P1 - Clarissa Batalha
P2 - Luani Guarnieri Bueno
R - Célia Aparecida Romanholi Sanches
P1 – Vamos começar, então, Célia? Por favor, fala seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome completo é Célia Aparecida Romanholi Sanches, nasci no dia 30 de agosto de 1944. M...Continuar leitura
P1 - Clarissa Batalha
P2 - Luani Guarnieri Bueno
R - Célia Aparecida Romanholi Sanches
P1 – Vamos começar, então, Célia? Por favor, fala seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome completo é Célia Aparecida Romanholi Sanches, nasci no dia 30 de agosto de 1944. Moro em São Paulo, no Jardim São Bernardo, Rua Doutor Carlos Infante Marques, número 65.
P1 – E você nasceu aonde?
R – Eu nasci em São Manuel.
P1 – Tá. A sua atividade atual qual que é?
R – É, então, eu sou aposentada, né, eu fico em casa, que meu marido tem problema de saúde então tava realmente precisando de mim. E também ajudo um pouco minha filha em algumas coisas, assim, levar as crianças na natação, essas coisas assim. Pra distrair também um pouco, né. E, assim, participo um pouco de comunidade também, né, na igreja, essas coisas. Minhas atividades são essas daí.
P1 – Tem alguma específica que você faz na comunidade?
R – Não. Atualmente, eu não to fazendo assim nada por motivos de, da saúde dele. Às vezes, eu preciso faltar muito, entende? Eu exercia o ministério de, ministra da Eucaristia, né, mas como eu precisei faltar muito, aí eu passei o cargo pra outra pessoa, pra não ficar prejudicando as minhas colegas da comunidade, as minhas irmãs de igreja. E, assim, né, o que eu faço é isso.
P1 – Tá bom. E o nome dos seus pais?
R – O nome do meu pai é Pascoal Romanholi.
P1 – Da sua mãe?
R – É Dionise Linares.
P1 – E qual que era a atividade profissional deles?
R – Meu pai trabalhava na lavoura e a minha mãe era costureira, ela costurava pras pessoas, né?
P1 – E a origem da família, qual que é? Seus avós, seus bisavós?
R – É, os meus avós, [pais] da minha mãe, eles eram espanhóis, né? Só que eu não sei de onde eles são, sei que eles eram espanhóis. A minha mãe, ela nasceu na Argentina, né? E o avô do meu pai era italiano, eles vieram da Itália; só que o meu pai nasceu no Brasil. Eles vieram por causa da guerra, né, veio minha mãe, de um outro navio, outra... Como fala, assim, cargueiro. Vinha um de um lado e outro de outro, então se encontraram aqui, não vieram junto, eram crianças, né? Então vieram imigrantes, aqui pro... Eles vieram pra... Meu pai nasceu mineiro, minha mãe... Moravam no interior do estado de São Paulo, nas fazendas... Quando eu tinha 4 anos, morava numa fazenda que chamava Água Vermelha, né, - menos de 4 anos, eu tinha 3 anos e pouco. Eu lembro que a gente morava numa outra fazenda que chamava São Roque. Assim, essas fazendas, aquelas casinhas, essas coisinhas assim, sabe? Então, é isso que eu me lembro da infância assim.
P1 – E você tem irmãos?
R – Nós somos, nós éramos em 15 irmãos. A minha mãe teve 15 filhos, só que morreu alguns, né? Esse pequeno, morreu alguns adultos, então a gente agora ficou em cinco.
P1 – Cinco, tá. Então vamos lembrar um pouquinho da infância. Você já começou...
R – Cinco? Morreu dois, ficou seis. Tinham oito, [quando] vivos.
P1 – Seis, tá. Então, vamos falar um pouquinho da infância. Você começou a falar que vocês moravam em fazendas...
R – É, a gente morava em fazenda.
P1 – Onde?
R – Então, como eu falei pra você, morei numa fazenda que chamava São Roque, né? Era, assim, uma fazenda pequena, depois a gente... Só que me lembro, então até 3 anos eu não lembro muita coisa não, mas de 3 anos pra cá... Aí nós mudamos pra uma outra fazenda... Aí, nesse lugar, nesse São Roque, a minha mãe teve uma menina que se chamava Marilena, né? Depois, nós mudamos pra essa fazenda chamada Água Vermelha.
P1 – Isso em São Paulo?
R – No estado de São Paulo. Tudo pro lado do, pra região assim de São Manuel, sabe? São Manuel, aqueles lados de lá, Bauru, Iacanga, esses lugares assim. Nessa fazenda, eu tinha 4 anos, aí a gente cresceu um pouco ali. Quando meus pais foram embora, a gente já tava com 8 anos, né? Aí eu fui morar numa outra fazenda que se chamava Nova Sorrende, com 8 anos. Aí, ali, a gente foi pra escola, né? Depois a gente ficou bastante, um tempinho ali. Com 9 anos eu vim pra São Paulo. Foi um tio meu lá, a minha mãe tinha aquele monte de filhos, né, aquele monte de criança, então foi um tio meu lá: “Ah, porque eu vou levar a Célia”. Aí eu fiquei doida pra querer vim, sabe? “Ah, eu vou, porque eu vou.” Coitado do meu pai, sem ele ficar sabendo, a minha mãe arrumou as minhas coisas, pôs numa maletinha ali, numa sacolinha, e eu fui pra... Eu vim pra cá, né, sem saber de nada - uma menina de 9 anos vai saber o que, né? Aí fiquei aqui... Não fiquei muito tempo, não, fiquei acho que uns 4, 5 meses só, né, na casa dos meus tios, tava meio... A gente não conhece, gente que não conhecia, né, achei estranho. Depois, a minha mãe veio pra cá passear com um irmão meu, né, aí eu vim de volta, fui de volta. “Não quero ficar mais aqui, eu vou embora.” E atrapalhou tudo, o estudo, né? Apesar de que eu entrei na escola, mas não cheguei a concluir nada aqui porque eu fiquei só quatro meses, né? Aí voltei de novo pra Água Vermelha, ficamos mais um pouco lá... Normalmente, a gente não estudava muito não, viu? Aí os pais da gente sempre faziam aquele monte de filho, os mais velhos iam ajudar os pais na roça, sabe? Então a gente ia lá limpar tronco de pé de café, sabe, pra ajudar, os pais, assim, em volta e a gente fazia por baixo, entrava lá... Aquelas criancinhas tudo com 9, 10 anos, em vez de estudar, ia lá e fazia aquilo ali. Isso aí eu fiz até 10, 11 anos, depois a gente foi embora pra outro lugar que se chamava Palmeira, uma outra fazenda que se chamava Palmeira. Meu pai, coitado, era pobre, né, então tinha que procurar onde dava pra viver melhorzinho um pouco. Aí já foi, acho que um lugar... Aí a gente passou pra cana, deixou o café. Até então a gente só era café, meu pai era lavrador, assim, de café, pegava aqueles cafezais pra cuidar, um monte... Minha mãe trabalhava sabe, nossa. A gente ficava em casa, cinco criancinhas em casa com um irmão meu que era o mais velho, então ficava com esse irmão de uns 16 anos mais ou menos. Depois ficava nós três, depois mais um irmãozinho, quatro, depois nasceu mais um, né, o Carlos que era o caçula. E ficava todo mundo com esse meu irmão em casa. A minha mãe com o meu pai e meus dois irmãos mais velhos iam trabalhar. Aí a gente foi morar nessa fazenda, Palmeira, é, acho que é Palmeira sim. Aí pertencia a Usina São Manuel, né, aí a gente veio pro lado da Usina São Manuel. Palmeira era uma fazenda que pertencia a Usina de São Manuel. Então a gente morou um pouco lá e depois foi morar na Usina São Manuel. Aí a minha irmã tinha 14 anos, ela foi trabalhar na casa do patrão, não sei, ele se chamava Jaime. Aí ela trabalhou lá, foi menina, cozinheira, foi lá ajudar a trabalhar também, ajudar, a minha irmã lá e fazia isso daí, não tinha uma vida... Era essa vidinha, assim. A fazenda não tinha nada, não tinha divertimento, parque, igreja, nada.
P1 – Mas dava pra brincar um pouquinho?
R – Brincava assim, de casinha quando dava, essas coisinhas assim, mas... Brincava de corre corre, pega pega, essas coisinhas assim.
P1 – Qual que era a sua predileta?
R – Brincava de casinha mesmo, era mais brincar de fazer, pegava tijolinho, colocava um assim, fazia aquela portelinha, pegava toalhinha, jornal, papel, punha toalhinha, pegava capinha de vidro e colocava. Assim, não tinha brinquedo, boneca, nada; então era desse jeito, a infância cruel...
P1 – Entendi. E uma lembrança marcante que você tem da infância?
R – Uma lembrança marcante, sim, quando a gente mudou, né, que o motorista __________, sabe? Aí eu tava na cabine do caminhão com a minha mãe, quando gente mudou do São Roque pra Água Vermelha, né, com 4 anos. O caminhão dava soco, né, aí eu falava: “Ai, como pula, como pula!” Eu era pequenininha, né? Não gosto nem de lembrar, isso dá vontade de chorar. Isso ficou marcado, né, minha mãe de vez em quando ela falava, sabe? É que nem quando o filho da gente faz alguma coisa diferente, a gente nunca esquece. Então foi isso que eu fiz diferente, que a minha mãe sempre, ela falava, de vez em quando: “Você falava que o caminhão pulava, era pequenininha [e] falava que o caminhão pulava”. (risos)
P1 – Gostoso. E como é que eram essas fazendas? O que é que tinham?
R – Tinha assim, como eu falei pra você, cafezal, né, aí plantava as coisas no pé do café, assim, as verduras assim no pé de café. Tinha cabrito, a gente tinha porco, galinha, tinha roça, horta de mandioca, essas coisas. Na horta, mostarda, essas coisas assim, né? Na época do Getúlio Vargas, que teve a... A gente passou dificuldades, teve a época da dificuldade, então a gente tinha que ir pras filas cedo pra pegar açúcar, farinha, às vezes, as coisas que a gente não tinha, né? Então essas coisas que eu me lembro.
P1 – Mas tinha um mercado pra buscar essas coisas?
R – Tinha um... Eles falavam galpão, né, um tipo... Um galpão. Outros falavam tuia, outros falavam galpão, outros falavam, assim: “Nesse lugar é assim”. Mas aí eu era pequena, não sei se tinha mercado. Aí quando tinha mercado mais pra frente, eu já... Era venda [que] a gente falava, né? Então: “Ah, eu vou lá na venda buscar isso”. Buscava, assim, comprava se tivesse dinheiro. Se não tivesse, também não comprava.
P1 – Certo. Bom, e os estudos?
R – É, os estudos, eu não estudei muito não.
P1 – Só em São Paulo você chegou a estudar?
R – Não, eu estudei um pouco no interior também, né, mas não cheguei a completar nada.
P1 – Como é que era a escola?
R – Era assim, era... A gente falava na fazenda, né, então a gente morava na colônia, né, aquelas casas, e tinha a casa do gerente, essas coisas, né? Então tinha umas partes assim que era - a gente falava fazendinha, né -, onde tinha escritório, tinha essas coisas. Então pegava uma sala daquelas e colocava lá uma professora e as crianças ficavam lá, e davam aula lá e estudavam lá.
P1 – Tinha bastante crianças que estudava lá?
R – Tinha, tinha bastante criança, do pessoal que morava lá, os que iam, né? Naquela época, os pais não tinham aquele compromisso com os filhos, né: “Não, meu filho, você precisa estudar porque futuro...”. Ninguém ligava, ninguém pensava no futuro, achava que nunca ia ter essas coisas que tem hoje, né? Então os pais nunca incentivaram a gente a estudar. Aí quem pôde estudar, estudou, quem não pode, quem não ia, os pais não incentivavam - não ia, ia ajudar o pai na roça.
P1 – E você tem alguma lembrança da época de escola?
R – Ah, eu tenho muito pouco nessas fazendas que eu estudei novinha, né, era a única coisa que... Quando teve a prova, quando a gente passou de ano, eu até passei bem, passei assim num dos primeiros lugares. Aí a professora falou assim: “A Célia repetiu”. Eu comecei a chorar, aí ela falou assim: “Não, Célia, você não repetiu, não. É brincadeira”.
P1 – Brincadeira maldosa essa.
R – Aí tinham minhas primas, tinha sempre... eu tenho primas que se formaram professora, tudo, na época que podia, né, os pais podiam. Então dava, mas quem não podia nem ia estudar. Aí eu lembro que a minha mãe fez um vestido vermelho pra mim e pôs uma barra branca assim e _____________, aí os outros falavam assim: “Ai que bonitinha”. Essas coisas que eu me lembro.
P1 – Gostoso. E como é que você veio pra São Paulo definitivamente?
R – Deixa eu falar pra você: ó, eu me casei... Então já passou a parte da infância e você não vai perguntar mais, né?
P1 – Não. Se você quiser falar mais alguma coisa...
R – Já veio então os 14, 15 anos, né? Aí fui morar numa cidade que se chamava Barra Bonita, todo mundo conhece, né? Aí eu fui morar em Barra Bonita, só que aí eu trabalhava no corte da cana também, né, a gente ajudava a cortar cana. Quando você cortava cana... E tem uma parada, no meio do ano, que a gente fazia outras coisas, capinar, essas coisas, né? Então eu não me adaptava com esse negócio. Na época da parada, eu ia trabalhar de doméstica, né? Aí, na época que vinha a safra, que a gente podia ganhar mais, eu ia cortar cana. Então, aí nos 14, 15, 16 anos, essas coisas, você fazia isso daí, né? Aí namorei um rapazinho uns tempo, namoro do interior é aqueles namoros bem assim bonitinhos, sabe, direitinho assim? Aí namorei um ano com um rapazinho e depois meus irmãos começaram a pegar no pé porque o rapaz, ele também não gostava de trabalhar e tal. A gente só pensava em pessoa que trabalhava, não pensava em pessoa que estudava, né? Hoje em dia não, as meninas vão assim: “Não, se não quiser estudar, se não tiver faculdade, não quero”. Aí meus irmão começaram a me bater, né, aí eu não namorei mais com ele. Porque ele era uma pessoa sozinha, tinha vindo do norte. Hoje em dia a gente não tem preconceito nenhum, mas antigamente, 44, 45 anos atrás, 46, né, tinha preconceito. Aí fiquei num sei o que e tal. Bom, eu nunca, sempre quis evitar problema, né, então pra mim não apanhar também e não brigar, eu falei: “Ah, tudo bem”, então. Aí depois eu conheci meu marido, né, aí já com uns 16 anos, mais ou menos. Namorei com o meu marido uns 2 anos e meio, casei com ele, assim, eu tava com, ia fazer... Agora, o mês que vem... Não, eu namorei com ele dois anos, dois anos e meio, aí eu me casei no dia 6 de Julho, acho que foi 61, 62, não sei, coisa assim, né? Aí fiquei lá, casei. Nós ficamos morando lá no interior mesmo, numa casinha lá - pagava aluguel, né, ele [era] pobre também _________. Aí, o pessoal... Que era uma pessoa boa, o meu marido ele era um rapaz excelente mesmo, sabe, não tinha vício, não fumava, não bebia, não era nada assim que fosse... Era uma pessoa, assim, exemplar, né? E ele também tomava conta do pessoal que eu trabalhava, né, assim, falava, tomava conta da turma. Então, eu era uma das pessoas da turma [e] ele tomava conta ali. Pra mim era interessante, ele era fiscal, né, fiscal dando bola pra mim, então tá beleza, né? Aí deu certo, o pessoal em casa, ninguém reclamou. Namorei 2 anos e meio, aí a gente, eu casei, né, com... Casei em Julho - em Agosto eu ia fazer 19 anos -, casei com 18 anos, quase 19. Fiquei morando lá na Barra Bonita mais um pouco, aí eu tive a primeira filha, né? O meu marido também, ele trabalhava... Aí ele entrou na Usina, trabalhava na Usina, né? Quando eu [ainda] tava namorando com ele, falou que queria casar. Eu falei assim: “Olha, se você não entrar na Usina, eu não quero você”, sempre o interesse, né? Ele trabalhava na Usina, aí depois começaram... A Usina começou a mandar ele pro Mato Grosso, trabalhar no Mato Grosso, né, abrir negócio do patrão lá, do Orlando ________ essas pessoas assim, não sei se vocês lembram, ouviram falar desses usineiros muito ricos, né? Aí começou a trabalhar lá no Mato Grosso, tal; e ficava três, quatro meses, voltava, aí eu também tive... Depois, eu tive um menino também, tive... Meus dois filhos foram perto, foi um ano e meio de diferença, eles tem um do outro, meus primeiros dois filhos. Aí ele voltou, depois começou a Usina... Depois, um dia, ele pegou férias e veio aqui pra São Paulo, na casa do meu irmão, passear de férias, né? Aí ele veio passear de férias na casa do meu irmão, aí puseram na cabeça dele pra ele vir morar em São Paulo e trabalhar aqui, né? Aí ele arrumou um serviço de motorista de ônibus e, já nas férias, estando aqui, começou a trabalhar. E eu lá, tava passeando, né...?
P1 – Ah, você tava lá em Barra Bonita?
R – É, eu tava lá, ele tava aqui passeando. Ele veio passear e arrumaram emprego pra ele, já começou a trabalhar. Olha, hoje pra arrumar emprego é o maior sufoco, né, maior tristeza. Aí começou a trabalhar, não sei se foi [por] telefone, acho que telefonou, alguma coisa, ele falou que tava trabalhando, falou que ia buscar a mudança tal dia, marcou - não lembro mais o ano não, 73, não lembro não. Aí ele... Não, 73 não, foi antes. Aí ele pegou um dia e foi lá, pôs a mudança em cima do caminhão. Eu falei: “Escuta, tem casa, tem tudo lá?”, “Não, a mulher vai sair de lá da casa sábado”. Falei: “Sábado? Tá bom. A mulher vai sair sábado da casa?” Aí pega a mudança e vem. A mulher ia sair, [mas] saiu nada. Ia sair. Aí fui morar junto com uma cunhada minha, sabe, né, casa pequena, três cômodos. Imagina, duas famílias: eu em quatro e minha cunhada também em quatro. Aí fiquei lá até a outra desocupar a casa que eu ia morar, que era lá perto também, que era casinha pequena. Sofremos muito, sabe, um sufoco danado. Morei ali... Aí a mulher mudou e eu passei a... Quando eu cheguei na casa da minha cunhada, só deixei alguma coisinha lá; peguei e aluguei um quartinho que tava em construção mais pra frente lá no Jardim Miriam e ficou... Meus móveis ficaram lá até a mulher mudar. Acabou estragando porque construção... Ficou lá, acabou mofando tudo, estragando, mas depois, quando trouxe pra casa, limpou e ficou lá. Aí mudei lá, fiquei lá morando numa casa pequena, sofrendo, mas sempre ali: “Bom, um dia vai melhorar”, o pensamento sempre foi esse, né, só que até então eu não trabalhava. Depois que eu casei, não trabalhava mais, assim, com compromisso, entende? Se eu quisesse fazer alguma coisa, eu fazia, se não... Aí fiquei..._________ Aí depois eu comecei a trabalhar assim, comecei um pouco de diarista, sabe, né, e meu marido motorista de ônibus, tal. Aí depois, ele... aí começaram a pôr na cabeça dele pra ele comprar um carro pra trabalhar de taxista, não sei o que. Aí ele pegou e comprou um carro tão velho. Meninas, olha, um carro tão velho que nossas economias foram tudo pra arrumar, pra comprar esse carro e pagar - que era táxi, era caro por causa do ponto, né? Aí comprou o carro e gastou bastante - esse carro não saiu do conserto...
P1 – Você lembra que carro que era?
R – Era um fusca, acho que era 54 - um Fusca beginho [da cor bege]. Esse carro não saía do conserto, não saía da oficina. Nossa senhora! E o que ganhava num dia, gastava no outro. Aí meu marido, trabalhando na empresa de ônibus, deixou o carro prum irmão meu trabalhar. Aí meu irmão batia [o] carro, bebia. Atrapalhou toda a vida da gente. Aí o que a gente economizou com ele trabalhando no Mato Grosso, a gente trabalhando... Eu ajudando, dando uma mãozinha, fazendo alguma coisinha assim, né, pra ganhar um dinheirinho também. Aí eu lavava roupa das pessoas, sabe, das minhas... Das mulheres mais, que podiam [tinham melhores condições], mulher do prefeito, advogado, tal - eu ia lá, né? Então, aí aquela economiazinha lá acabou porque aconteceu isso. Aí, um dia, eu falei pra ele: “Olha, dá um jeito. Sai da empresa de ônibus e trabalha você com o carro. A gente ficou na lona de novo, não adiantou nada tanto sacrifício, tantos anos. Você trabalhou no Mato Grosso tanto tempo e eu fiquei sozinha com [as] crianças - que ficavam com a minha mãe, né?" Às vezes, eu ia até pra ajudar mais; pra melhorar, eu ia cortar cana - quando ele tava no mato Grosso, né? Aí de eu falar, ele pegou e saiu. "Não tem problema não, tá?" Aí ele pegou e saiu da empresa de ônibus, né? Tô indo certo?
P1 – Tá ótimo, pode continuar.
R – Aí ele saiu da empresa de ônibus, foi e pegou o carro. Só que daí então ele teve que fazer... Vieram os documentos pra fazer a renovação, IPVA, essas coisas tudo, né? Aí quando ele foi fazer, renovar o carro, não podia mais porque o carro tava muito velho. E além do mais, não tava passado no nome dele. Ele comprou, pagou, mas ninguém passou nada, né? Sabe essas pessoas que vem do mato, mas é muito coitado mesmo? Aí ele chegou em casa e disse: “Puxa vida, não posso mais trabalhar com esse carro. O que que eu faço?”. Até então ele tinha trabalhado um pouquinho com o carro e a gente tinha até economizado um pouquinho, tinha guardado até uns cinco mil conto naquela época - não sei como que era o dinheiro. Então tinha economizado um pouquinho. Eu falei, [e] ele: “É, não posso trabalhar com o carro, não pode mais andar porque o carro tá muito velho”. Eu falei: “Vende o carro então, que a gente compra um novo, né?”. Aí ele falou: “É, também não posso vender porque o carro não tá no meu nome. Agora, o que é que eu faço?”, “Olha, não sei o que você vai fazer”. Se ele era inocente, eu era mais ainda, porque não tinha conhecimento de nada. Aí não pôde vender porque, ficou só com o ponto, né, - que hoje eu não sei como é que chama o ponto; naquela época, era ponto [de] taxista. Ficou com isso daí, pegou o carro e devolveu pro dono. Vai fazer o que com o carro? Aí com aquele dinheirinho que a gente tinha, ele foi na... _________ São Bernardo e comprou um carro novo, um Fusca verdinho, 73, parece que era. Aí comprou esse carro, equipou tudo bonitinho, certinho [e] ficou duro de novo, ficou liso de novo, teve que arrumar tudo. Aí foi ele pra praça, meu marido foi pra praça - ele é trabalhador, coitado. Aí saía cedo, a noite chegava aquele monte de dinheiro, eu falei: “Nossa, que beleza. Que bom, né?”. Foi o melhor tempo que eu tive, esse ano e meio que ele trabalhou com o táxi. Ele tirou o táxi, deu cinco mil de entrada e ficou trinta meses pra pagar - na época, acho que eram 600 contos, né, 600 cruzeiros; não sei, uma coisa assim. Aí quando meu marido trabalhou um ano e meio com esse carro, a gente já tinha melhorado de novo, né, tinha dinheiro de novo. Pagando aluguel, mas o pensamento era o futuro, né, comprar uma casa, os filhos estudarem, que a gente sempre... A preocupação sempre foi essa. Aí com um ano e meio, ficou o carro [e] faltavam quinze meses pra pagar... Pode falar coisa ruim também?
P1 – Pode.
R – Aí meu marido ficou doente, deu um derrame nele, 39 anos de idade. Aí a gente tava com o que de casado? 11, 12 anos. Aí deu derrame, paralisou todinho. Ficou lá pro Hospital São Paulo, internado. Aí o carro ficou parado, ficou lá, na garagem. Que a casa que a gente morava, conseguimos fazer uma entrada e até fazer uma garagem - o dono deixou; o dono era tão bonzinho que até deixou, né? Aí ficou, ele ficou lá doente, derrame, não se mexia, não podia receber visita, ficou em coma e lá. Aí, nessa época, eu trabalhava, assim, de diarista, sabe, dois dias na semana e saía, sabe, pra distrair. Mas ele ganhava bem, não precisava trabalhar mais porque eu saí... Então como não tinha hábito, não tinha conhecimento com nada... Esse mesmo dono da casa, ele me arrumou para eu ir trabalhar nessa casa que ele era caseiro, né? Aí eu ia lá depois... [E] ele lá no Hospital São Paulo. Aí eu fui com a mulher que eu trabalhava lá no Hospital e ele lá todo torto... Acho que ela deve ter conversado com alguém lá e falaram pra ela que o caso dele era grave. Pra mim ninguém tinha falado nada, né] Aí ela falou assim, [e] eu falei: “É, mas ele vai ficar bom”, “Imagina, seu marido vai [ficar] bom. Ele teve derrame cerebral, não vai nem sair do Hospital". Aí eu já fiquei pensando, pensava na dívida [e] nas crianças. Pensava em tudo, né? Nossa, acabei ficando doente também. Foi por esse motivo [que] eu acabei ficando com depressão emocional, né, doente, que eu precisei fazer dois meses de tratamento, assim, bem... Precisei até ficar internada, isso tudo. Essa coisa que aconteceu, tudo, né? Justamente, quando eu tava em tratamento, minha mãe ficava em casa com o meu marido também doente. Nisso, ele já tinha saído do hospital, ficou 18 dias internado. Ele veio assim de maca pra casa, mas com o tempo foi melhorando. Aí minha mãe ficava com ele e com as crianças, e eu... Depois, no hospital, passaram, deram lista do que precisava fazer, né? Então ele tinha que fazer uma fisioterapia que a gente também não podia pagar, né, então a gente tinha que fazer no Sesi. Aí a gente tinha que procurar alguém pra levar ele no Sesi e não tinha muito conhecimento, porque fazia pouco tempo que morava aí, né? Parente tudo pobre, ninguém podia ajudar, ninguém podia fazer nada. O meu irmão, que trabalhou com nosso carro, bebia - porque estragou o primeiro por causa disso, né -, até quase que complica a vida da gente. Aí ia lá fazer a fisioterapia. Foi na época, de tanto eu me expor, tanto correr prum lado pra outro, que deu esse esgotamento em mim, que eu acabei ficando, tive que fazer esse tratamento. Aí, depois, ainda, eu fiquei dois anos assim, sabe? Comecei a trabalhar mais por dia, aí não sabia que por dia dava. Então aí eu comecei, peguei todo dia, eu trabalhava todo dia [como] diarista. Aí tava, pagava o carro, né, pagava o aluguel e a gente já tinha um dinheirinho. Porque já tinha trabalhado uns quinze meses, então já tinha um dinheirinho, né? Só que aí fui pagando, tirava lá um pouquinho pra completar as prestações, completar uma coisa ou outra, aí foi quase acabando. Então eu fiquei mais dois anos, só que fiquei, assim, muito cansada. Aí tinha uma amiga minha que trabalhava numa empresa que se chamava Mialbras, ela disse assim: “Célia, para de trabalhar em casa de família, você vai se matar de trabalhar assim”. Eu falei assim: “Como? Você não tem uma formação assim, não tem estudo - não tenho diploma, né?”. Assim, não cheguei a concluir diploma nenhum, eu estudava, parava. Inclusive, na volta, eu não estudei - naquelas fotos ali, tem foto da escola também. Aí ela falou assim: “Não, mas eu arrumo um emprego pra você”. Eu falei assim: “Não, mas eu não tenho estudo, como é que... Eu não vou...”, “Não, vamos lá, né?”. Aí eu fui nessa empresa, uma empresa que chamava Mialbras. Aí eu até, durante o tempo que eu trabalhei lá, onze anos, ela mudou de nome três vezes: era Mialbras, depois TRW, depois foi TRW do Brasil [e] depois, passou a ser Rom Indústria Eletrônica. Então eu trabalhei lá esses onze anos. Sempre mudava os donos e, graças a Deus, ficava, né? Quando eu fiz o teste, não passei no teste escrito, né? Aí nas contas, eu não consegui fazer uma das quatro contas, né, não acertei. Aí a moça falou assim: “Olha, a sua cunhada passou, mas você não, né, porque você não conseguiu fazer”. Aí eu falei: “Mas não tem nada que eu possa fazer aí?”. Sempre aquela mania de pobre, de humilde, eu falei: “Ah, nem que for pra trabalhar na limpeza, não tem problema não. Eu quero trabalhar”. Aí ela falou assim: “Vai lá dentro, faz o teste. Se você passar no teste lá dentro de - como é que fala?". Testava as pecinhas eletrônicas, essas coisas assim de luz, essas coisas tudo. Aí eu fui lá, comecei a trabalhar no teste, passei lá na agilidade, rapidez. Aí eu trabalhei um ano e pouco nessa área aí. Depois, aí me puseram pra trabalhar com uma, como operadora de máquina. Eu trabalhava com quatro máquinas, de operadora, né, aí eu trabalhei mais dez anos ali com essas máquinas. Aí fiquei ali, sabe? não saía mais, até que... Aí teve... Eu não tô cansando vocês, não, com essa conversa minha?
P1 – Não. (risos) Não.
P2 – Pode continuar, fica à vontade.
P1 – Fica à vontade. Eu tô curiosa pra saber da Avon, isso sim.
P2 – É, eu também quero ver como é que vai chegar lá.
R – Então, a gente tinha que chegar na Avon, né? Eu continuei na Mialbras...P1 – Pode continuar.
R – Então, aí o meu marido doente nunca mais pôde trabalhar de taxista - nós pagamos o carro, tudo certinho, bonitinho. Aí entrei nessa firma, acabei de pagar o carro, aí juntei um dinheirinho pra comprar o terreno lá, né, aí a minha... Tava no teste, né?
P1 – Isso.
R - Eu passei e tava de operadora de máquinas, aí trabalhei dez anos de operadora, né? Aí quando fazia assim, é, oito anos, eu fiquei grávida, né, aí eu era uma pessoa muito triste, muito... Eu chorava, ficava muito revoltada, magoada, né, aí então eu... (Ai... Pensei que era o meu óculos). Aí uma colega minha que tinha uma vida difícil e eu falei assim pra ela, e ela tava sempre contente, eu falei: “Como é que você tá sempre contente? Você tem uma vida tão difícil, separada, mora com a tua mãe”. E eu, nessa época, já tinha comprado o terreno e tava morando na minha casa já, né, já tinha minha casa. Aí ela falou assim: “Ah, Célia, você reza?”, “Ah, desde quando eu vou na missa, vez ou outra ali, não rezo quase.”. Ela pegou e falou assim: “Então, porque a gente tem que ter Deus, né?”. Me deu o endereço de uma igreja lá, ela falou assim: “Ah, vai lá na igreja”. Aí eu peguei e fui lá na igreja; o padre, celebrando lá, mandou pra gente fazer um pedido. Eu fiz um pedido, falei que eu queria alguma coisa que me desse sentido pra vida, porque eu não tinha mais sentido na vida, que eu trabalhava mais. A gente tava, né? Então eu pedi uma coisa assim, não pedi nada, eu falei: “Olha, eu quero viver e rir, conversar. Quero falar, quero cantar, quero...” Aí eu nunca pensava mais em nada, né, de filhos, essas coisas. Aí quando eu comecei, ele falou: “Ah, então você faz isso, escreve nome, não sei o que, e faz uma novena". Eu falei: “Bom, eu não vou fazer novena, botar nome num lugar que Deus vai descer lá do céu pra ler uma coisa aqui. Eu vou fazer no meu coração.” Que eu pedi isso, falei: “Eu quero viver.” Queria sorrir, queria conversar, queria um sentido pra minha vida. Aí eu tive uma menina, fiquei grávida, eu falei: ”Bom”. Fui no médico e tudo, pensei que era menopausa, né, mas o médico disse: “Não, vamos fazer o exame tal”. Eu disse: “Caramba, eu pedi pra Deus que eu queria viver, queria um sentido pra vida. Isso é sentido pra vida?” Aí foi o sentido, porque você tem uma criança, eu não tive sentido melhor do que isto, não é mesmo? Aí quando a menina, quando eu tive a menina, pedi as contas nessa empresa. Como eu não tinha intenção de me aposentar, porque comecei a trabalhar tarde, né - comecei a trabalhar com mais de 32 anos -, eu falei: “Eu não vou me aposentar porque não vou ficar trabalhando com criança pequena em casa”, né, e com marido sem saúde, mais doente. Meu marido, aí ele melhorou. Depois de um ano e pouco, ele começou a trabalhar, mas trabalhava de outras coisas, não podia mais trabalhar de taxista, não podia mais ser motorista - a carta dele [de motorista], não pode mais usar. Aí eu pedi pra... Eu saí, né, pedi as contas. Aí eu falei: “Olha”. Falei assim: “Já tem mais de 10 anos que eu trabalho aqui; vocês me mandam embora, porque eu tenho uma menina pequena e não quero mais trabalhar. Não vou me aposentar mesmo, já tô com mais de 40 anos - tô com 45 anos”, falei assim: “Não vou mais trabalhar.” Aí: “Ah, mas você tem certeza se é isso que você quer, não sei o quê?” Eu falei: “Ah, eu tenho que ficar com a menina. Como é que eu vou fazer?". A menina ficava na casa dos outros e não tinha saúde. Eu trabalhava das 14 às 22; chegava às 22, 22 e meia, 23 horas da noite pra pegar ela de noite na casa dos outros. Eu falei assim: “Não, pra mim a prioridade é a saúde da criança, né?” Aí eu saí, tava lá em casa, né, bonito, beleza. Aí o meu marido, deu outro derrame nele, né, aí deu um terceiro derrame nele. Ele não pôde mais trabalhar, ele parou também. Você vê, parou ele e eu parada. Eu já tava com 45, 44, 45 anos, falei assim: “Nossa, vou procurar emprego", né? Aí a minha nora trabalhava na Bayer, minha nora pegou e me arrumou lá na Bayer pra trabalhar de temporário. Eu fiz uma ficha pela agência _______, aí eu trabalhei na Bayer, de temporário. Só que quando venceu o contrato temporário, eu não fiquei, porque não tinha conhecimento com farmacêutico, né? Com esse tipo de serviço - eu era metalúrgica, então... Aí eu saí, né, chorando [e] falei: “Ah, eu não fiquei.” Aí a minha nora falou com... Como ela trabalhava numa área assim, um negócio de chefe, ela era psicóloga do trabalho, né, aí ela falou com o chefe - eu não lembro o nome dele não - lá e eles... E os chefes das empresas faziam acho que reunião, né, e conversaram com um da Avon e eu consegui entrar na Avon. Sinceramente, eu não sei como é que foi.
P1 – Uma pessoa te chamou?
R – Não, eu fiz uma ficha também. Aí eu fui na Avon e minha nora falou assim: “Sogra, vai lá na Avon e faz uma ficha". Eu falei: “Como vai lá na Avon e faz uma ficha?”. Aí ela me deu o nome desse homem, dela e o da Avon. Aí eu cheguei na portaria, mostrei o nome e me mandaram entrar lá dentro; entrei e fiz a ficha. A ficha, aí eu fiz. Depois, eu tive que fazer a ficha na agência também. Aí eu fui na agência também _________, aí fiz a ficha lá e entrei na Avon, desse jeito. Só que quando fez o... Venceu o contrato também eu também saí, não fiquei, né? Aí eu saí, já não saí tão triste mais porque meus filhos começaram a falar, meus dois filhos mais velhos: “Não, mãe, a senhora não entrou temporário? É temporário, mãe, põe isso na cabeça. Não é pra sair chorando, a senhora entrou temporário”. Bom, aí eu saí. Fiquei triste porque eu queria trabalhar, né, gostava da Avon. Pode ver nas fotos que eu to sempre feliz. (risos)
P1 – (risos)
R – Aí eu falei: “Ah, meu deus...”
P1 – Só vamos fazer uma pausa.
[Pausa]
P1 – Então vamos continuar. Você estava contando que saiu da Avon.
R – Então, aí eu saí da Avon, mas eu não saí tão triste, saí mais conformada, né? Falei assim: “Poxa vida” Aí eu acho que foi 90, né? Saí mais conformada. Até então aí a minha filha já ficava em creche, essas coisas, aí eu... Mas eu insisti, queria trabalhar, mesmo com 46 anos, sei lá eu, se tivesse 47. Hoje, se fosse o caso, eu queria trabalhar, né, aí eu insisti. Aí eu entrei numa empresa de, na Micronal. Lá era eletrônica, né, então... Era metalúrgica e eletrônica também, na mesma área da Rom, mesmo material, né? Aí eu entrei nessa empresa, nessa Micronal, só que pra cobrir duas férias. Quando venceram as duas férias, eu também saí, né, porque não tinha vaga, não sei o quê. E a gerente de lá falou assim: “Olha, não tem vaga. Quando tiver vaga, a gente te chama”. Só que eu não gostei muito de lá não, sabe, não tinha benefício, ônibus, restaurante, não tinha... Também entrei numa área que eu não gostava muito, sabe? Foi, assim, na copa, sabe, era na copa; servir café, essas coisas, no escritório. Eu sou uma pessoa meio tímida, eu não sei chegar assim, pros chefes, servir. Eu fico meio, assim, constrangida, né, eu não gostava de fazer isso. Acho que sei lá, eu gosto de ter liberdade, assim, falar alto, rir, chegar de qualquer jeito, conversar com as colegas, dar tapa nas costas, né, abraçar. Eu gostava disso, eu gosto disso. Aí eu não gostei, falei assim: “Ah...”. Aí, quando venceu as férias, a pessoa voltou e eu saí por motivo de não ter vaga, mas eu não falei que não gostava. Eu saí, não tinha vaga, aí ela falou assim: “Olha, não tem vaga, depois a gente te chama.”. Mas só que aí insisti, falei com a minha nora de novo: “Ó, o que é que eu faço? Queria tanto trabalhar, né, de novo”. Nisso, eu já tinha ficha na Avon, né, e tava em casa. Aí eu fui trabalhar na casa do diretor da Micronal - a mulher dele ficou doente, aí a gerente era minha amiga, né, falou: “Célia, você faz questão de trabalhar assim nas casas de doméstica?”. Eu falei: “Não, não faço questão”. Ela falou assim: “É porque o doutor Ronaldo, a mulher dele tá doente. Ele ta precisando de uma pessoa, que a empregada...". Tanto a mulher dele quanto a filha e a empregada pegaram hepatite, né, na praia. Aí ela dispensou a empregada e ficou doente... Naquele tempo, hepatite tinha que ficar de máscara e tudo, né, aí ela falou assim: “Você...”. Aí ela perguntou se eu ia, né, trabalhar na casa dele. Eu falei assim: “Vou”. Aí quando eu cheguei lá, eu comecei a trabalhar, a mulher gostou. Aí eu falei pra ela: “Olha, só que eu tenho fichas, hein, na Avon, na Micronal, na empresa que o seu marido é gerente, é diretor, na Villares, eu tenho vários, na Walita. Eu tenho ficha espalhada porque quero trabalhar em empresa, eu tenho uma filha que precisa de convênio, né?” E também a gente precisava, né? Eu falei: “Se uma dessas empresas me chamar, eu vou sair da casa da senhora, não vou ficar. A senhora tenha consciência disso”. Ela falou assim: “Não, Célia, tudo bem. Se alguma empresa te chamar, você pode ir.” Eu falei: “Tudo bem.” Aí eu comecei a trabalhar na casa dela, trabalhei uns dois meses e a mulher sarou! A mulher ficou boa, tirou máscara, ficou boa, já passeava. A menina também - tava ela e a filha - ficava presa dentro do quarto. E a mãe dele tava lá, então... A mãe do patrão, né? Aí ela falou: “Olha, Célia, já toma água, toda hora você toma bastante água porque a minha nora e a menina tem uma doença que pega, né?”. E eu falei: “Tá bom”. Eu tomava água, né, nem sabia porque, mas eu tomava água. Aí a Avon chamou.
P1 – A Avon chamou?
R – A Avon chamou. Eu tava um dia em casa, porque aí quando a mulher melhorou eu não precisei ir mais todo dia - comecei a ir dois, três dias na semana. E um dia, eu tava em casa, de manhã tocou o telefone, aí eu fui lá, atendi, era Avon. Falei pro meu marido, assim, comecei a gritar, né, pular de alegria: “Que é que foi, tá ficando doida?” Eu falei assim: “Não, a Avon! A Avon me chamou!” Aí ele brincou: “Bem que diz que ‘Avon chama’, né?” (risos)
P1 – (risos)
P2 – (risos)
R – Porque quando tinha aquela propaganda que fala que “a Avon chama”, das vendedoras, né, eu falei: “Pois então, a Avon me chamou”. Aí eu fui pra Avon, né, fui de novo pra Avon, fiz as fichas de novo e fiquei de temporária de novo. Aí quando eu tava trabalhando temporária, já fazia uns dois meses e meio e já [estava para] vencer o terceiro, que eram três [no total], né? Depois, tinha mais o contrato, mais uns dois meses. Aí quando eu tava trabalhando temporário ainda, né, a Micronal chamou. A minha colega veio lá em casa: “Olha, porque surgiu uma vaga lá pra você trabalhar na montagem, não sei o que...”. Eu falei assim: “Não, agora eu tô na Avon, né?”. Aí ela falou assim: “Não, você lá vai ser efetiva. Na Avon, você não tá contratada ainda, tá pela agência”. Eu falei assim: “Ah, mas eu vou...”, eu falei assim... Aí eu pensei muito, sabe, pensei bastante porque é uma decisão, né? Aí eu falei com a mulher, né, com a minha chefe, perguntei pra ela: “Que é que você acha?”. Eles tem umas palavras, eles podiam dar uma palavra pra gente, né? Eu falei: “O que é que você acha? Será que era melhor eu sair daqui e ir pra Micronal? A Micronal não tem benefício, não tem ônibus, não tem restaurante, não tem nada”. Aí ela falou assim: “Ah...”. Não falaram: “Fica”. Ninguém falou: “Não saia daqui, fica aqui”, ninguém falou nada, só: “Ah, você que sabe. Você vê o que você faz. Lá vai ser o certo”. Ainda me empurraram pra fora: “Lá vai ser o certo, aqui vai ser o duvidoso, né, aqui tá duvidoso ainda, porque ainda não venceu o contrato”. Aí eu falei assim: “Ó, seja lá o que Deus quiser, eu não vou sair, não. Não vou pra Micronal, eu não gosto de lá. Vou trabalhar num lugar que eu não gosto, né? Que você não se sente bem? É melhor trabalhar de diarista que você gosta do que trabalhar numa mesa de escritório, se você não gosta”. Falei assim: “Não, eu não gostei de lá, não vou lá.” E fiquei na Avon. E lá o salário ainda era melhor ainda, metalúrgica, o salário era melhorzinho ainda. Aí, esse mesmo chefe que... Esse mesmo... Parece que ele chamava Benedito, Sebastião, parece que era, uma coisa assim - não lembro direito. Aí ouve-se o rumor, entende, que eu vou trabalhar não na Avon, mas na embalagem. Onde eu trabalhava, o que eles tinham prometido pra mim... Que eu não quis sair de lá pra ir numa empresa que ia trabalhar já registrada, e ali eu tava ainda temporária, né? Aí surgiu, a minha inspetora, né, ela veio e me perguntou se alguém tinha... “Alguém te ofereceu alguma coisa, né, porque você não quis sair pra ir pra outra empresa?”. Eu falei assim: “Não, eu não sei de nada, ninguém me prometeu nada, ninguém me ofereceu nada, eu só tô arriscando. Eu tô arriscando porque eu quero arriscar. Eu quero trabalhar e daqui eu gosto”. Porque a Avon é uma empresa muito boa, a gente não tem nada o que falar. Tudo que você precisar, lá tinha, né? Então eu falei assim: “Eu quero ficar aqui”. Mesmo que eu não era da Avon, naquela época, que eu era temporária, eu gostava, né? Aí ela, pronto, eu falei que não sabia - e, realmente, eu não sabia mesmo, não tinham prometido. Eu nem sabia, nem sei quem foi que me falou isso, como surgiu isso daí, né, nem somo com é que surgiu, aí... Eu nem sei direito se o nome do homem é aquele mesmo... Você tá gravando aí. Pronto!
P1 – Não tem problema.
R – (risos) Então, aí fiquei, quando venceu o temporário, três meses [depois], eu fiquei mais dois meses de sofrimento contratada. Aí, quando venceu meu contrato, no último dia de contrato, eu passei assim no corredor, né, quase na hora de ir embora, aí as minhas amigas começaram: “Ah, eu não acredito”, essa turma que ta fazendo 15 anos aí comigo, né? Aquela que tava naquela foto lá: “Ah, eu não acredito que você tá indo embora, ai Célia”. Eu falei assim: “Não, eu não vou indo embora, eu vou lá no vestiário”. Aí pronto, as colegas já ficaram assim contente, aí eu fiquei, não no vestiário, eu fiquei ainda no escritório que eu tinha sido chamada que era pra assinar pra ficar, né? Quando eu tava passando assim, tinha saído do escritório e tinha passado onde elas estavam, aí eu falei assim: ”Não eu vou ficar”, né? Porque eu fiz uma cara de triste, sabe, [mas] eu não tava triste. Falei assim: “Eu vou fazer uma cara de triste só parecendo que eu vou embora”, aí... Então, aí eu fiquei trabalhando lá na Avon, a... Assim, né, na embalagem...
P1 – Fala um pouco do trabalho na embalagem. Como é que era?
R – Então...
P1 – Você falou que passou por vários locais, né?
R – Passei, trabalhei... A gente trabalhou, eu trabalhei no talco, né?
P1 – Conta um pouco pra gente como é que era o trabalho, que a gente não sabe.
R - Ah, vocês sabem sim, porque os outros também contam, vem as pessoas aqui dar entrevista e contam.
P2 – As pessoas vieram de outras áreas, né?
P1 – Conta como é que era a sua.
R – Então, mas... A gente trabalhava assim, eu trabalhei no talco dois anos, tem várias... Como eu falei pra você, tem várias assim... Você não chega, todo dia ali no serviço, entende, não é assim. Um dia você vai ali colocar o pote pra maquininha encher - pode ver naquelas fotos, tem as máquinas trabalhando e tudo, que eu pensei que... Eu pensei que vocês iam perguntar de acordo com as fotos.
P1 – Mas pode ir contando.
R – Tá. Tinham as máquinas trabalhando, que enchiam, né? Aí a gente colocava o vazio e as máquina enchiam, passava pra frente, outra pessoa tampava, passava mais frente, outra... Mais quatro limpavam, depois, mais duas guardavam até chegar na prancha, né? Aí eu trabalhei dois nisso daí. A gente tinha uma roda bem grande, disco, falava disco, bem grandão assim, parecendo assim... Bem grandão, redondo, que a gente abastecia. Outra vez a gente ia, abastecia. Cada dia ia num serviço, né, era muito bom por causa disso. Então a gente abastecia ali, ficava rodando, né, aí saía uma canaletinha, assim, [com] os potes de talco, né? Aí passava os bicos e enchia assim: passava, enchia quatro, enchia mais quatro, enchia mais quatro, aí ia passando [para] onde outros iam tampando, aí vai pra frente, ia carimbando e guardando. Aí trabalhei assim bastante tempo. Depois, passei a trabalhar com o creme. No creme também é o mesmo sistema, mesma coisa: também tem o disco grande [em] que colocava os potes de creme. Na época, fazia muito _______, _________, né, esses cremes assim. Tem muitos, né, eu nem lembro o nome, de aveia, assim. Aí a gente abastecia também, era o mesmo sistema: passava, descia os bico que enchia, depois passava [para] mais quatro, que tampavam, ou duas tampavam, punha ________ e tampava. Tudo manual, sabe? Hoje não, hoje tá tudo moderno, uma beleza. Hoje tá tudo... Só máquina que desce, uma beleza. Aí, depois, também trabalhei, do creme eu fui pro xampu - o mesmo sistema também. Só que no xampu, ele ficava numa caixa, né, os frascos, a gente pegava assim e colocava de pé. Nós tombávamos um, tombávamos todos, aí ficava uma melequeira; era uma correria pra limpar, sabe, era um sufoco, né? Aí enchia, era o mesmo sistema, outras pessoas na frente tampavam, mais pra frente precisava bater, batia, até chegar lá onde guardava. No começo, tinha um carimbo que era na mão. Uns carimbinhos, assim, na mão, sabe? Carimbava os fundinhos, virava e TÁ, carimbava os fundinhos. Aí etiquetava também. Na época, era na mão; a gente tem todos os dedos duro, sabe, de fazer isso. Aí pegava as etiquetas e ia etiquetando. Depois, começou com máquina, tudo foi modernizando, né, aí no xampu. Depois... A gente vai descendo, né, aí fui pro desodorante, [com] o mesmo sistema; também ficava numa caixa grande lá os frascos e a gente colocava assim, né, duas ou três colocavam, assim, os frasquinhos e iam passando e enchendo. Assim, os biquinhos enchiam, outro colocava as bolinhas. A Rutinha gostava de colocar as bolinhas, sabe, aquela que vai vim aí...
P1 – Ah é?
R – É, colocava a bolinha, batia, a outra batia com o martelo, ia pra frente [e] outra colocava a tampa.
P1 – Isso, desodorante roll-on?
R – É.
P1 – Ah, colocava a bolinha assim e batia?
R – É, colocava a bolinha. A gente apanhava uma caixinha de bolinha e botava no colo. A gente trabalhava com luva, com máscara, com tudo, né? Pegava a caixinha de bolinha, colocava no colo, aí a gente pegava e colocava a bolinha e batia. Até então, depois que veio a máquina, também, né? Aí veio a máquina da bolinha, veio a batedor, aí foi modernizando, tudo moderno. Tá uma beleza agora. Aí é o mesmo sistema também, ia passando, tinha o apertador que apertava, passava, virava, assim, o apertador. Aí, depois, carimbo quando era de etiqueta e chegava no guardar, descia a caixa e ia pra prancha. Aí tinham os controles que controlavam também, abriam os produtos pra ver se tava em ordem, né, o controle de qualidade. Se achasse algum [problema], a gente tinha que fazer revisão na prancha. Era difícil, sabe? Então, e aí, depois, eu fui pro outro tipo de creme, do frasco, aí a loção, né, creme loção também. Então, nisso daí, eu fui trabalhando até formar os 11 anos que formei lá. Até formar os 16 anos de Avon, que eu formei 16 anos de Avon. Aí cada lugar que eu ia, trabalhava dois, três anos e ia descendo. Aí depois fui pro creme, esse de loção - aí era perfume também, né? Então, aí as colônias, essas coisas todas.
P1 – Era diferente no perfume?
R – O perfume também era um sistema assim que a gente ficava com o frasco aqui também, né, aí colocava assim na esteira - passava uma esteira assim -, ela virava, aí passava na direita e colocava o frasco, ele passava e virava, com uns bicos, assim, né? Aí, conforme passava assim, ia enchendo, passava pra lá, as pessoas tampavam. Tinha que por uma tampinha primeiro, depois outra colocava a maior, aí ia pra frente passava no apertador. Quando, na época, já era apertador de apertar - era máquina, que a gente não podia apertar que era muito difícil. Aí depois passava, outra pessoa carimbava - no começo, quando era só manual. Depois, mais pra frente, outro colocava a etiqueta, aí até no cartucho, cartuchava, ficavam lá seis pessoas no cartucho quando, dependendo do produto, né, cartuchava, e lá na ponta, duas guardavam. Depois, ia pra prancha também, o controle, aí depois, pra sair de lá, da Avon, ele passava por mais alguns processos, né? Passava por mais algumas revisões, algumas coisas. E aí, também, cada área dessa, passei uns dois anos e meio, dois anos, dois, três anos, um ano, depende. Aí depois dos perfumes, aí a gente foi trabalhar, foi pro batom. Aí o batom...
P1 – Como era o batom? O batom era diferente, não era?
R – O batom era assim uma... Como se fala? Uma área bem grande, tinha bastante tipo de, tem tudo ali, né? Tem brilho, tem os batons em creme, de pastilha também. Tem os batons normais que a gente colocava, pegava, colocava eles, assim, as pecinhas. Então a gente ficava assim: passava, pegava a bala e colocava aqui, ia colocando ali [e] eles iam virando, né? Aí ficava com a caixa de bala...
P1 – Que é o batom?
R – É o batom, a bala de batom e pegava o... A embalagem, né? Colocava a bala ali, colocava de novo pra ir passando [para] outra pessoa. Lá na frente, colocava a tampa e assim por diante, né? Isso tudo, assim, passava na esteira e outro carimbava. Era um processo até chegar no cartucho e guardar. Aí no batom, eu fiquei até sair da Avon.
P1 – Você se lembra que ano que você saiu da Avon?
R – Eu saí da Avon em... acho que foi em 2006, 2005, 2006, né, que eu...
P1 – Certo.
R – Vai indo pra três anos que eu saí da Avon. Em março fez dois anos. Em março, agora [2008].
P1 – Célia, fala pra mim um desafio que você enfrentou na Avon?
R – Desafio, o que é que é desafio?
P1 – Você sentiu alguma coisa difícil, algum momento, alguma coisa que você superou lá dentro? Alguma coisa que te incomodava, que deixou de incomodar? Uma coisa que você queria e você conseguiu.
R – Ah, olha, eu normalmente... Tudo que eu queria e que tentava, conseguia. Eu nunca me preocupei em querer promoção, mas eu queria dar a minha produção, trabalhar no que eu trabalhava e dar a minha promoção, a minha produção. Agora, promoção eu não podia pensar, por causa dos estudos, né, cada cargo tem os seus... Cada coisa é uma coisa, né? Se eu vou trabalhar, por exemplo, no controle, eu tinha que saber alguma coisa de controle - eu não tinha nada de controle, eu não podia pedir nada, né? Eu sempre agradecia eles [por] terem ficado comigo todo esse tempo - uma pessoa de idade, né, que eu entrei já de idade e eles ficaram comigo sem problema nenhum. Até eu me aposentei ainda... Fiquei mais quatro anos depois de aposentada. Então eu não tenho assim, não tenho o que falar.
P1 – Entendi.
R – Assim, de dizer: “Isto aqui...”. Nunca que [se me] mandassem fazer alguma coisa, que era pra eu fazer alguma coisa, falava assim: “Isso eu não consigo. Não vou, não faço”, sempre eu ia, né? E sempre me esforçava o máximo, até as minhas supervisoras, assim - porque eu estive [em] várias áreas, eu tive várias também, supervisoras. Então, elas achavam assim que eu não tinha medo de falar, fazer alguma coisa. Eu falava: “Não”. [Se me] Mandasse pra outra área, eu falava: “Não, lá eu não consigo”. [Se] mandava eu ia, porque também a gente trabalhava. Por exemplo, nós somos, éramos em uma equipe assim de 30 - às vezes era mais, às vezes era menos. Então precisava duas em uma outra área, né? Por exemplo, a gente tava no batom: “Manda eles ir trabalhar no batom”, a gente falava que era colônia de férias, né, porque é tudo assim, maneirinho, não tem peso, não tem nada. Tudo assim maneirinho, levinho. Então a gente falava colônia de férias. Aí quando a gente, quando eles falavam pra gente ir pro talco, que é muito difícil ir trabalhar no talco... Era, hoje em dia tá tudo mudado, né? Então, no líquido também, que era muito difícil, que aqueles vidros quebravam, sabe, caíam, então mandava... Quando chegava o dia que era pra eu ir, nunca tive preocupação de falar: “Não, eu não quero ir lá porque isso, por causa daquilo”. Sempre fui, nunca tive problema nenhum, né, não deixei nenhum inimigo pra trás na Avon. Vocês podem ver naquelas fotos lá, as meninas são todas, parecem tudo, né? Então foi tudo muito bom, mesmo.
P1 – Essas mudanças que você fala, das máquinas, chegou a ver essas mudanças?R – Então, teve as mudanças, né? Quando começou a mudança, aí passou... A embalagem passou a ser dividida por célula: célula 1, célula 2, célula 3, célula 4 - parece que era 4. Aí, bom, depois... Aí depois passou [para] outro nome, da célula, passou a ser Avon. No momento, eu não me lembro o último nome que foi, sabe?P1 – Não tem problema.
R – Então era célula, aí a gente... Como é que foi a pergunta mesmo?
P1 – As máquinas, você falou que antes era...
R – As máquinas modernas, né?
P1 – É, que antes era manual e aí chegou às máquinas. Você viu essas máquinas chegarem?
R – Vi, as máquinas modernas. Então, aí começou a vir as máquinas modernas, todas as... Os painéis delas, tudo diferente, né? Aí até o escrito tem em inglês, essas coisas e tal. A Avon começou a precisar de funcionário com mais qualidade, né, com, assim, qualificação, estudo, mais... Aí passou a pegar pessoas só com o colegial, até o colegial. Se não tivesse colegial, não entrava, né? Ultimamente, tava assim. Até a Avon deu, colocou escola lá dentro pra gente; nós estudamos. Pode ver naquelas fotos, tem a gente na escola. Eu tirei foto de tudo, antes de sair, eu usei... Nunca tirei foto que era proibido.
P1 – Lá dentro, né?
R – É proibido tirar foto do seu trabalho, né, eu nunca tirei, mas aí eu pedi: “Eu posso tirar algumas fotos? Porque eu vou embora, então quero levar umas recordações, né?”. Liberaram, aí eu aproveitei. (risos)
P1 – (risos)
R – Aí eu tirei foto de todas as áreas que eu trabalhei. Então, e as máquinas... E aí, como começou, modernizou bastante também, aí também precisou, não precisou de tanto... Aí começou a precisar menos de, porque uma linha...
P1 – Teve corte de funcionários?R – Uma linha que tinha 30, ela passou a trabalhar com 15, né? E aí, porque [antes] se ficava duas ou três pessoas na bolinha, batendo. Aí começou a precisar [de] duas ou três pessoas [a] menos, né? Se tinha máquina que tampava, eram duas pessoas a menos. Aí o que sobrava era pra guardar, pra etiquetar, pra cartuchar, essas coisas assim. Então eu peguei essa parte aí, peguei bastante, porque faz dois anos e pouco eu saí, né, então eu peguei bastante essa parte. E tal, é assim. Agora você vai fazer as perguntas, que eu não tenho mais o que falar.
P1 – Não, não, fica calma, fica tranquila. Eu queria saber como é que era o relacionamento com as meninas que trabalhavam lá. Eram mulheres, né, que trabalhavam?
R – Eram mulheres. A gente trabalhava com mulheres e também tinham rapazes, né?
P1 – Ah, tinha também?
R – Tinham rapazes que trabalhavam que nem a gente, misturava, né? Normalmente, eles trabalhavam assim pra pegar as caixas e colocar naquelas quadradas, aquelas pranchas pra fazer - não me lembro o nome lá...
P1 – Empilhadeira?
R – Isso. Colocavam ali, né, nas pranchas, pra... Então, também quando não tinha... Quando eles tavam folgados, tavam na linha, trabalhava com a gente. Aí trabalhava tudo misturado.
P1 – E era gostoso o relacionamento?
R – Era gostoso, menina. A gente sentava assim na linha, sabe? Às vezes, eu sentava com uma colega assim e a gente cantava, né, ficava lá... Prestando atenção no trabalho, tinha que prestar atenção no que tava fazendo. E a gente ficava, cantava, contava história, contava... Isso que a gente tá contando aqui, ó, a gente ficava... Contava também, né? A gente contava o que aconteceu, o que deixou de acontecer, né, o que aconteceu com o filho, com isso, com aquilo, com aquilo outro. Então todas essas coisas, a gente... Não era proibido conversar desde que trabalhasse, né, e fizesse a parte da gente. Porque tem quatro pessoas pra dar produção, pra fazer esse serviço aqui; então aquele que tá cartuchando vai ter que dar conta lá das 4 que ele tá tampando aqui pra cartuchar lá, pra não sobrar aquele monte de coisa pra trás, né? Então, a gente fazia a parte da gente, cada um fazia a sua parte. A gente conversava, as meninas... Era muito bom, sabe, as meninas... A gente se gostava muito, parecia... A Avon era assim, como vou dizer, parecia uma família, uma comunidade. Uma coisa gostosa de viver lá dentro. Tinham muitos... Tinham os benefício, era muito bom. Tudo que a gente precisava do psicólogo, tinha, precisava de advogado, tinha, né? Especialidade de médico, dos convênios, tudo... Então a gente não tem o que [se] queixar. O restaurante era ótimo, então, assim, eu não... Era ótimo, não tem o que falar.
P1 – E tem algum caso engraçado que você se lembra, alguma história que tenha acontecido?
R – Ah, assim...
P1 – Vê se você lembra.
R – Ah, assim, não sei. Acho que não. Normal assim, não tem alguma coisa que eu lembre que seja interessante, que seja engraçada assim, né? Por exemplo, tombo é interessante? Tombo é engraçado?P1 – (risos)
R – Escorregava no óleo e caía deitada?
P1 – Às vezes, é. (risos)
R – Isso acontecia com as pessoas. (risos)
P1 – É, acontecia?R – Acontecia. Tinham as máquinas, a gente usava lá óleo pra limpeza, essas coisas, então, às vezes, pingava, né? Se o pessoal da limpeza não viesse logo, então a gente escorregava com os dois pés e caía de costas. Muita gente caiu, inclusive, eu caí. Então essas coisas aconteciam. Marca, né? A gente rachava o bico, ficava rindo, na cara da pessoa, não, mas depois a gente ficava rindo. E essas coisas acontecem, né?
P1 – Entendi.
R – Então, assim, as outras coisas, tudo normal.
P1 – Entendi. E Célia, deixa eu perguntar uma coisa. Bom, você sabe que Avon tem as revendedoras dela, né?
R – Tem.
P1 – Dá essa oportunidade de trabalho pra tantas mulheres.
R – Isso.
P1 – Você também, né? Como é que você vê essa importância da Avon dar esse trabalho pras mulheres?
R – Olha, a Avon, eu trabalhei bastante tempo lá dentro, 16 anos. Eu vendi muito produto da Avon, né, eu vendia muito. A gente comprava na lojinha, né, e todos os dias eu ia com um monte de caixa, de sacola, de produto da Avon, levava pra minha casa. Aí eu vendia pras minhas amigas, parentes, meus vizinhos - eu vendi muito. A Avon me ajudou muito com o salário que ela me pagava, com as horas extras que, às vezes, a gente fazia porque queria, não era obrigado, mas a gente gostava de colaborar. Eles pediam [e] a gente colaborava; ninguém era obrigado a ir, nada. A gente trabalhava, fazia nossas horas extras - ajudou bastante. Eu comprava muito os produtos lá também, mesmo produto que estava na promoção e os que não estavam também, que as pessoas pediam - também me ajudou bastante. Eu vou falar... Eu não saí mal da Avon, não, eu saí bem. Eu saí bem, eu... pode falar?
P1 – Pode.
R – Então, eu consegui fazer algumas coisas: eu tenho três casas alugadas - não são casas muito boas, mas pessoas [que] moram tão satisfeitas. Então, a gente... Eu tenho meu carro, comprei à vista, né? Eu comprei um, depois passei pra frente, comprei outro novo, depois, fez um tempo, eu comprei um outro novo. Então eu não devo nada pra ninguém, eu tenho uma vida... A Avon me deu uma vida boa, não posso reclamar mesmo. Minha aposentadoria não é assim AH!, essas coisas, entende? Mas junta com o do meu marido, junta com o que eu recebo, lá do... Mais um outro tipo de salário assim, por exemplo, né? Junta tudo [e] tá bom, dá pra viver. Não dá para eu reclamar de nada. Até se eu precisar pagar uma prestação de 400 reais, 500 reais, eu posso, né, não me aperta em nada. E também minha filha entrou na faculdade quando a gente tava... Eu tava trabalhando ainda, a gente teve um desconto, a Avon também ajudou bastante nessa parte aí. Então, teve um desconto, a metade, [que] até hoje não foi cortado. Eu pensei que iam cortar quando eu saísse, né, mas não foi, ela paga... Até hoje, ela paga só metade, também. Tá terminando o último ano, né?
P1 – O que é que ela faz?
R – Ela faz administração de empresa.
P1 – No total, só voltando pros seus filhos, que eu esqueci de perguntar, quantos filhos você teve? No total foram quatro?
R – Não, eu tenho três. Tenho dois filhos que nasceram no começo do meu casamento, né?
P1 – Ah, depois veio a sua menina.
R – Eles... Eu tenho um filho com 42 e uma filha com 43, né, é um ano e meio de diferença cada um. E tem a menina de 22, que quando eu falei que queria ter um sentido pra vida, senti a vida. (risos)
P1 – Entendi.
R – E é o tal negócio, a gente vive pra isso mesmo, a gente acaba vivendo pro filho. Então, vou falar pra você a verdade: foi um novo nascimento na minha, foi uma vida nova pra mim. A Avon foi uma vida nova [e] a minha filha foi uma vida nova, sabe? Aquele passado ruim que aconteceu, com doença, perder, prejuízo, tá [no] passado. Aquilo lá tá tudo recuperado, graças a Deus, né? Então tá tudo em ordem, eu não posso me queixar não.
P1 – Que lição de vida que você tirou trabalhando na Avon?
R – Ah, lição de vida, assim, eu aprendi muito... Porque a Avon ela é uma empresa bem humana, sabe? Assim, a gente tinha as reuniões, entende, aí explicavam pra gente nas reuniões como é que a gente serviria com outra pessoa, as qualidades de vida, de amizade, de comportamento. Então eu aprendi, assim, a respeitar o próximo. Aprendi muito isso de respeitar as pessoas.
P1 – Certo.
R – Porque eu fui muito respeitada lá dentro.
P1 – Tá certo. A Avon, ela tá comemorando 50 anos nesse ano de 2008, e o que é que você achou dela estar resgatando a memória através desse projeto aqui que você tá participando?
R – Ah, é porque... Bom, quando a gente vai, e nós fomos agora... A primeira vez que eu fui, depois que eu saí, foi nesse passeio dos aposentados, né? Ah, eles falam que a gente faz parte da história, né, então eles falam que a gente faz parte desses 50 anos.
P1 – Faz, né?
R – Que nem a Rutinha, trabalhou 40 anos na Avon, eu acho, né? E eu não tenho certeza, mas acho que foi. Então ela viveu, nasceu junto com... A Avon nasceu, ela ficou junto, ali. A Rutinha tem 70 e... Acho que ela deve ter uns 80 anos, não tenho certeza. Então, ela viveu uma vida ali dentro, então faz parte, realmente. Ela viu desde quando fazia todas as coisas... Ela vai ter história bonita pra contar, porque o dela já é diferente, fazia tudo na mão, né? Acho que até os produtos, a gente pegava e espremia assim, ou então colocava... Eu penso isso, não sei, porque tava lá no começo, né? Tudo quando começa é diferente, né, então a história dela é muito interessante. Mas eu já peguei a Avon já adiantada, né, 16 anos pra cá. E é assim, o que eu aprendi foi isso: muito respeitar o próximo, respeitar as pessoas, amar as pessoas. Do jeito que eles se comportaram comigo, as pessoas, quando precisaram, quando eu faltava, né? Às vezes, meu marido ficava doente, essas coisas, eu ficava com ele [e] não perdi o emprego por causa disso. Muito pelo contrário, eles me pagavam até os dias parados, né? Então eu vou falar o que de uma empresa dessa? Tem que falar bem, só tem mesmo é que gostar, achar que... Eu sempre que passo por lá, agradeço a Deus, falo: “Que Deus abençoe essa empresa".
P1 – Muito bom. E você gostou de ter dado essa entrevista aqui pra gente?
R – Eu gostei, [mas] não sei se vocês gostaram. (risos)
P1 – (risos)
R – Eu não sei como é que foi, porque eu não sei como é que os outros dão [a entrevista].
P1 – Não, tá ótimo.
R – Eu nunca dei entrevista nenhuma, nunca, na minha vida.
P1 – Ah, é? Tá vendo? Primeira vez.
R – Primeira vez, nunca...
P1 – Então você gostou?
R – Ah, eu contei um pouco da minha vida, né, sei lá...
P1 – Mas é isso mesmo.
R – Se você quiser saber mais alguma coisa, pergunta. De repente, tem alguma coisa escondida. (risos)
P1 – (risos) Quer perguntar mais alguma coisa, Lu?
P2 – Hum, acho que não?
P1 – Você quer falar mais alguma coisa, Célia?
R – Ah, não, não sei.
P1 – Não? Porque a gente acabou, já.
R – Como que a gente trabalhava, vocês já viram pelas fotos, né, de uniforme. O negócio na cabeça, luva, às vezes, com máscara, fazia uma coisa, fazia outra, essas coisas assim... Muito bom, variava bastante. É isto. Graças a Deus saí bem, não saí com nenhum problema de saúde, nada, né?
P1 – Que bom.
R – Tá tudo certo, tudo muito bem.
P1 – Então é isso mesmo viu, Célia, a gente agradece a sua participação, o Museu da Pessoa e a Avon. Obrigada por ter participado, tá bom?
R – De nada. (risos)
P1 – Então pronto.
[Fim do depoimento]Recolher