IDENTIFICAÇÃO Lírio Cipriani, eu nasci eu Apiúna, uma cidadezinha minúscula no Estado de Santa Catarina. No dia 5 de setembro de 1944, sou do signo de virgem. ATIVIDADE ATUAL Eu prefiro citar em primeiro lugar que sou Diretor Executivo do Instituto Avon, mas interinamente, me foi s...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Lírio Cipriani, eu nasci eu Apiúna, uma cidadezinha minúscula no Estado de Santa Catarina. No dia 5 de setembro de 1944, sou do signo de virgem.
ATIVIDADE ATUAL Eu prefiro citar em primeiro lugar que sou Diretor Executivo do Instituto Avon, mas interinamente, me foi solicitado substituir o Diretor de Comunicação e eu estou lá já no décimo primeiro mês. E agora, mais recentemente, eu represento a Avon na ABIPEC que é a Associação Brasileira das Indústrias de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos e represento a Avon na ABEVD que é a Associação Brasileira das Empresas de Venda Direta da qual eu sou o presidente atual. Eu sempre sonhei em ser presidente e não consegui. Aos 63 anos eu me tornei presidente, mais um sonho que eu realizei na vida.
FAMÍLIA Meu pai é Fortunato Cipriani, um pai afortunado, e minha mãe, Josefina Mondini Cipriani. Meu pai é falecido, faleceu novíssimo, aos 76 anos; e minha mãe ainda é viva, vai fazer 92 anos com quase mais saúde do que eu.
Meu pai teve várias atividades. Parece que eu segui, mais ou menos, os passos dele. Basicamente, foi agricultor, plantava de tudo, era uma economia de subsistência como se conhecia na época. Plantou até tabaco para a Souza Cruz durante muitos anos. Foi delegado de polícia, foi juiz de menores e em plena vitalidade ele faleceu, aos 76. Mas a atividade principal dele foi a agricultura, ele era agricultor. Minha mãe também, como esposa de agricultor era agricultora. Minha mãe costuma dizer, ainda hoje, que se ela ganhasse um real por cada molho de capim que ela cortou para o gado e tirou para tratar dos porcos e das galinhas, ela estaria riquíssima, porque o que mais ela fez na vida foi tirar alimento para os animais, alimento da natureza, é claro. Então, a profissão dela, foi dona de casa e lavradora também e hoje vive com a minha irmã.
Meus avós são italianos. Meus avós vieram no começo do século passado, mil novecentos e pouquinho, para o Brasil naqueles navios italianos que logo depois da guerra, aliás, durante a Primeira Guerra. Eles eram da região de Veneza, do Vênito, e mais especificamente da cidade de Pádua. Eu não conheci meu avô, ele morreu no Brasil, mas eu não o conheci. Eu conheci minha avó que só falava italiano e foi daí que eu também, até começar a ir para a escola, só falava italiano. Não o italiano que vocês talvez conheçam e eu agora também conheço, por outras razões, mas o dialeto vênito, que é um dialeto totalmente diferente. A Itália tem várias regiões com dialetos diferentes e que eles mesmos não se entendem falando de uma região para outra o dialeto. Só se entendem falando italiano. Então, meus avós eram italianos e vieram como imigrantes. O meu avô se naturalizou brasileiro, motivo pelo qual eu não consegui meu passaporte e minha cidadania italiana porque ele, digamos renunciou à cidadania italiana que foi um gesto até bom e louvável para a época, ele ter renunciado e se tornado brasileiro. Mas minha avó que eu conheci era também uma dona de casa e cuidava de tudo. A missão da minha avó na minha casa, quando eu era pequeno e eu vivi com ela até os 11 anos, ou 12 quando ela faleceu, era praticamente fazer comida para a família. Nós éramos uma família numerosa, numerosa para hoje, de seis filhos. Minha mãe teve 15 irmãos; ela é a única viva, é a mais nova; a última irmã dela morreu agora faz dois meses, com 99 anos, ia completar em agosto, 100 anos. Então nós éramos apenas seis e eu lembro que na nossa região, na nossa cidadezinha, onde a gente morava, no bairro, a gente tinha vergonha de dizer que nós éramos “só seis”, porque as famílias eram muito numerosas. Eu falava com restrição e só para quem perguntasse que nós éramos só seis irmãos, porque meus primos, todos tinham oito, dez, doze irmãos, então era muito normal naquela época. Hoje não. Por isso as mulheres não tinham tanto câncer de mama na época sabiam? Porque o câncer de mama, um dos fatores de risco para o câncer de mama - eu vou fazer meu comercial do Instituto aqui – e as mulheres tinham muitos filhos; esse é um fator preponderante para não ter câncer de mama.
CIDADES / APIÚNA Apiúna é uma cidade pequena hoje. Atualmente tem 11 mil habitantes; é uma cidade muito pequena, vive de algumas indústrias. Vivia de indústrias de madeira. Santa Catarina, infelizmente eu tenho que dizer, infelizmente é um dos Estados que mais devastou a Floresta Atlântica no Brasil. Um dos que mais devastou em termos de extração de madeira. Meu pai até trabalhou nisso, em alguma época, com serrarias e essas coisas que beneficiavam as madeiras retiradas. Então viveu muito disso durante muitos anos. Hoje vive em função de algumas grandes malharias, é uma região de muitas malharias, o Vale do Itajaí. O Itajaí-Açu é um rio que corta Santa Catarina de oeste a leste porque vai desaguar no mar, em Itajaí, que é o Porto de Itajaí onde ele é maior. Mas, basicamente, Apiúna é uma cidade que não cresceu por força de circunstância; a indústria, sem muita mão de obra, e as pessoas acabaram emigrando de lá, isto é, saindo de lá. Eu sou um caso, meu irmão também, que acabei trazendo para São Paulo porque lá não tinha mercado. Ele já trabalhava fora em Blumenau. Onde havia mercado de trabalho, onde havia possibilidades, onde havia estudo. No meu tempo, quando eu fiz o primário, Apiúna só tinha a escola primária. As minhas duas irmãs mais velhas só fizeram o primário porque não tinha onde fazer. As grandes compras de Natal e Páscoa, a gente ia uma vez ou duas vezes por ano às grandes cidades: Blumenau, Itajaí, para fazer compras porque a gente vivia isolado. Era uma colônia italiana fechadíssima porque nessa região é muito característico encontrar cidades ou de imigrantes alemães ou de imigrantes italianos. Não existiam outros, japoneses, negros, eram alemães e italianos, basicamente. Hoje ainda em cidades pequenas lá se vê crianças e adultos falando italiano, falando alemão pelas ruas. E Apiúna então ficou naquilo, eu não me lembro dela ter tido menos que seis ou sete mil habitantes e continua com os 11 mil habitantes. As indústrias são hoje têxteis que utilizam a mão de obra local e as pessoas que querem alcançar alguma coisa tem que sair ou porque acharam oportunidade ou porque, por acaso, saíram e se alojaram em outros locais.
INFÂNCIA A casa onde meus avós moravam, e meus pais, era uma casa muito simples. Eu costumo dar como exemplo que eu calcei o primeiro sapato aos sete anos de idade, eu ganhei meu primeiro sapato quando fiz minha primeira comunhão porque não era hábito a gente ter sapato e na roça se usava chinelo. Eu saí muito cedo de casa, eu saí de casa com 12 anos, então eu conheci meu pai como homem que só andava descalço. A casa era uma casa simples, a comida básica era o arroz, aliás, não era nem arroz, o arroz para nós era uma comida de final de semana só, porque todo dia tinha polenta, porque esses imigrantes italianos eram da região da Itália que se chama dos polenteiros, os “manja polenta”. O meu pai não jantava se não tivesse polenta. Eu me lembro de brigas homéricas em casa entre eles porque aquele dia tinha faltado o fubá e não tinha polenta. Basicamente polenta, queijo, aves. O meu pai criava galinhas, criava porcos, então carne tinha sempre em casa, carne de gado, de porco ou de galinha, tinha sempre. E eu lembro que a gente levava para a escola, o nosso lanche era polenta, queijo e carne de frango ou carne de porco e os que nós achávamos que eram os mais ricos que moravam na cidadezinha, filhos dos comerciantes e desses madeireiros, que eram colegas nossos na escola, a gente trocava o lanche na hora do recreio porque eles adoravam a polenta e para nós a polenta, a gente comia todo dia. Eles levavam o pão de trigo que para nós era um luxo, pão de trigo com outras coisas que a gente não conhecia. Então a festa era na hora do recreio, entre as aulas, porque a gente trocava e eles adoravam a polenta, a gente levava a polenta frita na chapa. A vida era uma vida bem simples. Eu lembro, por exemplo, que água nem pensar, água encanada ou eletricidade. Televisão não existia. Isso foi em 1944, ano em que nasci, até 56, quando saí de casa. Então não existia. O rádio que a gente tinha, que minhas irmãs viviam coladas para ouvir as novelas, era à bateria; e as baterias eram carregadas numa espécie de usina que recarregava as baterias que eram tocadas a monjolo. Vocês nem sabem o que é monjolo, eu acho. Monjolo eram aqueles equipamentos tocados à água de ribeirões ou rios e que giram as rodas. A energia é multiplicada, movimenta um gerador. Então um dos passeios era eu ir na garupa da bicicleta do meu pai uma vez por semana, ou duas, para levar as baterias para recarregar para gente ter o rádio. Não luz elétrica, mas para ter o rádio funcionando no final de semana, principalmente para minhas irmãs mais velhas que gostavam de ouvir as novelas. Então a vida era por aí. Eu lembro, por exemplo, que na saída da porta da cozinha da minha casa havia o poço. Nós tínhamos o poço com manete, um poço praticamente dentro de casa. Não era nem poço artesiano, imagina, porque a gente tirava a água que consumia e que bebia.
BRINCADEIRAS DE INFÂNCIA Essa eu acho que não posso contar, você sabe qual era o meu maior divertimento? O meu pai sempre foi caçador e pescador porque nós morávamos a 100 metros, 200 metros do Rio Itajaí-Açu que era um grande rio e o Rio Itajaí tinha muita pesca. Hoje ele foi depredado completamente como foram as matas; não existe mais peixe, mas na época todas as famílias viviam de carne de gado que criavam, porcos e galinhas que criavam e do peixe que pescavam. E meu pai pescava todo dia, todo dia tinha peixe, praticamente todo dia, ele gostava de pescar e eu também gostava. Eu acompanhava com aquelas canoas a remo; eu era o remador dele, adorava andar e caçava nas matas, tinha muitas caças. Era uma vida primitiva, há 55 ou 60 anos e nós, para seguir esse exemplo, eu e os primos, caçávamos com estilingue. Então, matávamos muitos passarinhos, mas na época... Quando eu conto isso hoje é o mesmo de quem devastou as florestas, infelizmente, era uma abundância, eu diria que era quase uma vida indígena por que os indígenas vivem de quê? Do que existe na mata e da caça. O maior divertimento nosso era a caça. Fora as outras, por exemplo, a gente tinha muitos morros, montanhas. Talvez a principal brincadeira fosse deslizar dos morros com aquelas folhas grandes de coqueiros que nós fazíamos como esqui ou como lanchas. É claro que provocamos inúmeros acidentes, muitos braços quebrados. Porque nós deslizávamos dos altos dos morros, sentávamos naquelas pranchas, umas canoas, grandes folhas de coqueiro. Não são folhas, são a casca do tronco do coqueiro; ele desliza quase que como em cima do gelo. Na semana passada, eu estive no Chile deslizando na neve e eu lembrava. Eu ainda contei essa história que eu me lembrava da minha infância descendo aqueles morros em cima daquelas cascas de coqueiro.
FORMAÇÃO Eu nasci numa família muito católica, extremamente católica, rigidamente católica. Até rígida demais para os padrões que depois eu vim adotar. E minha mãe tem também uma família muito religiosa, de religiosos na família, inclusive. Essa última irmã dela, que morreu há pouco tempo, era de uma congregação religiosa e ela tinha outras duas. Então era, mais ou menos, uma meta das famílias. Era uma meta da família de ter alguma pessoa dedicada à vida religiosa e eu fui o escolhido. Eu ia todos os domingos à igreja, eu me envolvi, como hoje me envolvo, com muita coisa e eu me envolvi com a igreja. Comecei a ajudar como coroinha. Enfim, eu terminei o primário com 11 anos, eu fiz mais ano, o quinto ano lá de preparação para o ginásio e fui para um seminário. Nós fomos em oito, todos coleguinhas. Até um deles era meu primo-irmão e fomos. Porque, na verdade, essa era uma forma de poder estudar, porque se eu tivesse ficado lá, eu estaria... Não tenho nada contra, mas eu estaria fazendo o que fazem as pessoas de lá hoje: tendo um caminhão para fazer transporte ou tendo algum comércio ou uma coisa assim, não sei. Quer dizer os acasos e eu tenho vários pela vida a fora me fizeram agarrar oportunidades e eu fui com a intenção porque eu fui preparado para aquilo e fui para o colégio interno. Eu saí de casa aos 11 anos, aos prantos da minha mãe, e meu pai dizia: “Você tem que estudar, porque eu não quero que você puxe enxada como eu puxei toda minha vida.” E eu acreditei naquilo, me dediquei e fui e fiquei durante sete anos - eu vim para o Paraná, Ponta Grossa – e fiquei sete anos num colégio interno indo uma vez por ano para casa, para passar o Natal só, que era a regra. Mas lá eu tive uma formação acadêmica e de línguas que em nenhum outro lugar eu teria porque era estudo em tempo integral: formação, literatura, disciplina durante sete anos. Eu fiz o ginásio durante quatro anos e três anos de colegial, então eu já não era mais criança, 11 e sete são 18 e com a intenção de continuar a vida religiosa. E era duro porque eu tive fatos bastante desagradáveis. Um exemplo: em 1959, era o quarto ano que eu estava fora de casa e eu ia só passar o Natal em casa, eu ficava em casa aquela semana do Natal e voltava; eu perdi uma irmã que tinha um ano a mais do que eu, eu tinha 16 anos e ela tinha 17; ela morreu num acidente nesse rio que meu pai pescava, afogada e eu soube da morte dela uma semana depois, exatamente porque telefone não tinha, os meios de comunicação eram precários. E também porque eles quiseram me preservar. Então eles foram me preparando e eu soube, na verdade, uma semana depois; ela morreu num sábado e eu soube no outro sábado que ela havia falecido. Mas o choque não foi tão grande porque houve uma preparação. Hoje não dá para aceitar uma situação dessas, mas naquela época, por falta de uma comunicação; o telefone não existia, a televisão também não. Então foi uma fase de aprendizado muito forte. Era uma congregação religiosa de padres alemães muito rígidos, muita disciplina. Uma cidade que era muito fria e onde a gente tinha uma vida também bem simples, mas dedicada ao estudo. Poucas pessoas tiveram a oportunidade que eu tive, de estudar latim durante muitos anos, de estudar alemão durante todos esses anos, de estudar francês, de estudar inglês. Isso, para o meu futuro, depois, é que eu vi o quanto eu colhi frutos por ter feito aquilo. Até hoje com meus filhos, meus colegas quando você conhece a etimologia das palavras, por ter estudado grego... Eu me esqueci de uma língua, o grego. Nós estudamos durante vários anos as línguas que deram origem a todas as outras línguas latinas. Então a origem das palavras é muito rica. Eu vou dar um exemplo: o que é janela em italiano? É finestra. O que é janela em francês? Fenêtre. O que é janela em alemão? Fesnter. Por isso que eu passei a entender que as pessoas depois que falam duas ou três línguas, elas falam facilmente outra porque elas têm as mesmas raízes. Então a grande vantagem de eu ter vivido nesses anos recluso... Foi uma vida reclusa mesmo; só estudava, rezava e fazia atividades físicas porque a lei era: “Água parada apodrece.” Então você não pode ficar parado e “Não fique sem fazer nada porque você vai pecar”, só para dar um exemplo. E foi daí que eu também mudei. Eu era uma pessoa tímida, eu era muito tímido, eu hoje quando vejo minhas fotos da minha primeira comunhão, eu tinha uma postura tímida, eu era uma pessoa tímida. Mas nós tínhamos, nesses sete anos, tínhamos aulas de teatro, de oratória. De literatura, nem se fala e isso fez com que as pessoas mudassem. Eles percebiam e a maneira de conduzir o aprendizado era de transformar as pessoas, não aceitar que elas fossem como elas eram, mas sim transformá-las. Então quando eu digo hoje que era uma pessoa tímida, as pessoas dão risada, mas eu era uma pessoa tímida, eu venci enfrentando, eu venci agarrando as oportunidades: “Ah, eu sou incapaz.” Lá dentro, eu sabia que eu até podia ser incapaz, mas eu ia desse no que desse. Tem um livro que se chama Transformar e Transcender, eu acho que a gente tem a obrigação de transcender, de mudar as coisas porque senão a gente vive sempre da mesma forma e não sai daquela forma de ser; e se a gente não fizer as coisas de uma forma diferente, as coisas não vão mudar, vão ser sempre da forma que são feitas. Então, eu aprendi isso. O seminário, para mim, foi uma escola de vida, uma escola de formação, porque eu levei vantagem muitas vezes por causa disso, em conseqüência dessa formação.
Eu continuei com a intenção, mas eu terminei meu colegial e de lá a gente deveria tomar uma decisão e eu resolvi continuar porque eu estava disposto a me dedicar à vida religiosa. Vim para São Paulo, em 1963. Continuei num colégio que se chama Colégio Superior, Seminário Maior e fiz Filosofia, fiz três anos de Filosofia. Aliás, antes da Filosofia ainda, houve um ano que se chama noviciado; é um ano só de estudo religioso. Eu fiz, foi duro porque tinham algumas coisas meio pesadas, um retiro espiritual de 30 dias fechado, sem ver a luz do sol, só pensando em vida religiosa, estudos religiosos. Depois desse ano, foram mais três anos de Filosofia. Esses foram mais amenos porque é um novo mundo; filosofias, teorias, todos os grandes pensadores da Filosofia, os nossos precursores, digamos, do nosso pensamento. Foi uma abertura de pensamento maravilhosa, mas, nessa época, eu comecei a me questionar: “Vou, não vou.” E nessa época a Igreja sofreu grandes transformações, foi a época do Concílio Vaticano Segundo. O Concílio Vaticano Segundo foi uma renovação total da Igreja. A Igreja se abriu, era muito fechada, muito retrógrada, eu até diria. Ela se abriu e, conseqüentemente, todas as pessoas que estavam lá e haviam ficado durante muito tempo por causa desse fechamento, dessa cultura muito fechada começaram a abrir outros horizontes. E, coincidentemente, nós estávamos chegando a 66 ou 67, época da revolução aqui, a época do Socialismo, época dos movimentos estudantis, dos movimentos operários, universitários; operários e estudantis. E nós começamos a estudar fora, já não estudava mais lá, internamente, era uma faculdade católica, mas estudávamos fora e já começamos a ter contatos externos e ver que o mundo não era só aquele mundo fechado. Embora aquilo tivesse sido uma grande fonte para nós, que todos que haviam ficado porque tinham sido levados ou, digamos... Forçados, eu não diria, mas uma indução que leva você a fazer uma coisa que, de repente, você não vê muitas outras opções. Então, nessa época, começou a debandada. Os seminários se esvaziaram. Nós fazíamos Filosofia fora e logo depois que terminamos, era um curso intensivo, três anos de Filosofia em tempo integral... Tanto é que, hoje, todos nós temos que fizemos Filosofia fizemos um ano depois com o curso reconhecido pelo MEC, como curso de Filosofia como hoje tem nas faculdades. É por isso que eu sou formado em Filosofia e Sociologia, mas com essa abertura, claro que as pessoas começaram a descobrir novas oportunidades, novas vocações, e não só muitas pessoas põem a culpa: “Ah, porque era fechado, o problema do celibato.” Não é só isso. O problema era o caminho único que se seguia lá, não havia outros. Tanto assim é que, hoje, meus colegas todos - e nós temos dezenas de colegas que passaram por lá, nós temos um grupo que ainda se encontra e nós chamamos “o grupo dos ex-seminaristas”, são os ex -, a gente se encontra hoje, os casais, dezenas de casais, que a gente percebe que as vocações, embora aquilo fosse uma vocação religiosa, na verdade, a vocação verdadeira de um e de outro era outra. Hoje tem vários doutores, universitários, reitores de universidades, catedráticos famosos pelo Brasil dirigindo instituições de ensino e que, provavelmente, estão fazendo um sacerdócio mais importante do que fariam se tivessem ficado lá. Agora, com raríssimas exceções, a formação que essas pessoas tiveram, que eu tive, os conduziu para rumos inclusive de postura pessoal e profissional e que são respeitáveis. As bases foram colocadas lá. A desistência foi porque a Igreja se abriu, o Concílio Vaticano Segundo, que foi exatamente nessa época, trouxe novas perspectivas para a Igreja, para a atuação da Igreja, comunidades eclesiais de base. Não sei se é do conhecimento de todos, mas as comunidades eclesiais de base, que depois inclusive foram tidas como bases comunistas, essas coisas da revolução, de 67 e 68, da ditadura militar, mas as comunidades se envolveram com esses movimentos de abertura de uma forma sadia. Algumas sofreram até repressões violentas porque, de repente, acabaram se envolvendo com organizações que não deviam. Mas dessa época é o Fernando Henrique Cardoso, dessa época é o José Dirceu, dessa época é o próprio Lula, era líder sindical. E muitos outros que estão hoje na vida política. Não vamos entrar no mérito deles, pelo sim e pelo não; a própria Ruth Cardoso. Então era com quem a gente convivia porque o meio universitário... E eu participei do movimento estudantil e do movimento operário e percebia os exageros de um lado e de outro; via o exagero da ditadura, repressão a qualquer custo e havia os exageros dos idealistas que queriam mudar o mundo do dia para a noite e sofreram as conseqüências também.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu saí, caí no mundo e falei: “E agora o que eu faço da minha vida?” Eu tinha 24 ou 25 anos; eu já tinha uma faculdade feita, que era Filosofia; eu já tinha feito mais um ano que era para poder oficializar e estava fazendo Sociologia e me vi assim: “E agora como é que eu vou viver?” Um dos colegas, nós saímos em grupo, um bando mesmo...
Para vocês terem uma idéia, nós éramos no começo do ginásio, unindo os vários locais que se encontraram aqui para Filosofia, nós éramos 100 pessoas e dessas 100, dois chegaram ao final: um hoje é um padre, colega nosso, o Aristeu e o outro é bispo. Eu falo: “Nossa Eu podia ter me tornado bispo.” Mas nós saímos e um dos colegas que tinha recebido uma herança, era o único que tinha dinheiro, ele disse: “Se vocês morarem comigo, eu tenho dinheiro vou comprar uma casa, vocês têm que se comprometer a morar comigo para ajudar a pagar.” E nós fomos em oito, montamos uma república numa casa. Ele comprou uma casa e fomos em oito morar numa casa na Avenida Washington Luís. E caímos no mundo à procura de emprego. Nessa época, ele falou: “Sobrou mais um dinheiro e eu vou...” Ele me fez a proposta: “Vou comprar um táxi e vamos trabalhar no táxi.” Eu falei: “Topo.” Eu trabalhei como motorista de táxi, em São Paulo, durante dois anos. Mas logo eu consegui um emprego. Isso foi em 66, ele comprou um Fusca zerinho e ele trabalhava algumas horas e eu outras. Em São Paulo, naquela época, era bom trabalhar à noite e ganhamos dinheiro com isso. Eu estudava o meu último ano de Sociologia e trabalhava com o táxi e logo eu consegui um emprego. O meu primeiro emprego foi como correspondente de crédito e cobrança, porque eu datilografava muito bem, eu tinha feito datilografia e isso eu tinha aprendido. Poucas secretárias usam todos os dedos para digitar, eu ainda tenho esse hábito. Eu consegui o emprego na SEMP Rádio e Televisão, como correspondente de crédito e cobrança. Na SEMP, eu fiquei pouco tempo, não chegou há dois anos, porque era só escrever cartas, datilografar; aquilo para mim foi muito tempo de ter feito só aquilo. E eu, na época, estava envolvido com o movimento estudantil, movimento operário e eu queria ter uma experiência de trabalhar em indústria, em fábrica; eu queria conhecer fábrica, como era o negócio. E não fui parar numa fábrica, fui parar numa usina. O meu segundo emprego foi na Ligth, que hoje é a Eletropaulo. Eu fui trabalhar na Usina Piratininga, aqui perto de Santo Amaro. Eu vestia macacão, eu adorava, vestia macacão todo dia, acendia caldeira com maçarico trabalhava uma semana das sete da manhã às três da tarde; na semana seguinte, das três da tarde às onze da noite; e na semana seguinte das onze da noite às sete da manhã. Mas isso eu adorava porque eu trabalhava com o táxi nas horas vagas. Ás vezes, eu saía às onze horas da noite e trabalhava com táxi até as quatro da manhã. Eu dormia, depois estudava e adorava essa diversidade de coisas, estudava, trabalhava. E a usina me foi uma grande escola porque lá eu cheguei a conhecer pessoas simples, pessoas que ganhavam pouco. Eu ganhava um pouco mais porque eu tinha estudo, como eles diziam, e eles perguntavam: “Lírio, por que você está aqui?” E eu não podia dizer que eu estava lá porque eu queria conhecer. O supervisor mesmo, por várias vezes, me perguntou: “O que você quer aqui?” Acho que ele perguntava porque ele tinha medo que eu tomasse o lugar dele, futuramente; a minha presença o preocupava. Mas eu tive uma experiência maravilhosa lá na usina, eu vestia meu macacão e todo dia eu me sujava de graxa, eu adorava esse negócio, porque eu vinha de uma família humilde, eu queria ver como era e vi.
AVON Aconteceu um acaso e eu começo com a Avon. Isso, nós chegamos em 70. Eu conheci uma moça, com quem eu namorava, e comecei a pensar em casar. Já estava com 28 anos e fui na Avon procurar um colega meu que tinha estudado comigo no seminário e que trabalhava na Avon, na seleção. A minha namorada, a Helena que é minha esposa, hoje, trabalhava numa empresa de engenharia no interior, em Araras, e para gente se casar, ela tinha que vir para São Paulo, mas tinha que continuar trabalhando. E ele trabalhava no departamento pessoal e ela trabalhava em departamento pessoal; fazia tudo. Eu fui lá e falei: “José Sebastião, assim asado, eu conheci uma moça que trabalha em departamento pessoal, será que não tem vaga na Avon?” Porque a Avon, naquela época, era uma empresa muito familiar, ela dava preferência e procurava pessoas como parentes, amigas e conhecidas. A maior fonte de recrutamento da Avon, na época, eram as indicações internas. Fui lá, contei a minha história, a minha tristeza e tal, e que eu precisava arrumar um emprego para ela em São Paulo e ela estava a fim de mudar porque ela morava com a mãe, com a irmã e fazia dez anos que ela trabalhava na área de pessoal. Eu conversei com o José e ele falou: “Conversa com o Hugo.” O Hugo era o rapaz que fazia as entrevistas. Eu conversei com o Hugo muito tempo e no final ele perguntou: “E você o que faz?” Eu falei: “Ah, eu trabalho na Ligth, faço isso e aquilo.” “Mas você é formado?” Eu contei a minha história Filosofia, Sociologia e ele falou: “Você não quer preencher uma ficha aqui?” Eu falei: “Se não pagar nada, eu preencho.” Preenchi a ficha e depois que preenchi a ficha ele demorou uns cinco minutos, voltou e disse: “Você se interessaria em concorrer a uma vaga aqui?” Eu falei: “Eu não sei, eu não sei fazer nada.” Em resumo, 15 dias depois, eu estava começando na Avon como selecionador de pessoal e a minha mulher não conseguiu emprego. Eles estavam com a vaga em aberto, na época, e eu me encaixei no perfil que eles precisavam. Fui admitido como selecionador de pessoal. Os números dizem alguma coisa para mim, foi um sonho que eu não imaginava. Eu ganhava, como se fossem reais hoje, eu ganhava 800 reais na Ligth; entrei na Avon ganhando mil e 300, quer dizer um momento de... Mais de 50%. E eu já entrei com um plano para em três meses, quando passasse na experiência, de ter um aumento para mil e 600. Eu falei: “Isso não existe.” Eu ia dobrar o salário, em três meses, e foi o que aconteceu. Esse foi o meu começo na Avon, selecionador de pessoal. Isso foi em 18 de agosto de 1971, daqui a um mês terão passados 37 anos.
TRAJETÓRIA AVON Eu tive uma carreira que eu não parei. Uma psicóloga, com quem eu fiz alguns testes vocacionais, bem lá atrás, me disse que eu sou emotivo, ativo e primário. Emotivo é fácil de saber; ativo, eu não gosto de parar muito tempo fazendo a mesma coisa, eu não posso dizer isso; hoje, eu posso dizer quando eu procurava emprego, eu não falava isso. Primário, a característica de primariedade é assim: vibra muito, chora muito, ri muito, mas não dura muito; não guarda rancor, não guarda raiva, não é esse negócio “eu perdôo, mas não esqueço”; comigo não tem isso, o que passou, passou, ontem foi ontem e babau, é preciso ser uma coisa muito forte para durar algum tempo. Então, eu sou primário. Na Avon, também eu tive essa trajetória. Embora eu não quisesse, ela aconteceu porque eu sou assim e as pessoas me vêem assim. As oportunidades foram acontecendo e eu fiquei quatro anos em recursos humanos. Nesses quatro anos, eu fui selecionador de pessoal, supervisor de recrutamento e seleção, administrador de salário, supervisor da administração de salários. Em quatro anos, eu fiz esses quatro cargos. Hoje eu vou para o décimo nono cartão de visitas diferente, na Avon.
Quatro anos depois, em 74, final de 74, me convidaram e eu também nem imaginava. Alguém me convidou: “Você não quer se candidatar a ser gerente de vendas?” Eu falei: “Eu? Não sei vender.” Eu sei lá o que é isso, mas eu fui lá. Era final de 74 e em janeiro de 75, eu fui promovido a gerente de vendas. Nossa O salário deu um pulo de mais do dobro do que eu ganhava, uma coisa de louco, eu não acreditava no que estava acontecendo comigo. Essa foi uma falha minha, durante alguns anos: eu não acreditava no que eu podia fazer, eu acho que pela vida que eu vivi muito retraída, eu não acreditava que as oportunidades existem e se a gente não as agarra, os outros as agarram. E, no meu caso, os outros me faziam agarrá-la. Então eu tive essa sorte, esse acaso. Alguns chamam de acaso; o Lair Ribeiro diz que o sucesso não acontece por acaso. Fui para gerente de vendas. Eu nunca tinha andado de avião, eu nunca tinha feito aquele tipo de serviço, eu lembro a primeira viagem, em maio de 75. Fiz minha primeira viagem com meu gerente regional, que depois se tornou presidente da Avon, um dos presidentes, e fui para Vitória, no Espírito Santo, escala no Rio de Janeiro. Foi minha primeira viagem. E naquela viagem, o João Maggioli me mostrava uma caderneta que ele anotava todos os vôos que ele fazia. Ele tinha uma cheia. Ele anotava todos os vôos e eu comecei a fazer aquilo, mas depois de alguns anos não deu mais. Nem sei se duraram alguns anos. E eu me tornei um gerente de vendas liderando as promotoras de vendas. Hoje se chama gerente de setor. Fui gerente de vendas com base no Rio, Espírito Santo. Eu fazia o Rio, a Baixada Fluminense, a Zona da Mata, Paraíba, Juiz de Fora, Ubá, Barbacena, Muriaé, todo o Estado do Espírito Santo e mais algumas cidades até Volta Redonda, do Vale do Paraíba. Era uma região grande e eu morava em São Paulo.
Como gerente de vendas, eu fiquei, acho que quase seis anos. Seis anos, para mim, era muito tempo fazendo a mesma coisa, embora a atividade de gerente de vendas seja muito diversificada, em lugares diferentes, com pessoas diferentes, objetivos diferentes, metas diferentes, desafios, pessoas diferentes. Então é uma atividade que dá para fazer bastante tempo. Tanto é que eu voltei depois.
Me convidaram para voltar para recursos humanos como gerente de Benefícios. Isso sim, eu gostava de fazer. Fui liderar restaurante, plano médico, berçário. Nós implantamos o berçário, em 81; eu fui para lá... Assistência médica, serviço social tudo que era de benefícios, transporte de funcionários. Eu tinha a revista interna. Nessa época, me tornei gerente de relações públicas. Eu era gerente de Benefícios e de Relações Públicas, então os cartões foram acumulando. E fiquei lá quatro anos como gerente de Benefícios. Eu adorava aquilo lá, adorava, eu me identificava com as atividades. Mas aconteceu um fato interessante: nós tínhamos um diretor de Recursos Humanos e éramos dois gerentes; o outro, cuidava da área legal de rotina trabalhista, e eu, de benefício; esse diretor saiu e, claro, que um de nós iria substituí-lo. Mas quem foi? Não fui eu, não dá para ganhar sempre. O meu colega, o Geraldo, havia entrado na Avon 15 dias exatamente depois de mim; 15 ou 16 dias depois de mim por indicação minha, ganhou o meu espaço e foi promovido a diretor. E eu me perguntei: “O que eu vou fazer aqui agora? Vou ficar mais quatro, mais cinco anos?” Eu fui para o vice-presidente de vendas e disse: “Odécio, eu quero voltar a ser gerente de vendas.” “Por quê?” “Ah, porque eu estou lá há quatro anos e agora o Geraldo foi promovido e eu quero abrir espaço.” Porque em vendas, tinha carreira, tinha gerente regional, tinha outras oportunidades. Ele falou: “Eu tenho um lugar, mas é na Bahia.” Eu falei: “Eu topo”. E fui para a Bahia ser gerente de vendas, porque o gerente de vendas de lá estava saindo, mas fui sem morar na Bahia. Anteriormente, nesses seis anos, eu também fiquei seis porque dois ou quase três deles eu morei no Rio de Janeiro, eu morei com a família, eu levei mulher e filhos, eu levei sogra, inclusive, que morava comigo e fui para o Rio de Janeiro. E voltei para vendas, fui ser gerente de vendas na Bahia durante três anos maravilhosos, morando em São Paulo. Eu ia toda semana, fiz ponte aérea São Paulo Salvador, três anos maravilhosos. Eu conheci a Bahia, o sertão, amassei barro, andei com aqueles aviõezinhos Bandeirantes para todo lado, de carro. Hoje, a Bahia tem mais gerentes de vendas, três ou quatro, mas, na época, fazer o Estado foi uma experiência maravilhosa. E para encurtar, em novembro de 89, numa sexta-feira, eu cheguei em casa, de Salvador, a Helena, minha mulher disse: “Olha o João Maggioli...” Que tinha sido meu regional de vendas, era presidente, ela me disse: “O João Maggioli ligou e disse que precisa falar com você ainda hoje.” Eu falei: “O quê? A casa caiu.” Numa sexta-feira, liguei para o João e disse: “João, o que aconteceu?” Ele falou: “Eu preciso falar com você hoje.” Eu falei: “Mas o que aconteceu?” “Não, eu preciso que você venha aqui na minha casa, você e a Helena, que eu preciso falar com vocês.” Pensei: “Perdi o emprego.” Alguma besteira alguém fez ou eu fiz, que eu não saiba. Fui para casa dele, umas nove horas da noite, e ele sem mais delongas falou: “Lírio, hoje é sexta, na segunda-feira, eu preciso dar uma resposta para Nova York, que eu preciso mandar alguém para Itália e eu gostaria que fosse você.” Eu falei: “João, você está louco? Você perdeu o juízo?” Eu tinha liberdade com ele: “Você está louco, fazer o quê na Itália?” “Eles querem implantar lá um sistema de treinamento de vendas e você conhece, você já trabalhou nisso e você fala italiano.” Eu falei: “João, eu não falo italiano, eu falo vênito.” É o italiano caipira. Ele falou: “Não tem problema, você vai só em janeiro, você tem dois meses para se preparar.” E um mês antes tinha acontecido um fato que eu esqueci de contar: o meu diretor de vendas me chamou, antes desse negócio da Itália, me chamou e disse: “Lírio, nós queremos que você vá ser gerente de promoção de vendas.” Que é outra área, de fazer folhetos e tal. Eu falei: “Vagner, eu não sei o que é um guia de cores, eu não sei o que é um pantone, eu não vou fazer esse negócio, fazer folheto, desculpe, não.” “Nós precisamos que você vá lá.” “Precisando eu vou, mas eu não sei o que fazer lá.” E quando o João me chamou um mês depois, ou 20 dias depois, que eu fui a casa dele, eu falei: “Me livrei de ir para promoção de vendas, vou pra Itália? Ok, eu vou para a Itália.” Me livrei dessa bomba de ser gerente de promoção de vendas.
AVON ITÁLIA
Eu fui para Itália no dia 2 de janeiro. Eu e minha mulher fomos para a Itália. Eu fui antes para acertar os detalhes do apartamento. Fui para a Itália sozinho, porque ele, o João, falou: “Olha, eu preciso de você lá por uns três ou quatro meses.” Acabei ficando um ano. A família ficou aqui porque os filhos, nessa época, estavam entrando em faculdade, não me mudei mesmo porque não valia a pena; era por pouco tempo, acabei ficando um ano, ponte aérea Milão São Paulo. Eu voltava a cada 40 ou 45 dias, passava um final de semana esticadinho, saía de lá na quinta à noite e chegava sexta-feira aqui, passava sexta, sábado, domingo ou segunda me mandava.
PROMOÇÃO DE VENDAS Mas para meu desespero, quando eu voltei, 11 meses depois, a vaga de gerente de promoção de vendas estava em aberto ainda. E eles tinham retardado a aposentadoria do titular da posição; eu não tive outra opção se não ir para lá. Fui lá, na verdade, o Vagner estava certo, ele disse: “Olha Lírio, nós precisamos de você lá.” Era pra fazer uma reestruturação da área, nós terceirizamos a área e essa foi uma das piores partes da minha vida profissional, porque foi uma terceirização de serviços, muitos funcionários antigos, diretores de arte e teve que fazer esse processo, foi muito duro. Mas o mundo corporativo tem essas coisas. E era época em que estava começando a informática, layouts eletrônicos e, na época, se fazia layout na mão, past-up, vocês não sabem nem o que é isso. Mas era muito manual e a gente estava passando para uma era eletrônica, então eu fiz todo esse processo e isso foi por uns dois anos. Outra pessoa assumiu e eu voltei para vendas, eu consegui voltar para onde era o meu reduto, que era o que eu mais gostava.
Mas eu voltei para vendas na área de treinamento e desenvolvimento de vendas, não como gerente de vendas. Isso, eu não queria mais, porque já era passado, mas treinamento e desenvolvimento de vendas, incentivos, eventos de vendas. Então era uma área também que eu adorei fazer. Durante uns dois anos, eu fiquei assim, eu me realizei lá em vendas, outra posição, uma posição melhor, sempre crescendo profissionalmente, mas eu acho que uns dois anos, eu não sei se no total eu vou chegar aos 37, mas é por aí.
TRAJETÓRIA AVON Me foi feita outra proposta. Eu estava lá em vendas, fiquei uns dois ou três anos. O então diretor de Recursos Humanos que não era mais aquele, ele havia saído. O então diretor de Recursos Humanos me chamou e me fez uma proposta, claro que pensando nele também, ele falou: “Lírio, eu tenho um plano de carreira e eu tenho outra posição para assumir. Mas eu não tenho back up aqui. Você não quer voltar para Recursos Humanos?” Pela terceira vez. “Você acha que vai ser diretor de vendas?” Eu falei: “Está difícil, viu.” “Então, aqui você poderá ser.” Eu falei: “Eu topo.” E voltei para Recursos Humanos. Isso foi em 96. Eu cheguei a Recursos Humanos e dois meses antes ele me disse, eu me reportava a ele como gerente de Recursos Humanos, ele disse: “Lírio, tem um projeto de reengenharia de Recursos Humanos que vai acontecer global e eu queria que você fosse para os Estados Unidos participar desse projeto.” Eu pensei comigo: “Ele está querendo se livrar de mim, mudaram os planos e eu dancei.” Mas foi outra oportunidade e eu fui. Passei quatro ou cinco meses nos Estados Unidos, em Nova York, participando de um projeto global, com gente do Japão, Itália, México, Indonésia, Inglaterra, um grupo formado por 12 ou 13 pessoas. Foi uma experiência maravilhosa. Eu sempre digo para todas as pessoas: nunca deixem de abraçar uma oportunidade que aparece, mesmo que ela não te pareça simpática pela primeira vez, porque é mais uma experiência, ela sempre vai ser de valia e vai ajudar a você a dar outro passo. Eu fui, passei lá quatro ou cinco meses, voltei com aquela experiência maravilhosa e, poucos meses depois, eu fui promovido a diretor de Recursos Humanos, que era o meu sonho. Eu tinha tantos anos de Avon e não era diretor ainda, fui diretor de Recursos Humanos por dois ou três anos. Eu comecei a pensar na minha aposentadoria, porque eu estava chegando aos 56, 57 anos. E conversando com o então presidente, eu fiz um plano com ele que eu iria - ele também precisava de alguém para a área de comunicação - e nós íamos juntar a comunicação, unir todas as áreas de projetos sociais que eu liderava: campanha de câncer de mama, serviço social e nós juntamos tudo. E eu levei comigo a comunicação interna, que era de Recursos Humanos; eu levei comigo para a área de comunicação que, na época, estava na área de marketing e fui ser o diretor de Comunicação. Acho que foram mais dois anos, de 2000 a 2002, e eu tinha decidido que em 2002, no final do ano, eu me aposentava e comecei a pensar em outras coisas.
INSTITUTO AVON Mas no ano de 2002, nós trabalhamos, eu e a equipe, mais a equipe do que eu montando, repensando como era o investimento social da Avon, como era a tal da responsabilidade social e eu participava do ETHOS, que então tinha surgido; o instituto de empresas e responsabilidade social; eu era o representante da Avon lá, eu tinha umas atividades externas muito freqüentes. Contratamos uma consultoria para fazer um diagnóstico de como era nossa situação. Em resumo, nós chegamos ao final de 2002, quando eu ia me aposentar, com o Instituto Avon já criado, estava montadinho, estava pronto para ser criado, porque como organização não governamental sem fins lucrativos, com CNPJ separado da Avon... Tanto assim que ele foi criado em 20 de março de 2003, mas já em 2002, no final do ano, estava tudo acertado e eu ia procurar minha vida, mas alguém me chamou e falou: “Escuta, o instituto vai ser criado, está tudo pronto e quem vai tocar?” Eu falei: “Não sei.” “Não, você fica e continua com o instituto.” Eu fui desligado, me aposentei para poder receber o plano de aposentadoria da Avon. Me aposentei e passei a não ser mais funcionário, fiz um contrato. Fui contratado pela Avon para ser o diretor executivo do Instituto Avon e eu falei: “Pô, agora ficou melhor ainda.” Só que a minha intenção, na época, era ficar talvez dois anos até estruturar porque eu gostava, era Terceiro Setor, câncer de mama. E eu tinha uma vivência muito próxima com o assunto por motivos familiares. E eu tinha uma afinidade muito grande com organizações da sociedade civil e com o Terceiro Setor. Mas eu falei: “Dois anos, eu paro...” Este é o sexto ano do Instituto Avon e eu continuo lá com muitas atividades. É muito bom, para nós, para mim pessoalmente é excelente, mas eu diria que o Instituto Avon deu outra visibilidade para a Avon como empresa; não uma empresa totalmente responsável, isso já é figura que todo mundo pinta, é um jargão, mas deu uma visibilidade como uma empresa que se preocupa com a saúde da mulher, porque ela faz os seus negócios por causa das mulheres. Hoje, a Avon tem um milhão e duzentas mil revendedoras. A Avon sabiamente escolheu uma causa ligada com o negócio, porque é assim que hoje se faz a responsabilidade social e é assim que se faz investimento social: fazer com que a causa escolhida tenha a ver com o negócio e nós somos muito felizes. Hoje, a Avon é reconhecida e é referência no combate ao câncer de mama, na detecção precoce de câncer de mama, porque no instituto, nós conseguimos implantar uma forma... Não nós, as parcerias que nós fizemos com as organizações, com os hospitais, com as organizações que sabem fazer isso foram muito felizes. Então, os 66 projetos que hoje já suportamos, já apoiamos financeiramente, nesses quase seis anos, eles são a nossa referência. Esses 15 ou 16 milhões de reais que nós doamos para as organizações, salvaram muitas vidas, eu tenho certeza. Fizeram com que muitas mulheres detectassem precocemente o câncer de mama e salvassem suas vidas. Minha mulher teve câncer de mama e descobriu precocemente. Hoje tem saúde, ainda faz tratamento é uma portadora de câncer, mas sob controle, porque o câncer, hoje, deixou de ter esse estigma de morte desde que detectado precocemente. E a gente hoje acredita que nós não podemos aceitar que uma mulher morra por uma doença que tem cura; infelizmente, as que morrem por essa doença e não conseguem a cura é porque não tiveram a informação, não foram alertadas, não tiveram acesso à informação e nem aos serviços e por isso, talvez, descobriram em estágio avançado. Essa é a grande realização minha hoje. O instituto deu essa oportunidade. E eu tenho certeza que a Avon se orgulha disso, as revendedoras que revendem o produto e sabem que quando entregam um batom, um xampu, um creme, uma base, sabem que estão contribuindo para uma causa que está salvando vidas. Eu acho que esse é o grande... Chamam isso até de marketing. Eu chamo também de marketing, mas eu chamo de marketing relacionado a uma causa. Não é o marketing pelo marketing, o marketing interesseiro é o marketing onde empresa e causa se unem com o objetivo comum e em benefício mútuo, porque eu tenho certeza de que a empresa também está sendo vista pelas um milhão e duzentas mil revendedoras como uma empresa socialmente responsável que se preocupa de uma forma transparente, ética e aberta. Não é assim, se preocupa porque se preocupa, e nós, no passado, dávamos dinheiro também; isso mudou. É como você dar dinheiro para o menino que vem pedir no semáforo. Você dá, você até se satisfaz em dar, mas está fazendo um mal; você não sabe o que ele vai fazer com aquele dinheiro, você não sabe o estrago que aquele dinheiro vai causar e você não sabe nas mãos de quem vai parar. O verdadeiro investimento social, que é o que a Avon faz, hoje, via instituto é aquele em que a gente não assina o cheque e a responsabilidade termina; a gente vai lá acompanha, sabe o que vai fazer, sabe que resultado provoca e sabe que mudanças ele provoca nas mulheres, na vida das mulheres. Então essa hoje é minha realização. Dos meus cartões, esse é o que eu mostro mais: Diretor-Executivo do Instituto Avon. Os outros são importantes, foram importantes, como os de hoje como Diretor de Comunicação ou Presidente da ABEVD são importantes. Mas esse é mais importante porque mexe com gente, mexe com vida.Recolher