IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Lincoln Rumenos Guardado. Nasci em São Paulo, no dia primeiro de dezembro de 1947. FAMÍLIA O nome do meu pai é Nelson Guardado e o da minha mãe é Clarisse Rumenos Guardado. Tenho só uma irmã. Seu nome é Cássia Maria. Hoje, ela vive em São Paul...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Lincoln Rumenos Guardado. Nasci em São Paulo, no dia primeiro de dezembro de 1947.
FAMÍLIA O nome do meu pai é Nelson Guardado e o da minha mãe é Clarisse Rumenos Guardado. Tenho só uma irmã. Seu nome é Cássia Maria. Hoje, ela vive em São Paulo. Meus avós paternos eram Yolanda Bottene Guardado e Antônio Guardado. Margarida Rumenos e Romão Rumenos eram meus avós por parte de mãe. Meu avô por parte de pai era dono de três táxis em São Paulo. Minha avó era costureira, tinha origem italiana. Meu avô era de origem portuguesa. Meu outro avô era imigrante, vendia e arrematava tecidos no Porto de Santos, no início dos anos de 1900. Minha avó era italiana da cidade de Lucca, era professora. Meu avô materno era libanês, daí essa facilidade para ser vendedor. Minha mãe aposentou-se como professora. Foi professora primária em vários colégios de São Paulo, sobretudo no Butantã, em Cidade de Deus, perto de Osasco. Em 1979, papai faleceu e ela foi fazer Faculdade de Educação. Depois, se aposentou. Fez a faculdade por diletantismo e como uma forma de se ocupar mais. Papai trabalhou muito tempo na CMTC [Companhia Municipal de Transportes Coletivos], um órgão municipal de São Paulo. Quando se aposentou, se tornou vendedor. Não tiveram nenhuma atividade universitária.
INFÂNCIA Nasci na Maternidade de São Paulo, uma maternidade muito famosa, situada perto da Avenida Paulista. Quando pequeno, morei na Rua Fradique Coutinho. Sempre fui uma pessoa que, desde pequeno, teve contato com a vida urbana. Mesmo na década de 50, São Paulo já era uma metrópole. E sempre morei em partes muito urbanas. Depois, nos mudamos para o Alto de Pinheiros, que é uma região muito boa em São Paulo. Isso em 1954, 1955, 1956. Tinha sete, oito anos. Era uma zona muito distante, remota sob alguns aspectos, com algumas áreas com ruas de terra. Brincava num local chamado Butantã que, depois viria a se tornar uma célula da Universidade de São Paulo. Nessa área, havia muitos areais, que era zona de coleta de areia, devido ao fato de o Rio Pinheiros ter passado por ali. Era uma zona baixa e se formavam muitas lagoas. Era uma vida mais bucólica, dentro de uma cidade como São Paulo, com uma característica urbana, de metrópole, megalópole até. Morava na Rua Costa Carvalho, muito próxima da Rua Pedroso de Moraes, da Rua Teodoro Sampaio e da Avenida Rebouças. Era como um nicho de áreas de classe média, que estava se expandindo, saindo daquelas zonas mais tradicionais e residenciais de São Paulo. Tive uma infância muito boa ali, apesar das preocupações da minha mãe com lagoa, com as caçadas de passarinho, com nossas saídas pela manhã e que só voltávamos de tarde. Era muito agradável, porque morávamos dentro de São Paulo, mas numa região tranqüila. Pude aproveitar bastante minha infância, mesmo morando em uma região urbana como São Paulo.
FAMÍLIA Meu avô paterno morou conosco durante muito tempo, depois que se separou. Saía muito com ele. Era uma pessoa muito independente. Saiu ainda criança de Portugal, indo até a África, ou seja, até as colônias. Depois, veio para o Brasil. Era muito independente e passou um pouco dessa independência para os netos homens. Foi oferecido a todos os netos homens sair com ele, mas como eu morava com ele, saia com mais freqüência. Morreu como cobrador do Centro de Motoristas de São Paulo. Vendeu tudo o que tinha e foi trabalhar como cobrador de uma Associação de Taxistas de São Paulo chamada Centro dos Motoristas. Ele cobrava esse pessoal, ia aos diversos pontos de táxi e foi assim que comecei a conhecer São Paulo, andando com ele. Depois da escola, eventualmente, saíamos juntos. Essa convivência com meu avô foi muito boa, porque me permitiu não só conhecer a cidade, mas ter uma certa independência, sem minha mãe saber, obviamente. Ele me liberava. Marcava aonde íamos nos encontrar na cidade, para poder testar um pouco dos meus conhecimentos. Foi dessa forma que fiquei sócio do Corinthians, o “glorioso timão” Íamos até perto da Praça da Sé e pegávamos o bonde camarão, um bonde articulado, com um na frente e outro engatilhado atrás, para ir ao Parque São Jorge. Eu saía sozinho aos 12, 13 anos para o Parque São Jorge e, lá, encontrava meu avô. A convivência com ele foi muito boa. Ele era corintiano, apesar de ser português, e me levava para ver os jogos, que antigamente eram no Parque São Jorge. Alguns eram no Pacaembu, outros, no Parque São Jorge. Mas o importante é que, devido à sua história de vida, de ter saído muito cedo de Portugal, de ter andado um pouco e de ter fixado residência no Brasil, me passou esse espírito de luta, de “correr atrás”, de ter que saber, de iniciativa e da perda de medo de fazer as coisas por conta própria. Foram lições muito importantes para a minha vida profissional. Na época, comecei a trabalhar um pouco menos, mas, a cada dia mais, a gente requer esse tipo de ação perante a vida. De buscar, de “correr atrás”, estar presente. Devo muito ao meu avô. Meu avô materno era uma outra pessoa, com uma cultura árabe, era mais protetor. Era de estar perto, de brincar, de não exigir. Um era o oposto do outro. Meu avô materno morava em Piracicaba com os filhos. Passava três a quatro meses na casa de cada filho. Não tinha uma casa. Não que não quisesse, mas seus filhos demandavam por sua presença. Árabe, excelente cozinheiro. Fazia comida árabe maravilhosamente bem. Fazia de tudo Quibe, tabule, carneiro, uma comida árabe muito festejada, sobretudo quando nascem meninos na família. Fazia carneiro com grão de bico, o hummus tahine. Meu avô foi um pouco diferente, porque era uma pessoa caseira, muita amigo de todos, tinha um senso de vida muito aberto. Meu avô paterno era rígido, muito inteligente. E meu avô materno tinha uma vida mais aberta, mais tranqüila. Vivia indo para São Paulo, para Piracicaba. Ficava rodando ali com a gente. Tive duas experiências distintas. Isso nem me levou a ter a perspicácia e a grandeza do meu avô materno. Nem sou um cozinheiro. E não me levou a ser tão rígido quanto meu avô português, mas me deu muitas bases de vida, de princípios, de ética.
INFÂNCIA Ia muito ao Corinthians para nadar e brincar, mas acabei fazendo uma falácia ficando sócio do Palmeiras, porque era mais perto da minha casa. Tinha me acostumado muito com a vida de clube e toda a minha família acabou desenvolvendo isso. Isso foi muito importante, depois, quando tive a oportunidade de morar fora. Não tinha uma vida tão aberta, ampla e agradável como a vida no Rio de Janeiro, por exemplo, em que a praia é um fator de integração, um meio de eliminar a pressão. Tem muita gente, inclusive, que não se adapta a morar fora, porque nasceu no Rio de Janeiro e gosta de praia. Eu, apesar de paulista, gosto muito de praia. Sempre estive nas praias de São Paulo. Ir a clubes, estar nas festas do clube, no carnaval de clube me permitiu ter algumas experiências fora do Brasil, como agora quando, por exemplo, moro em um país frio, com chuva, onde a diversão básica é o clube, e me adapto perfeitamente bem, devido a esse passado que resgatei.
FAMÍLIA Não conheci minha avó paterna. Já a minha avó materna, eu pude conhecer bem. Era italiana e tenho todos os seus traços. Ela era bem clara, loira, de olhos azuis, e extremamente rígida. Ela morava em São Paulo e convivíamos bastante, embora ache que a influência mais forte que tive foi dos meus avós. Quem exercia maior autoridade em casa era meu pai. Acho que “puxou” bem seu pai. Minha mãe “puxou” seu pai também. É mais flexível, menos rígida, mais tranqüila, de conversa, de boa política. Papai era mais rígido. Na época, a família se reunia para almoçar e eu tinha que estar em casa. Sofria uma revisão geral, sobretudo nas mãos, porque vinha do jogo de futebol. Papai era muito rígido, mas sempre foi meu amigo. Nunca tive maiores problemas. Papai faleceu muito cedo, infelizmente, aos 49 anos. Desfrutei pouco do tempo que poderia desfrutar depois. Eu tinha 22 anos e foi quando estava mais perto dos amigos. Do pai protetor, não. Mesmo assim, sempre foi meu amigo. Tive um bom relacionamento com ele. Era rígido, gostava das coisas certas, claras. Mamãe era para quem eu escapava, de vez em quando, para me ajudar. Até hoje, ainda conversamos muito. Gostava muito de sair, de jogar futebol, de nadar. Como todo garoto com seus 15, 16, 17 anos, gostava muito pouco de estudar. Mamãe era compreensiva com esse tipo de coisa, mas meu pai não. Sempre que precisava de apoio, ia buscar com minha mãe. Qualquer “chamada” na escola era sempre motivo de repreensão. Apesar de pouca punição física, nos chamava nos brios. Mas se necessitasse de castigo físico, tinha também. Gostava de jogar futebol, de ir ao clube, de nadar. E esse tipo de coisa, de vez em quando, era incompatível com os meus estudos.
EDUCAÇÃO POLÍTICA E RELIGIOSA Minha educação foi mais política. Sou católico por educação. Papai estudou em colégio de padres durante um bom tempo, quando seus pais se separaram. Logo depois disso, saiu. Tinha uma certa devoção quanto à educação católica. Mamãe também tinha e, até hoje, vai à Igreja, à missa. No entanto, nunca me obrigaram a nada. Passei por todas aquelas fases naturais pelas quais passava uma criança há 45 anos atrás. Fiz Primeira Comunhão, tive festa de formatura do Ginásio, do Científico. Tive todo o processual da época e curtia muito. Mas nunca fui obrigado a seguir determinado tipo de conduta quanto à religião. Na parte política, talvez tivesse um pouco mais desta obrigação. Mau pai foi funcionário da CMTC [Companhia Municipal de Transportes Coletivos] até que houve a Revolução. Houve, então, uma “caça às bruxas”. Papai trabalhava, mas foi removido e teve uma série de outros problemas. Nada do ponto de vista ideológico, mas havia aquela idéia de que tudo estava errado, mal feito. Papai foi removido e se aposentou, “enfrentou uma determinada barra”. E nós participávamos disso. Estava no Científico, e isso me forjou um pouco, no momento que estávamos vivendo, o Brasil do começo dos anos 60 e 70. O discurso político sempre prevaleceu em relação ao religioso, apesar de meus pais terem uma formação religiosa forte. Na Semana Santa, corríamos às igrejas. Hoje, conto para os meus filhos que corríamos as sete igrejas. Eu ia, porque era uma tradição, mas nunca me obrigavam a fazer isso. A política prevaleceu, mas soube conduzir bem as duas coisas. Vou eventualmente às igrejas. Não sou católico praticante, mas acompanho minha mulher e meus filhos que têm interesse em ir.
INFLUÊNCIA FAMILIAR Fiz o Ginásio e o Científico em São Paulo. Depois, me interessei por Geologia, porque tinha um primo que já cursava. Saía com esse primo, para ver rochas nas regiões de São Paulo, em Perus. Ali tem rochas muito bonitas chamadas granadas, que são vermelhas, de um cristal muito bonito. Íamos coletar isso. Comecei a ter um interesse com referência à Geologia já no Científico. Mas não sabia exatamente o que era: “Será que é isso o que eu quero?” Sempre gostei de Economia e de Física. Comecei a ter contato com este primo, mas depois nos afastamos, porque ele se formou e foi embora.
ENSINO FUNDAMENTAL Tenho poucas lembranças do meu colégio primário. Estudei no Butantã, no Grupo Escolar Vital Brasil. Mamãe era professora desse Grupo Escolar. Lembro que eu ia com ela para a escola. O Butantã fica perto de Pinheiros, mas, na época, era uma aventura chegar até lá As professoras eram amigas da minha mãe e sentiam essa necessidade de dizer que estava tudo bem, mas eu não estava indo tão bem nos estudos. Tinha algumas notas baixas. No final do ano, elas falaram para minha mãe que eu precisava estudar mais. Comecei até a ficar com medo. O que é nota baixa? O que é nota alta? Não sabia exatamente o que era. Minha mãe me falou que eu estava sendo protegido, mas que precisava estudar mais. Depois, senti que tinha muita gente olhando para mim, pela proximidade da minha mãe. Mas tive uma escola muito tranqüila no Butantã, adorava as classes de Educação Física e participar da banda de música. Sempre gostei de música. Tocava triângulo nessa bandinha Foi então que me dei conta de que estava mal, porque tinha uma certa nota para continuar tocando triângulo na bandinha. E, quando perdi essa nota, vi que a coisa não estava indo tão bem como pensava. O que me marcou foi a bronca que tomei: “-Você não vai fazer mais nada até que consiga atingir determinado grau de aproveitamento”. Tinha uns oito ou nove anos. Percebi que tinha que correr atrás, porque senão não iria mais fazer parte da banda. Infelizmente, até hoje não toco nada, mas adoro tudo Considero-me um músico muito frustrado
PRIMEIRO TRABALHO No Ginásio, comecei a estudar durante a noite. Papai disse que eu estava com a vida muito “mole”, que estava brincando demais e que iria trabalhar. Comecei a trabalhar durante meio período e a estudar de noite. Trabalhava num escritório de contabilidade. Era mais para amadurecimento. Uma questão de visão do meu pai. Muita gente estava fazendo inglês, algum curso ou aprendendo algum instrumento, mas ele achava que eu estava com a vida tranqüila. Já estudava perto de casa, mas, no Ginásio, comecei a estudar a noite. Isso foi durante um ano e meio e começou a me prejudicar. Retornei, já na terceira e quarta série, a estudar de dia. Parei de trabalhar, devido à influência da minha mãe. Repeti um ano. Sempre estudei em colégios estaduais, nunca em colégio particular. Comecei a trabalhar com 14, 15 anos. Foi exatamente quando repeti o ano. Desse período, me lembro muito pouco, porque não foi algo tão diferente e minha vida estava mais polarizada. Era nesse período que estava indo para o Corinthians, quando o meu avô morava conosco. Esse dualismo de quem só estuda versus quem estuda e trabalha me marcou. Não precisava trabalhar. O dinheiro que ganhava era totalmente meu. O exemplo de outros colegas que estudavam de noite me marcou e me permitiu ter uma idéia do quão privilegiado eu era. Senti, durante esse ano, a dificuldade de trabalhar no centro da cidade, perto da Praça da Sé, e voltar para ir para a escola. Trabalhava durante meio período. Entrava ao meio dia e saía às cinco e meia da tarde. Fazia um serviço de boy, entregando e pegando materiais, indo a escritórios. Isso foi um dos pontos interessantes na minha vida. Uma experiência que tive, independente de necessitar dela para minha sobrevivência. O pessoal que estudava comigo era um pouco mais velho devido a esse problema de terem que trabalhar e estudar. Essa dificuldade e minha primeira repetência também me marcaram. Foi um susto Outro susto foi não ter entrado na faculdade na primeira vez em que tentei.
Papai faleceu antes de eu conseguir entrar na minha segunda tentativa.
ENSINO MÉDIO O Científico foi muito bom, porque foi uma liberação, durante a década de 60. Estudei no Colégio Maximiliano Pereira dos Santos, que fica na Vila Madalena, em São Paulo. A Vila Madalena ainda era puramente residencial, um bairro de classe média a pobre. Não é como a Vila Madalena de hoje, que mudou muito. Estudava com um pessoal muito bom. Talvez tenha sido o período escolar que mais me marcou. Os professores eram diferentes, muito abertos. Havia uma discussão política muito forte na ocasião, em 1966, mais ou menos. Ser jovem durante a Ditadura era realmente difícil, porque tinha acabado de sair do Exército. Não entrei no Exército pelas condições de seleção. Já estava fazendo o Científico. Sempre tive colegas mais velhos do que eu. Se não eram os colegas, eram os irmãos dos meus amigos, que eram mais velhos. Sempre convivi com um nível etário maior do que o meu. Todo esse pessoal fazia faculdade. Eu ainda estava no Científico, mas já participava de todo esse burburinho da movimentação estudantil. Apesar de nunca ter sido participante, convivi com aquilo, me polarizei. Íamos às bienais e aos shows por influência dos nossos professores, que tinham uma mentalidade aberta. Essa foi a fase que mais me recordo. Foi um momento de experiência pessoal e cultural. Todo movimento cultural era discutido na escola. Tive a oportunidade de conviver com os irmãos Caruso. Estudamos juntos, o Paulo e o Chico Caruso, que hoje são
chargista e cartunista. Eles estudaram comigo durante os três anos do Científico. Os dois são gêmeos e já eram muito politizados. Tínhamos peça de teatro na escola, um conjunto de jazz do qual participava. Participava de festivais de música e de teatro. Não participava sempre do teatro, mas ajudava. Íamos muito ao teatro e às bienais, discutíamos o que acontecia, o que víamos. Sempre suscitados pelos professores. Nosso curso não foi in door, como costumava ser; íamos muito para fora. Nosso professor de Física nos levou a todos os institutos da Física, ao Instituto da Física da Universidade de São Paulo, visitávamos barragens, hidrelétricas, a parte nuclear. Outros professores, sobretudo o de Português, explorava toda essa parte cultural. Naquele momento, um mundo novo se abriu. O mundo da discussão política, do engajamento, do questionamento. Foi um tempo rico, sobretudo, no aspecto cultural.
JUVENTUDE Tinha o pessoal que fazia teatro, mas nunca fiz. Ajudava na parte sonora. Nossa diversão era ir ao teatro, ao cinema. Sempre tive um lado esportista, de jogar futebol. Mantive isso até que, recentemente, fui operado no joelho por causa do próprio futebol. Essa era a minha vida, dentro da escola e em shows de samba, de jazz, em que meus amigos também tocavam. Tinha essa interação com colegas que eram músicos e que até se tornaram músicos profissionais. Mas tínhamos algum medo. Tínhamos vontade de participar de alguns movimentos políticos, porque havia algumas associações de estudantes secundaristas. Nunca participei ativamente disso, mas já acontecia, eventualmente, uma passeata, uma reunião, alguma concentração. Eu ia, como todo mundo naquela época, motivado por algum nacionalismo. Este nacionalismo foi importante para mim quando entrei na Petrobras, porque fui para a Amazônia e me senti bem como brasileiro. Esse foi um momento difícil, de repressão forte, mas, ao mesmo tempo, muito rico, porque amadurecemos rapidamente. Depois de terminar o Científico, fiz o cursinho pré-vestibular do Grêmio da Faculdade de Filosofia, que era um local com um alto nível político. Fui trabalhar com eles, com uma bolsa para fazer o cursinho pré-vestibular. Esse momento foi de muita virada na cabeça de todo mundo. Todos se questionavam, queriam se posicionar em relação a alguma coisa. Houve, para mim, uma grande dificuldade, porque, meu pai faleceu. Novamente, me questionei a respeito de fazer faculdade, se precisava, se poderia. Nesse primeiro ano, não entrei na faculdade. No ano seguinte, entrei, até muito forçado. Minha mãe me motivou dizendo que minha vida iria continuar normal. Eu me questionava se precisaria trabalhar para suprir o sustento da minha mãe e da minha irmã, que é mais nova e que também já estava na “trilha” de ir para a faculdade. Dois anos depois, ela entrou na Faculdade de Psicologia, também na USP. Saía pouco com minha irmã porque, apesar dela ter apenas três anos e meio a menos do que eu. Ela é muito diferente de mim, mais introspectiva. Saíamos pouco, a não ser quando íamos aos clubes. Chegou um ponto em que ela disse que não queria mais sair comigo, porque eu a protegia em demasia. Eu não deixava ninguém se aproximar dela
Íamos muito aos bailes, bailes de formatura. Fomos da época dos bailes de pró-formatura, que nós mesmos organizávamos na escola. Arrecadávamos o dinheiro para a formatura que era uma grande festa com orquestras muito boas. Na própria classe, organizávamos a festa. Começávamos a organização logo no primeiro ano, porque, normalmente, as classes não se misturavam.
Mas íamos às festas das outras escolas. Todo final de semana havia um baile assim. Alugavam um clube pequeno, uma casa ou uma garagem, onde se faziam esses bailes. Na grande maioria das vezes, todo mundo se conhecia. As futuras namoradas, aquelas que a gente pensava que namorava, já eram conhecidas. Quase todo mundo era conhecido. Era uma diversão, porque um baile desses custava muito pouco e ficávamos com um hifi ou com uma cuba libre a festa inteira na mão, porque não tínhamos dinheiro para tudo isso. Tomávamos umas duas caipirinhas para poder começar a dançar A década de 60 e de 70 foi o início do rock e da bossa nova. Em nossa turma, a bossa nova já fazia efeito. Fui a vários “Finos da Bossa”, no Teatro Record, que ficava na Avenida da Consolação. Vi a Elis Regina se iniciar, o Gilberto Gil, toda essa turma. Os bailes pró-formatura eram muito bons, porque era um fator de integração barato. A cada final de ano, tinha um baile de formatura, cujo grande mote era arrumar um convite para estar lá, e de smoking. Todo mundo tinha smoking. Eu tinha esse meu smoking até uns cinco anos atrás, intacto, como uma recordação. Todo mundo ia de smoking, porque o baile pró-formatura era no Clube Pinheiros, no Clube Paulistano, em clubes muito bons como o Monte Líbano, em São Paulo. O Aeroporto de Congonhas tinha um salão maravilhoso, cujas festas mais famosas eram no carnaval. Menor de 18 anos não podia entrar lá, mas todos tínhamos uma vontade louca, porque já conhecíamos o baile. A partir do segundo ano do Ginásio e até o final do Científico, na década de 70, ainda procurávamos esse tipo de festas pró-formatura, que foram desacelerando. Procurávamos a festa de formatura do final de ano, porque era, de fato, muito boa. Tenho amigos dessa época. Continuamos amigos, porque foi uma época em que curtíamos tudo juntos. Toda vez em que vou a São Paulo, tento encontrar esse pessoal. Foi uma época culturalmente muito rica. O rock da década de 60, todo mundo tinha medo de dançar, eu inclusive. Mas tinham os The Platters, as músicas lentas. Ray Conniff começou nesse período, no Brasil, porque foi quando começamos a ter contato com isso. Três ou quatro anos depois dos Estados Unidos e da Europa. Tenho discos dessa época até hoje, os long plays desse pessoal. A diversão era dançar. E, normalmente, havia a paquera. Não fui uma pessoa muito namoradora. Tive umas namoradas e tínhamos muitas amigas com quem “ficávamos”. Uma coisa que acontecia era que trocávamos muito de namoradas. Apesar de conhecer muita gente, o grupo que ia para as festas era quase sempre o mesmo, o grupo da escola ou o de onde você morava. Já tínhamos os convites para os amigos do peito e queríamos arrumar convites para as meninas que todos estavam a fim. O namorar era um pouco diferente. Havia um pouco mais de trajetória nesse namoro. Não era aquele de ficar e sair, que as próprias meninas tinham medo. Havia a história de que ela ia ficar mal vista se saísse com um rapaz hoje e outro amanhã. Mas as paqueras e os namoricos duravam uns três ou quatro meses tranqüilamente. Havia mais oportunidade do que se tem hoje, porque a forma era diferente e mais intelectualizada. O pessoal gostava de conversar, de bater papo, de ir ao cinema. Já tínhamos um roteiro aceito por todo mundo. E era bom Na faculdade, já mudou tudo, porque era um outro ambiente, mas, ainda assim, também foi muito bom. Pena que tudo isso tenha acabado. Essas festas nos integravam muito. Hoje, está diferente. Todo mundo gosta, por exemplo, de viajar. Foi algo realmente interessante essa nossa forma de fazer as coisas, de organizar e se organizar também.
OPÇÃO: GEOLOGIA Não existia nenhuma expectativa da minha família para que seguisse alguma carreira. Nunca fui instado a fazer nada. Sempre gostei de Economia, mas sempre somos um pouquinho economista. Tenho uma filha que é Economista, devido a essa vertente da discussão política. Economia é muito mais política do que propriamente Economia mesmo, a parte financeira macro e micro. Nunca tive algum tipo de direcionamento para seguir alguma carreira. Sempre tive a oportunidade de escolher o que queria. Eu mesmo, já no Científico, me perguntava o que queria fazer. Pensei muito na Física, que gosto até hoje, e na Economia. Cheguei a ir à faculdade com meu primo. O clima de faculdade é muito gostoso, qualquer uma delas. Talvez isso tenha me ajudado a fazer a opção pela Geologia. Cada vez, gosto mais da Geologia. Talvez gostasse menos no início do que agora Mas sempre me interei, me dediquei e, rapidamente, comprovei minha escolha. Cumpriu bem com o que estava pensando.
CURSO PRÉ-VESTIBULAR Cursei a USP, Universidade de São Paulo. A Faculdade de Geologia ainda não era na USP quando eu a freqüentava, eventualmente, em alguma festa. A Faculdade tinha festas muito boas e freqüentes. Cheguei a ir a algumas dessas festas. A Faculdade ficava no centro da cidade de São Paulo, na Avenida Glete, juntamente com a Faculdade de Química. Quando comecei a cursar, a Faculdade já estava há dois anos no campus, na Cidade Universitária. Como eu morava perto, me facilitava. Morava no Alto Pinheiros e, para a Faculdade, eram 10 a 15 minutos de carro. Entrei em 1970. A faculdade muda a cabeça de muita gente. No meu primeiro ano, a recordação mais séria que tenho é negativa, porque do meu grupo do cursinho pré-vestibular, metade entrou e a outra metade não. Eu estava na metade que não entrou. Fui visitar alguns dos que entraram na Geologia. Fui visitá-los no barracão, assisti aulas com eles e este foi o segundo “tranco” que tomei. Identifiquei o que estava perdendo. Pensava que devia ter estudado mais duas horas por dia A faculdade era uma coisa diferente. Por mais aberto, dialético, politizado ou elitizado que fosse qualquer nível de escola secundária, não tinha nada a ver com a universidade, que estava completamente fora dos padrões, da vida, da forma de ser. Me senti realmente mal por não ter entrado na faculdade. Fiz mais um ano de cursinho pré-vestibular, mas exagerei de tanto estudar. Nem vinha para casa. Ficava estudando no cursinho. Tive muita dificuldade de falar que não havia passado para o meu pai, porque era certo que iria entrar na faculdade, inclusive, para mim. Geologia nunca foi muito competida. Na época, foi uma vaga para 10 ou 12 candidatos. Achava que poderia passar e não passei. Não houve maiores arroubos de crítica, mas, obviamente, tive dificuldade de dizer que não havia passado. Tinha toda condição de passar, não estava trabalhando, não precisava contribuir em casa. O que me exigiam era menos do que podia e devia ser mais do que poderia fazer também. Me senti mal ao dizer aquilo para o meu pai e para minha mãe. Mas tive o apoio deles. Hoje, falo isso para os meus filhos. Conto toda essa dificuldade da vida, da dificuldade da competição. E isso foi agravado pelo fato de ter visto, de fato, o que era a Faculdade. No ano seguinte, entrei na Faculdade e encontrei os colegas. Isso causou uma reação interessante na minha postura. Não é que eu não estudava. Eu estudava, mas
não o necessário. Passava o dia todo no cursinho. Eu e mais alguns colegas arrumávamos uma sala onde não tinha ninguém e ficávamos estudando. Não queria voltar para casa e ficava estudando. Não tinha nenhum tipo de problema em casa, mas era uma cobrança minha. Achei que seria mais fácil e foi. Eu e meus colegas procurávamos resolver as coisas. Foi um ano em que estudei muito. Aí, sim, entrei. O único problema que aconteceu foi que, 15 dias antes de fazer o vestibular, meu pai faleceu. Isso exigiu uma tomada de decisão minha. Papai faleceu no dia 16 de dezembro e os exames começavam no primeiro dia útil de janeiro. Meu primeiro ano de vestibular foi na Mapofei e o segundo foi no CCEM, um exame conjunto de várias faculdades. Tive este trauma a 15 dias de fazer a prova e tinha que reagir. Sabia que uma falha, por qualquer motivo, ia dificultar minha vida dali pra frente. O que fiz foi pegar minha mãe e minha irmã, mandar todo mundo sair e ficar em casa sozinho para me preparar para essa prova, para poder superar o falecimento do papai. Foi bom, porque sem ter que cuidar da minha mãe e da minha irmã, pude me voltar para mim mesmo para poder fazer a prova. Fiz a prova e consegui passar. Esse período foi muito importante e de amadurecimento. Percebi que não estava correspondendo àquilo que deveria, devido à boa condição de vida que tinha, sem exigências maiores do que estudar. Depois, tive que fazer a prova no meio desse turbilhão que foi o falecimento do meu pai. E o que iria acontecer? A quem iria me dedicar? Minha avó já era de idade e tinha essa preocupação real com ela. Ela, minha mãe e minha irmã foram amparadas pela família e foram para o interior. Foi uma época que me marcou muito por suas vicissitudes, mas tiro proveito disso até hoje. Minha avó faleceu com 100 anos. Ela era mais forte do que eu
ENSINO SUPERIOR / FACULDADE DE GEOLOGIA DA USP Minha faculdade foi muito boa. Na Geologia, em São Paulo, entravam 50 alunos por ano e, por isso, tínhamos uma convivência muito forte. Eram 50 pessoas, uns se atrasavam, outros vinham dos anos anteriores. Tivemos uma convivência boa, de sair junto, de viajar para o interior. As faculdades de Geologia têm uma característica muito interessante que é o fato de que o pessoal, que normalmente é do interior, gosta de festa. Fazíamos sempre muita música. Tínhamos uma escolinha de samba na Faculdade. Ela era tradicional, vinha desde 1960, que, inclusive, foi o primeiro ano da faculdade. Tinha uma festa chamada Geosamba. Isso era um fator de integração. O pessoal tomava cachaça e fazia samba, o que, na época, era muito natural. Íamos a escolas de samba. Gosto muito de samba até hoje. Freqüentávamos todas as escolas de samba em São Paulo. Íamos em grupo. Nossa Faculdade sempre foi muito unida, porque entrava pouca gente, normalmente de fora, e muitos se escoravam nos outros. A minoria era de São Paulo, da capital. Até hoje é assim. E havia as competições: interior versus cidade, caipira contra capital. Tinha vários nomes que davam a esse tipo de disputa, sobretudo para o pessoal da capital, que eram tidos como “cheios de coisa”, mas era tudo brincadeira
No meu tempo de escola, o que mais me marcou foi a parte política. Tivemos acontecimentos sérios já em 1973. A Escola de Geologia sempre foi muito engajada politicamente e havia uma repressão forte decorrente de 1968, mesmo para quem não tinha atividade política, como era o meu caso. Eu tinha muito medo e preocupação. Minha irmã estava entrando na faculdade de Psicologia. Mamãe tinha muito medo do que poderia acontecer. Ela tinha noção de tudo isso. E eu realmente tinha medo. Pensava nas dificuldades. Minha irmã chegando, minha mãe viúva e me perguntava o que fazer. Por isso não tive uma atividade política séria de engajamento, mas vivia muito aquilo. Em toda a Filosofia, mas sobretudo na Geologia, havia esse movimento, fruto de todo o sentido universitário da época. A Universidade inteira era assim. Havia um discurso, um questionamento político contra tudo o que estava ocorrendo. Isso era natural para todo universitário. Na nossa Escola isso se agravou, porque tivemos dois colegas que foram mortos. Hoje até o Diretório Central da Universidade de São Paulo tem o nome do Alexandre Vanucci, cujo apelido era “Minhoca”. Ele era da minha turma.
A Geologia tinha esse fator de integração a começar pelo trote. Era um trote duro, pesado, de uma semana. Mas também tinha choppada E chegou a ter várias invasões na Faculdade. Como tínhamos esse conjuntinho de samba, éramos requisitados para tocar nas festas, que sempre tinham algum sentido político e, às vezes, tinham até declarações de quem estava preso. O pessoal sumia e não aparecia. O assassinato brutal destes dois colegas, em 1973, polarizou toda a faculdade. Isso causou um sentimento de revolta e de medo também. Toda aquela camaradagem que sempre existiu, mesmo dentro desse cenário de repressão estudantil, nesse ano, acabou se esfacelando, porque éramos visitados por gente que entrava na Faculdade, nas salas de aula e ninguém sabia quem era. Tínhamos medo de tudo o que podia acontecer. Só a partir de 1974 isso foi se amainando. Não parou, mas diminuiu. O ano de 1973, sobretudo devido a esses acontecimentos, marcou as nossas vidas. Quando o “Minhoca” morreu, fizemos uma missa na Catedral de São Paulo, com a presença de Dom Paulo Evaristo Arns e de cantores da época. Foi um movimento político muito forte e de contestação iniciado numa sala de universidade. Mas estar na Faculdade, a partir desse momento, ficou mais difícil. E, acredito que tenha ficado mais difícil para os colegas que ficaram entre 1974 e 1975, para os que ainda conviveram com esse aparelho repressor. A tônica da nossa Faculdade foi a camaradagem, a amizade e o suporte de todos. O mundo lá fora, durante o final da década de 60 e a década de 70, explodindo em criatividade e liberdade e nós, no Brasil, ao contrário. Fechando tudo, com invasões como a de Brasília e uma série de outras coisas. Havia uma pressão forte. Ao mesmo tempo em que toda a parte cultural evoluía, a parte de expressão regredia. Estávamos nos acostumando a isso. Quem participava sofreu muito e quem não participava, pelo menos, sentia esse medo. O medo do que poderia acontecer, com quem se falava, o que fazer. Se alguém faltasse à aula por dois dias, formávamos uma corrente para saber onde a pessoa estava. Era uma tentativa de minimizar a possibilidade dele ter sido preso. Aprendemos a viver numa época difícil, mas, ao mesmo tempo, tinham coisas boas. O Campeonato de 1970, aquela comemoração. Foi quando começaram as comemorações na Avenida Paulista. Assim como fazem na orla do Rio de Janeiro, em São Paulo, íamos para a Avenida Paulista, com instrumentos de música. Havia uma dualidade. A da alegria e, ao mesmo tempo, do medo da convivência. Na Faculdade, apesar disso ser um movimento de toda a Universidade, de todo estudante, não só de São Paulo, mas do Brasil todo, teve um aspecto fundamental que foram essas duas mortes, do “Minhoca” e a do Ronaldo Queiroz. Como éramos muito unidos, não nos desagregamos. Hoje, ainda nos encontramos, temos um site na internet, choppadas, almoços e jantares anuais da turma de 1973. Penso que isso se deve a esse ambiente mesmo, porque, em um ambiente dispersivo, descompromissado e aberto, não se moldasse algo dessa natureza. Tenho lembranças boas da faculdade, do tempo, da vida, dos estágios, da procura de emprego. Em termos acadêmicos, nenhuma universidade corresponde às nossas expectativas. Esperamos mais, talvez pelo fato de ser tão difícil e batalhada a entrada numa universidade. Não tive problemas quanto ao curso. Mas tive problemas em coisas específicas, mas plenamente naturais, cadeiras, pessoas, professores que não correspondiam. Nessa época, reclamar era muito difícil e perigoso. Até conseguíamos fazer movimentos, enfrentávamos alguns professores. Tinha todo aquele problema da cátedra, que era algo forte e dava uma estabilidade grande aos professores. O problema é que isso permitia que alguns professores dessem aulas de má qualidade. A universidade, numa média, me forneceu o que queria. Entendíamos que não íamos sair de lá executando um movimento para a esquerda ou para a direita. O que nos gerou foi um preparo para algumas coisas, a capacidade de aprender, de desenvolver algo voltado para a sua área. Sabíamos que nossa formação seria completada fora. E foi. Não posso dizer que fiquei frustrado. A Faculdade tinha um nível muito bom. Terminada a Faculdade, começamos a procurar emprego. O Brasil vivia uma época de problemas políticos e ideológicos. O país estava com um crescimento muito forte. Foi a década que mais cresceu, ainda no governo Médici. Havia muitos empregos e tivemos que batalhar pouco. Na época da Faculdade, fazíamos estágio. No meu caso, por exemplo, optei por duas coisas na Faculdade. Nosso curso era de oito horas por dia, de manhã e de tarde. Cursávamos em quatro anos. Fazíamos excursões, porque o curso de Geologia era muito externo. Tínhamos que visitar, que ver, era o que chamávamos de afloramento. Tínhamos que estar no campo, que verificar. Na Geologia, aprendemos vendo. Viajamos muito. Às vezes, passávamos 15 dias fora. Íamos a muitos lugares do Brasil. E fazíamos estágios fora também. Isso não permitia trabalhos de muita rigidez. Mas a grande maioria dos nossos colegas que precisavam se sustentar em São Paulo, muitos deles do interior, davam aula à noite em colégios noturnos. Davam aulas de Ciências, de Matemática. Tive essa chance, mas não quis.
ESTÁGIO NO DEPARTAMENTO DE SEDIMENTOLOGIA Cedo, consegui um estágio na Faculdade, no Departamento de Sedimentologia, uma cadeira fundamental para a Geologia. Comecei a estagiar de graça e aprendi a fazer muitas coisas. Fui aprendendo com os professores, com os doutorandos. Talvez tenha aprendido mais com este estágio do que em sala de aula. A Escola permitia isso. Nos dois últimos anos, tive uma bolsa muito rígida da FAPESP, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Hoje, essa bolsa equivaleria a uns 750 reais, o que era uma maravilha para mim. Comecei a fazer um projeto de pesquisa no terceiro e no quarto ano e fiquei dois anos com essa bolsa de iniciação científica. Íamos aprendendo a aplicar o que estudávamos em sala de aula e íamos mais além. Trabalhávamos com método científico. Tínhamos uma tese e queríamos prová-la. Tínhamos que fazer um trabalho, uma tese, obviamente, em um nível mais baixo. E tínhamos que entregar relatórios a cada três meses. O professor Kenitiro Suguio, um professor emérito da Universidade de São Paulo, foi quem me ofereceu esta bolsa e me orientou. Até recentemente ele era professor na Universidade de São Paulo. Ele se aposentou, mas ficou com o seu escritório lá, interessado como sempre foi. Devo muito a ele, porque me ajudou a aprender, a discernir e a tratar as coisas de uma forma científica.
Comecei a estagiar e trabalhava ali aos sábados, de noite, nos intervalos das aulas. Tínhamos um período mínimo de 40 horas mensais e tínhamos que fazer este relatório a cada três meses. Era um trabalho sério. Trabalhávamos com dados de campo. Optei, dessa forma, por um complemento educacional dentro da Faculdade. E essa é uma matéria que uso muito hoje, na Petrobras, Sedimentologia e Estratigrafia. A partir daquele momento, comecei a me dirigir a algo. Já estava no ambiente do petróleo, dentro desse Departamento. Não tínhamos muitas cadeiras ligadas a petróleo, já que a Universidade de São Paulo não era voltada para essa área. Essa cadeira, porém, era um embasamento para a área. O trabalho que escrevi no estágio era pequeno. Não era um trabalho de formatura. No final do ano de 1973, a Petrobras foi à USP fazer algumas entrevistas. Nós já tínhamos estagiado em companhias de engenharia, por exemplo, que era outra cadeira muito requisitada da Geologia. A Geologia, quando aplicada à Engenharia, faz estradas, contenção, represas, hidrelétricas. Em São Paulo, grande parte dos nossos colegas foi para o IPT, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, ligado à Escola Politécnica. Muita gente ia para esse lado. Em princípio, estávamos nos encaminhando para aquilo, porque havia uma demanda grande.
Era a época de crescimento do Brasil, do famoso “Milagre Brasileiro”. Vivi esse período do “Milagre” que, na verdade, tinha uma bomba relógio por trás de tudo, que era a questão do endividamento e de todo problema que isso causou. O Brasil crescia a uma taxa de 8 ou 9% ao ano. Tinha demanda para estradas, estradas de ferro, barragens, obras de infraestrutura. Estava no quarto ano da Geologia e estagiava na Universidade e numa companhia de engenharia. Estava me voltando para trabalhar no IPT ou em uma companhia de engenharia fora. No meio do ano, a Petrobras, como sempre fazia, foi entrevistar quem gostaria de estar na Petrobras. O fato de já estar trabalhando com Sedimentologia me ajudou.
IMAGEM DA PETROBRAS Já conhecia bem a Petrobras por sua atuação. Ela não tinha a amplitude que tem hoje. A imagem da Petrobras, para nós que saímos da área universitária, era a do nacionalismo, de uma empresa de sucesso, que tinha muito a oferecer. A Petrobras já tinha nome, sem dúvida. Era um local para trabalhar. Muitos dos nossos professores vieram da Petrobras e nos contavam como era a Empresa. Eu já sabia como era o trabalho na Petrobras. E o fato de ser um emprego garantido era importante. Muitos não quiseram, porque acharam que trabalhar na Petrobras, por ser um trabalho em equipe, não te permitiria despontar, atuar só. E era verdade. Todo esse trabalho de petróleo, ao contrário do trabalho na Geologia, é uma atividade aonde o sujeito vai para o campo e fica sozinho. Essa era uma tônica muito forte da Geologia. A Petrobras sempre sofria uma crítica interna. A de que se ia só para o campo, porque essa era a base do trabalho. Íamos para o campo, trabalhar em sondas de petróleo, ou para o mar. Era uma coisa monótona. Essa era a tônica da Petrobras, sob o aspecto do processo de trabalho. Não era a imagem de corporação que tínhamos da Petrobras. A Empresa sempre foi um exemplo, desde sua criação, em 1954. Para um Geólogo, tinha esse lado que pesava, o de um trabalho mais em grupo. Na Escola era assim. As pessoas desistiam cedo da Petrobras, não tinham a oportunidade de vivenciar o que vivenciamos depois. Esse pessoal tinha uma visão muito particular. Isso não me desmotivou. Tivemos a oportunidade de desfazer isso na própria Faculdade, falando para o pessoal que essa era uma visão sectária.
INGRESSO NA PETROBRAS Na época, não havia concurso, mas um teste de Psicologia, para que você associasse coisas. Não havia uma prova de conhecimento. Era um teste psicotécnico e entrevistas. Para mim, a entrevista foi interessante, porque acabei trabalhando por muito tempo com um dos colegas que me entrevistou. Depois, inclusive, acabei chefiando-o. Ele é o Rudi Lengler, uma pessoa excelente. Provavelmente, tem quase 40 anos de Petrobras, e é Geofísico. Eu lembro dele nos entrevistando. Ele perguntava porque queríamos ir, do que gostávamos, o que queríamos fazer. A Petrobras tinha uma característica. Apesar de trabalharmos em equipe, nossa vida era confinada, por exemplo, numa sonda de perfuração. Eles sabiam disso, mas eu não. A Companhia tinha a preocupação de trabalharmos, ao longo da carreira, no meio do mar, confinado por 15 ou 20 dias e tendo que tomar decisões. O teste trazia um pouco disso. Obviamente, não sabia como interpretá-lo. Testava se a atividade do petróleo, com as características que tinha, podia completar aquilo que queríamos. Hoje, a Petrobras é diferente. Já tem um ramo de atividades mais amplo. Aliás, já tinha na época, mas não com a mesma envergadura que tem hoje. Era muito forte a idéia do seu comportamento confinado em uma sonda, uma equipe sísmica. Vários colegas fizeram o teste, mas não todos. Muitos disseram que não queriam aquilo. Já estavam com o destino traçado, ligado ao estágio que faziam. Fizemos esse teste e a Petrobras disse que iria nos avaliar. Continuamos estudando e fazendo estágio em outros lugares. Fui com três colegas na Firma Figueiredo Ferraz, que estava alargando a Avenida Paulista. Iam construir o metrô e queriam oferecer emprego para nós. No final do ano, o governo mudou e tudo parou. Mas, até então, havia uma continuidade dessas obras de infra-estrutura. Tinha emprego sobrando. Todos estávamos procurando emprego, entregando currículo, esperando chamada e, de fato, algumas companhias nos chamaram. A Petrobras me chamou também, me enviou um telegrama de convocação, dizendo que tinha sido aprovado. Eu e mais quatro colegas. Dois ainda continuam, eu e mais um. Os outros saíram, porque não quiseram ficar fora de São Paulo. Continuamos, eu e o Airton H. Okada, que é Geólogo da Petrobras e hoje trabalha na área Internacional.
COTIDIANO DE TRABALHO Durante a entrevista, disseram que iríamos trabalhar em qualquer lugar do Brasil. Tive problemas com isso, mas de uma ordem diferente. Sabíamos que íamos, mas não sabíamos para qual base. Pelo telegrama, ficamos sabendo para onde íamos. Todos os geólogos que entraram naquele ano foram para Belém. A Petrobras contratou todos com a mesma formação em Geologia, mas para duas áreas distintas. Geologia de Subsuperfície, de poço, e Geofísica.
Geólogo de Superfície é aquele que faz mapeamento. A Petrobras começou com esse tipo de geólogo para fazer os mapeamentos, ver as rochas que estão na superfície, como a superfície reflete o que está embaixo, na subsuperfície, o que nos interessa para ir furar. Esse pessoal trabalhou na Amazônia, na Bacia do Paraná, na Bacia do Recôncavo, na Bahia. A Geofísica imageia a superfície através de métodos indiretos, de campos magnéticos terrestres, toda a teoria de reflexão sísmica. É uma forma de imagear diferente, usando métodos. Estas duas áreas se complementam, quando vão furar um poço. Existe um outro especialista que é o Geólogo que acompanha o poço. E têm toda uma equipe da parte operacional formada pela Engenharia, um pessoal importante na Companhia, e o Geólogo, que está ali para controlar onde se está furando, onde pode ter petróleo. É feito um estudo de integração dessas áreas para saber onde se deve furar. Então, vem uma sonda de perfuração e temos um Engenheiro que controla a parte mecânica. Durante a perfuração, é o Geólogo quem acompanha. Ao terminar o poço, ele pode ter uma outra forma de controlar onde pode ter óleo, porque pode não ver que ali tinha uma zona potencialmente produtora. São passos que se chamam de perfis elétricos, de teoria elétrica, perfis acústicos, sônicos. Uma onda sonora é emitida e, dependendo do tempo que demora para voltar, identificamos o que fazer. O Geólogo tem todos esses dados dos perfis nucleares e avalia aquele conjunto de rochas para saber se podem conter algum tipo de petróleo. Se temos os indícios de que uma área tem óleo, durante a perfuração, temos como identificar a presença de óleo através de aparelhos muito simples. Indício é uma emanação, pode não significar nada. Com esses perfis, o Geólogo define a área que pode ter um estudo mais avançado. Faz um teste daquela zona, ou seja, comunica esta zona que está a três mil metros da superfície. E aquilo flui, porque a pressão é maior, vem para a superfície e podemos medir. Daí, vemos se tem uma descoberta de hidrocarboneto, que é econômico ou não. Começa, então, um outro processo, que é menos arriscado que o primeiro. A exploração do petróleo é muito arriscada, porque, de cada 10 poços furados, provavelmente apenas um é econômico. Em alguns lugares do mundo, para cada dez, tem um e meio, dois lugares com prospectividade boa. A Bacia de Campos, por exemplo, depois que conhecemos seu habitat do óleo, o índice de sucesso tornou-se mais alto que o da média do Brasil. O Recôncavo é mais alto do que a média no Brasil. Mas são exceções. É necessário todo um approach científico e metodológico para isso. E precisa do ser humano para estudar, imagear, interpretar. Tudo é dado indireto. Na Companhia, esta integração do Geólogo com o Engenheiro melhorou muito. Eram trabalhos muito separados. Cada um tinha a sua atividade.
RISCOS OPERACIONAIS
E todos os processos tinham alto risco operacional também. Tem um processo que se chama blowout. Quando não se controla o poço, aquilo tem uma pressão gigantesca. Ao emanar na superfície sem controle, pode dar este blowout, ou seja, se perde o controle e aquilo provoca um incêndio, por causa da pressão. Em qualquer contato com ferro, aquilo pega fogo. Tivemos casos de triste memória, como o acidente com a P-36. Esse acidente não teve nada a ver com a parte humana. Foi um problema que aconteceu devido ao projeto da plataforma que não foi adequado. Nossa atividade é de alto risco. Todos os que estão numa plataforma correm risco. Tanto que a Companhia paga algo aquilo que se chama de periculosidade. Temos um índice de acidentes muito pequeno para a nossa atividade, sobretudo na Bacia de Campos, que é uma “cidade no fundo do oceano”.
Nunca acompanhei um blowout de perto, mas já vi um kick na Foz do Amazonas. Em 1974, perfurávamos um poço e ele começou com um kick, uma emanação forte dos fluídos que colocávamos no poço. Por pouco, isso não se tornou incontrolável. Estávamos a 200 quilômetros da costa, numa plataforma. Provavelmente, se ali acontecesse um blowout, seria difícil controlar, porque não daria para chegarmos perto. Isso era algo visível, porque a plataforma é flutuante e está conectada à cabeça do poço por um riser. Quando o riser empena, você tem que soltar e sair com a plataforma. Mas, com isso, o poço fica saindo por lá. Porque que se demora a fazer isso? Porque isso se torna um acidente ambiental sério e, provavelmente, fica difícil fazer o controle desse poço. Como é que se chega, depois, com outra plataforma para acoplar? Tentamos fazer tudo enquanto estamos tentando conter a plataforma. Nesse caso, conseguimos contê-la usando processos naturais da indústria. Mas existem casos em que não conseguimos conter e a plataforma pega fogo ou afunda, por causa do gás saindo e da densidade da água, que muda. A plataforma está desenhada para flutuar com determinado peso, dentro de água normal, salgada. Se começa a sair gás, a densidade muda e a plataforma afunda. Esse é o grande perigo. É por isso que, no mar, toda plataforma tem sempre um navio encostado, o supply-boat, que fica ali para levar água, mantimentos, cimento, todo o material que precisamos para perfurar, mas, também, num caso desses, para aliviar a plataforma, ou seja, retirar as pessoas da área de risco. Saímos por um guindaste com uma cestinha. É emocionante, em alguns casos.
EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO Uma empresa como a Petrobras, enquanto instituição, requer a participação de toda uma gama de profissionais. Hoje, vimos crescer a área ambiental, de responsabilidade social, a área legal. Tudo isso são valorizações que, ao longo dos tempos, refletem a necessidade da própria Companhia estar inserida no seu meio. Algo que vem de uns 15 anos para cá. Anteriormente, nosso trabalho era muito dirigido para o trabalho do Geólogo e do Engenheiro que iam perfurar. Falo da área de upstream, que é a Exploração e Produção. O downstream, a área de refino, da venda, de marketing, da BR Distribuidora, tem também um impacto grande, porque estão, a todo o momento, vendo tudo o que está acontecendo. Nós estamos trabalhando num lugar remoto ou no meio do mar. As pessoas conhecem pouco da nossa atividade, que não tem uma visibilidade tão grande quanto uma refinaria ou os postos da BR. Não estamos na televisão, embora ela tenha mostrado um pouco mais. Nossa atividade está na base de toda a cadeia produtiva do petróleo. A atividade do Geólogo, sobretudo o de Exploração, é fundamental. Existem companhias de petróleo que não têm distribuição, refino, mas têm exploração e produção, porque esta é uma área que, apesar do risco, quando descobrimos uma jazida econômica, ela paga por todos os insucessos de antes. Depende desta cadeia da exploração, a reposição das reservas, senão tudo pára, porque a reserva é um recurso finito. A cada gota de petróleo que produzimos, significa que nossa reserva está caindo. Esta reposição é feita pela área da Exploração, sobretudo por Geólogos e Geofísicos, mas Engenheiros também participam nos processos e suporte. A perfuração, por exemplo, é feita por Engenheiros. Na produção, normalmente, temos Engenheiros de Produção e Geólogos. O Geólogo e o Geofísico estão trabalhando no início da cadeia, em sua parte de maior risco econômico, embora não seja a de maior investimento, que é na Produção. Dependendo de onde vai se fazer um poço, ele pode custar dezenas de milhões de dólares. Um poço, hoje, pode custar tranqüilamente cinqüenta milhões de dólares. Poços no mar estão custando isso, embora, no Brasil custem menos, por outros motivos. É um investimento e um risco grandes, porque todo o processo é através de métodos indiretos, da Geofísica, de um modelo.
OTIMISMO E CRIATIVIDADE O Geólogo e o Geofísico, na Exploração, têm que ser uma pessoa otimista, responsável e, sobretudo, criativa, porque vive de um modelo, imagea algo pelos métodos sísmicos e constrói um modelo. Esse modelo tem um check-list. Verificamos se naquela área pode ter uma rocha que vai gerar petróleo, se existe alguma rocha para gerar petróleo que ficou profundamente soterrada, se o petróleo migrou, se existe reservatório para esse petróleo. Se um poço furado está seco é porque algo falhou. O Geólogo vai trabalhar, então, com a necessidade da reconstrução. Faz o que chamamos de post-mortem, pois, apesar de todas as indicações e probabilidades, alguma delas falhou. E basta falhar uma, para que se veja que o ponto mais fraco de uma corrente está representado pelo seu elo mais fraco. É importante construir outro modelo, com base naquele poço seco onde não se encontrou óleo ou que encontrou, mas não na quantidade adequada e, por isso, não é economicamente viável, para que se faça a extração daquilo. Um campo de óleo é uma exceção numa bacia sedimentar. A regra é não ter óleo. Para ter, tem que existir todo um conjunto de fatores atuando. É necessária a existência de uma rocha geradora, que é aquela que acumula petróleo na base, ou seja, os microorganismos que geram o petróleo. Precisa-se de condições de pressão e temperatura para que essa rocha comece a transformar a matéria orgânica e gerar petróleo. O trabalho do Geólogo tem essa grande importância. As atividades da Exploração, que estão no início dessa cadeia, vão repor toda a produção crescente que temos. Ele precisa de persistência para o trabalho de reconstrução que sempre acontece após cada teste. Ficamos trabalhando para fazer uma perfuração, muitas vezes, por cerca de dois anos. Depois, em dois meses fazemos a perfuração. É preciso ter uma visão do que fazer, do processo a ser estruturado, das várias etapas. Quando o Geólogo ou o Geofísico se depõe perante uma estação de trabalho, onde carrega os dados para sua interpretação, tem uma atividade que é própria. Está interagindo com os dados. A parte da criatividade e da iniciativa dependem dele. Ele não dispensa o conhecimento científico, o trabalho de equipe, a discussão, que é fundamental em um trabalho de risco. Assim, a própria Companhia enfatiza a necessidade de fóruns para discutir uma idéia. É um outro aprendizado, um aprendizado de vida. Por exemplo, quando ficamos cuidando de uma área por cerca de dois anos, aquilo passa, muitas vezes, a ser como um filho seu. Aprendemos nessa área, porque é algo de criação, dialético. Temos que discutir os dados com outras pessoas e, assim, aprendemos a receber críticas. É preciso alguém que tenha essa capacidade de criar e de ouvir, porque a Empresa necessita que seu investimento tenha passado por vários níveis de triagem e de discussão.
INTERPRETAÇÃO E CRIAÇÃO Uma outra experiência importante que tive na Bacia de Campos foi o seu grande nível de atividades que não permitiam ficarmos muito tempo trabalhando uma idéia que não levasse a nada e nem que ficássemos totalmente isolados para receber input das pessoas para o seu trabalho. É como fazer uma tese. Cada locação que apresentamos ou cada oportunidade para perfurar podia ser entendida como uma pequena tese. Levávamos todos os elementos e saíamos com uma conclusão muitas vezes sujeita a uma série de problemas que ocorriam quando minimizávamos ou tínhamos uma visão otimista demais. Aprendemos a conviver com a crítica e com o insucesso. Precisávamos dessa característica e, ao mesmo tempo, estávamos motivados a fazer algo diferente. Só a Petrobras formava pessoal para a indústria de petróleo. Era diferente de uma companhia dos Estados Unidos ou da Europa, onde tinham profissionais que estavam disponíveis no mercado. Aqui não. Tivemos feitos fabulosos da Engenharia na Companhia, sobretudo, na parte de águas profundas. Viabilizaram uma idéia que nasceu na Geologia, onde sempre é preciso que existam visionários, gerentes que enxerguem longe, que acreditem nas idéias que estávamos vendendo para eles. Porque somos vendedores de uma idéia recheada de conteúdo científico. O trabalho da Geologia é de interpretação, de criação, como acontece, também, no Cenpes e em várias áreas da Engenharia que elaboraram os sistemas de águas profundas em que a Petrobras foi pioneira.
GEÓLOGO DE POÇO (DEXNOR / DENEST) Minha criação e de grande parte dos colegas que foram trabalhar comigo foi urbana. Já conhecia Belém. Fiz estágio na Faculdade de lá. Já conhecia o que era a nossa parte da Amazônia. Minha ida para Belém foi um incentivo e um desafio, porque trabalhávamos com a intenção de fazer algo pelo país e pela Petrobras. Fui com entusiasmo para lá. Tive um pequeno problema familiar, porque tive que sair de casa e, pela primeira vez, minha mãe e minha irmã ficaram sós. O falecimento do meu pai nos uniu mais e, quatro anos depois, sai de casa para não voltar, porque depois de Belém, vivi em vários Estados e países. Foi um rompimento. Pessoalmente, foi difícil. Sempre que podia, ia para São Paulo. Cheguei em Belém em 1974, há 31 anos atrás, no dia primeiro de março. Amanhã, faço 31 anos de Companhia Convivi com a dificuldade de deixar minha mãe e minha irmã em São Paulo, sem perspectivas de voltar. O trabalho da Petrobras não me permitiria voltar a São Paulo ou a uma das cidades próximas, como o Rio de Janeiro, por exemplo. Ao mesmo tempo, foi um desafio. Em Belém, trabalhamos em diferentes lugares. Chegamos, montamos nossa república de cinco colegas, nos adaptamos aos costumes de uma vida profissional em uma Empresa rígida. Na Companhia, éramos observados. Passamos um ano como estagiários. Nos tornaríamos Geólogo 1,
Profissional 1, Geofísico 1 só depois de um ano na Companhia. Trabalhamos nos mais diferentes lugares. A selva foi o primeiro lugar para onde fomos. Tínhamos um contato mais diuturno com a selva, o que me dava entusiasmo. Sentia que estava fazendo algo em prol do país e, em um lugar que, de fato, não era simples. Depois, fomos trabalhar na Foz do Amazonas, algo que só se via em filme Voávamos cerca de uma hora até uma base aérea da FAB no Amapá, pegávamos um helicóptero e passávamos mais duas horas sobrevoando o mar. Era um helicóptero antigo, com capacidade para 20 pessoas, mas só voavam 12, porque, ao lado, iam dois galões de 100 litros de combustível, já que o helicóptero não tinha autonomia para ir e voltar. Provavelmente hoje, eu não voaria mais nesse helicóptero, a não ser por necessidade Naquela época, tudo tinha sabor de aventura. Conhecemos muita coisa interessante em termos pessoais, as praias de Fortaleza, de Natal. Operávamos em toda essa área com a antiga Renor (Refinaria do Nordeste), em Belém. As bases de operação eram distantes de Belém. Manaus, por exemplo, estava a duas horas de vôo de Belém. Amapá, Fortaleza e Natal também. Tanto que todo mundo que entrava pedia para ir a Bahia. Queríamos morar em Salvador. Seria maravilhoso, mais do que tranqüilo. Alguns privilegiados foram selecionados. O pessoal da Geofísica foi, porque a Geofísica era baseada em Salvador e a Geologia não, então não fomos. Mas tivemos o mérito de trabalhar nessas regiões. A Companhia mostrou para o grupo como se comportar em trabalhos em regiões como essas, porque estávamos isolados. Era uma prova de fogo.
TRABALHO EMBARCADO Nas plataformas, o nível superior não tinha horário de trabalho. O nível
médio trabalhava 12 por 12 horas. Nós os substituíamos quando eles iam dormir.
Ficávamos disponíveis o tempo todo. Caso precisássemos trabalhar 12, 14, 20, 30 horas, trabalhávamos. E isso acontecia em qualquer plataforma. Nosso regime era o de disponibilidade integral. Ganhávamos um adicional por isso. Éramos os responsáveis por aquela atividade. Enquanto Geólogo, não era responsável pela perfuração, mas pelo seu resultado. É claro que podia dormir, mas se tivesse uma operação que demorasse dois dias, éramos obrigados a ficar acordados. E ficávamos para poder acompanhar todos esses períodos. Dormíamos, íamos às refeições, andávamos no heliporto para tentar fazer algum exercício, quando era possível. Trabalhamos em offshore e também onshore. Trabalhei em onshore no médio Amazonas, no meio da selva, numa área chamada Fazendinha, que eram poços para sal. Estava no grupo de trabalho da Bacia do Acre, no extremo leste do Brasil, mas acabei não indo, porque fui para a plataforma no Amapá, na Bacia da Foz do Amazonas. Essa era uma atividade completamente diferente. Estas foram as primeiras plataformas semi-submersíveis. Tinha a Jack-up, que ficava apoiada no fundo, e a semi-submersível, que ficavam flutuando. As primeiras que chegaram para o Amapá, chegaram neste local onde íamos trabalhar. E tínhamos algum tipo de diversão. Tinha vídeo, mas a possibilidade de ficarmos vendo vídeo era pequena, porque as plataformas trabalham 24 horas por dia. As plataformas só param quando tem que fazer algum tipo de operação, de manobra para recolher para retirar a broca que está lá no final. Isso demora, muitas vezes, 24 horas, que é o tempo que temos para relaxar mais. Enquanto ela está furando, podíamos até dormir, mas tínhamos que estar à disposição para qualquer problema. Sempre tem alguém olhando o que está acontecendo na parte da Engenharia e na da Geologia. Sempre tem alguém, por questões de segurança, vendo os equipamentos. Trabalhávamos nesse regime confinado, mas sempre muito entusiasmados. Estávamos aprendendo. Tudo era novo, tinha um sentido de participação, de brasilidade e de nacionalismo. Era uma prova e muitos não conseguiram ficar, porque tinham dificuldade de ficar 15, 20 dias confinados. Chegava a ter o regime que, no Nordeste, chamavam de “cama quente”, porque as plataformas eram tão pequenas que, para dormir, os grupos tinham que se revezar. Enquanto um ia trabalhar, o outro dormia. Mas acho que essas coisas acontecem na hora certa. Naquele momento, todo mundo estava disposto e não houve grandes reclamações. Esta passagem em Belém formou muita gente. Devido à distância, éramos instados a prever mais as coisas, a controlar melhor, o que nos serviu depois, quando fomos transferidos para outras unidades que tinham uma prospecção mais avançada. Tivemos um bom treinamento, porque aprendemos a controlar todos esses processos e a tomar iniciativas. Foi uma excelente escola, na minha opinião.
GEÓLOGO DE POÇO EM ARACAJU Passei um ano em Belém e fui convidado para ir para Aracaju. Não queria, porque estava gostando de Belém. Uma vez treinado, o pessoal começava a ser distribuído. Uns ficaram por ali, sobretudo o pessoal do norte. Tivemos muitos geólogos paraenses, do Maranhão, pessoas ambientadas ao local e que preferiam ficar por questões familiares. Fui para Aracaju no início de 1975. Trabalhei com colegas com quem já tinha trabalhado em Belém. Aracaju era um outro mundo. As coisas eram mais controladas, tinha operação de mar. Aracaju produzia bastante óleo, então sua responsabilidade era de outra natureza. Em Belém, estávamos em uma área que era fronteira exploratória, nas Bacias da Foz do Amazonas, do Acre. Onde tinha óleo era no Rio Grande do Norte, no Campo de Ubarana que já tinha sido descoberto um ano antes. Estávamos começando nas outras bacias que ficavam em área de fronteira. A Geologia tem essa característica de avançar. Têm áreas com campos, mas estávamos fazendo isso em áreas com um conhecimento menor e, portanto, com potencial e conhecimento menores também. Precisávamos tatear essas áreas também, para ter alguma opção após o esgotamento das já exploradas. Estava ocorrendo óleo nas bacias destas áreas de fronteira em todo o mundo, sobretudo no Delta do Niger, na Nigéria. A bacia da Foz do Amazonas tinha um modelo geológico parecido com aquele. Os chefes da ocasião decidiram explorá-la. Tomaram a decisão a partir desta semelhança. Mas não tínhamos grandes zonas produtoras de óleo nessa área, a não ser em Ubarana e na região do Ceará, no mar, onde algum campo estava começando a ser descoberto. Pouca gente via realmente o óleo. Poucos viram alguns processos de formação do óleo. Aquele sonho que se tem de ver o óleo jorrando não é bem assim... Vi óleo jorrar no Ceará, no campo de Ubarana. Fazíamos testes, furávamos o poço e o colocávamos para produzir. Daí, era possível ver óleo jorrar. Em Sergipe, não vi. Era uma área produtora tradicional. Sergipe produz desde a década
de 50, 60. A responsabilidade não era para o controle do poço, para se antecipar devido às distâncias. O controle era daquele poço mesmo porque ali, com certeza, a chance de encontrar um poço era muito maior. Mudamos toda a nossa maneira de pensar, porque as distâncias eram muito menores. Se lá tínhamos a dificuldade do avião, em Sergipe, íamos para a plataforma e ficávamos vendo o Atalaia lá, todo iluminado. As plataformas estavam a 20 quilômetros da costa. Ficava debruçado olhando para o Atalaia Esta era a diferença. Em 15 minutos de helicóptero, chegávamos. Em Sergipe, trabalhava offshore e onshore. Tive a oportunidade de conhecer todo o interior de Sergipe e de Alagoas. Esta é uma região em que a Petrobras é bem-vinda, mas, muitas, vezes os comportamentos não eram bem-vindos. Íamos para a cidade com alguns cuidados para não afrontar as pessoas. Mas eram regiões fabulosas. Aprendemos muito, porque é uma área produtora, parte do norte de Sergipe e o sul do Estado de Alagoas, sobretudo em São Miguel dos Campos, uma cidade praticamente de “petróleo”, onde só existia a Petrobras como forma de sustento. Lá tem uma praia maravilhosa chamada Barra de São Miguel. De vez em quando, íamos tomar um banho de mar lá. Foi uma fase de solidificação dos conhecimentos que recebemos anteriormente. Um aprendizado a respeito de como manejar, de fato, os poços que iriam ser os descobridores, que teriam petróleo.
SÍSMICA: ANALÓGICA E DIGITAL A mola mestra da atividade da exploração ainda é o Geólogo, pela sua criatividade e capacidade da análise científica dos dados. Não é à toa que a Companhia gasta muito em sua formação. Em termos tecnológicos, houve muito avanço na parte da sísmica e de todos os processos e sistemas que tentam extrair o dado sísmico e colocá-lo em uma tela de computador. Vimos a diferença entre a sísmica analógica e a digital já na década de 70. Na década de 60, era a sísmica analógica. Grandes campos foram descobertos com essa sísmica, como Água Grande, na Bahia, e Carmópolis. O ser humano ainda é o diferencial nessa área, porque esse pessoal tinha muito pouco na mão e conseguiram descobrir campos fabulosos. Os maiores campos do Recôncavo foram descobertos dessa forma. A sísmica ajudou quando a exploração começou a ficar cara, quando se tornou marítima. A sísmica digital foi um “salto enorme” ao longo dos anos. Vejo a sísmica como grande elemento, como ferramental tecnológico. Aliado a isso, todos os sistemas evoluíram muito. Todos os programas que ajudam a interpretar a sísmica, a parte de computação, de softwares e visualização evoluíram bastante. Isso ajudou a diminuir os riscos. O Geólogo e o Geofísico têm um modelo em sua cabeça. Tentam trazer todo o ferramental científico para diminuir os riscos. Anular é impossível, mas tentam diminuir. O que fazemos é tentar diminuir e numerar esse risco. A sísmica inovou com um procedimento chamado 3D, que é uma sísmica que, ao invés de fazer uma radiografia, faz um ultra-som. Com ele, se imageia os órgãos através de uma fonte sonora que é captada por um equipamento chamado geofone. Uma fonte e um outro equipamento captam a reflexão que desse som ao bater em algo mais denso. É o mesmo processo do ultra-som para a sísmica. Nossa fonte é uma banana de dinamite. Algo que olhávamos em um plano, através da sísmica 2D, começou a se apoiar em um terceiro eixo que é o 3D. Fazemos tanta sísmica, uma perto da outra, que conseguimos ter uma imagem do volume, uma imagem em três dimensões. A partir daí, a exploração marítima começou a avançar. Essa exploração estava começando a ficar cara e isso começou a justificar pesquisas e levantamentos mais sérios. O levantamento sísmico é, no mínimo, cinco vezes mais barato do que a perfuração de um poço. É melhor ter dados para justificar este desenvolvimento. Quanto mais dados tivermos para tomar uma decisão cara, melhor. Daí, a análise econômica para começar a fazer um desenvolvimento grande, porque estamos falando de valores da ordem de um ou dois bilhões de dólares. Como esse processo começou a ficar custoso, justificou o desenvolvimento da sísmica e da parte computacional. Nossos primeiros computadores tinham uma área de 200 ou 300 metros quadrados. Hoje, em três metros quadrados cabe um computador com a mesma capacidade daqueles. Com o sistema de 3D, além de levantar os dados, é possível visualizá-los de todos os ângulos.
BACIA DE CAMPOS / INÍCIO Houve um desenvolvimento mundial em toda a área tecnológica, a menos no que se refere a águas profundas. A Bacia de Campos é uma das bacias brasileiras mais prolíficas. A do Recôncavo também. Possui dez mil quilômetros quadrados e tem muito óleo. A Bacia de Campos tem 100 mil quilômetros, dez vezes mais área. Mas, muito provavelmente, deve ter 10 vezes mais petróleo também. O Recôncavo é outra bacia fenomenal a nível mundial. Elas têm “classe mundial”. São nossas duas grandes bacias. O Recôncavo já está, obviamente, caindo, em termos de exploração. Sua exploração começou na década de 30, com o primeiro campo sendo descoberto em 1937. Em Campos, o primeiro campo, o de Garoupa, foi descoberto em 1974. A primeira produção, no entanto, foi em Enchova. A Bacia de Campos foi o nosso corpo de prova para muita coisa feita a nível tecnológico, que hoje é mundial. Por causa do avanço da sísmica, pudemos ter uma exploração na Bacia de Campos muito rápida e exitosa. Mas isso é um processo mundial. Não ocorreu apenas na Bacia, mas lá foi o melhor resultado de todo o desenvolvimento . Fruto de sua potencialidade e daquilo que desenvolvemos na Companhia.
ÁGUAS PROFUNDAS Começamos a pensar em furar em águas profundas, ou seja, acima de 400, 500 metros de profundidade, sem que houvesse mecanismos de produção para essas áreas. Não havia conhecimento para isso. Calcados em dados sísmicos, tivemos uma visão de longo prazo estabelecida, sobretudo devido a pessoas como o Carlos Walter, que era o diretor e acreditou nestas iniciativas que, muitas vezes, eram de Geólogos e Geofísicos. Tivemos essas visões até meio messiânicas. Felizmente, isso aconteceu naquele momento em que estávamos na Bacia de Campos. Tive o privilégio de participar disso, no início da década 80. Poderia ter não acreditado nisso, como acontecia em outras áreas, e isso ter gerado um atraso de cinco, dez anos. Na Bacia de Campos, começamos a ter essas aplicações e, com as primeiras descobertas, a tecnologia para produzir esses campos. Isso foi desenvolvido pela Petrobras, não sem a ajuda de instituições internacionais, porque o Cenpes, sobretudo, fez alguns convênios. Todos os protótipos de modelos de plataformas foram desenhados no Cenpes. Muitas dessas tecnologias foram criadas e testadas pela Petrobras. Para águas profundas, saímos na frente e ainda estamos na frente. Somos a maior companhia do mundo que produz em águas profundas. Estamos com cerca de um milhão de barris por dia. Em 1979, já começamos a fazer levantamentos em águas profundas. O primeiro poço aprovado e perfurado foi em Marimbá, descoberto em uma lâmina d’água que variava em espessura de água de 400 a 600 metros. Essa primeira descoberta nos deu a certeza de que aquele modelo que estávamos pesquisando estava ocorrendo para águas profundas. Já tínhamos uma análise regional feita por dois Geofísicos muito famosos, o Lobo e o Ferradaes, que nos demonstraram essa possibilidade. E tínhamos alguém que acreditou, que foi o Carlos Walter. Começamos a perfurar e não faltaram críticas na Companhia por isso. Parecia uma atitude irresponsável, imatura, mas não era. Nós, da Companhia, já tínhamos uma base, dentro da Exploração, do que podia ocorrer. Marimbá, pelo seu tamanho, não foi algo que causou espanto e, um ano depois, furamos Marlim. Pela primeira vez, se falou em algo que nunca havia se falado no Brasil, em campos de petróleo com potencial acima de um bilhão de barris. Nosso maior campo ficava na Bacia de Campos. Era o campo de Namorado e tinha 250 milhões de barris de óleo recuperável para extração. Foi o maior campo de mar durante dez anos. O maior campo em terra tinha cerca de 500 milhões de barris e ficava no Recôncavo, em Sergipe.
TURBIDITOS / ESTUDOS NA UNIVERSIDADE DE TURIM Nunca se falava em campo de um bilhão de barris. A Companhia mudou com a descoberta de Marlim. Nesse momento, estava na Bacia de Campos como Geólogo e trabalhava na área da Exploração. Fui para o Rio de Janeiro em 1979, depois de passar sete meses na Itália trabalhando com os sistemas usados hoje na Bacia de Campos. Fui fazer um trabalho na Universidade de Turim, com um professor italiano que cuidava de reservatórios como os da Bacia de Campos que se chamavam turbiditos. São reservatórios que se depositam no fundo do mar. São os principais reservatórios da Bacia de Campos e os principais reservatórios da nossa plataforma continental. Fui direcionado para fazer um trabalho nessa área, junto com mais dois colegas. Ficamos sete meses trabalhando no campo, porque a Itália tem esses reservatórios expostos. Todos os Apeninos são formados por esse tipo de reservatório. Fomos ver como é que eles se distribuíam, como era a sua geometria. Tudo para aplicar aqui. Levamos os dados da Bacia de Campos e fizemos um trabalho que aproveitamos depois, na volta, para dar suporte à nossa exploração na Bacia de Campos. Tivemos esse contato em 1979.
BACIA DE CAMPOS / ÁGUAS RASAS Explorávamos só na parte rasa, ou seja, até 200 metros de lâmina d’água. Foi então que a Bacia de Campos começou a ter águas profundas. Esse sentido de águas profundas é muito dinâmico. Os primeiros poços foram em águas de 20 ou 30 metros. Nosso primeiro campo já tinha 90 metros e foi um desafio para a plataforma fixa, que ancora no fundo do mar e fica produzindo com facilidades. Os equipamentos que vão limpar o óleo, filtrar, tirar o sal, água e gás ficam apoiados em uma plataforma que tem um pé que se chama Jack-up. Sergipe tinha 30 metros e outros lugares do mundo também. Campos começou com 90 metros, o que já era água profunda, porque, na década de 70, produzir um campo a 90, 100 metros de profundidade era muito difícil. Campos já era a maior reserva brasileira de petróleo naquele momento, com cerca de dez campos descobertos.
BAHIA / LACEX
Estava animado, porque, depois de Sergipe, passei um ano na Bahia fazendo um curso. Voltei da Bahia e fui trabalhar no LACEX, Laboratório Central de Exploração. Fui trabalhar com a Bacia de Campos devido ao boom que estava ocorrendo com ela. Fiz esse curso preparatório na Bahia, quando tinha cinco anos de trabalho. Tinha matérias mais avançadas, inclusive de sísmica, que me prepararam para fazer interpretação no mar. A Empresa estava crescendo e o Geólogo era aproveitado para acompanhar a exploração no mar. E tinha um grupo forte, até hoje, que fazia os projetos de exploração. Terminado o curso, ainda em Sergipe, fui transferido.
BACIA DE CAMPOS / INTERPRETAÇÃO Pedi para vir para o Rio de Janeiro, porque queria trabalhar com outra coisa, não queria mais ir para o campo, não queria mais fazer perfilagem, não queria mais acompanhar o poço. Queria trabalhar nos grupos que fazem a interpretação dos dados e que propõem as perfurações. Em 1979, fui trabalhar neste Laboratório e depois me integrei ao grupo de exploracionistas que estavam trabalhando na Bacia de Campos. Foi uma oportunidade única ter trabalhado na Bacia de Campos, que era a bacia mais “efervescente” e que congregava um número de gente de altíssima qualidade. Aprendi profissional e pessoalmente devido a uma questão de dialética, onde era checado rapidamente, tinha que conversar, dar palpite. Era um trabalho com equipe. Tal era a dinâmica dessa bacia que era fora de série propor, receber dados, trabalhá-los e já propor outros. Depois, galguei outras posições: de Chefe do Setor de Interpretação, de Chefe da Divisão da Bacia de Campos e de Gerente Geral. Creio que me ajudou esta possibilidade de ter trabalhado numa área tão dinâmica. Tinha que me despojar de muita coisa, que ter muita idéia, driver, esforço e muita responsabilidade. Isto me ensinou pessoal e profissionalmente. Fui para a Itália com dois colegas, o Sérgio Possato e o Mozart Cavalcante de Barros. Fui como trainee e comecei a atuar como profissional senior já na Bacia de Campos. Era muita vibração mesmo, muita coisa acontecendo. A descoberta de um campo é uma coisa maravilhosa.
EXPLORAÇÃO NO MAR O processo produtivo que faz o Geólogo e o Geofísico e que o leva a propor uma área a ser furada é o mesmo em terra e no mar. Mas existem duas diferenças. Uma é a qualidade dos dados. Os dados no mar têm uma qualidade muito melhor que os de terra. Muitas vezes se exige mais aprimoramento para trabalhar em áreas terrestres que têm um imageamento com a sísmica muito ruim. Em compensação, perfuração no mar tem um custo mais alto. Até porque os dados são de melhor qualidade. Na terrestre, é preciso passar por meio de casas, fazendas, abrir picadas, estender um cabo, puxá-lo. Ela exige 300 homens trabalhando. Exige muita Geofísica. No mar, não. A sísmica marítima é um cabo que estendido por cinco quilômetros, preso em um navio. É mais rápida e exige menos gente. Exige mais tecnologia, porque é em um navio. Você atira, detona, recebe pelos geofones. A perfuração no mar é muito mais cara do que a perfuração em terra. O processo é o mesmo; as ferramentas são as mesmas. A diferença é a qualidade e o custo. Isso não quer dizer que todo poço em terra seja mais barato. Há poços caríssimos em terra e há poços que fazemos com rapidez no mar.
DESCOBERTA DE UM POÇO A sensação de achar um poço é muito interessante. É como a sensação de ter um filho. Participar do início de um processo, do estudo de uma área. Começar com uma bacia, algo imenso, geológico. Há um ditado na área de exploração que diz o seguinte: “o campo de petróleo é encontrado primeiro na cabeça de um exploracionista”. Esse campo é idealizado com base nos dados que se tem. Daí, se procuram as evidências. Inicialmente, o campo de petróleo é uma exceção dentro de uma bacia. Muitas vezes, o dado que está na linha sísmica não é suficiente. E a sensação é essa mesmo, de acompanhar a gestação de um filho. A hora do nascimento é quando se está perfurando, depois da perfuração e depois que é feito um teste nesse poço. Se identifica uma zona, um reservatório. Só saberemos se ele será produtor na medida em que descermos equipamentos e fizermos testes nesta formação. Ou seja, colocaremos essa formação para produzir. Como ela está com uma pressão muito alta, uma pressão de uma coluna de água, que chamamos de estática, ao colocar essa formação em contato a superfície, ela produz. Com os poços de água se dá a mesma coisa. Ocorre a expressão física da descoberta, porque tudo são dados. Você sabe que está furando, mas só vê fisicamente o petróleo quando ele sai desse teste de formação. Esse é um momento, não o único, de maior prazer que temos. Participamos daquilo que foi uma idéia que gerimos com nossa equipe. Isso não foi feito sozinho, mas, às vezes, alguma pessoa se destaca, porque tem uma capacidade de identificar uma “agulha no palheiro”. Isso dá uma sensação de conforto grande, de alegria, de euforia. Hoje, ainda vibro com isto e todos os colegas que tem esta vivência também vibram.
Nos acostumamos com o fato de descobrir um campo de petróleo. Mas não é bom sinal quando não ligamos mais. É bom que continuemos ligando. E tem o outro lado, quando o poço é seco. Muitas vezes, colegas caem em depressão, porque aquilo foi algo gerido da mesma forma, mas que não deu em nada. Daí, existe a necessidade de voltar e tentar construir um novo “castelo”. Um navio como o P-47 é a expressão de uma descoberta. Para nós, Geólogos, Geofísicos, um pouco menos para o Engenheiro, é a realidade de uma descoberta. Até então, um poço foi furado, sobretudo no mar. A descoberta foi feita e ele está tamponado, fechado por válvula, em superfície. Você tem aquele dado, sabe o que aquilo vai fazer, que aquilo pode significar 100 mil barris a mais para a Companhia e para o país em 10 anos. Por enquanto, é apenas uma informação. Aquela descoberta se materializa quando você vê um navio como o P-47 sofrer uma reforma para produzir. É o exemplo da Bacia de Campos, em que se vê três, quatro, cinco, dez sistemas de produção que estão interligados a uma descoberta e que custam centenas de milhões de dólares. Isso dá um prazer interno e uma sensação de dever cumprido com a Companhia, com o país. Porque aquilo materializa algo que, muitas vezes, começou com uma pessoa sentada em seu escritório, com uma linha sísmica, ou sentada em frente ao monitor, à sua estação de trabalho, onde carrega digitalmente os dados sísmicos, de poços, de geoquímica, de estratigrafia, de sedimentologia e de idéias. Começou com alguém que teve uma idéia e foi arregimentando dados até vender para o nível mais alto que é aquele que decide furar um poço. Apesar de ser um trabalho em equipe, muitas vezes é uma atitude isolada ou curiosa de um exploracionista que origina tudo isso. Essa curiosidade faz parte do método científico. Cada vez mais a Geologia está se tornando científica e menos arte. Existem estes dois momentos: o da descoberta em si e o da materialização, que é quando se vê todo o sistema da produção implantado. Quando se vê, por exemplo, uma refinaria na selva, como Urucu, aquilo materializa o que foi uma idéia. Isso é fundamental e dá uma sensação muito boa. Nos “enchemos” de satisfação.
GEÓLOGOS DA PETROBRAS Em 1980, comecei a trabalhar com a Bacia de Campos. Conheci um grupo fabuloso, com o qual aprendi muito: Roberto Gamarra Morales, Giuseppe Bacoccoli e Celso Lucchesi. O Carlos Walter foi meu chefe durante muito tempo como Superintendente de Exploração e Produção e depois como Diretor. Considero-o um líder, talvez o maior da Exploração. Não era, porém, o único. Houve gente muito importante, o Pedro de Moura, por exemplo. Mas o Carlos Walter foi um “divisor de águas” na Companhia, sobretudo porque apostou pessoalmente nas águas profundas, afiançando o que estávamos fazendo. Contrariou uma crença da Companhia e da própria Presidência de que aquilo era leviano, perigoso.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / BACIA DE CAMPOS Em 1986, assumi a Chefia do Grupo de Interpretação da Bacia de Campos, no Rio de Janeiro. Era interessante, porque o pessoal que estava em Macaé, tratava no Espírito Santo. Ficávamos no Rio de Janeiro, cuidando da parte dos projetos exploratórios da Bacia de Campos. Foi assim até 1986, quando aconteceu uma série de descobertas que mudaram a “cara” da Companhia. Descoberta de Marlim, Albacora, Marlim Sul, Marlim Leste e que culminou, com o Campo de Roncador. Nesse momento, eu já era Gerente Geral. A ida para a Bacia de Campos foi importante para mim. Foi um salto na responsabilidade e no aprendizado. Outro salto foi quando assumi a Chefia de Interpretação da Bacia de Campos, trabalhando com pessoas de altíssimo nível. Apesar de ter um certo tempo de Companhia, mais de 10 anos, foi algo que me exigiu alguma reflexão. Sai da parte técnica para fazer a Gestão da Exploração da Bacia mais importante. Esse foi um momento crucial e foi importante, porque trabalhava com amigos. Isso me deu muita garantia e me ajudou a superar o temor daquele desafio de ser Técnico.
Outra grande responsabilidade foi quando se quebrou o monopólio. Atuava como Gerente Geral. Isso marcou não só a mim, que estava ali como partícipe, mas também a outras pessoas. Foi um momento de virada da Companhia. Águas profundas foi um marco na Companhia. A Companhia teve algumas fases. Terra, mar, águas profundas e, agora, estamos na fase ultraprofunda. Peguei duas dessas fases. O mar e as águas profundas. Fui partícipe e gestor delas, como Técnico e Gerente. Trabalhei na Bacia de Campos, que estava em franco crescimento e em meio às grandes descobertas de águas profundas, como Técnico e como Gerente, ou seja, como gestor desse processo e interlocutor das chefias mais altas e do
pessoal de baixo, mantendo o ritmo e a dinâmica desse pessoal junto a mim. Depois de quase dois anos no Cenpes e de dois anos e meio na Líbia, retornei como Chefe da Divisão da Bacia de Campos.
CHEFIAS E GERÊNCIAS Permaneci no Cenpes de 1989 a 1990, trabalhando em sua Divisão de Exploração. Tive o privilégio de trabalhar com seu atual diretor, o Guilherme Estrella. O PROCAP 1000 estava começando, devido à descoberta de águas profundas. No Cenpes, eu levava os poços onde íamos furar para mostrar ao pessoal da Engenharia básica que iria preparar seu projeto de produção. Havia muita interação, porque estava na Divisão de Exploração, mas trabalhava com a Bacia de Campos. O desenvolvimento da produção em águas profundas foi um grande salto tecnológico na Petrobras. Em seguida, fui para a Líbia, como Gerente da Exploração da nossa unidade. Passei dois anos e meio lá e voltei.
Ao voltar, passei um tempo na área internacional, que se chamava Braspetro. Era uma subsidiária da Petrobras para Exploração e Produção fora do país. A Lei 2004 proibia que a Petrobras fizesse isso, então ela criou a Braspetro para tal.
Passei um tempo como Gerente de Exploração e fui convidado para reassumir a Divisão de Interpretação, cuidando de Santos e Campos. Fiquei nessa atividade do final de 1992 até 1995. Foi o “desbravar” da Bacia de Campos, da consolidação das águas profundas, o incremento da produção com os primeiros campos que iam entrar em produção em águas profundas. Foi período muito rico, de investimento e planejamento. A Companhia mudou. Ela produzia 250 mil barris, depois subiu para 550, 1000 barris em 1985. Uma meta do governo e que contou com a ajuda da Bacia de Campos, com sistemas antecipados, que eram os sistemas para produção em águas profundas. Nada aconteceu por acaso, nem as descobertas, nem a tecnologia usada. Em 1985, como precisávamos acelerar a produção, usamos os sistemas antecipados, porque os definitivos eram
demorados para construir. De 1985 para frente, começaram as primeiras produções dos campos descobertos. Em 1995 houve uma reestruturação na Área de Exploração e Produção da Petrobras. Nesse momento, estava atuando na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro, em Santos e no Espírito Santo. Fui convidado para ser Gerente Geral da Exploração. Fui convidado na gestão do diretor De Lucca e isso foi um outro susto. Já tinha 21 ou 22 anos de Companhia e saí de um nível técnico para assumir toda a Exploração da Petrobras no Brasil.
COTIDIANO DE TRABALHO / GERÊNCIA DA E&P O suporte que recebi de todas as pessoas que trabalhavam comigo me ajudou muito. Entender as diferenças, o aprimoramento na gestão, pensar menos tecnicamente e mais gerencialmente nem sempre é fácil para quem tem um viés técnico. Foi outro desafio e, para ser franco, nem deu muito tempo para pensar. A Companhia já coletava os frutos, já pensava grande, porque, pela primeira vez, no final da década de 80, já fazia previsões de produção de um milhão de barris, algo quase inatingível, assim como a auto-suficiência. Nesse momento, vimos que dava para produzir um milhão de barris e ser auto-suficiente. Estávamos falando de descobertas com classe totalmente distinta de “classe mundial”. Um a dois bilhões de barris. Antes, se falava em 500 mil barris em terra e 250, 300 mil barris no mar. Isso resultou na transformação do E&P. Fui convidado para a Gerência Geral da Exploração, trabalhando com o mesmo grupo. Todo o crescimento que estávamos vivenciando foi bom, embora viemos a ser interrompidos pela quebra do monopólio.
QUEBRA DO MONOPÓLIO Em 1996, começaram as primeiras discussões para a quebra do monopólio. Ficou claro que perderíamos áreas que eram nossas. Não pretendo discutir a vantagem ou desvantagem disso, mas toda companhia no mundo quer ter monopólio. Qualquer uma, até um engraxate gostaria que o “ponto” fosse só dele. É natural. Nós tínhamos esse monopólio. Explorávamos onde gostaríamos. A Petrobras sempre pôde alocar seu orçamento para o que era o melhor para o momento. Não tínhamos uma obrigação temporal para fazer as coisas, não tínhamos um contrato que nos obrigasse a fazer determinada coisa. Isso dava uma flexibilidade de gestão para Companhia, porque poderia aumentar ou diminuir seu investimento de acordo com os resultados, com a necessidade do país e da própria Petrobras. Era uma tranqüilidade. E, então, veio a quebra do monopólio. A principal área atingida foi a Exploração, porque perdemos as áreas de que dispúnhamos. Começou a mudar a nossa forma de encarar as coisas. Muitos dos planos que tínhamos, para fazer em dois, três, cinco anos, tiveram que ser repensados. O tempo de contrato tem uma média de, no mínimo três anos, durando de três a seis anos. Para uma companhia que estava, há 50 anos, operando de uma determinada maneira, foi uma mudança. Isso exigiu outro comportamento. Eu já tinha a experiência internacional de ter trabalhado fora do país e de ter trabalhado na Braspetro. Mas sabia que viria um
“tsunami”. A Companhia fez um follow up das coisas que estavam acontecendo. Conhecíamos a tendência da Lei e discutíamos isso. A Companhia tinha um acompanhamento institucional e nós tínhamos também. Visitávamos Brasília para saber o andamento dessa Lei, porque iria ter um impacto de décadas na Companhia. Não seria um impacto de três ou quatro anos. Isso viria com intensidade e profundidade. Poderia ocorrer um impacto sério. Sabíamos que iriam criar uma Agência com compromissos que viríamos a ter, que iríamos perder parte dessas áreas. Tínhamos um investimento que fazíamos anualmente. A Exploração investia de 450 milhões de dólares a 600 milhões de dólares, dependendo do preço do petróleo.
PROJETO MUTIRÃO Num primeiro momento, antes que viesse essa Lei em que poderíamos ser obrigados a entregar as áreas e o conhecimento delas, fizemos reuniões com todas as unidades da Exploração e, com o subsídio dos nossos chefes, sobretudo do exploracionista Celso Fernando Lucchesi, fizemos um programa que durou um ano e que foi fundamental para o que está havendo hoje. As descobertas que estão ocorrendo são frutos desse trabalho. Criamos um projeto que se chamou Mutirão, que iria reavaliar todas as bacias, através de um cunho crítico para tentar selecionar as melhores oportunidades. Foi um momento de agregação da Área de Exploração e do Reservatório. Muitas questões da nossa área, como as de dialética, de muita discussão, de modelo, foram quase todas superadas, filtradas com vistas a escolher as melhores áreas das bacias. E não eram só as de menor risco, mas áreas que poderiam dar um resultado grande e que ainda não haviam sido testadas.
Tive o prazer de liderar esse Mutirão, embora não tenha sido a pessoa mais importante nele. Os mais importantes foram os técnicos e gerentes regionais. Mapeamos cerca de um milhão de quilômetros quadrados. Em todas as nossas bacias, revisamos as prioridades, os riscos, os resultados potenciais e começamos a selecionar quais poderiam ser os nossos principais projetos. Foi criado um banco de dados para esse projeto que somou, no final de 1998, quando fomos negociar com a Agência Nacional do Petróleo, cerca de 600 oportunidades definidas em blocos. Quando veio a Lei, a Companhia soube que deveria negociar cada bloco, demonstrar que tinha interesse nesses blocos e demonstrar tecnicamente que tinha capacidade orçamentária para conduzir a exploração. Teríamos três anos para fazer a exploração nas áreas e poderíamos solicitar esses blocos, mas teríamos que negociar com a Agência Nacional do Petróleo qual seria o investimento que faríamos e demonstrar que a Petrobras não estava segurando as áreas apenas porque queria tais áreas. Nós, que tínhamos todas as bacias que somavam quatro milhões e meio de quilômetros quadrados, toda a área sedimentar brasileira, acabamos ficando com 7% dessas áreas, porque tivemos que demonstrar. E demonstramos com todo esse trabalho do conhecimento das bacias que foi consolidado durante esse ano de trabalho. Claro que em um ano não teríamos todo esse conhecimento. Isso já vinha de muitos anos, mas se consolidou no Projeto Mutirão. Tivemos um ano de trabalho em paralelo ao trabalho que tínhamos que fazer, ou seja, preparar as áreas que íamos perfurar, porque estávamos com equipamentos alugados de 100 mil a 200 mil dólares por dia. Tínhamos que alimentar esses equipamentos e tínhamos que fazer os testes. Fomos testar muita coisa de alto risco que, em um processo normal, testaríamos mais tarde. Houve um programa em que algumas sondas percorreram alguns lugares do Brasil testando em águas profundas. Algo de altíssimo risco, mas que sabíamos que não poderíamos “levar” sem um teste. Isso foi dentro do Projeto Mutirão e selecionamos áreas que deveriam ser testadas antes da negociação com a Agência. Era uma sonda móvel e que testava alguns poços que tínhamos previsão de furar em cinco, dez anos depois, por causa do risco. Não era hora, não dava para tirar muito equipamento da Bacia de Campos que estava com muitas descobertas. Precisávamos de sondas para completar os poços que iam entrar em produção. Tivemos que negociar internamente, porque a Produção precisava destes equipamentos para produzir nas plataformas que iam ficar prontas e, ao mesmo tempo, estávamos precisando das plataformas para fazer um programa itinerante de algumas bacias. Testamos na Bacia do Ceará, no Espírito Santo, na Potiguar, na de Sergipe e Alagoas, e em Cumuruxatiba, que eram áreas com quase nenhum poço de águas profundas. Estávamos temerosos de entregá-las. Esse trabalho foi extremamente gratificante, porque, em 1998, negociamos essas áreas com a Agência. Não ficamos com tudo o que pedimos, mas ficamos com tudo o que importava.
Muitos dos resultados que vemos hoje são os blocos que testamos, chamados “Ronda Zero” ou “Blocos Azuis”, que foi a negociação entre a Petrobras e a Agência. Chamavam “Blocos Azuis”, porque pintamos os blocos. Sabíamos que não íamos poder fazer tudo sozinhos. Até passamos por cima de algumas discussões ideológicas. “Por que estão fazendo isso com a Petrobras?” Era uma decisão governamental, tivemos que romper com ela. Percorri todas as unidades, falando com as pessoas, porque um grupo nosso iria definir os trabalhos a serem feitos em cada unidade. Fui antes, como Gerente Geral, falando para que todos se dedicassem, pararem com tantas discussões, senão perderíamos nossas áreas. E eram eles quem conheciam as áreas. Os gerentes e pessoal de alto nível iriam decidir o que teríamos que fazer e, por isso, tínhamos que estabelecer prioridades. Isso era ao nível da Companhia e não só das unidades ou das pessoas. Era a sobrevivência da Companhia futura. Não poderíamos voltar a pegar as áreas. Apenas com concorrência. Mas superamos isso muito bem. Tínhamos duas vertentes básicas. Uma seria selecionar as áreas e integrar os técnicos, filtrando esse aspecto da perda. A outra seria o postural, O que iria acontecer com a implantação de uma multinacional? Ao escolhermos as áreas que queríamos, pintamos tais áreas. Eram os famosos “Blocos Azuis”. Acabamos devolvendo grande parte deles em 2004. Devolvemos a primeira parte em 2001, o primeiro ano em que vencemos o contrato. Pintamos outros blocos para fazer parceria. Íamos pedir para alguém fazer conosco, porque a média de investimento era de 450 a 700 milhões dólares. O pico da exploração no Brasil foi em 1980, 1981 com um bilhão e cem mil dólares. Sabíamos que não iríamos repetir isso sozinhos. Ao mesmo tempo, sabíamos que, com três anos, não iríamos cumprir tudo o que tínhamos negociado com a Agência. A Petrobras, através da Exploração e com muitas críticas, teve um resultado exitoso. Selecionamos algumas áreas para trazer companhias. Começamos a abrir o mercado através da Petrobras. A Petrobras trouxe as companhias para o Brasil antes dos primeiros leilões da Agência. Ela se adiantou. Muita gente se arriscou por isso, até politicamente, como os nossos diretores e nosso Presidente. Quando foi aprovada a Lei, em 1997, 1998, a Lei 2004 acabou, e poderíamos fazer isso. A Petrobras pôde fazer exploração fora do país e passamos a ter sócios no Brasil. Começamos a negociar com eles e a preparar os primeiros documentos antes que a Lei fosse aprovada para descarregar parte dos compromissos que iríamos ter com a Agência. Muitas estão, até hoje, nos blocos negociados conosco. A Shell e a Texaco, por exemplo. Vivemos e aprendemos com os resultados, exitosos ou não. Tudo é dado e o conhecimento que tínhamos evoluiu, sobretudo em águas ultra-profundas. O modelo que usávamos era o que estava dando certo para águas profundas. Para águas profundas, o modelo que usávamos era o que tinha dado certo para águas rasas. Era algo exitoso, onde se tentava aproveitar os mesmos elementos. Através de mais dados, em 2002 e 2003, tivemos resultados excelentes nos blocos que escolhemos em 1998. A prospectividade desses blocos foi feita com base no conhecimento que tínhamos da exploração no Brasil em todos estes anos. Ele foi consolidado durante esse ano, onde definimos os blocos e compromissos que queríamos e fomos negociar com a Agência. Esses blocos estão conosco até hoje, porque uma vez descobertos, podemos manter partes dos blocos. As grandes descobertas que fizemos nesses últimos dois anos, em
2003 e 2004 e, parcialmente em 2002, foram o Parque das Baleias e BC60, todos do “Ronda Zero”, fruto desse processo.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / ÁREA INTERNACIONAL Tive o privilégio de viver esse processo até 2000, quando me tornei Gerente de Exploração da Área Internacional, no Rio de Janeiro. Fui para a Colômbia em julho de 2002, onde estou até hoje. Atuo como Gerente da Área de Exploração da Colômbia, mas em uma escala completamente diferente da que temos no Brasil.
COTIDIANO DE TRABALHO / COLÔMBIA Temos outras motivações, outros desafios culturais. Tenho que conviver com gente de cultura diferente. Não é a minha primeira saída, pois já fiquei fora em outras ocasiões. Temos algumas coisas que são muito orgânicas e desafiadoras. Vamos furar alguns poços que têm desafios da mesma natureza que tiveram os nossos primeiros no Brasil. Poços caros, da ordem de 50 a 60 milhões de dólares em áreas de fronteira, que precisam de aparato tecnológico, do preparo que a Companhia oferece. E precisam de crença também. São áreas de fronteira. Essa é outra característica da Exploração. Não nos contentamos com o que temos, porque tratamos de recursos finitos. Precisamos pensar numa substituta para a Bacia de Campos. Provavelmente será a Bacia do Espírito Santo e Santos. Temos que andar na frente. E fazemos isso na Colômbia. Esse é um dos meus grandes desafios. O outro é que acabamos de tomar, a cerca de um ano, um bloco muito grande no Mar do Caribe, com a metade do tamanho da Bacia de Campos. Talvez seja o maior bloco exploratório que a área internacional e a própria Petrobras tenha. Já começamos a desenvolvê-lo. Isso foi uma iniciativa da Petrobras na Colômbia. Negociamos com a estatal local, a ECOPETROL – Empresa Colombiana de Petróleos. Não é uma área virgem na área costeira, mas em águas profundas não tem poço nenhum. Começamos esse trabalho há um ano. É uma área de fronteira, difícil, mas vivemos disso mesmo e creio que temos boas chances de descobertas. É uma área que tem propensão para gás. E esse é ainda outro desafio: trabalharmos no mercado de gás, pensando em exportação. Também pretendemos trabalhar com a Exxon, a maior companhia do mundo, nossa sócia, além daquela estatal local. Só gostaria de sair de lá quando tudo isso estivesse equacionado. E o meu desafio, hoje, é unir o meu trabalho ao fato pessoal de viver longe dos meus três filhos que estão no Brasil. Sempre tenho esse dualismo.
FAMÍLIA Minha filha mais velha é a Fernanda. Tem 25 anos e é Economista. É pós-graduada e trabalha no mercado financeiro. A Soraia vai fazer 22 anos em abril de 2005 e está tentando terminar Advocacia para, depois, fazer História. Ela estagia, atualmente, na Petrobras. Está na área internacional da Petrobras, aprendendo um pouco desse nosso linguajar para me aturar em casa também O Daniel acabou de completar 18 anos e vai fazer vestibular para Engenharia de Produção. Vai “furar” minha idéia de ter um médico na família, mas tudo bem. Espero que dê certo. Sempre temos esse dualismo: os desafios profissionais e, em cada momento da vida, os pessoais ou familiares.
Marli Magalhães Rumenos Guardado, minha esposa, sempre me apoiou muito em minha trajetória, seja na transferência para o Rio de Janeiro ou quando fui para a Líbia, um lugar difícil, sobretudo para uma mulher. Trabalhar num país árabe é difícil, mas tive muito o seu apoio. Sua compreensão e suporte foram fundamentais para que eu pudesse me dedicar à Companhia. Até hoje, tenho esse suporte. Atualmente, vivemos em Bogotá. Depois de viver dois anos e meio lá, o meu filho voltou para fazer o cursinho pré-vestibular no Brasil. O maior desafio da Marli, na Colômbia, é ficar longe dos nossos três filhos. Essa vida do petróleo sempre tem isso. Qualquer pessoa que queira se dedicar a ela, seja atuando no Brasil, que tem dimensões continentais, seja atuando na área internacional, tem que estar preparada para um desafio dessa natureza. Temos esses desafios e dificuldades, mas crescemos também. Nossos filhos crescem também, porque têm oportunidade de se identificar melhor. Devo muito à minha mulher. Ela trabalha em uma associação de mulheres brasileiras, chamada Aquarela. Faz um trabalho social. Essa Associação existe há muito tempo. Marli trabalha, com muito entusiasmo, na parte de arrecadar fundos para hospitais de crianças com AIDS e câncer, que ela visita periodicamente. É uma forma de aglutinar forças para superar a nossa condição familiar. Temos saudades dos nossos filhos, mas isso é natural. Também vamos aprender. A cada momento, tem algo novo e todos vamos ganhar. Espero que sim
PROJETO MEMÓRIA PETROBRAS Gostei muito de participar do Projeto Memória Petrobras. Achei de uma importância fundamental. A Companhia é rica em exemplos. Exemplos de pessoas, de atitudes e de gestão. Falo com alguns colegas que precisamos criar o case Petrobras. Quando fazemos cursos de MBA fora do país, estudamos os cases de companhias que têm muito menos a passar para nós do que a Petrobras. Vivemos dentro dela e percebemos que ela tem exemplos a dar internamente e para o próprio Brasil. Essa iniciativa de resgate das memórias é
muito importante para gravarmos o conhecimento, porque passamos um tempo sem poder “repassar” coisas para a gente devido à falta de renovação da Companhia. Isso vem numa hora muito importante, quando a Companhia recomeça a contratar, depois de 10 anos, para repor os seus cargos. Este Projeto está estruturado para que tenhamos o conhecimento, os exemplos, para que possamos transmitir alguns momentos cruciais na Companhia. Incentivo muitíssimo o Projeto e que vocês continuem fazendo isso para que tenhamos uma memória viva da Companhia, porque sua tendência é crescer e se eternizar. A Petrobras, amanhã, não será a mesma de hoje. Espero que, com este Projeto de conversar, documentar e extrair, possamos melhorá-la. Ela não será igual, será melhor. Ela está crescendo e tem muita coisa que podemos fazer nesse nível. Gostei muito de dar essa pequena contribuição e incentivo vocês a fazerem mais. A Companhia está cheia de exemplos de conduta pessoal e profissional que precisam ser resgatados e guardados para o futuro. Vocês estão de parabénsRecolher