolher os melhores blocos”, a Petrobras não aprendeu de uma hora para outra, está na vida da Petrobras. No momento em que se quebra o monopólio, a Petrobras estava preparada a selecionar áreas que queria atuar. Não vou entrar em detalhes, mas na empresa existe uma base técnica estupenda, onde se ressalta o efeito de uma massa crítica. No momento em que você é levado a concorrer, você está pronto para isso. A Petrobras foi levada a concorrer, concorreu e pegou blocos tanto no Espírito Santo quanto em Santos. Antes, ela tinha tempo para fazer, como em outras bacias da margem equatorial e do sul da Bahia. Ela foi buscar esses blocos com a certeza de que encontraria petróleo. E foi o que ocorreu.
BACIA DE SANTOS Quando se fala em exploração é importante falar um pouquinho de geologia. Quando a Petrobras foi para Santos, levou desenvolvimento metodológico que ocorreu em Campos. A escola de Campos foi levada para Santos, como para o Espírito Santo. Saber selecionar o que metodologicamente está funcionando em Campos para as outras bacias foi muito importante no sentido do sucesso que se tem hoje. Especificamente, fomos para Santos e pegamos uma bacia sedimentar imensa, a maior bacia sedimentar marinha do Brasil. Os trabalhos em Santos estavam num ritmo muito lento, muito inicial. Nós criamos atalhos de conhecimentos, estruturamos uma série de ações baseadas no nosso conhecimento em Campos e aplicamos em Santos, respeitando as diferenças de cada bacia. Adaptamos, modificamos e conseguimos descobrir importantes acumulações de gás, que temos até hoje no Campo de Mexilhão, Tambaú, Uruguá e outras acumulações de petróleo que estão por vir, que em breve serão anunciadas. Estamos com expectativas muito boas. A Bacia de Santos, certamente, vai dar uma resposta importante. Ela tem potencial para dar uma resposta similar à Bacia de Campos. A Bacia de Santos tem em alguns pontos característicos para óleo, e outros pontos característicos para gás. O grande segredo da Petrobras foi saber selecionar e separar esses dois universos. Hoje temos projetos específicos para gás e óleo. A Bacia tem um potencial muito grande, tanto para o óleo leve quanto para gás.
ÓLEO LEVE É fantástico isso, um potencial extremamente rico que temos em Santos. Na verdade, a questão toda se relaciona às temperaturas das bacias e o posicionamento do óleo em relação à migração, para onde migrou. Temos em Santos áreas extensas, que têm uma proteção na temperatura maior do que na Bacia de Campos. A temperatura, basicamente, influencia na leveza.
BACIA DE PELOTAS Há poucos dias, o diretor Guilherme Estrella foi chamado para uma seção na Câmara Municipal do Rio Grande, para explicar alguma coisa sobre a Bacia de Pelotas, porque a exploração também leva um pouco aquela esperança dos royalties e das participações especiais para essas regiões. Na impossibilidade do diretor, eu fui ao Rio Grande. Cito esse fato, porque me impressionou a quantidade de representantes dos municípios vizinhos que estavam torcendo para que a Petrobras fizesse uma exploração na Bacia de Pelotas. Era quase uma mobilização das prefeituras, obviamente, pelos interesses econômicos e de desenvolvimento que isso traz. Minha explicação foi muito simples e creio que consegui passar o recado. Houve uma concentração em Campos e houve um resultado. Quebra-se o monopólio, a Petrobras sai de Campos e começa a abrir fronteiras, ao sul e ao norte. Fomos para o Espírito Santo e viemos para Santos. E daqui estamos olhando outras bacias. Quem olha para o sul, vê Pelotas. Só que você não pode chegar a Pelotas, de uma hora para outra, com um modelo geológico de baixo risco debaixo do braço e colocar uma exploração. Não é assim. Não existe uma mágica para isso. Existe uma base de conhecimento. Essa base está sendo formada em Santos e já estamos olhando Pelotas com esses olhos. A atividade exploratória abre fronteiras e leva desenvolvimento, mas também tem seu ritmo. Não pode ser fora do seu tempo, porque muitas esperanças também podem ser jogadas por água abaixo. Se formos amanhã correndo para Pelotas e furarmos um poço, nosso risco é imenso. É preferível fazer um reconhecimento, olhar e depois seguir. É exatamente isso que estamos fazendo. A Petrobras tem blocos exploratórios em Pelotas.
RISCO EXPLORATÓRIO Nós fugimos do risco. Nossa atividade é de altíssimo risco financeiro. Os índices de sucesso dos poços exploratórios perfurados no mundo giram em torno de 17 a 20%. A Petrobras tem um índice muito superior a isso, eu diria o dobro. O risco é alto. O fato é que se furarmos 100 poços, acertamos uns 17. Então, fazemos de tudo, em termos técnicos, para diminuir ao máximo o risco. Isso é o nosso dia-a-dia.
COTIDIANO DE TRABALHO Ocupo uma gerência que se diz, informalmente, “base técnica”. É muito importante que o gerente se mantenha atualizado e com o conhecimento em dia, porque você não toma uma decisão sem ter uma base técnica grande. Caso o contrário, a atividade seria igual à outra e a exploração não é uma atividade igual às outras, porque envolve o maior risco de todos. É fundamental um gerente que lide com isso tenha suas bases técnicas e seu conhecimento técnico renovados. Procuro passar na equipe todos os dias e sentar com os intérpretes sempre que possível; isso não é um sacrifício muito grande, pelo contrário, é um prazer enorme. Como moro em Niterói, aproveito o catamarã: leio 15 minutos de texto técnico na ida e 15 minutos na volta. São momentos que arrumamos e conseguimos para nos mantermos atualizados, e mantermos o relacionamento com professores e acadêmicos no mundo inteiro. Estamos sempre trocando idéias e buscamos estar atualizados. Claro que muitas vezes não é fácil.
CAPACITAÇÃO TÉCNICA A Petrobras é uma companhia com procedimentos únicos no mundo. Normalmente uma companhia contrata PhDs ou mestres e nós contratamos, mas também formamos. Hoje temos, a título de exemplo, dois PhDs prontos para serem iniciados na Universidade de Austin, no Texas; um PhD na Universidade de Parma, na Itália; um PhD na Universidade de Miami; dois PhDs em Liverpool; e dois PhDs na Austrália. É mais ou menos a nossa cota. Nós sempre mantemos um grupo fora, estudando em universidades de ponta, em escolas diferentes, naqueles assuntos que sabemos que necessitamos. Além disso, a Petrobras contribuiu e continua contribuindo muito com as universidades brasileiras. Na COPPE mantemos sempre um grupo bastante significativo de mestres, principalmente, e doutores, além da parceria no desenvolvimento de algum projeto específico. A Petrobras é forte nesse sentido.
GEÓLOGOS GAÚCHOS Agora me falha a memória se a Universidade do Rio Grande do Sul foi a primeira a formar geólogos, mas me parece que é. No início, muitos geólogos vieram de lá e isso criou uma sinergia. Foi de tal maneira que são muitos geólogos gaúchos na Petrobras. Na minha turma nos formamos em treze, e entramos em cinco na Petrobras.
IMAGEM DA PETROBRAS Talvez o ponto que mais me impressiona é a velocidade de como o conhecimento é transmitido. Há 20 ou 30 anos, se dizia que um geólogo de interpretação levava 10 anos para se preparar. Hoje os jovens levam muito menos tempo. Lógico que você não prepara um intérprete em um ou dois anos, mas essa velocidade de transferência do conhecimento aumentou de uma maneira espantosa. Isso é próprio do mundo atual, um fenômeno que se vive em todas as áreas. E isso também ocorre na interpretação e na exploração, e isso me impressiona, porque vejo jovens extremamente inteligentes, com uma capacidade lógica e uma humildade muito grande, um discernimento próprio que a atividade exige. Vejo-os preparados, é impressionante. O tempo se encurta, hoje podemos ter um geólogo-geofísico assumindo responsabilidades maiores de um projeto com um tempo bem mais curto de quando entrei na Petrobras. É um fenômeno interessantíssimo. A Petrobras depende muito disso, não só na área de geologia, mas nos quadros como um todo, porque cresceu muito. Esse universo mais jovem me dá a sensação e até a certeza de que essa empresa é muito sólida para o futuro.
AUTOSSUFICIÊNCIA Estamos vivendo esse momento agora. No ano passado, o presidente Lula anunciou a auto-suficiência de petróleo, que significa uma independência. É muito importante uma independência. Tudo aquilo que você constrói de forma independente tem mais segurança, pelo menos passa essa sensação. A independência no mundo do petróleo derruba um monte de problemas. Hoje, essa estabilidade econômica no Brasil está relacionada a uma auto-suficiência do petróleo. Tínhamos um desafio de chegar nesse ponto e esse desafio começou a ocorrer na prática com a descoberta dos campos gigantes da Bacia de Campos. Hoje nós temos um desafio de manutenção da auto-suficiência com crescimento de reserva. Por isso é importante sair da Bacia de Campos e buscar novas fronteiras. Isso se alcançou, porque os resultados estão ocorrendo e são positivos. Nós temos a certeza de que além de ter atingido a auto-suficiência, podemos mantê-la e, além disso, crescer. Esse é o quadro atual.
GÁS NATURAL Falo agora um pouco do meu passado como intérprete. Nós evitávamos o gás. Na hora de montar um projeto, descobrir um campo, nós procurávamos o óleo, o líquido. Por um conjunto de fatores você espera um ou outro, ou os dois. Existem, naturalmente, técnicas para se chegar lá. Mas a questão do gás renasce forte mais recentemente, acho que a construção do gasoduto Brasil–Bolívia é marcante. Talvez a questão política tivesse alertado para a necessidade de uma auto-suficiência também em gás. O gás começa de fato a ser importante a partir do momento que tem consumidores, como a indústria e as termoelétricas. Lembra dos apagões? O gás pode eventualmente suprir uma seca. Essas idéias, que hoje evoluíram muito, não estão sendo colocadas desta forma. O gás começa a entrar como uma energia limpa, como uma possibilidade de ter uma ampla distribuição de gasodutos pelo Brasil, de ser uma infra-estrutura implantada no país, uma base de gás. Como as descobertas foram acontecendo e nos indicam que esse caminho é factível, e não um sonho,o gás começa a tomar vulto nos nossos dias, uma importância extrema para o país. Eu não tenho dúvidas que com a força da Petrobras essa infra-estrutura será implantada no país inteiro. Talvez por ser exploracionista, um pouquinho ali na frente, não tenho dúvida de que vamos ter gás pelo Brasil inteiro ainda.
EMPRESA DE ENERGIA A empresa de energia tem que ser mais aberta e tem que ver todos os segmentos de energia. É claro, fazendo escolhas, porque não se pode atirar para todo lado. O presidente Gabrielli está fazendo isso muito bem, mostrando para a sociedade.
MEMÓRIA PETROBRAS / AVALIAÇÃO Queria apenas agradecer a oportunidade de trocar idéias e dizer que ao mesmo tempo me senti muito experiente. O tempo passou e nem senti, parece que comecei a poucos dias em Belém. Hoje estou a quase 30 anos na Petrobras. Dá muitas saudades deste início, porque quando se volta e vê quanto se desbravou ou por onde se andou e as condições que se tinha, ver que ajudamos a construir uma base energética importante para o Brasil, sempre dá um pouco de saudade e vontade de rever, mas nada mais. Você não encontra as coisas como eram, tudo muda.
SER PETROLEIRO Essa é uma pergunta muito difícil de responder, não é uma pergunta simples, porque o petroleiro também é pai de família, também tem mulher e filhos, a esposa às vezes também tem a sua atividade... O petroleiro não é o incomum, ele é comum. O incomum, o lado não normal do petroleiro é que tem que estar onde o petróleo se encontra. Muitas vezes você é obrigado a viajar, a ficar longe da família muito tempo, você perde muito do lado familiar, mas ganha muito no conhecimento com outras pessoas. Quando você se desloca, está em universos diferentes, então, a profissão é um pouco sui generis nesse sentido. Você não tem o lado familiar, mas no fundo tem uma enorme família, porque está girando pelo mundo ou pelo país. E assim as coisas funcionam. A família também é muito própria, é a base de tudo. Para o petroleiro a família é o seu lugar, na realidade, mas de uma maneira um pouco diferente. Mas isso existe em outras profissões, as pessoas não estão sempre em casa. Mas chama muita atenção ficar 20 ou 15 dias numa plataforma marinha, na selva ou em outro país, onde nem tudo são mil maravilhas e, às vezes, é próximo de uma guerra ou algo desse tipo. Essas questões sempre afloram e é importante que se tenha uma base familiar muito forte. Existe esse aspecto do petroleiro, que é o lado mais humano, da vida dele. Outro aspecto muito importante a considerar é que ele está sempre desbravando, tem que estar sempre na frente, sempre procurando. Fazem do petroleiro um perfil um pouco aventureiro. Mas não é um aventureiro qualquer, é alguém que sabe que tem que voltar para casa com resultado. Nós mexemos com muito risco exploratório, não é risco de vida, mas o risco do dinheiro. Lidar com o risco, com as idéias. Montar um projeto e em três meses saber se aquela idéia, aquela base, aquela discussão, de fato trouxe um resultado. Isso te eleva a um nível de adrenalina, como se diz popularmente, muito alto. É interessante isso. Às vezes temos que fazer um esforço para desligar, jogar futebol, cantar, fazer alguma coisa. Eu jogo bola, é mais fácil.
MEMÓRIA PETROBRAS Foi uma honra muito grande participar e ter sido lembrado. Foi um papo informal e muito agradável. Quero agradecer e me colocar à disposição para o que vocês precisarem, para indicar outras pessoas do convívio que também tem alguma história ou alguma coisa para contar. Acho essa idéia fabulosa, fascinante. As pessoas passam, mas isso fica.Recolher