Memória Avon
Depoimento de João Bosco Maggioli
Entrevistado por Laudicéia Benedito e Luani Guarnieri Bueno
São Paulo, 25 de junho de 2008
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista n° AV_HV024
Transcrito por Michelle de Oliveira Alencar
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 –...Continuar leitura
Memória Avon
Depoimento de João Bosco Maggioli
Entrevistado por Laudicéia Benedito e Luani Guarnieri Bueno
São Paulo, 25 de junho de 2008
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista n° AV_HV024
Transcrito por Michelle de Oliveira Alencar
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 – Bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Vamos começar com o senhor falando o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – João Bosco Maggioli. Nascido em março de 1935, em São Paulo, aqui na região de Pinheiros, próximo de onde eu estou hoje.
P/1 – Certo. Seu João...
R – Eu sou um dos dez filhos da minha família, são sete mulheres e três homens. Minha mãe, extremamente religiosa, colocou o nome de Maria em todas as filhas, José, João e Antônio são os homens. Dos dez só tem uma irmã falecida até hoje. E por ser uma família grande e humilde era muito difícil na época o meu pai poder assistir ou dar um tipo de bem estar a família, foi uma vida muito dura, muito difícil, eu nem sei como a minha mãe conseguiu educar dez filhos todos eles dignos de muito respeito com pouca possibilidade de educação, mas muito responsáveis e todos até hoje sem nenhum tipo de problema. E mais ou menos aos 12 anos todo mundo tinha que se mexer, né, dos dez filhos assim todo mundo tinha que arranjar um jeito ou de ajudar a família ou de sobreviver, porque era muito difícil mesmo, não dá nem pra contar pra vocês o que é difícil, a geração de hoje não sabe o que é dificuldade apesar de a gente ouvir muito sobre o problema social no Brasil. Mas eu acredito que por se gostarem, e pelo meu pai e a minha mãe conseguirem, na época, manter os filhos muito próximos nós criamos com essa, nós fomos criados com essa responsabilidade muito grande. Todos os irmãos foram e são muito responsáveis até hoje. E dos dez eu fui o que tive mais sorte, se podemos dizer que foi sorte, porque logo aos dez, 12 anos todos os irmãos começaram, como eu disse, se mexer, e procurar como sobreviver. E eu com dez, 12 anos já estudava num colégio aqui na rua João Moura, um colégio público, e na saída de colégio eu procurava o que fazer. Eu, com 13 anos, com dez, 12 comecei a ser entregador de farmácia nas farmácias do bairro, né? E dali cheguei até a ser um camelô pra vender uva-passa na porta do Mappin na praça Ramos de Azevedo, sem a minha mãe saber, até que desgraçadamente eu fui vender uma uva-passa pra uma senhora que era vizinha e foi contar pra minha mãe. Aí eu fui corrigido e, muito fortemente, e deixei de fazer isso e continuei sendo entregador de farmácia, né? Dali achei que aquilo não ia dar resultado, embora todo mundo, até os donos da farmácia achavam que eu devia estudar pra um dia ser um farmacêutico, mas não era o meu caso, eu achei de procurar um emprego. E essa foi uma passagem muito interessante porque não se achava emprego como se acha hoje, né, ou por uma agência de emprego, ou recomendação de um amigo, não existia isso, o que existia eram os jornais que publicavam as oportunidades. E eu desesperado pra querer achar um emprego, não queria esperar o jornal circular, porque os poucos empregos que apareciam em jornais fatalmente se eu chegasse meia hora mais tarde eu não tinha a mínima chance. Então o que eu fiz? Eu fui na porta do jornal que publicava o maior número de oportunidades, ou de empregos, na época que chamava-se Diário Popular, tava na rua Três de Dezembro ali, travessa da 15 de Novembro na cidade, ele saía às três da tarde, às duas horas eu estava lá esperando. E eu era um garoto como sempre fui arrumadinho, ajeitadinho, hoje, por exemplo, se forem procurar um garoto desses para empregar, pelo aspecto talvez não vão contratar, né, pela cabeça talvez, mas pelo aspecto não. Eu tava ali esperando aí um senhor chegou próximo de mim e disse: “Que você tá fazendo aqui?” Eu digo: “Ó, eu tô esperando o jornal sair pra ver se eu arranjo um emprego”, e ele disse: “Você não quer trabalhar comigo?” Eu digo: “Bom, o senhor tá me falando agora, eu não sei quem o senhor é, não sei o que o senhor faz”, jamais se faria isso hoje. O que eu fiz? Ele disse: “Então me acompanha, vamos no meu escritório”. Vê se alguém pode fazer isso hoje, né? E eu saí com o homem da Três de Dezembro, de Setembro, Três de Setembro, né, a rua do Diário Popular e eu fui acompanhando o homem, ele andou, andou, andou fomos parar lá na Santa Ifigênia, o escritório dele era lá, ele tinha um escritório de publicidade, de comunicação pequeno, né? E naquela época as empresas que faziam esse tipo de trabalho se comunicavam entre elas, então você tinha que pegar toda manhã e toda tarde fazer distribuição de material que eles usavam na agência deles pras outras agências. E eu fiquei com esse homem ali um ano, um ano e meio.
P/1 – Então esse foi o seu primeiro emprego?
R – Esse emprego registrado foi o meu primeiro emprego...
P/1 – E quantos anos o senhor tinha?
R - ... eu tinha 13 anos, uma carteira de trabalho vermelha ainda, carteira de menor.
P/1 – Certo.
R – Que eu tirei em 1950... Em 1948, nasci em 1935, com 13 anos era 1948. Fiquei com ele um tempo, mas aí era pouco dinheiro ainda, eu continuava olhando uma outra oportunidade até que eu tive uma chance de trabalhar numa empresa em Pinheiros, aqui na Cardeal Arco Verde, que era uma empresa de material agrícola, chamava-se Avisco, ela até existe hoje ainda não aqui, mas ela existe. Fui lá pra trabalhar em contabilidade. Dali eu recebi um convite pra trabalhar também no mesmo tipo de máquina de contabilidade que hoje é computador, naquele tempo eram umas máquinas contábeis, né, grandes, enormes e eu comecei a ficar bom naquilo, recebi um convite pra trabalhar num magazine na rua São Bento que chamava Paulo J. (Christopher ?), era um dos maiores magazines de São Paulo, lá na cidade. Depois fiquei um tempo ali, dali um amigo me convidou pra trabalhar no Klabin, mas não o Klabin papelão, o Klabin Fósforos e Propaganda que estava na Avenida Ibirapuera, e eu vim trabalhar com eles ali, também no mesmo tipo de trabalho. Fiquei ali uns quatro, cinco anos. Foi aonde eu conheci a minha atual mulher, que ela morava no Ibirapuera, eu morava na Joaquim Floriano, no Itaim, e trabalhava na avenida Ibirapuera, então era tudo pertinho.
P/1 – E nessa época o senhor tava estudando?
R – Nessa hora eu tava estudando até o colegial. Eu fiz só o colegial. Primeiro porque...
P/1 – O senhor estudou até o colegial?
R – É. Primeiro porque custava dinheiro, e segundo porque eu não era muito disso, porque só o dinheiro não é razão, né? Eu era muito mais ambicioso de fazer negócio, eu já olhava as coisas, naquela época, como eu olho hoje, né? Tanto é que todas as empresas que eu trabalhei, essas pequenas que eu citei, os chefes sempre me escolhiam para fazer coisas que tinham a ver com comércio, né? Por exemplo, na Klabin eu montei um restaurante de empregados, fui eu que montei e administrei uma cooperativa, que montei, administrei. Eu era menino, era garoto, né? E lá, nesse Klabin, tinha, fabricavam, era indústria de fósforos de propaganda, esses de papelão, e era um negócio meio grande já, tinha uma área de promoção e marketing onde tinha alguns diretores de promoção, de marketing ali dentro. E eu era muito amigo desse pessoal, porque a parte boa da empresa era essa área de criação. E aí a companhia resolveu fazer uma redução e algumas pessoas saíram desses artistas, eram chamados artistas, diretor de arte. Saíram e depois de um tempo eu encontrei um deles, que chamava-se Cleônidas Simões, que eu disse: “Ué, onde você tá?” Ele disse: “Ah, eu tô numa empresa nova aí que tá abrindo, uma empresa americana, já tô lá há quase um ano, né?” Eu digo: “Que bom, né?” Aí ele disse: “Por que você não aparece lá?” Eu digo: “Como é que eu vou aparecer lá? Vou fazer o quê numa empresa dessa aí?” Ele disse: “Ué, por que você não vai, conversa, quem sabe você pode ter uma oportunidade?” Que essa empresa era a Avon. Então por um convite de conhecer a empresa por esse rapaz que se tornou diretor de arte da Avon pra fazer esse material, que nós vimos hoje, eu fui até lá na Avenida João Dias, passei um dia lá dentro sendo entrevistado para trabalhar na área de contabilidade, na área de custo industrial. Naquele dia mesmo acabei ganhando uma oportunidade, isso era setembro de 1959, não era setembro, era agosto. E eu comecei em setembro de 1959 como um auxiliar de custo, na área industrial da Avon.
P/1 – E o senhor conhecia a Avon antes disso?
R – A Avon começou em 1958, mas de verdade ela começou a vender, mais ou menos, em maio de 1959 e eu entrei em setembro de 1959, então já era um movimento brutal, não tinha nenhuma companhia de venda direta no Brasil, a Avon era única, né? E começou com um sucesso estrondoso, porque a quantidade de mulheres que já entraram para a Avon no primeiro ano, e de volume de vendas, que eu ia passear na expedição e via as caixas correndo na expedição, era uma coisa espantosa. Todo mundo ali trabalhava quase 24 horas por dia. Nesse ano de 1959 até 1962, 1963 era uma coisa impressionante o que se trabalhava, era difícil de se trabalhar bastante, mas do outro lado era muito bom porque a gente fazia um outro salário, né? E eu estava casado há, mais ou menos, um ano quando eu entrei na Avon. Eu casei em 1958, fiz agora 50 anos de casado, como contei pra vocês. Em 1959 eu fui trabalhar nessa empresa e deixei a Klabin, e quando contei pro meu pai que eu ia trabalhar numa empresa americana ele disse: “Imagina! Você vai deixar o Klabin?” Porque o Klabin tinha nome, era uma das maiores empresas do Brasil, né? “Você vai trocar o Klabin por uma empresa que você não sabe nem o que é, de americano?” Eu disse: “Não, eu não vou trocar, eu já troquei”. Ele ficou assustado, né, porque eu tinha, ele disse: “Você tá casado há pouco tempo, começa a trocar de emprego, cuidado, isso pode prejudicar aí a sua vida com a família”, eu digo: “Não, eu vou porque a oportunidade é boa”. Eu adorei a Avon aquele dia que eu passei lá, era uma empresa, e é ainda, né? Mas naquela época pros padrões do Brasil era uma coisa de cinema entrar na Avon...
P/1 – É? Qual foi a sua primeira impressão quando chegou lá?
R – Mas deslumbrante, né? Porque eu entrei na recepção, tinha lá um estande da linha de produtos, mais a linha de maquiagem, batom e coisa e eu olhava aquelas meninas que passavam, as meninas alegres muito bem arrumadas, bem maquiadas, só tinha menina bonita lá dentro, eu disse: “Ah essa empresa deve ser maravilhosa!” Daí comecei a circular lá dentro: ser entrevistado por um, ser entrevistado por outro. E eu digo: “Se eu não entrar nessa empresa eu vou ficar doente, porque ela é linda demais, né?” Eu não sabia quanto ia ganhar porque não falamos em dinheiro até essa hora, né? Até que eu cheguei na última entrevista e acabei conseguindo uma oportunidade, que tinham muitas oportunidades, a empresa estava crescendo demais, era uma coisa como fermento, né, tinha que ter oportunidade e eu acabei entrando. E fiquei na área industrial de 1959 a, mais ou menos, 1962. Eu era simplesmente um auxiliar de custo industrial, mas trabalhava dia e noite. Trabalhava primeiro do ano, no dia primeiro nós trabalhávamos o dia inteiro, o chefe como era bonzinho nos pegava e nós íamos almoçar, no dia primeiro do ano, no restaurante do aeroporto que era o top de São Paulo, ia almoçar no aeroporto novo, restaurante novo era uma beleza! Então nós íamos almoçar lá no dia primeiro pra quebrar um pouco a tristeza, mas trabalhávamos qualquer dia. Eu não tinha carro, era pobre, ele, meu chefe, morava num bairro que eu não me lembro onde, mas era mais para cima do que eu morava e nós marcávamos um encontro com ele às seis horas da manhã na Avenida Santo Amaro, ele me pegava toda a manhã às seis horas da manhã. E a gente trabalhava até dez, onze, meia noite, comendo sanduíche porque tinha muito trabalho. Uma empresa americana do porte da Avon que começou no Brasil com este volume de negócios não tinha quantidade de gente que dava conta daquilo. Não tinha equipamento, não tinha informatização, era tudo feito na mão, né? Então você imagina a quantidade de pedidos naquela época sendo feitos em máquina de escrever, na mão, nem me lembro mais como era feito.
Então eu passei esses três primeiros anos trabalhando muito, e sempre, nunca reclamei de trabalhar a quantidade de tempo que trabalhei, e foi violento, porque tinham as duas vantagens: uma que eu atendia a necessidade da empresa, e outra que ganhávamos um bom dinheiro, era o meu segundo salário. A minha mulher era professora, né, trabalhava e ganhava um salário pra pagar o aluguel e eu, com esse trabalho, mantinha as despesas da casa. Logo no primeiro ano que eu entrei na Avon nasceu a minha primeira filha, a Denise, daí começou a tornar a vida mais difícil, a minha mulher lecionava muito longe da cidade, ela ia até Santo Amaro, tomava um outro ônibus, era quase uma área rural, ela perdia o dia no trânsito e dando aula, saía às dez da manhã, voltava seis, sete horas da noite pra poder ganhar os três mil e quinhentos reais que era o aluguel que nós pagávamos num apartamento ali no Ibirapuera, travessa da Afonso Brás, e o prédio tá lá até hoje pequenininho, né? Com isso nós começamos a ter a vida um pouquinho melhor, eu ganhando um pouco mais e conseguindo esse segundo salário com as horas extras e com a filha. E a vida era tão difícil que, quando aparecia uma data especial, assim, pra querer comemorar num sábado a gente ia comer uma pizza no Paulino na Avenida Santo Amaro. Por aí todo mundo vê hoje a minha vida e não lembra os tombos que eu levei, né, (risos). Quer dizer, o chique naquela época, quem podia comer uma pizza no Paulino, ia com a minha primeira filha, Denise, que nasceu aqui em São Paulo. E todo mundo pergunta: “Poxa, João, mas você entrou numa posição tão insignificante na Avon, como é que você chegou a ser presidente da Avon?” As coisas acontecem, se a gente pudesse passar essa experiência pros jovens de hoje, dizer: “Olha, você não só precisa ter cabeça, não só precisa ter força pra trabalhar, mas você precisa se dar conta a cada minuto que você tem da sua vida, né, cada tipo de contato que você tem você tem que cuidar porque você nunca sabe o que vai acontecer daquele contato que você vai ter, né? Você despreza um momento dentro da sua empresa não tendo um comportamento adequado, mas você nunca sabe o que vai te acontecer”. E se eu pudesse pôr isso nos livros para dizer como é que foi a minha carreira, foi feito de detalhes de pequenos momentos eu acabei chegando a ser presidente, obviamente com a força de trabalho e com a cabeça pra fazer o trabalho. Mas às vezes você ouve muita gente dizer: “Ah, mas o rapaz é inteligente, se dedica, né?” Não adianta ele ser inteligente, se dedicar, se ele não aproveitar os momentos que vão fazer a carreira deles, né? Num casamento é a mesma coisa, é coisa de momento, se você não tiver o momento de equilíbrio você desfaz um casamento, né? Então para chegar a contar esse meu primeiro pulo. Então a minha senhora sendo professora, e eu trabalhando na Avon com essa vida modesta, indo no supermercado junto, essa coisa que todas as pessoas mais simples fazem eu também já fiz. E num desses trabalhos puxados, de sábado, por exemplo, que eu ia todo sábado trabalhar, eu tava na minha mesa trabalhando como todo dia, dali pras dez, onze horas aparece o vice-presidente da Avon que era o presidente da área de vendas, né, e ele tinha que fazer uma apresentação nos Estados Unidos, ele tava preparando essa apresentação. Então ele não sabia fazer um, trabalhar com cálculos, né, ele precisava preparar um material para apresentar e tava, eu acho, com dificuldade pra fazer alguns cálculos. Aí ele chegou pra mim e disse: “Você não pode me ajudar?” Ele em pé na minha mesa eu ali trabalhando, eu disse: “Pois não, o que o senhor quer?” Ele disse: “Eu queria fazer isso, isso, isso, isso” me explicou o que era e eu era muito bom de cálculo, de número, como sou até hoje, né? Poucos, hoje enquanto alguém tá falando comigo usando máquina eu dou o resultado pra ele do que deve ser os negócios. E fiz um trabalho pra ele de cálculos, dois, três cálculos e eu era ligeiro, falava com ele e mexia na máquina aqui, né, nem olhava pra máquina, ele chamava-se Paul (Warner ?). E fiz os cálculos pra ele, ele agradeceu, foi pra sala dele e eu continuei trabalhando, isso num sábado. Na segunda-feira, tipo nove, dez horas da manhã esse homem me chama na sala dele, eu digo: “Puxa, eu acho que eu errei tudo pro homem lá, esse homem vai me mandar embora, né?” Cheguei lá, sentei e ele disse: “Gostei muito do jeito que você fez o trabalho pra mim no sábado, e queria te convidar pra ser gerente de vendas da companhia”. De pequenininho para gerente de vendas! Aí me explicou o que era o trabalho, né, “Olha, esse trabalho é muito complicado, você sabe que a Avon é uma companhia só de mulheres, você tem que saber como se comportar, você é muito jovem, eu tô me arriscando a te convidar pra ser um gerente de vendas. E você pode trabalhar em São Paulo, amanhã você pode trabalhar numa outra cidade, você tem que viajar”. E eu, com essa vida modesta que eu tinha eu digo: “Puxa, isso aí vai ser complicado pra mim, né?” Eu ouvi e não respondi pra ele sim. Ele disse: “Você vai, conversa com a sua esposa e depois você volta a falar comigo”. Saí dali já não conseguia mais nem sentar na minha mesa, né? Eu normalmente não almoçava em casa, esse dia eu corri em casa pra almoçar, o predinho que eu morava não tinha elevador, era escada, a minha mulher até hoje conta que eu nunca subi aquela escada tão depressa como subi aquele dia, porque eu tinha que conversar com ela sobre viagens e tudo isso. Essa foi uma das grandes ajudas e compreensão que a minha mulher teve na época porque, geralmente, a mulher já começa a dizer: “Ah não, viajar não! Trabalhar com mulher? Não, eu não vou querer que você faça isso!” Ela entendeu, eu disse: “Olha, se nós quisermos progredir na vida nós temos que assumir algumas coisas difíceis na vida para, se quisermos levar uma vida como levamos hoje tô em casa todo dia às cinco horas, vou ao supermercado, fim de semana eu tô aqui e nós vamos comer pizza com as meninas. Eu não sei como vai ser essa vida, até quando vai. Então, para se progredir, tem que se tomar esses riscos que nos aparece, né?” E era uma mudança brutal pra mim, né, imagina! Viajar o Brasil, eu não sabia nem onde era mais do que Santos foi a viagem que eu fiz. E ela acabou concordando, eu voltei depois do almoço no outro dia cedo, voltei com ele e disse: “Olha, expliquei pra minha mulher e nós estamos muito contentes de poder ter essa oportunidade”. Isso foi 1963, né? Em maio de 1963 eu comecei a fazer um treinamento de gerente de vendas para já saber como é, o que eu ia fazer e já no treinamento eu pude ver a mudança de vida que eu iria ter: viajando para todo o estado de São Paulo, Rio de Janeiro, que era onde a Avon tinha mais volume de negócios, todo o estado de São Paulo, Rio de Janeiro e um pouco no estado de Minas Gerais. Então treinei de maio de 1963 até dezembro de 1963 que culminou com aquela foto que você tem do meu primeiro treinamento do grupo de gerentes de setor no Rio Grande do Sul. Eu passei três meses no Rio Grande do Sul indo e voltando assim, sexta ou sábado, domingo e segunda e voltando sexta ou sábado, passava um dia aqui em São Paulo para treinar aquele primeiro grupo e eu fazia parte daquele grupo, eu não dei o treinamento eu era um trainee naquele tempo. E terminado o treinamento, eu acho que eu participei bem do treinamento, a companhia disse que eu ia ser gerente de vendas da região Sul, ia abrir o Rio Grande do Sul com aquele grupo que foi treinado. Então eu treinei com elas e me tornei o gerente de vendas. Fui morar em Porto Alegre, aí eu já tinha a minha segunda filha, pequenininha que foi num cesto, a outra tinha quatro anos, fomos morar em Porto Alegre. Moramos muito bem lá, as meninas estavam em um colégio formidável em Porto Alegre, eu morava pertinho do colégio, o meu escritório era no centro de Porto Alegre na rua da Praia. Nós adoramos aquela vida até tava tão boa que nós pensávamos em morar lá em Porto Alegre. Eu disse pra uma pessoa com quem eu reportava que era o diretor de vendas na época, que: “Olha, sabe o que nós estamos pensando em fazer uma casa aqui em Porto Alegre tanto que nós gostamos daqui”, ele disse: “Não faça isso! Não faça isso porque você não sabe quanto tempo você vai ficar aqui, é melhor você ficar mais um pouco como você está, não pense em fixar residência em Porto Alegre”. E este homem, Paul (Warner?), que foi o homem que me deu a oportunidade de me tornar um gerente de vendas, ele devia gostar muito de mim porque ele, a todo instante, ele inventava uma maneira de chegar em Porto Alegre para trabalhar um dia comigo, pra se envolver com o grupo de gerente de setor, ele adorava o meu estilo de trabalhar, estilo brincalhão eu tirava grandes resultados das mulheres mas sempre com muita, com muita leveza e com muita brincadeira, né? Na hora que tinha que falar sério falava, mas na hora que precisava tirar um esforço maior eu tinha um jeito bastante bom, era muito habilidoso, né, pelo menos dito por eles na época. Então vira e mexe ele tava por lá, você tem uma foto dele aí. Esse homem foi fantástico, foi fabuloso, foi o maior homem de vendas que eu conheci na minha história, era um americano que viveu 40 anos no Brasil, falava português fluentemente, tinha amizades que adorava falar com Carmem Miranda, adorava esse mundo artístico, ia pro Rio de Janeiro e se envolvia com essa gente, né, e depois contava pra gente, contava muita história. Ele foi um homem que, se não me engano, abriu ou desenvolveu um negócio que hoje não existe mais, existe pouco, do Filtro Salus, vocês já ouviram falar? Já ouviram? Não, né? Era o único filtro para água que existia naquela época chamava Filtro Salus, esse americano foi o que desenvolveu a Salus no Brasil, hoje você encontra, por exemplo, a vela do Filtro Salus ainda é deles, mas aquelas talhas não existem mais, mas era o que ele tinha naquela época. Então era um grande vendedor. Americano que viajava o Brasil todinho, ia pra Mato Grosso, ia pra esses lugares horrorosos e se comunicava com as pessoas com uma facilidade incrível. E eu fiquei muito pouco em Porto Alegre porque meu chefe já tava visualizando que eu ia acabar fazendo coisas maiores, né? Eu queria ficar lá, mas eu comecei em janeiro de 1964, no fim de 1965 eles tinham um problema aqui em São Paulo, na cidade de São Paulo e disse: “Olha, João, agora você vai pra São Paulo”. Eu abri o Rio Grande do Sul todinho, né, e foi um trabalho muito difícil porque... Dificílimo porque eu tinha que abrir não só Porto Alegre, Porto Alegre nós já tínhamos essas pessoas que nós treinamos só pra Porto Alegre, aí nós tínhamos que começar a abrir o estado, interior do Rio Grande do Sul e aí que foi a grande dificuldade, o grande trabalho que eu tive não existiam estradas, a única estrada asfaltada que existia no Sul era Porto Alegre-Pelotas, dali pra frente era só barro e mês de agosto era mês de chuva, você não conseguia nem chegar a uma outra cidade, e eu comecei a abrir essas cidades. A grande dificuldade era explicar para gaúcho que uma mulher ia trabalhar numa companhia americana com tempo integral na rua, circulando na rua, e às vezes acompanhada do seu gerente. Então quando eu ia fazer entrevista das mulheres, eu punha anúncio em jornal e ia na cidade para entrevistar como Pelotas, Rio Grande, Santa Maria, Bagé, todas as cidades do Rio Grande do Sul, eu ficava num hotel, punha um anúncio no jornal e chamava as candidatas para serem entrevistadas no hotel. Isso já era uma coisa do outro mundo, né, a maioria já vinha com o homem junto, com o marido junto, imagina se aí ela ia sozinha no hotel ser entrevistada, né, em 1963, 1964. Aí eu explicava o que era o trabalho, a oportunidade era muito boa, né? Hoje a Avon dá automóvel pras pessoas, naquela época elas tinham que ter o próprio automóvel, o salário era bom, o trabalho era muito bom, mas tinha esse complicador de ter que trabalhar na rua, só na rua, não tinha escritório, não tinha nada e uma parte do tempo acompanhada pelo gerente de vendas que ia acabar dando direção de trabalho. E perdi grandes candidatas, naquela época, por o marido não concordar: “Ah não, isso de sair com o gerente para trabalhar e eu concordar, o que o meu vizinho vai dizer que minha mulher saiu com um homem aí pra trabalhar” então não dava certo. A maioria das cidades do Rio Grande do Sul eu tive que abrir de uma forma diferente, o sistema na época tinha umas chamadas promotoras volantes, algumas que eram contratadas aqui em São Paulo para atender algumas cidades. Então eu abri Rio Grande, Pelotas, Rio Grande e Bagé com mulheres que eu levei de São Paulo temporárias, levei mulheres daqui pra lá que começaram a trabalhar, e com isso as de lá começaram a ver como era o trabalho e falar pro marido: “Olha, essas moças são aquelas do trabalho que o rapaz ofereceu, não sei o quê”. E aí começaram a surgir as primeiras candidatas no Rio Grande do Sul depois de ver uma paulista fazer o trabalho, mas direto eu não consegui ninguém no Rio Grande do Sul, a não ser em Passo Fundo, lá o casal era muito aberto, ele entendeu, lá em Passo Fundo eu consegui. Bom, depois que eu abri Pelotas, Rio Grande, Bagé e Passo Fundo aí já se tornou conhecido o sistema da Avon, não só elas iam, as que estavam fazendo, mas com aquela de Passo Fundo já era gaúcha e era funcionária recomendava, falava da empresa, então começaram a surgir muitas candidatas e nós abrimos todo o Rio Grande do Sul. E quando eu consolidei o estado do Rio Grande do Sul a Avon achou que devia me trazer pra São Paulo porque São Paulo tinha muito problema. Tinha muito problema porque uma das coisas que eles erraram aqui, e toda a empresa erra quando começa, eu conheço quatro ou cinco, inclusive para algumas delas que eu trabalhei depois da Avon, que eu já trabalhei pra mais três empresas depois da Avon, acham que tudo é fácil, né? E São Paulo quando abriu em 1959 a idéia era que como a Avon era um produto de elite, naquela época, tinham que ter mulheres de alta categoria para poder levar o produto no mercado, né? Então veja, a primeira promotora da Avon em São Paulo era a Marjorie Prado, dona do Hotel Jequitimar, imagina se ia dar certo uma mulher daquela ia sair na rua atrás de mulher simples pra trabalhar, né? Como ela outras, né? Então São Paulo tava meio largadão. Eu vim pra São Paulo em 1965, né, e fiz um belíssimo trabalho em São Paulo, viu? Fiz um trabalho, fazia com gosto que o que dizia nos meus treinamentos, eu dei muito treinamento, eu dei muita palestra no Brasil todo, né? Eu sempre dizia pra aquelas pessoas que já trabalhavam, ou que queriam trabalhar: “Você pra ter sucesso na vida não adianta só você ter a cabeça, como eu falei, ou ter uma boa aparência, ou querer trabalhar. Você tem que querer trabalhar mas querer ser o melhor naquilo que você faz. Enquanto você não puser na sua cabeça que seja lá o que for que você vá fazer, você tem que fazer o melhor dentro daquilo que você se dispõe a fazer. Não comece a se comparar com os seus colegas de trabalho porque é um medíocre você também pode ser medíocre, ou um é mediano, você também pode ser mediano que está bom”. E foi essa a minha filosofia de vida e de trabalho: tudo que eu fiz na minha vida eu não só fazia bem, mas como queria ser o melhor dentro daquilo, das pessoas que faziam aquilo. E foi com essa, com esse posicionamento que eu cheguei em São Paulo e fiz um belíssimo trabalho em São Paulo. São Paulo não era a maior praça de resultado, era a maior praça de consumo, mas não era a de resultado. Nós tínhamos escritório de venda na Avenida Ipiranga, no edifício Martinelli e de lá eu tinha 22 gerentes de setor naquela época. São Paulo tinha 22, o Rio de Janeiro tinha 20, MG tinha 10, ela tinha umas 100 gerentes de setores na década de 1960 a 1970. E tive um sucesso tão grande em São Paulo que depois de uns dois anos eu fui convidado pra ser o gerente regional de vendas, né, pra ser gerente regional do Norte, porque já existia um rapaz antes de mim que era gerente de vendas do Sul, que foi o primeiro gerente de vendas, né, eu fui o segundo. Então comecei a ter a responsabilidade do Rio de Janeiro pra cima e começar a abrir o Norte e o Nordeste, em 1972, veja, a Avon começou em 1959 e só em 1972 ela começou a chegar no Nordeste. Então as vendas aqui eram brutais, no Rio de Janeiro e São Paulo, porque todo mundo comprava aqui e levava a mercadoria pro Norte e Nordeste, então todo mundo achava que a Avon tava vendendo muito no Rio de Janeiro e São Paulo, até que um dia as pessoas da direção da Avon começaram a analisar de verdade as vendas da onde vinham e concluímos que tínhamos uma quantidade de vendas enorme indo pro Nordeste, né? Que o consumo lá até hoje é brutal. Então eu comecei a abrir o Nordeste tomando conta do Rio de Janeiro, Vitória que já tínhamos, Belo Horizonte, mas com a responsabilidade de abrir o Nordeste. Eu cheguei em Salvador em 1972 para começar a fazer a mesma seleção que eu fiz no Sul lá em Porto Alegre, no interior do Rio Grande do Sul, fazer a seleção no Nordeste. E lá também tem umas histórias muito interessantes, né? Lá também não foi muito fácil contratar mulher para fazer esse tipo de trabalho porque ninguém conhece, é a primeira empresa que chega com um homem instalado no hotel oferecendo oportunidade, a cabeça dos maridos vira, né? (risos) Mas interessante foi que eu fiquei ali, não tinha muito hotel em Salvador, Salvador era pobre de hotel ainda na década de 1970, tinha o hotel, que hoje é da Varig, ali na Sete de Setembro e hotel melhor que eu gostava muito na época chamava Hotel da Barra, um hotel pequenininho lá na Barra. E eu ficava numa saleta, na recepção do hotel, recebendo as candidatas para entrevistar. E nunca vou esquecer dessa passagem que uma delas, uma baiana lá de Salvador, entrou na recepção do hotel e perguntou: “Escuta, eu queria falar com o senhor João Maggioli”, aí o moço da recepção disse: “Ó, ele tá naquela sala ali”. E ela chegou até a porta da sala, não entrou, voltou e disse: “Não, mas é um senhor chama senhor João Maggioli”, ele disse: “Não, é aquele moço que tá lá”. Ela chegou pra mim e disse: “Eu não podia”, com simplicidade, né, “Eu não podia imaginar que eu ia ser entrevistada por esse menino”. Porque você imagina em 1972 eu tinha 27 anos, e sempre pareci mais jovem do que a idade que eu tinha, e ela não podia imaginar que um homem de uma companhia americana, que foi oferecer uma oportunidade, era aquele moço jovem que estava dentro daquela sala. E ela foi uma das admitidas (risos). Eu admiti oito ou dez, oito ou dez, acho que foram oito candidatas em Salvador e ela foi uma das oito. Depois de preenchido Salvador eu comecei a ir pro interior da Bahia, né, e abri toda a Bahia como abri o Rio Grande do Sul. Lá também gostei tanto de Salvador, a minha mulher viajava muito comigo lá, a gente passava fim de semana e eu trabalhava a semana, nós estávamos loucos pra morar em Salvador, até o local, o terreno já tinha visto que no final eu não comprei, quem comprou foi o Juca Chaves, a casa do Juca Chaves hoje tá em cima do terreno que eu queria morar lá no Chácara das Pedras, chama, lá em Itapuã. E falei com o meu chefe de novo: “Puxa, será que Salvador dá pra eu morar?” Ele disse: “Não, você não pode morar em Salvador, você tem que morar em São Paulo mesmo”. E eu fiquei de 1972 a 1977 como o gerente regional. Depois fui gerente regional do Sul, enfim, trabalhei o Brasil inteiro e abri a maior parte do Brasil, né? Todos os estados nasceram depois que eu comecei a ser gerente de vendas. E em 1970... Isso eu fui até 1977 como gerente de vendas, depois fui regional e por isso não me deixavam morar em lugar nenhum. Em 1979 tomei um susto porque, como você viu, eu pouco me preparei, né, pra me tornar um grande homem, mas fui muito trabalhador, fui muito esperto, tive muita habilidade pra fazer esse tipo de trabalho de lidar com as mulheres. Aí em 1979, em 1977 eu me tornei um gerente regional, um gerente diretor de vendas, porque eu fui regional de 1972 a 1977, cinco anos. Em 1977, ou seja, desde de 1975, o Brasil tava com grande dificuldade para encontrar um diretor de vendas, quer dizer, nós éramos todos jovens, formados aqui no Brasil com a companhia brasileira, então eles resolveram trazer um americano, assim como eu contei a história do Saulo que teve um outro americano, resolveu trazer um outro americano para tomar conta da área de vendas e começar a preparar uma pessoa pra isso, né? Aí o americano era muito legal, viu? Eu fiquei, eu era o gerente regional, me reportava a ele, mas eu gostava muito dele e ele acabou gostando muito de mim, me ensinou muito. Ele não era tão bom no trabalho, mas era um bom filósofo, um homem de uma cultura muito alta, que lia muito, viu, sabia de tudo sobre administração de negócios no papel, mas era difícil pra ele aplicar. Quer dizer, ele era capaz de ficar falando sobre administração de negócio e de administrar gente como pouca gente eu escutei, mas ele não sabia aplicar, quer dizer, ele falava comigo, falava, mas eu não via ele fazer. Mas ele me ajudou, porque me deu muita coisa que ele leu, e que eu não lia, e eu acabei usando e aplicando. Então eu como já tinha desde tempo de gerente de vendas muita habilidade para lidar com pessoas, especialmente com a mulher, eu tive muito sucesso com mais ajuda desse homem, e ele me recomendou para ser o diretor de vendas, porque entre ele ter que selecionar um brasileiro e a vontade também de retornar aos Estados Unidos era grande, ou se tornar presidente do Brasil, era o que ele queria, ou ser presidente do Brasil ou retornar aos Estados Unidos. Era um indivíduo que falava bastante comigo, a gente conversava muito, dava muita risada, ele contava muito caso, eu também contava muito caso. E no final estávamos os dois regionais, aquele que já estava quando eu me tornei, que foi quase o primeiro funcionário da Avon, não é, e eu. Então que eu saí um conflito grande, porque esse americano acabou dando por mim pra ser o diretor de vendas e esqueceu o rapaz que já estava lá, desde que a Avon começou ele era um gerente regional de vendas, ele era o único gerente de vendas, e depois tornou regional de vendas. Muito capaz, muito trabalhador, mas não tinha essa mesma habilidade para lidar com pessoas, que o grande segredo da venda direta é saber lidar com esse mundo de gente aí, né? Então eu fui promovido a diretor de vendas em 1977, mas a Avon já, acho que, visualizava o meu futuro, quer dizer, nunca deixou eu morar aqui, ali, ali porque dizia: “Esse homem preparado pode ser o homem do futuro”. Aí vieram aqueles eventos que você tem na mão com a visita do presidente ao Brasil, não é? Nós tivemos, em 1979, nós tivemos a primeira reunião (Board?) da empresa aqui no Brasil, nunca tinha tido, né? Era um grupo grande, eles vinham com os casais, eram 40 pessoas, eram 20 casais e passaram uma semana no Brasil, em 1979, fazendo reuniões, fazendo várias reuniões para conhecer a companhia brasileira, a reunião de negócios com a cúpula da companhia, depois queriam conhecer grupo de gerentes de setor que são as promotoras, revendedoras, empregados, passaram a semana aqui. E eu era diretor de vendas e enquanto nós tínhamos esses tipos de reuniões com o pessoal de vendas eu estava presente. Eu estive com eles com a reunião de gerente de São Paulo, depois fui pro Rio de Janeiro tivemos lá com um grupo, e eles viam que eu tinha muita liderança no grupo, e além de muita liderança tinha boa comunicação, eu sempre fui muito bom de comunicação, né? Quer dizer, desde vendedor de uva-passa me comuniquei muito bem até hoje. E foi uma visita fantástica, tenho o álbum da visita deles, uma coisa... Isso quando acontece em uma companhia multinacional é um evento, é um acontecimento que vem a cúpula da empresa no país. E daqui, depois de terminado o trabalho, eles queriam conhecer Foz do Iguaçu, que era muito famoso, naquela época menos pessoas conheciam Foz do Iguaçu do que conhecem hoje. E também nós tínhamos a companhia na Argentina, eles queriam encontrar o gerente geral da Argentina na fronteira lá em Foz do Iguaçu. Então foi tudo preparado, foram fretados jatinhos pra levar o pessoal daqui pra lá, e eu não teria que ir porque eu era diretor de vendas, eu não era presidente da companhia, né? E eles me convidaram pra ir, não sei porque, o que que eu ia fazer lá? Eles iam lá pra conhecer Foz do Iguaçu e conversar com o gerente geral da Argentina. Mas imagino que já estavam me avaliando durante todo esse tempo, não é? Aí eu fui também com eles, chique, né? Imagina eu que não era nada pra história que você ouviu contar, acompanhando o (Board ?) a Foz do Iguaçu, fiquei lá com eles acompanhando as reuniões. E nós fomos na sexta, e fizeram reuniões e eu participei também, no sábado fomos visitar as Cataratas, a noite teve um jantar com o pessoal da Argentina e os brasileiros, e uma mesa lá que eu acho que tinha umas 20 pessoas, mais ou menos, não lembro exatamente quanta gente, jantamos e aí vem a grande oportunidade que eu disse a vocês. Aí terminado o jantar, aquele senhor que eu mostrei pra vocês que se tornou dono da Tiffany's, que era o presidente da Avon, no terminado o jantar ele disse assim: “Olha, eu vou ao cassino” ele falou “quem gostaria de ir?” Entre outras coisas que eu gosto também é de cassino, sempre gostei. Aí eu disse: “Eu vou!” Parecia que eu tava puxando o saco do homem, né? Mas não, eu gosto, vou até hoje, viajo para ir a cassino. Então eu fui com ele ao cassino e ninguém quis ir, só ele e eu. Fomos ao cassino, ele entrou na roleta, eu entrei no Black Jack, isso era umas dez, 11 horas da noite, ficamos até fechar o cassino às cinco horas da manhã quando deram o último aviso que ia fechar, ele ganhou cinco mil dólares na roleta, eu ganhei mil dólares no Black Jack. Fomos pro hotel, no dia seguinte tomamos o avião, retornamos a São Paulo e daqui eles foram pro Estados Unidos. E foi uma visita, para mim, muito muito prazerosa porque não só foi importante conviver com essa gente, como eles gostaram de ver o que viram aqui, não deram nenhuma sugestão de correção ou de modificação, então foi muito boa a visita. Agora veja a oportunidade, quando foi na semana seguinte, lá pra quarta-feira, eles telefonam dizendo que eu precisava ir a Nova Iorque, eu ia muito a Nova Iorque, tanto é que eu tenho uma reportagem, que eu devo ter trazido da Exame, na década de 1980, 1990 eu era o brasileiro que mais viajava a Nova Iorque, saiu na revista Exame, e eles queriam saber, na época, porque que eu tanto ia pra Nova Iorque, dei uma entrevista para a Exame. Então pra mim não era surpresa ir a Nova Iorque, a surpresa foi este homem dizer para eu estar nos Estados Unidos aquele dia. O meu chefe tá certo, mas não era o meu chefe, foi ele que me convidou. Eu falei: “Poxa, fiz alguma coisa de errado que o homem vai querer conversar comigo?” Você só pensa coisa ruim nessa hora, né, assim como foi no primeiro pulo foi nesse também. Eu fui aos Estados Unidos, cheguei na hora do almoço, fui pro hotel, me arrumei, a tarde fui lá no horário marcado por ele, na sala dele. Batemos um papinho, ele disse que tinha gostado muito da visita pro Brasil, que o Brasil era um país muito interessante, um país de futuro e que ele gostou muito das pessoas e, inclusive, de mim. Gostou da minha comunicação, de como eu vivia com o pessoal, como eu dirigia as mulheres nas reuniões que ele participou, mas que gostou mais da minha coragem, que eu mostrei como ser um homem corajoso, fui ao cassino, joguei, ganhei e com essa coragem você vai ser o presidente da companhia. (pausa)
P/2 – Puxa!
R – Então você vê que de uma reunião onde muitos empregados acham que é só uma reunião, ou de um pequeno convívio que você possa ter, se você vai ao cassino com um homem não gosta de cassino ele pode dizer que: “Eu não gosto desse cara, esse cara é jogador” (risos), não é? Se você vai a um cassino com um homem que gosta de cassino ele diz que você é um homem corajoso, que você arrisca e em negócio precisa arriscar, foi isso que ele me disse na época. E negócio quem não arrisca não faz negócio. Então eu me vangloriei todo por ter passado esse tempo com eles e de ter ido ao cassino com o presidente da companhia, o único que foi porque não foi mais ninguém. Então você vê que a primeira oportunidade para ser gerente de vendas surgiu de uma ajuda contábil, para ser presidente foi de participar de uma semana de reunião com o (Board ?) da empresa, e culminar com uma noite de cassino. E eu fiquei como presidente da empresa por 13 anos, até hoje juntando todos eles ainda não deram os 13 anos que eu fiquei lá. Foi a melhor fase da minha vida, eu fui muito bem sucedido. Saí quase na expulsória, com 58 anos, né? Já tava na hora de trocar, porque normalmente uma empresa americana não deixa um presidente mais do que quatro, cinco anos, né? Eu fiquei 13 anos e posso dizer pra vocês que foi muito difícil a decisão tanto minha quanto deles pra eu sair, eu tive uma preparação de saída de quase três anos pra passar outra pessoa, que vocês vão entrevistar, o Ademar Seródio que ficou dois anos na empresa. Era quase meu filho na Avon na época, ele era também um homem de contabilidade, eu levei ele pra vendas, se tornou também um gerente de vendas, diretor de marketing, também fez carreira. Mas depois eu não sei o que aconteceu que ficou muito pouco tempo como gerente geral. E essa foi a minha história com a Avon, foi brilhante, vou contar um pedacinho mais depois da Avon, né? Eu saí em 1993 e antes de sair me visitava muito uma pessoa que é muito conhecida ainda hoje no mercado, mais forte hoje ainda, um senhor que era presidente da Kodak e que estava pra sair da Kodak para montar o negócio dele, ele chama-se não sei o que (Mariaka ?), ele é hoje um headhunter de São Paulo que tem uma empresa grande e naquela época acho que ele já tava se envolvendo nisso, ele me visitou pra isso, ele já tinha saído da Kodak e estava montando a empresa dele, eu disse: “É, (Mariaka ?), agora eu também tô quase pra pendurar a chuteira, né, tô preparando a minha saída assim como você saiu da Kodak, e depois não sei ainda bem o que eu vou fazer. Trabalhar não vai dar porque 58 anos vou trabalhar onde?” E ele me falou uma coisa que era a mais pura verdade, ele disse: “João, você tá enganado. Eu estou no negócio hoje e as empresas hoje estão muito mais a procura de experiência do que força de trabalho. A tua cabeça ainda vale mais do que a juventude”. Pois você acredita que eu saí em setembro de 1993, e de fevereiro de 1994 eu comecei ter, ser procurado por muitas empresas. Em maio de 1994 eu recebi um convite pra visitar uma empresa nos Estados Unidos simplesmente para dar informações sobre o Brasil, aconselhar a empresa que queria vir pro Brasil, em maio de 1994, e passei três dias lá nessa empresa falando sobre o Brasil, e também não estava sabendo que estava sendo avaliado. Eu já não queria mais trabalhar, e achava que não ia mais trabalhar com a minha idade. Terminado o terceiro dia o dono da empresa lá, o senhor da empresa disse: “Escuta, você não quer abrir essa empresa pra nós no Brasil?” Eu digo: “Não, eu não quero mais trabalhar. Eu acho que depois da Avon eu não vou trabalhar mais, eu não tenho mais essa gana de trabalhar”. Ele disse: “Não, você abre a empresa, depois que ela tiver rolando a gente arranja outra pessoa”. Me deu uma mala de produtos, dois milhões de dólares e disse: “Olha, abre ela pra nós!”. E eu voltei pra cá, abri uma belíssima empresa no Brasil, teve um sucesso espantoso nos primeiros dois anos, depois passou a ter dificuldade que é a que ela vive até hoje, mas foi um dos crescimentos mais rápidos que se viu numa empresa nova acontecer, chamava-se (Nature Sunshine?), uma empresa de produtos naturais, suplementos nutricionais naturais de muito sucesso nos Estados Unidos, no Japão e teve um grande sucesso aqui. Teve tão grande sucesso que com quatro anos que eu estava lá eu recebi mais três convites para dirigir empresas, entre eles a Coca-Cola do Brasil, que eu não tive coragem de ir porque eu não queria mais trabalhar tanto desse jeito. Não fui nem ter a entrevista com eles que a sede deles é em Atlanta. E aí a headhunter que falou comigo no telefone disse: “Mas o senhor não quer vir conhecer?” Eu digo “Não, não” “O senhor não quer conhecer o pacote?” Digo: “É por isso que eu não vou, porque você me mostra o pacote eu vou trabalhar. Eu não vou”. Não aceitei. Mas aceitei trabalhar a convite do (senhor?) da Tupperware, a dar uma mão pra Tupperware no Brasil. Fiquei três anos com a Tupperware, em razão de não concordarem com as mudanças que precisavam e precisam ser feitas pra Tupperware crescer no Brasil, porque é um produto de alta qualidade, porém muito caro. Eu queria baixar o preço tornando o produto não tão alta qualidade mas um preço mais acessível e eles até hoje não concordaram com isso porque a empresa vende uma cultura centenária de família que jamais mexeria na qualidade do produto para vender. Então eles continuam pequenos como eles eram. Depois também fui convidado pra tocar uma empresa de cosméticos americana também, chama ____________, passei três anos com eles. Pelo mesmo problema da Tupperware ela também está hoje patinando porque não pode baixar o preço dos produtos, não pode fabricar no Brasil, então essas empresas estão aí pelo caminho. Então depois da Avon, como aposentado, em 1993, eu trabalhei mais 12 anos até 2005. E todo mundo dizia: “Agora parou, João?” Eu digo: “Agora eu parei!” “Agora você pára?” “Agora eu paro”. Então eu nunca parava, e hoje não pararia se quisesse, né? Hoje tenho, faço ainda muito, por isso que você não me pega, falo com muita gente, muita gente interessada em que eu volte a trabalhar, outros me querendo como consultor porque realmente eu acumulei uma experiência vastíssima na venda direta, né? Fui presidente da Associação de Vendas Diretas por dez anos, não é, fui segundo presidente porque o primeiro ficou só um ano. E tenho uma experiência muito grande que as pessoas querem aproveitar. Eu nunca me esqueço de um contato que eu tive com o dono da DeMillus no Rio de Janeiro, que queria que eu fosse dirigir a DeMillus, né, quando eu saí da Avon. E eu não queria morar no Rio, e ele não queria que eu dirigisse a DeMillus por São Paulo, eu digo: “Olha, no Rio eu não venho morar”. Não sei se ainda tá vivo ainda, chamava (Nahur?), o dono da DeMillus, era um negócio muito bom porque ele queria produzir, ele queria implementar a venda direta de lingerie porque muito esperto, pra não dizer uma outra palavra, ele fazia contato comigo – porque eu não contei essa história aí ainda aqui. Na década de 1980 a Avon passou por um problema muito grande mundialmente, quase que foi comprada, as ações da Avon em 1960 eram as ações mais valorizadas da bolsa americana, mas que a IBM, e em 1980 as ações chegaram a valer uma quinta parte do que valiam na década de 1960. E teve, passou por um problema muito sério, então a Avon começou a explorar as oportunidades que poderiam ter no mundo para voltar a ter um negócio grande, e o Brasil foi um dos que levou as melhores propostas para crescer, poucos países levaram, porque alguns tinham medo de falar, né? Porque a Avon não admitia que você falasse nada dentro da empresa que fosse falado em beleza, de cosméticos, pra eles cosméticos era uma empresa de beleza, e a Avon chegou a ser chamado durante longo tempo de beauty company, uma companhia de beleza. Aí como eles estavam nesse desespero todos os países começaram a levar oportunidades que teríamos pra mudar o negócio, e eu fui um louco que me expus, poderia perder o emprego ali, de dizer “Olha, vamos fazer uma outra coisa, poxa, estamos só vendendo cosméticos na venda direta, nós temos uma coisa que vale mais que os cosméticos que é a força de vendas que a Avon tem, esse exército de mulheres que nós temos nós não colocamos mais produtos nas mãos delas, as outras empresas põem. Então elas vendem Avon, vendem isso, isso, isso, vendem de tudo com a nossa força de venda”. E depois de quase um ano de discussão, que era pra ser rápido, mas que tudo lá era difícil porque uma companhia tradicional como é a Tupperware e não faz nada a não ser vender plástico de qualidade, a Avon era com essa linha de cosméticos. Até que conseguimos, no Brasil, convencê-los fortemente que nós deveríamos quase que alugar nossa força de vendas, ou seja, vamos fazer outra coisa, e eles diziam: “O quê?” Eu digo: “Olha, a Avon é uma companhia de beleza, né?” E nessa época eu estava convencendo a fazer um outro negócio, “Por que não vamos vender lingerie que também é beleza? Combina perfeitamente bem com a mulher: cosméticos e lingerie”. “Ah, você tá louco! Lingerie!” Aí começaram a inventar uma história que o lingerie para vender você tinha que ter três tamanhos, três cores e que estoque você ia ter? Eu digo: “Olha, você vê no cosmético é a mesma coisa: você tem dez cremes, dez não sei o quê” esse foi o argumento da época, né? E fala aqui, fala que fala que fala e mostra oportunidade, diz que realmente seria ótimo ter esse grupo de mulheres vendendo lingerie, que um dia eles concordaram comigo de fazer um teste no Brasil, porque eu já tinha dito pra ele qual era o artigo, eu digo: “Já que vocês não querem lingerie, vamos fazer um teste com pantyhose? Com meia de mulher? Que combina com beleza e consome, tem reposição, é um negócio muito bom. Fazemos um teste só numa parte do Brasil, não precisa nem ser o Brasil inteiro” e eles concordaram. Nós fizemos um teste de meia, não tinha fábrica no Brasil para atender a venda da Avon, vendemos 500 mil meias em três semanas. Aí os americanos ficaram com o queixo lá embaixo. Depois das meias concordaram que eu fizesse um teste de lingerie em 1984, 1985 só no estado de Santa Catarina, não pode vender em nenhum lugar porque lá é a média do consumidor e vamos ver o que vai acontecer lá. Pusemos lá e estourou. Então passamos a ter o lingerie com uma linha de lingerie completa com todos os tamanhos, e cores e tudo como eles não queriam, passamos a ter tudo isso, foi um sucesso absoluto e só o Brasil vendendo, nenhum país tinha. Aí eu falei: “Pôxa, a força de vendas tem que ter mais coisa pra vender além disso, por que não vender produtos de terceiro e aí sem investir capital? Fazemos em consignação, né?” E criamos, deve ter caído uma revistinha dessa na mão de vocês, isso foi criado na minha época em 1984, 1985, o chamado Lar Shopping que vendíamos produtos de outras companhias. Montamos uma estratégia de convidar alguns fabricantes brasileiros a participar de uma reunião comigo aonde eu expus o projeto, eu digo: “Olha, nós estamos, por enquanto, não querendo mais do que 20 produtos pra fazer um folheto bem pequeno e testar o mercado”. Mas aí todas as empresas queriam participar “Vocês fornecem os produtos sem pagamento, em consignação, eu vendo e pago vocês”. Os 20 entraram e estourou, foi um sucesso brutal e toda semana gente querendo entrar no sistema da Avon e a Avon ganhando mais dinheiro que nos cosméticos porque não precisa investir nada, tinha o produto de graça, vendia, tirava o seu lucro e depois pagava. E hoje esses dois itens criados em Santo Amaro, no Brasil, em São Paulo: lingerie e venda de produto de terceiros tá no mundo inteiro da Avon e representa 40% do negócio da Avon. Se não tivesse feito essas loucuras no Brasil hoje eles teriam metade da companhia, ou talvez teriam inventado uma outra coisa, vender automóvel, vender panela, eu não sei o que eles iriam fazer. Mas as idéias grandes nasceram na década de 1980 no Brasil e a Avon dobrou o seu negócio no mundo, porque aí o México começou fazer, a Argentina começou fazer, a Europa começou fazer, a Ásia começou. A Avon hoje tem lingerie no mundo inteiro que nasceu com esse homem que eu comecei a contar história, porque ele foi o meu único fornecedor, a DeMillus, ele ia toda semana lá na fábrica conversar comigo e participar da reunião de marketing. O safado do homem, além de gostar visualizou que era um grande negócio, então ele começou, depois que eu saí da Avon, a querer fazer a empresa de venda direta do lingerie dele. E quando eu disse pra ele que eu não ia morar no Rio, podia aceitar mas morando em São Paulo, e eu disse: “Olha, eu posso indicar uma pessoa pro senhor, né, já que eu não posso vir”, ele foi tão malcriado comigo, ele disse: “Olha, indicação eu não quero nenhuma porque se você não quer eu sei quem pode ser, não preciso da sua indicação”, foi mal criado, foi grosso comigo, “Tá bom, se você não quer. E eu não venho”. Ele ficou bravo que eu não aceitei, né, porque ele fez uma proposta financeira que ele achou que eu tinha que aceitar, com todo esse dinheiro, com apartamento em Ipanema que ele me dava, com tudo isso ele achou que eu ia aceitar, eu digo: “Morar no Rio por dinheiro nenhum”. Então essas coisas que eu pulei, que eu deveria ter contado tô contando agora no fim.
P/1 – Não tá no fim não!
R – Não, no fim da minha história que eu possa contar, eu fui até a minha saída da Avon e as outras empresas que eu dirigi, e hoje eu sou mais ou menos um consultor, quer dizer, todo mundo que quer abrir uma venda direta, ou que quer fazer alguma coisa com venda direta vem a minha procura, amanhã estou indo a Belo Horizonte atender um grupo que não tá no negócio e que tem idéia de fazer esse negócio, ontem eu fui a Porto Alegre. Então viajo um pouco com pessoas que hoje tem interesse em fazer uma companhia de venda direta, mas eu mesmo não quero trabalhar, eu cuido da minha vida.
P/1 – Tá certo.
R – Agora eu dou pra vocês a palavra.
P/1 – Ah, muito obrigada. Agora vamos voltar lá quando o senhor assumiu a presidência. Como é que foi esse momento?
R – Olha, foi um espetáculo porque eu tinha 110% dos empregados comigo, ficaram felizes que eu me tornei presidente porque eu sempre fui uma pessoa, como sou até hoje, apesar de ter melhorado bastante de vida, sou um homem independente, não dependo mais de trabalhar pra viver, não é? Eu sempre fui uma pessoa ligada às pessoas, então não é porque eu fui presidente que eu não ia conversar com pessoas que eu conversava antes, eu mantive, almoçava os 250 dias úteis no restaurante da empresa. Nunca fui presidente de almoçar fora, almoçar em clube, almoçava com os empregados. Sempre fui muito simples porque nasci simples, pra que que vou mudar, não é? E esse foi o problema de algumas pessoas que me sucederam. Quer dizer, os que vieram depois acharam que eram presidente, presidente e acabaram perdendo a liderança e a comunicação com as pessoas. Eu, até hoje, me comunico com as pessoas. E na área importante da empresa, que era a área de vendas que é o que faz a companhia, eu era o líder que sempre fui porque eu passei por tudo aquilo, aquelas mulheres todas trabalharam comigo e até hoje me procuram, me telefonam, e não fazem nada se não falar comigo, não as novas que entraram, mas as pessoas que eram do meu tempo. Então eu tive um apoio brutal e uma alegria muito grande, né? Alegria que eu vi na minha promoção no Hotel Hilton parecia um carnaval, quer dizer, elas levaram material pra fazer o carnaval, não foi a companhia que deu o material. Então eu fui muito feliz, eu fui sempre muito bem querido em toda a empresa e até hoje, antes de vir aqui, tive uma reunião com as coisas da Avon, já chorei, eu até falei: “Puxa, justo hoje que eu vou dar uma entrevista vou aparecer lá com a cara amassada, né?” Então eu não saio do circuito porque as pessoas me procuram muito. Então o início de presidente foi pra mim lindo, do ponto de vista pessoal, mas muito preocupante do ponto de vista profissional. Quer dizer, eu tendo sido a pessoa simples que eu fui, não ter lá essas formações de pós-graduação e de MBA, então eu me preocupava, né, porque o meu antecessor era um homem preparado demais a ponto de diminuir as pessoas, quer dizer, ele era tão preparado que todo mundo pra ele era lixo.
[pausa]
R - Eu entro tendo passado por vendas, dez, 15 anos, não podia acontecer coisa melhorar. Só que ele era muito preparado, era intelectual, mas com isso não sabia lidar com as pessoas, diminuía as pessoas e ia perdendo a liderança. Então esse receio eu tive, de olhar pra ele, por exemplo, que tinha um grande preparo e eu não ter, como vai ser, né? E foi facílimo, foi tão fácil quanto eu dirigir uma área de vendas, porque na verdade um presidente só decide, quem trabalha são as pessoas. Tinha um corpo de diretores bastante eficientes, todos conhecedores do negócio, nasceram praticamente lá dentro, então era só fazer uma reunião semanal, escutar o que todo mundo falava e dizer: “Olha, eu concordo com isso, eu não concordo com aquilo” e o pessoal aplicando e fazendo o trabalho. Nunca desrespeitei ou tirei a autoridade de nenhum diretor e a coisa funcionou bastante bem. Até que chegou, eu já contei um pedacinho aí que eu cheguei a ser preparado para deixar a empresa quase três anos porque o grande medo da Avon era perder a minha liderança, eu tenho documentos comigo hoje escrito pela matriz que diz: “João, você só pode sair a hora que você formar o próximo homem e conseguir passar pra ele o que você faz”. O que é impossível, né? Você viu que não deu, o que eu fazia não deu pra fazer (risos). Então a minha aposentadoria foi muito boa porque ela foi preparada e eu jamais senti que eu era um homem aposentado, porque o grande problema do profissional é de saber que amanhã ele tá de pijama e não tem aonde ir, né? E eu não tive isso, nenhum minuto isso porque fui me preparando, sabia que eu um dia tinha que deixar, fui me afastando, fui me afastando, fui pensando em outras coisas que é isso que eu faço hoje, né? Comecei a preparar minha cabeça, naquela época, para isso que eu faço hoje. Hoje faço isso com facilidade, ainda tendo tudo que acontece na venda direta. Se todo mundo tivesse a felicidade que eu tive de se preparar junto com a empresa pra deixar o trabalho, é a melhor combinação que existe. A pessoa sai sem trauma. Eu não tive trauma nenhum. Eu não queria mais nem ver trabalho no dia que eu parei. E geralmente as pessoas sofrem, entram em depressão. Também não põem aí, mas o último, por exemplo, tá numa depressão terrível porque não se preparou, o Amílcar. O Amílcar tá, foi o que mais sofreu com a saída, ficou pouco. Então foi esse o meu começo, o começo foi uma delícia porque foi só festa, todo mundo querendo o meu sucesso, todos, 110% da companhia, e eu preocupado com uma coisa muito grande que eu não tinha sido preparado para isso a não ser na prática, conhecia a prática, né? Como era a operação da Avon, o sucesso das vendas, mas não estava com essa cabeça de presidente. E tive muito sucesso que fiquei 13 anos.
P/1 – Tá certo. O senhor falou que durante a sua gestão tiveram muitas mudanças na Avon, né?
R – Foi, muitas.
P/1 – Que o senhor implementou. Quer falar um pouquinho sobre elas?
R – Bom, as mudanças maiores, de maior peso foram essas duas que eu falei: convencer o americano de que nós deveríamos diversificar a empresa, não ficar pensando só em beleza e em companhia de cosméticos, porque os donos até quase 1980 estavam lá em volta da companhia, e são os donos que não aceitam fazer mudança, né? Por exemplo, se você chegar hoje para uma empresa como a Natura e falar em fazer grandes mudanças os donos não aceitam, quer dizer, eles são fanáticos por aquilo que eles criaram, não é? Então as grandes mudanças foram essas. E eu acho que a grande mudança que eu fiz logo iniciando foi exatamente o relacionamento direção e empregados, quer dizer, a facilidade com que o empregado se comunicava com a empresa a partir da minha entrada fez com que você não perdesse nenhum empregado a ponto de as companhias, não bem os head hunters de administração, mas as companhias de seleção de pessoal, algumas me procuravam e diziam: “João, o que que acontece que não se consegue tirar empregado da Avon?” Quer dizer, a satisfação do empregado em trabalhar com a Avon, a maneira como eles eram tratados, o reconhecimento pela ajuda que eles davam, eles não queriam sair nem no sábado e domingo lá de dentro, e não saiam da Avon. Nos meus 13 anos eu não tive empregado que pediu demissão na Avon. Então a grande mudança mesmo foi o relacionamento empregado e direção. Depois as de negócio que foram essas duas que eu dei, não é? Eu criei a creche, que nós temos lá, quase nenhuma empresa tinha creche em 1970 porque como eu vinha de uma família onde tinha oito irmãs, sete irmãs só mulheres, né, tive filhas mulheres, a minha mulher que pra ter a primeira filha, coitada, andava de ônibus 50 quilômetros até o sétimo, oitavo mês. Então eu era sensível a dificuldade da mulher para trabalhar naquela época, então eu consegui mostrar um plano que o custo dessa creche, o custo-benefício seria para empresa fantástico, e para empregada muito maior. Depois disso criei um clube de aposentados, que foi a maneira que eu encontrei, em 1988, de conseguir diminuir o volume de empregados que nós tínhamos, né, numa boa, convencendo que era ótimo pra eles deixarem a empresa, pessoas que já estavam com idade, já estavam quase para se aposentar ou já estavam aposentados. E foi feita uma coisa fantástica, quer dizer, eu consegui reduzir o número de empregados, em 1988, sem nenhum trauma porque dei alguma vantagem pra eles, criei esse clube que demos a eles uma garantia de saúde, né, e foi tudo, caminhou tudo muito bem. Então as coisas com o pessoal interno caminhavam além do que eles podiam encontrar no mercado, o grupo de vendas muito motivado e tendo muito sucesso, porque a medida que conseguia aumentar as vendas o sucesso também era deles. E fiz muita mudança, não eu porque a companhia começou a fazer no mundo, mas eu fui aproveitando que eles iam fazendo pro outro lado do mundo e trouxemos pra área de vendas coisas muito boas como o volume de viagens, que nunca nós tivemos, e essas mulheres viajaram o mundo e continuam viajando, eu tava em Paris agora tá lá um grupo de 600 mulheres da Avon. Todo ano viaja um grupo muito grande chamado Círculo de Excelência, que foi iniciado no meu tempo. Então é uma companhia que foi, hoje eu não posso dizer que eu não tô lá dentro, né, mas foi uma companhia totalmente diferencia de qualquer empresa no Brasil. Eu ouvia dizer que a Johnson & Johnson era uma grande empresa na época, mas a Avon ainda era melhor que Johnson & Johnson, quer dizer, o ambiente criado interno e externo era difícil de entender até como foi criado, foi natural e as pessoas tiveram a grande oportunidade delas de 1970 a 1990, 20 anos de muito êxito da empresa. É lógico, depois de tudo montado, tudo prontinho aí vieram os outros e foram... Hoje a Avon é um monstro, quer dizer, hoje a Avon é quase três vezes o que eu deixei.
[troca de fita]
R – O President’s Day foi uma coisa criada nos Estados Unidos, né, com o objetivo de ter um dia por ano o presidente da empresa, que todos dizem que é uma pessoa tão difícil, mas que no Brasil não era, é poder conviver com aqueles que se reportam a ele ou a direção da empresa por um dia e saber que como eles são, né, e como a companhia é. E eu tive a oportunidade de participar no President's Day nos Estados Unidos e achei admirável o que teve lá e trouxe pro Brasil e implantei, acho que foi em 1980, 1981 o primeiro President's Day e via que emoção era esse dia, né? Olha, quanto choro nós tínhamos no final da noite quando encerrava, porque tinha discurso, reconhecimento, e as pessoas, durante o dia, uns jogavam tênis, outros jogavam bocha, tinha uma partida de futebol. Então enchia e punha todas essas pessoas que não tem grande oportunidade de se conversar dentro da empresa, mesmo durante um ano, a se conhecerem num President's Day. Quer dizer, tem gente que eu tenho certeza durante esses anos que nós tivemos o President's Day que passaram a considerar e avaliar pessoas de forma completamente diferente do que lá dentro do trabalho, podiam sentar junto para almoçar, tomar um refrigerante ou jogar juntos, então se conheciam. E foi um evento que, na minha época, durou muito porque eu me entregava pras pessoas, você vê que parou porque precisa se entregar, né? Quer dizer, quando você, depois vocês arrumam aí que vocês precisam conhecer, né? Quer dizer, se a pessoa se põe num pedestal: “Imagina se eu vou me misturar com essa turma aí e jogar futebol, né?” E foi o que...
P/1 – Isso é coisa de brasileiro, né, se misturar (risos).
R - ... e foi o que aconteceu, e foi o que aconteceu, eu saí quem é que tinha tempo pra montar um President's Day, passar o dia com os empregados, mas é o dia das oito da manhã às 11 da noite porque terminava com um jantar fino, bonito, num lugar bonito. Então é se dedicar às pessoas e um dirigente não tá pra isso, né, ele já tá num outro estágio, a cabeça já tá pensando em coisa lá em cima e cai. Eu dou o exemplo pras esses meninos tipo o Saulo, né, e um outro que eu vou encontrar amanhã em Belo Horizonte e que ele tá seguindo o que dei: “Olha, você não pode, na sua vida, mudar o seu comportamento à medida que você cresce na vida, se você mudar você vai pagar um preço muito alto. Não mude, a hora que você vê que tá desviando você pára e refaça a sua vida. Porque o que estraga os grandes executivos do mundo é deixar subir a cabeça mais do que devia subir”. Amanhã eu vou ter essa reunião em Belo Horizonte com um grupo onde tá esse jovem que, talvez, vai tomar conta desse negócio e eu o conheço.
P/1 – Mais alguma coisa? Não? Então vamos seguir, o senhor já falou assim de muitos desafios que o senhor enfrentou, né, estando na Avon. Fala um pouquinho das alegrias.
R – Das alegrias? Eu acho que eu só tive alegria! Você vê, fazer uma carreira que eu fiz e ter essas datas que eu citei para vocês, é uma alegria brutal. Fora sucesso de negócio, é toda hora sendo reconhecido pelos Estados Unidos, como você já tem uma coisa lá pra falar sobre isso, e fazer coisas que pros outros eram difíceis e pra mim foi razoavelmente fácil. Eu tive 37 anos na Avon de alegria, muita alegria, sempre, especialmente a época que eu vivi como gerente de vendas, como homem de vendas, né, que em vendas é que você sente as pessoas e, realmente, se sente alegre. Eu tive muita alegria na minha vida, além de ter podido ajudar muita gente, né? Quanta gente eu criei, quanta gente eu ajudei que tiveram sucesso como esse rapaz. Eu fiquei muito contente da carreira que ele fez, né, participei da vida dele, como ele muitos. As mulheres, por exemplo, que na década de 1970 eram sempre desvalorizadas no mundo dos negócios, né, eu cito numa revista Exame que tá aí comigo, numa entrevista que eu dei, que não mais que 15% das mulheres trabalhavam naquela época e assim mesmo em trabalhos comuns, né, não tinham lá grande participação. E quando nós começamos a criar mulheres dirigentes, hoje não sei, eu ouvi falar que das 40 gerentes de vendas 30 são mulheres hoje, depois do sucesso da primeira então foi se encorajando em criar a segunda. A gente fica muito alegre com isso, né, de ver a mulher que não era valorizada, na década de 1970, hoje ser prestigiada e ser destacada mais do que o homem. Eu tive muita alegria em 37 anos de Avon. Tristeza eu só tive, baseado nessa reunião de hoje cedo, que aliás aprendi com aquele senhor que eu disse que eu fiz os cálculos para ele, o Paul (Warner?), eu tenho uns três ou quatro ditados, ou frases, que eu ouvi na minha carreira que eu vou enterrar comigo e uma delas é a dele, ou duas frases que ele tem, né? Ele dizia assim, falar exatamente como ele falava: “Você pode fazer a mesma coisa que eu faço, mas não da maneira que eu faço”. Então o que ele quis dizer com isso diz: olha, a maneira de fazer vai ser muito importante na sua carreira, porque você fica me copiando, dizendo as mesmas palavras que aconteceu isso no outro caso, oposto, o meu felizmente foi positivo porque eu ouvi o homem, que o importante de fazer é o caminho, não só como você faz, porque você vai fazer, mas não tão bem quanto devia fazer que é o que ele fazia. E no outro caso que eu tenho experiência na Avon também, quer dizer, pensa que me copiou a vida inteira, mas nunca fez do mesmo jeito, tanto é que durou pouco. Essa frase é do meu chefão. Aí a minha grande tristeza que eu ia contar, foi a maior, que foi a razão desta reunião de hoje cedo de que vai continuar, foi a maneira como, não a Avon, como os dirigentes que me sucederam passaram a me considerar. Quer dizer, você acredita que eu saí em 1993 e só fui aparecer na Avon agora porque o Filipe me convidou pra Festa dos 50 anos, eu nunca passei na calçada da Avon porque é uma cultura desses idiotas que passam por lá. Quer dizer, eu ir à Avon com eles dirigindo é uma ameaça a liderança deles, entendeu? Quer dizer, eu quando fui me despedir na minha aposentadoria, em Nova Iorque, o senhor que se chama (Jim Preston ?) ele disse: “Você vai continuar como (shearman ?) da empresa”. Eu podia estar na Avon até hoje, mas por uma dessas idiotices que eu estou dizendo, que as pessoas acham que você vai ofuscar a liderança se você ficar, eu não fiquei nenhum dia mais. Então essa foi a minha grande tristeza, não de ficar como (shearman ?) que eu podia ter saído, mas de não poder manter a ligação com a empresa, né, aparecer de vez em quando, né, ser consultado de vez em quando, conversar com pessoas que você deixou lá. Os dois últimos caras que estiveram lá fecharam a porta, eu fiz uma quadra de tênis, porque eu jogava tênis, eu fiz uma quadra de tênis na Avon, joguei Avon uns cinco, seis anos enquanto fui presidente, e imaginava que não sendo presidente eu podia aparecer uma vez por semana lá pra jogar tênis, e eu fui as duas, três primeiras vezes, quando eu recebi um recado que eu não deveria ir mais. Então isso magoa muito porque toda essa gente, que ficou lá dirigindo, foram criados por mim. Eu dei a oportunidade de chegar onde chegaram, todos eles, que todos não eram nada quando eu era presidente. Essa é a grande mágoa maior que eu tive, e que hoje eu tô tentando acertar pro Filipe isso, para que não aconteça isso. Uma pessoa que contribuiu com a companhia e que foi e é querido até hoje, porque a grande bronca, vou usar um termo pesado, é que eu saí faz sete... 14 anos e as pessoas não me esqueceram, quando se fala lá dentro da Avon em fazer alguma coisa: “Ah, no tempo do seu João”, “Ah, no tempo do seu João”, “Ah, no tempo...”. Então eu deixei a minha marca lá, então eu não podia ter sido rejeitado porque deixei uma imagem tão forte. Aliás, quando eu me preparei para a aposentadoria a matriz, os dirigentes da época diziam: “João, você é um problema pra Avon, porque a Avon no Brasil não é a Avon, é João Maggioli. E a sua saída vai ser um trabalho muito grande pra nós”, então até hoje. Eu fui lá nesse almoço com o Filipe e me perdi ali fora, que fizeram muita mudança, e tava procurando uma toalete e encontrei uma moça parada com a prancheta na mão e disse: “Onde é que tem uma toalete aqui?” Ela disse assim: “O senhor trabalha aqui?” Eu digo: “Não, já trabalhei”. Ela disse: “Quem é o senhor?” “Eu sou o João Maggioli” “Ah bom, agora eu sei quem o senhor é, porque eu fiz uma pesquisa aqui e falam muito do seu nome”. Aí ela me indicou a toalete.
P/1 – Seu João...
R – Então a minha tristeza é de não ter dado continuidade do meu relacionamento com a empresa, não pela empresa, pelos dirigentes. Que não tenho amizade nenhum com eles, e acho que não preciso ter.
P/1 – Seu João, o que o senhor considera a sua principal realização na Avon?
R – Na Avon? Bom, se eu pudesse te trazer o vídeo que alguém deve ter foi a maior realização, vou te contar. Aquele homem que eu te dei numa fotografia, que eu não soube dizer o nome dele, aquele era o homem mais forte da empresa, presidente mundial, ele veio da General Electric, não entendia bulhufas de cosméticos e muito menos de venda direta, mas tinha um cabeção, deram pra ele, disseram: “Esse homem aqui vai ser um sucesso!” A Avon tava vivendo uma situação horrorosa no mundo, né, tava quase pra ser comprada, estávamos pra perder a empresa, então foram buscar o máximo. Senhor da GE, e o cara veio, e veio desgraçadamente numa fase dificílima pro Brasil, na época do Sarney que a inflação era 80% por mês, 50%, 60%. Aí esse cabeção viu a situação do Brasil que tava difícil de fazer dinheiro porque a inflação absorvia tudo, uma dia sentado no escritório dele na 57 de Nova Iorque, olhando o Central Park, não é? Falou: “Escuta, nós temos que mudar o preço no Brasil a nível de inflação”, falou com o meu chefe. O meu chefe tentando explicar pra ele que era difícil, falou, falou não conseguiu, me mandou um fax, que naquela época não tinha e-mail, dizendo: “João, temos que mudar os preços no Brasil a nível da inflação”. Nós tínhamos 300 mil revendedoras. Aí eu disse pra ele: “(Stuart?)” também tá na fotografia, eu disse: “(Stuart?), vai ser muito difícil fazer isso, heim? Nós vamos quebrar a companhia. Lembre-se que o mercado da Avon é um mercado de gente de menor poder aquisitivo e uma coisa como essa é não vender” “Não, o homem disse que tem que fazer”. E pra eu me salvaguardar, eu mandei um outro fax, eu digo: “Eu vou fazer, mas vocês vão ver as consequências”. E fiz, perdemos em uma semana 50% das revendedoras, 150 mil mulheres pararam de vendas em uma semana! Aí a companhia, com isso a companhia tava quebrada, quer dizer, não tinha condições de se reerguer. Então o que fiz, não podia sair o Brasil inteiro viajando, que eu não tinha forças pra isso, e só eu podia fazer, não tinha ninguém pra fazer esse trabalho. Quer dizer, tinha que ser uma liderança tão forte que não adiantava eu mandar gerente de vendas, diretor de vendas, eles não tinham força pra fazer, dar a mensagem que tinha que ser dada. Eu gravei em vídeo, mandei para 270 gerentes de setor para ela ver que não tinha telecomunicação, não tinha nada, só um vídeo que resolvia e consegui na base da emoção, né, na base do coração comover essas 270 mulheres que trouxeram de volta as 150 mil mulheres, ou as mesmas ou outras. Mas 150 mil mulheres para recompor a empresa, porque se não conseguisse fazer isso aí a empresa quebrava, foi na gestão deste homem. Que numa hora dessa, que tava acontecendo no Brasil, não adianta você querer refazer uma empresa se o país não se permite fazer, se você vai contra a situação do país você faz o que fez, ele falou: “Faça!” Eu fiz. E ele viu o que aconteceu. Existe um vídeo que eu mandei pra essas 270 promotoras que, com certeza, tem muita gente que tem, eu não tenho, aonde eu consegui sensibilizar a promotora brasileira a fazer mais do que ela normalmente faria para ela garantir o emprego dela, e a vida da empresa, e se deu bem, foi bem. Esse foi o maior desastre.
P/1 – Seu João Maggioli, na sua visão, o que a Avon representa para o funcionário?
R – Bom, se ela… Eu não conheço detalhes hoje, se ela hoje mantém boa parte do que foi feito pros empregados nos 1950 anos ela é uma empresa inigualável, ela é a segunda casa do emprego. Se ela mantém, que não precisa ser tudo, que eu, talvez a própria condição de mercado não permite que se faça isso. Mas era pra eles a segunda casa deles, viu, e era uma empresa que eles queriam se aposentar ou morrer lá. Então depende muito de como a empresa lida com isso, com as pessoas. O grande segredo pra eles gostaram e manterem, aumentarem produtividade, ou pensarem somente nessa empresa é como eles são considerados. Que participação é dada a eles, que reconhecimento é dado a eles, que valor humano eles têm pra empresa. E como a empresa tá muito grande, eu não sei quanto tempo eles teriam para se dedicar ao empregado como eu me dedicava, eu tinha reunião de empregados mensal, sempre vinha um grupo diferente, né, de 20, 30 empregados na minha sala de reunião, sentava em volta da mesa, eu ouvia tudo de bom, de ruim, né? Então a consideração com o empregado, a segurança que é dada para o empregado, que eu não sei como é feito. Quer dizer, o empregado, hoje, a maior valorização dele tá em reconhecimento e segurança, se ele se sente seguro e reconhecido ele é um grande empregado. E a Avon passou uma época ruim aí, hoje eu não sei, talvez o Filipe já conseguiu resgatar, porque eu fui lá nos 50 anos e eu falei, numa reunião que nós tivemos, né? Deve ter machucado até o pessoal que escutou isso, mas eu disse: “Olha, Filipe, você tá dando um grande passo, você tá resgatando o cordão umbilical que foi cortado dos ex-empregados da Avon com a Avon. E o valor dessa reunião que nós estamos fazendo aqui não é só pra nós, pra nós é grande, mas é muito maior pra quem tá dentro do prédio que está assistindo e dizendo: ‘Assim nós vamos ser tratados no futuro’”.
P/1 – Deixa eu ver o que mais podemos perguntar. Para o final, tá bom?
R – Acho que você tem bastante, hein?
(pausa)
P/1 – Então vamos finalizar, seu João. Nós já falamos bastante e tal. O senhor só não falou dos eventos, o senhor falou que foi na sua gestão que começaram os eventos de...
R – Os eventos começaram na década de 1980, quer dizer, essas convenções grandes começaram mais ou menos em 1978, não é, em 1978. Mas de verdade, tudo na Avon aconteceu em 1980, as grandes convenções com participação de artistas, as viagens, os grandes prêmios que são dados hoje começaram em 1980. A condição de vida, especialmente da condição de vendas, melhorou bastante porque chegou a época também, em 1980, da companhia oferecer o carro, que antes elas tinham que ter o carro. Quando você admitia essas mulheres em 1970, 1975, quer dizer, desde que começou a Avon em 1959 até 1975, elas tinham que ter o carro próprio, então hoje elas tem o carro com opção de compra quando termina o leasing. Então é uma grande vantagem hoje pra elas. Então eu acho que tudo aconteceu em 1980 que nós, a diversificação da empresa para lingerie, produtos de terceiro aconteceu em 1980. Depois, isso não deixa nem o Filipe ver, o que eu vou contar pra vocês, depois que eu saí não teve mais nada de novo, tá lá o lingerie, tá lá o produto de terceiro, não inventaram uma coisa pra acrescentar. Tá certo que eles tão tendo sucesso com essas três coisas, não precisam procurar mais, né? Mas não existiu mais nada, é que na época que eu fiz precisávamos fazer pra companhia sobreviver, mundialmente a Avon tava muito mal, tava quase sendo comprada, tava ali na esquina para ser comprada então tinha que fazer, tinha que criar coragem e sair para alguma coisa diferente. Hoje não, hoje eles estão instáveis, a Avon tá muito bem no mundo inteiro, o Brasil é a primeira companhia fora dos Estados Unidos, não há necessidade, mas também não foi criado nada. Não é só porque eu tô fora de lá, porque se eu tivesse visto alguma coisa eu falaria: “Eles criaram depois de mim, vendem amendoim, pipoca”, mas não aconteceu.
P/1 – Tá certo.
R – Aliás, aconteceu coisa muito boa depois de mim, isso foi, por exemplo, a linha de cosméticos tá muito bem melhorada, tá com a qualidade que nós não tínhamos e não podíamos ter na época, hoje eles tem uma linha muito valorizada, né, que pode ser olhada pela classe A e B mesmo que não compre pelo menos olha, porque tem produtos de alta qualidade, né? Porque o que existe com a Avon na classe A e B, que sempre existiu, e hoje talvez não seja tão acentuada porque a classe A e B diminuiu, e a C e D subiu, é que você ouve falar um pouco mais de Avon, né? Naquela época até 1980, uma dona de casa, por exemplo, diz que não gostaria de ter um produto Avon lá dentro da casa dela porque a empregada também tinha, né? Só que agora tem produtos caros da Avon que eu não sei se a empregada vai ter, mas a marca vai ter. Uma coisa que eu tentei fazer e não consegui, e o meu sucessor pisou em cima, abandonou, é que eu estava criando uma marca para classe A e B, exatamente pelo problema, quer dizer, existia feito por pesquisa uma amostra clara de que a classe A, B menos, B mais, não compraria Avon por dinheiro nenhum, não é? Então eu comecei a trabalhar em ter uma linha de produtos para classe A e B que ia se chamar, já tinha a marca, já tinha tudo, né, e já estávamos selecionando produto, admiti uma diretora de marketing, que ficou na empresa até agora com o diretor de marketing da Avon, chamada (Regina ?), nós íamos fazer essa linha que eu queria lembrar o nome.
P/1 – Avon Premium?
R – Não, não não, não podia por nome da Avon, se pusesse o nome da Avon, não podia por o nome nem na embalagem: produzido pela Avon, é verdade. Eu fiz pesquisa, várias. Eu não sei como chama aquele tipo de pesquisa, vocês devem conhecer que vocês estão no negócio, que você chama um grupo de clientes, né, e você fica lá em cima no vidro vendo a reação das clientes. E eu fiz duas ou três vezes isso e me arrepiava de ouvir o que elas falavam: “O quê? Avon? Você tá louco!” Então não adiantava insistir. Aí eu convenci fazer uma linha para classe A e B e os Estados Unidos estava de acordo, mas aí entrou o esperto depois de mim, o gênio, e amassetou tudo.
P/1 – (risos).
R – Imagina se ele vê no vídeo eu dizendo isso, heim? Entrou o gênio.
P/1 – Pois é!
R – Entrou o gênio que só ficou dois anos e pisou em cima de tudo isso.
P/1 – Tá certo.
R – Eu fiquei 13 e ele ficou dois e conseguiu acabar com tudo (risos).
P/1 – Vamos encerrar?
R – Eu vou perguntar mais.
P/1 – O senhor quer acrescentar alguma coisa?
R – Acho que é bastante, eu acho que vocês não vão ter nem como usar isso aí tudo.
P/1 – Então tá, deixa eu perguntar só uma coisa mais. Não, vamos encerrar, vamos encerrar. O que o senhor acha da Avon estar resgatando a sua memória através desse projeto?
R – Olha, eu acho muito valioso, viu? E não sei qual vai ser o uso desse projeto, desse material, mas só de saber que ela está interessada em reviver o passado é valioso, especialmente se eles conseguirem mostrar um bom vídeo pros empregados que estão lá dentro. Porque a grande preocupação que eu tinha, e que eles tem que ter, e eu deixei essa mensagem pro Filipe, é fazer com que o empregado de hoje acredite que o futuro dele vai ser bom, não brilhante, que vai ser bom. E só mostrando essas coisas, eu ir trazendo pessoal antigo pra falar, porque quem tá lá hoje não tem, não tem história, né? O que vai contar do passado? Eles não viveram o passado. Então precisa que um grupo conte do passado, outros como o Saulo, que nasceu do nada e foi bem sucedido, pra quem tá lá dentro acreditar que isso é possível acontecer. Então vai valer muito de como eles vão usar esse material, porque se pegar o material e guardar na gaveta, ou mandar pros Estados Unidos isso, não vai adiantar nada, eles vão ter que divulgar isso mas no mundo da Avon, viu? E se puder jogar pro mercado, eu não sei de que forma fazer, e também seria bom pras pessoas saberem que a Avon é uma empresa tem sucesso comercial, mas que tem sucesso com pessoas também.
P/1 – Tá certo. E o que o senhor achou de ter participado desta entrevista?
R – Eu achei bom, porque eu fui obrigado a pensar, a trazer um pouco da minha história pra minha mente, não é? Quer dizer, se vocês não fizessem isso, tudo estaria guardado mas eu não ia recordar, não ia pensar, não tinha que falar pra ninguém. Então eu acho que relembrar coisas boas e ruins da sua vida é sempre muito bom pra você mesmo, eu saio agora no carro e vou lembrar do que eu contei pra vocês, as coisas que foram boas. Eu posso dizer que eu só tive coisa boa, coisa ruim foi muito pouco, foi esse finalzinho que eu contei pra vocês. Se tivessem feito de uma outra maneira, ou bem feito, ou deixado egoísmo e orgulho de lado talvez eu dissesse: “Não tenho absolutamente nada pra dizer, me aposentei na hora certa, levo uma bela vida de aposentado, dei a minha contribuição para a Avon, né?” Mas infelizmente houve, não comigo, com a companhia inteira nesses últimos cinco, sete anos uma, não vou falar destruição, mas um desgaste por vaidade pessoal desnecessário, quer dizer, eu tô falando o que falei pro Filipe lá, não dei nome aos bois mas disse: “Foi um desgaste desnecessário”. Quer dizer, a empresa teria ganho uma enormidade se essas coisas dos últimos cinco anos não tivessem acontecido. O resto foi tudo muito bom, trabalhei com muita mulher bonita, foi gostoso. (risos) Eu posso morrer em paz (risos).
P/1 – Tá ótimo.
R – Tá bom?
P/1 – O senhor quer deixar mais uma mensagem?
R – Olha, a mensagem que eu posso dar eu acho que eu já dei nas entrelinhas, né, de que eu gostaria, é meio difícil, de que todos os funcionários da Avon seja ele qual for, interno ou externo, pudesse um dia estar no mesmo lugar que eu estou hoje, quer dizer, fora da empresa mas com saúde, com disposição pra enfrentar a vida, e querendo bem pra todas elas.
P/1 – Tá certo. Então em nome da Avon e do Museu da Pessoa nós agradecemos muito a sua entrevista.
R – E obrigado a vocês também de terem a paciência de ficarem só me ouvindo duas horas aqui. (risos)
[Fim da entrevista]Recolher