Instituto Ethos
Depoimento de Paulo Augusto Oliveira Itacarambi
Entrevistado por Márcia Ruiz
São Paulo, 30/05/2008
Realização Instituto Museu da Pessoa.net
Entrevista no ETHOS_CB045
Transcrito por Vanuza Ramos
Revisado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Bom, Paulo, boa tarde. Pra come...Continuar leitura
Instituto Ethos
Depoimento de Paulo Augusto Oliveira Itacarambi
Entrevistado por Márcia Ruiz
São Paulo, 30/05/2008
Realização Instituto Museu da Pessoa.net
Entrevista no ETHOS_CB045
Transcrito por Vanuza Ramos
Revisado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Bom, Paulo, boa tarde. Pra começar eu gostaria que você me dissesse seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Paulo Augusto Oliveira Itacarambi. Nasci em Rondonópolis, em 21 de janeiro de 1954.
P/1 – Qual é que é a sua formação, Paulo?
R – Eu fiz Engenharia Civil, aqui. Depois eu fiz mestrado em Administração Pública.
P/1 – E qual é a sua atividade atual hoje?
R – Hoje eu exerço o cargo de diretor do Ethos. Eu sou vice-presidente executivo do Ethos.
P/1 – E, Paulo, conta pra gente como é que você conheceu o Instituto Ethos. Conta um pouquinho pra gente como é que foi esse início aí com o Etos e tal.
R – Olha, eu comecei a me aproximar do Ethos em 1999. Nessa época, eu estava fazendo uma consultoria para a Fundação Abrinq. Eu fazia consultorias de facilitação de planejamento estratégico, planejamento participativo, e já vinha trabalhando há uns dois anos com a Fundação Abrinq. E aí, eu conhecia o Oded e outras pessoas, o Hélio, o Sérgio. E o Oded me pediu que eu coordenasse, fizesse a moderação do planejamento estratégico do conselho do Ethos, do conselho deliberativo, em 1999. Na verdade, o primeiro pedido dele foi que eu interpretasse uma pesquisa que o Ethos estava fazendo com os seus associados, a primeira pesquisa que o Ethos fez para esse planejamento. Então, eu fiz a interpretação, aí ele me pediu que apresentasse o resultado disso na reunião de planejamento e que coordenasse a reunião, organizasse a reunião, levasse algumas propostas que ele tinha e levasse outras propostas que o Maneto também tinha, e levasse toda a previsão inicial do que seria discutido com os conselheiros para o ano de 2000. E aí nasceram os principais projetos do Ethos. Diversos projetos que nós temos hoje, uma parte deles nasceu ali. Inclusive a idéia inicial de trabalhar com o consumidor, que depois deu origem ao Akatu, né? O projeto com a mídia, responsabili... o, a rede e o prêmio de mídia, o projeto com os estudantes, os indicadores. É, a matriz inicial desses projetos estava nessa reunião. Final da reunião, o Oded me perguntou se eu não queria ajudar a equipe a implantar aqueles projetos que foram discutidos na reunião. Então, eu aceitei, passei a trabalhar 20 horas por... Inicialmente, eu acho que foram 20 horas por semana, não é, ajudando a equipe. Depois, eu ampliei o meu tempo e, finalmente, em 2001 eu entrei como funcionário mesmo do Ethos, já coordenando a equipe, toda a equipe do Ethos.
P/1 – Vou voltar um pouquinho, Paulo. Você me falou que essa primeira pesquisa que foi feita junto aos funcionários era uma análise...
R – Junto aos associados.
P/1 – ... aos associados, desculpa. Essa pesquisa, do que é que ela tratava? O que é que ela tinha de interessante pra aquele momento do Ethos?
R – Naquela pesquisa, tinha várias, vários tipos de pergunta. Um tipo de pergunta era qual era o nível de satisfação dos associados com os serviços, os produtos que o Ethos estava realizando em relação às demais empresas, né? A qualidade, se o Ethos estava cumprindo adequadamente a sua missão, que perspectivas os associados viam para o Ethos e o que é que eles sugeriam para o Ethos, né? Então, a gente buscou interpretar, fazer essa leitura, né, de alinhar o que o Ethos tava pensando com os associados e dessa discussão emergiu, emergiram essas propostas que eu comentei.
P/1 – Paulo, me fala uma coisa: como é que era a sensibilização na época das empresas no movimento de responsabilidade social? Naquela época, como é que você via essa sensibilização e o engajamento das empresas?
R – Olha, naquela época o Ethos tava dando os primeiros passos, né? Então, as dúvidas se relacio... as dúvidas das empresas, as conversas, se relacionavam mais ao conceito de responsabilidade social, né? A questão era mais se as empresas deveriam fazer atividades externas ao seu negócio, né? Não conseguiu, porque tava muito forte essa discussão de filantropia, muito forte a discussão de investimento social privado e o entendimento da responsabilidade social passava mais por este campo, do investimento das empresas em projetos sociais, né? E o Ethos estava tentando dizer às empresas que elas deveriam contribuir para o desenvolvimento da sociedade através do seu próprio negócio, mudando a forma de gerir o negócio. Então, o foco da conversa era um pouco esse, né, de tentar que as empresas entendessem esse processo e, ao mesmo tempo, entusiasmá-las pra fazer isso. E, pra isso aí, era necessário escolher as estratégias que criassem esse entusiasmo, né? Uma das estratégias foi essa de construir os indicadores Ethos como um caminho para que as empresas entendessem de maneira estruturada, e, ao avaliar a gestão delas, percebessem o que, de fato, estávamos falando em termos de responsabilidade social, né? E uma outra estratégia que nasceu aí, foi trabalhar com alguns outros públicos que tinham e têm influência sobre o comportamento das empresas. Que é o caso da mídia. Por isso que a gente criou os projetos pra trabalhar com a mídia, com os jornalistas, né? É o caso dos estudantes, que terminam influenciando porque é o seu futuro trabalho, então eles escolhem as empresas em função das perspectivas que elas apresentam. Então, a academia tem influência no comportamento da empresa. Então, inicialmente... E é o caso dos consumidores, né? Então, você vê que aí tem um desenho de quatro estratégias: uma é colocar uma ferramenta à disposição das empresas pra que elas entendam e elas comecem a exercitar a prática e três outras de públicos que podem influenciar, né, o comportamento das empresas, inclusive pressionando as empresas para a mudança, né? Essa estratégia eu acho que foi bem-sucedida, né? Porque a empresa se sentiu de um lado ajudada, viu que era importante, né, e, de outro lado, outros públicos que, ao mesmo tempo, valorizavam o comporta..., procuravam ter formas de valorizar o comportamento da empresa e demandar esse novo comportamento. No trabalho com o jornalista, uma estratégia muito do início – e está aqui na exposição – foi interessar os veículos de comunicação a criar mecanismos de reconhecimento público do avanço das empresas, de mudanças de comportamento. Como o Guia da Boa Cidadania, como o Prêmio Valor Social, né, e outras iniciativas que a mídia foi desenvolvendo de prêmios e reconhecimentos públicos da empresa. E o Ethos decidiu, desde o início, ele próprio não premiar a empresa; interessar que outras organizações premiassem, mas o Ethos não. Porque o Ethos, a estratégia do Ethos foi assim: nós somos... queremos a empresa como parceira, nós queremos... Toda, e... A estratégia do Ethos não foi ter clube de empresas, boas empresas e as outras, empresas que se diferenciassem, mas a nossa estratégia foi sempre a seguinte: toda empresa que queira entrar no Ethos e queira participar desse movimento é bem-vinda. Independentemente se ela hoje tem alguma prática que é considerada não socialmente responsável, ou até irresponsável. O que importa é mudar, né? Então, a gente não quis associar a marca do Ethos com a qualificação das empresas. Então, evitamos certificação, evitamos premiação, nós não premiamos empresa. E as empresas que fazem os indicadores, a gente usa essa informação apenas para a própria empresa, para a auto-avaliação da empresa e não pra fazer ranking. Mas, estimulamos outros que fizessem esse reconhecimento, porque é importante.
P/1 – E, Paulo, como é que você vê, hoje, essa sensibilização e o engajamento das empresas deste momento, muito importante no início do Ethos, com a realidade de hoje? Eu queria que você avaliasse um pouco, você fez uma avaliação pontual de época. Como é que você vê hoje o engajamento dessas empresas?
R – Olha, têm algumas mudanças importantes, né? Uma mudança importante é que, no início, você tinha poucas pessoas que trabalhavam esse conteúdo dentro das empresas, né? Inclusive com uma competência especializada. Hoje você já tem quase que um mercado de trabalho constituído para profissionais com esse tipo de competência. Profissional que tem uma competência em analisar o impacto socioambiental e econômico na empresa, né? Enfim, ter uma... propostas, desenhar processos, pensar a gestão sustentável do negócio. Então, eu acho que nós, junto com outras organizações, criamos a possibilidade de um novo campo de desenvolvimento profissional. E as pessoas se movem no mercado, não é? Empresas que buscam contratar pessoas já com essas competências desenvolvidas, ou buscam, também, desenvolver essas competências. E esse é um dos trabalhos que o Ethos também estruturou, que é formatar cursos, ajudar e disseminar a formatação de cursos, estimulamos a criação de cursos no mercado para o desenvolvimento dessas competências. Então, uma mudança real é que há um mercado de trabalho já demandando essa competência, né? Profissionais nessa área. Uma outra mudança que eu considero significativa é que, no início da década de 1990, as empresas tinham, se sentiam um pouco é... Quando entravam nesse assunto ambiental, social, né, elas entravam de uma maneira reativa, de uma maneira... na defensiva, digamos assim. No máximo apoiando um projeto, mas com pouca pró-atividade, né? Porque era, é como se... As empresas eram tidas como o mal da sociedade, aquelas que provocam o problema, né? Acho que com esse movimento da responsabilidade social – e tem muito mais gente na responsabilidade social do que o Ethos, muito mais organizações do que o Ethos, o Ethos deu a sua contribuição – eu acho que a nossa grande contribuição foi criar um espaço real onde as pessoas que trabalharam na empresa se sentem num processo histórico de mudança, elas sentem que elas estão fazendo a mudança. E elas vão pros debates públicos com pró-atividade. Então, as empresas passaram a se sentir mais livres, claro, pra continuar recebendo questionamento, mas também para propor e se colocar como um ator do processo, né? Então, eu acho que o Ethos criou meio que um espaço de ação para as empresas. E para as pessoas dentro das empresas, que é o mais importante. Porque essas mudanças, quem faz mesmo as mudanças são as pessoas que estão trabalhando lá dentro da empresa, que estão fazendo essa militância, né, por uma nova visão, por uma nova política empresarial.
P/1 – Paulo, eu queria que você contasse um pouquinho pra gente como é que é essa relação que vocês estabeleceram com, assim, vamos dizer, com vários nichos de mercado e como é que foi a relação, como é que vocês estabeleceram com o governo, né, com o primeiro setor. Como é que foi essa relação estabelecida com o Ethos em relação ao governo? Vocês tiveram alguma estratégia, vocês pensaram alguma coisa ou não era a prioridade do Ethos?
R – O foco do Ethos sempre tem sido as empresas. Esse é o nosso foco. Agora, nós sabemos que as empresas, para mudar, precisam de diversas forças provocando essa mudança. Então, é necessária a mudança interna...
P/1 – Questão de legislação?
R – ... e aí uma força importante é a direção da empresa. Então, nós procuramos ter trabalho direto com as direções das empresas, com os funcionários, né? Mas, tem outras forças que influenciam isso. As forças de mercado que reconhecem, valorizam a empresa que vai mudando a sua postura, que vai mudando sua estratégia, forças que pressionam, né? Então, nós fomos estruturando os trabalhos com os diversos atores, como eu já comentei, mídia, academia, consumidores, com as ONGs, né, porque as ONGs, as organizações da sociedade civil, têm um trabalho que é importante e que pode estabelecer um controle social do mercado, né? Normalmente, as ONGs vinham, até a década de 1990, trabalhando o controle social do Estado, né? Quer dizer, a sociedade, nas diversas formas de organização, procurando participar da política pública em sentido amplo e fazer esse controle social do Estado. E muitas entendiam que o controle social do mercado se fazia através do Estado. E nós temos defendido que você pode fazer o controle social do mercado através do Estado, e, também, diretamente, numa relação direta com o mercado, numa relação direta com os investidores, com os consumidores, com as empresas propriamente, né? E algumas organizações da sociedade civil passaram a fazer isso. Fazer o controle social, mas, também, fazer parcerias. Porque tem um conhecimento... Essa história da gestão dos negócios de forma socialmente responsável, tem um aspecto de interesse público muito forte, né? É como se você buscasse atingir o seu interesse privado, ao mesmo tempo, atingindo um interesse público, contribuindo para o interesse público. Então, tem essa dimensão. E, esse conhecimento de como trabalhar o interesse público, as organizações da sociedade civil tem muito forte esse conhecimento. E muitas empresas buscavam se aproximar dessas organizações e, naturalmente, o Ethos cumpre um papel aí, né? Porque como o Ethos procura trabalhar com muita franqueza, com muita honestidade, nós ganhamos credibilidade junto às empresas e junto às outras organizações. Por que ganhamos credibilidade? Porque, desde o princípio, a gente sempre disse “Nós não estamos aqui para defender empresas e nem para acusá-las. Nós estamos aqui pra tratar dos dilemas e ajudar a resolver os dilemas“. “Então, tem um problema? Vamos tratar do problema na perspectiva de solucionar o problema.” E, vários problemas causados por empresas, nós sempre buscamos conversar com as empresas: “Ó, como resolve?”, vamos conversar com os outros atores, vamos aproximar organizações da sociedade civil, vamos aproximar organizações públicas. E aí, organizações públicas, não só governo, não só do Executivo, organizações públicas, por exemplo, o Ministério Público, organizações de representação, organizações do Judiciário, e organizações do Executivo, não é? Então, mas o foco é a questão de mercado, né? Então, passamos a trabalhar... Nós trabalhamos, sim, com o governo, sempre voltados nessa perspectiva de como valorizar o comportamento socialmente responsável das empresas, buscando... não; que os governos não olhem apenas o dinheiro da empresa, mas olhem esse valor que tem um comportamento de interesse público, né? Fazer essa aproximação, não é... buscar as parcerias. Agora nós vamos ter que ampliar o trabalho com o governo porque nós estamos mudando o nosso... Nós continuamos com foco no mercado... não é, nas empresas e tudo, mas nós estamos mudando o patamar. Ao invés de trabalhar com empresas socialmente responsáveis, nós estamos buscando agora trabalhar com um mercado socialmente responsável, mecanismos de mercado que deem suporte para o desenvolvimento das empresas que querem avançar nessa linha de gestão.
P/1 – Paulo, como é que se deu essa, vou chamar internacionalização do Ethos, no sentido, assim, dessas parcerias, dessa visibilidade tão grande que o Ethos... E de atuação, inclusive em mercados da América Latina e mesmo através... no mundo, né? Como é que esse processo... Se isso foi uma estratégia, se isso meio que aconteceu sem querer, como é que foi essa coisa das parcerias do Ethos com outras organizações que trabalham com responsabilidade social na América Latina e mesmo em outros países?
R – Necessidade, estratégia, ao mesmo tempo. Primeiro, o Ethos nasceu por influência de experiências internacionais, né? Aqui tem, tá documentada a história, né? Algumas, as pessoas que fundaram o Ethos estiveram nos Estados Unidos conhecendo uma organização, por exemplo, o ________, né? É, participaram... O Ethos foi criado juntamente com o Fórum Empresa, a partir de uma reunião em 1997 que foi feita por diversas pessoas em Miami. Surgiu dali a idéia da criação do Fórum Empresa, que é uma organização criada para estimular o surgimento de organizações semelhantes ao Ethos nos países da América Latina, né? E as pessoas que estiveram nessa reunião, vieram com o propósito de criar o Ethos. Em... A reunião foi em 1997; em 1998, o Oded, na liderança, propôs a criação do Ethos, e o Ethos foi criado em 1998, né? Já, a primeira conferência do Ethos em 1998 foi também a primeira conferência da América Latina do Fórum Empresa. Conferência das Américas, da América Latina, não. Porque o Fórum Empresa reúne organizações do Canadá até o Sul, né? É, então, é... E hoje nós estamos na décima conferência, né, então o Ethos já nasceu, no seu primeiro ano, fazendo uma conferência e foi a primeira Conferência das Américas, né? Então, o Ethos nasce, assim, de uma articulação, de uma inicia... de uma... olhando para uma experiência internacional, né, e aplicando idéias desse tipo aqui no Brasil. Os primeiros trabalhos do Ethos, nós reproduzimos trabalhos do ________, né? Os primeiros passos para a responsabilidade social. Nós já, é... Logo que o Ethos foi criado, já foi criado um boletim recolhendo informações sobre o que acontecia em outros países sobre responsabilidade social, recebendo a contribuição de outras organizações, né? Isso deu um valor tremendo para o Ethos de trazer essas informações para o Brasil, né? Agora, à medida que o Ethos foi se desenvolvendo aqui, todo o conhecimento que foi sendo produzido, desde o início... estabelecemos que era um conhecimento público, de livre acesso e acesso gratuito, independentemente da organização ser ou não associada ao Ethos. Não tem diferença. E podendo ser reproduzido. Então, à medida que nós fomos produzindo conhecimento ou reunindo o conhecimento que as pessoas produziam... E essa estratégia de a gente produzir conhecimento público, de doar o conhecimento, ela é muito boa, porque também estamos estabelecendo uma economia da cooperação, porque a gente doa e recebe muito. Então, nós recebemos muito mais do que a gente doa, né? Impressionante isso. Então, com esse processo, terminamos produzindo muita coisa, reunindo muita coisa e tudo foi disponibilizado. E muitas organizações que foram sendo criadas na América Latina passaram a usar esses conhecimentos livremente. Isso foi criando referência. E, junto com isso, o Ethos foi se tornando uma referência para diversas organizações, né? Um terceiro aspecto – e por isso eu digo que essas duas são, assim, em função da necessidade, da própria estratégia do Ethos se desenvolver, né? Uma é necessidade e a outra é decorrência. Tem um terceiro aspecto, que aí é proposital e nós mantivemos: nós procuramos estar sempre colados ao que estava acontecendo em outras partes do mundo, né? Então, fui buscando estar articulado com as outras organizações, saber o que as outras organizações estavam fazendo e, inclusive, convidando essas organizações para estarem no nosso conselho. Foi constituído o Conselho Internacional do Ethos, né? Foi uma forma de formalizar essa permanente articulação com as coisas que aconteciam no mundo. E o que nos permitiu, né, diversas ações que fizemos; elas tiveram impacto maior do que para o Brasil e terminaram sendo levadas pra outros níveis de intervenção. Me refiro, por exemplo, à hora em que nós fizemos a ligação muito clara entre as metas do milênio e as práticas das empresas, as práticas socialmente responsáveis das empresas. Essa ligação, na medida em que ela foi feita, foi uma contribuição muito grande, reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), reconhecida pelo Global Compart, né? E pela ONU mesmo, pelo secretário-executivo da ONU na época, o Kofi Annan. Terminamos, em função disso, até realizando junto com uma outra organização, uma organização alemã, um seminário em Nova York, antecedendo a reunião de cinco anos de avaliação das metas do milênio. Levando, organizando junto, levando empresas brasileiras pra esse seminário, mas, o mais interessante aí é que nós éramos os organizadores. Isso foi possível porque tomamos uma iniciativa muito singela que foi essa, né, de colocar as metas do milênio como guarda-chuva de um esforço empresarial para mudanças na sociedade, articulando as ações concretas das empresas com os impactos que poderiam contribuir para as metas do milênio.
P/1 – Paulo, eu queria que você falasse um pouquinho, como é que você avalia o estágio brasileiro nas ações de responsabilidade frente aos demais países do mundo?
R – Você tá falando do movimento brasileiro ou do Estado, Estado nacional?
P/1 – Não, do estágio brasileiro, não, estágio brasileiro.
R – Ah, estágio. Ok.
P/1 – Com relação à questão do desenvolvimento social.
R – Olha, no Brasil, nós temos um movimento social forte, né? É, e por isso a gente conseguiu superar diversas questões na democracia, né? Durante... Nós conse... No momento em que nós conseguimos o Estado de direito, né? E mesmo antes, nós tínhamos um, né, um movimento político forte, abafado pela ditadura durante 20 anos, mas nós fomos encontrando formas criativas de manter vivo esse movimento na sociedade. Num primeiro momento, os movimentos eclesiais de base, os movimentos nas periferias, os movimentos populares, né, o movimento estudantil, isso depois se transformou num movimento político mais forte. E essas organizações foram criadas... terminou dando origem a essa forma da sociedade civil de ONGs, né, de organizações da sociedade. Tem muitas organizações no Brasil, isso é uma riqueza em cima da qual foi possível trabalhar um campo específico, que é o campo do mercado, né? Então, esses são todos antecedentes da nossa história, da história, da própria história do Ethos, né? Quando as empresas entraram nesse processo, né, encontraram e se sentiram mais livres pra também serem atores nesse processo sem ficar necessariamente na defensiva, e sem dei... né? Isso não significa que as empresas deixaram de criar problemas; tem muitas empresas que criam muitos problemas. Ambientais, sociais, econômicos, políticos, né? E tem diversas organizações da sociedade civil também que criam, certo [risos]? Não é essa, não é uma... né?
P/1 – Não é um privilégio deles!
R – Não é um privi... Mas, na hora em que as empresas viram que também podem criar soluções e que as soluções que essas empresas criam são bem-vindas, né, e essas soluções têm que ser criadas no próprio negócio, têm que alterar a forma de fazer negócio, e isso começou a ser valorizado; na hora em que esse... esse movimento se tornou, tá se tornando um movimento forte no Brasil. E o eco dele chega em diversas partes. Chega na forma de mobilização, chega na forma de conhecimento que é produzido, né? É, agora, a mobilização é grande, o assunto é discutido, as pessoas têm vontade de fazer. Agora, se você me perguntar “Tem muita empresa, de fato, mudando a sua gestão?”, eu diria que não, não é? Tem algumas práticas que estão sendo feitas, boas, que estão se avolumando dentro das empresas. Algumas dessas... algumas empresas já estão com estratégias globais, estratégias de sustentabilidade, isso já tá no plano estratégico, já tá no plano de impactar mesmo o negócio, mas são poucas aquelas que já estão repensando o seu negócio, alterando completamente a lógica do seu negócio. E isso será necessário, não é? Então, isso a gente percebe até através da pesquisa. É, debate das práticas. Grande. Práticas, algumas, né? Mas, coisas consolidadas, ainda tem muito por fazer, tá? Mas, o que eu sinto é que a tendência é real, né? Agora, precisa de muita coisa pra que essa tendência se realize, que são essas questões que nós discutimos aqui, durante essa conferência, que é criar um ambiente de mercado mesmo, com mecanismos fortes que ajudem a sustentar essa tendência.
P/1 – Diante disso tudo que você tá colocando, qual é o maior desafio do Instituto Ethos na sua maneira de ver?
R – O maior desafio do Instituto Ethos é conseguir construir uma cooperação entre organizações, pra que o trabalho seja grande e o Ethos continue pequeno. Nós temos que conseguir formas de trabalho, de parcerias – e aí, a parceria com as empresas, a parceria com organizações da sociedade civil, a relação com os diversos atores, com os sindicatos, com governos – que a gente consiga articular, ajudar a articular redes onde o impacto do trabalho seja grande. Porque precisa ser grande, precisa ser profundo. Mas, ao mesmo tempo, quando nós, enquanto organização específica, continuemos pequena. Porque se... A medida que a organização cresce, a gente passa a despender mais energia para administrar a entidade, a nossa organização, do que pra fazer a atividade fim, né? E a gente corre o risco de ficar correndo atrás de recursos e de reduzir a nossa independência, a nossa autonomia, e ela é importante. É importante que a gente tenha independência, autonomia e que a gente possa continuar sendo uma organização de mudança mesmo, que provoque a mudança, que provoque o... que provoque desconforto, sem... – não é denúncia – que provoque desconforto para mudar. Mas, que provoque soluções, né? Nós nos propomos, temos a pretensão de ser uma organização de vanguarda. E uma organização de vanguarda, ela tem sempre que se propor a estar à frente, mas sendo empurrada, né, pelas pessoas que seguem aquela proposta e que nos desafiam permanentemente para ajudar a encontrar os caminhos.
P/1 – Paulo, em cima do que você coloca e em cima um pouco do histórico do próprio Ethos, você vê uma organização que tem uma capacidade de mobilização enorme. E aí tem uma questão técnica que vem por trás, porque a hora que você coloca “Olha, foi necessário criar a questão dos indicadores”, teve que se dar uma ferramenta técnica para que essa mobilização não ficasse no vazio, no sentido de não ter um suporte, né?
R – Sim, que tivesse substância.
P/1 – Como é que... Eu te pergunto: isso também não é um desafio hoje, a partir do momento em que vocês hoje são uma referência muito grande?
R – Pois é, é um desafio. Agora, depende de como você enfrenta esse desafio. Desde o início, nós nos propusemos a enfrentar esse desafio estimulando outras pessoas para produzir esse conhecimento. Se o Ethos se propuser, a ele, enquanto equipe, sozinho, produzir esse conhecimento lá no escritório, isso é imenso. Essa é uma tarefa imensa de um custo altíssimo e não teríamos nem como financiá-la, né? Na medida em que o Ethos não é um negócio, nós não estamos fazendo investimento pra depois recuperar no mercado, vender isso no mercado, né? Nós podemos nos dar ao luxo de pedir ajuda pras pessoas, de pedir de forma que as pessoas disponibilizem o seu conhecimento de forma gratuita pra todo mundo, porque não é pra nós, é para o conjunto, é para o coletivo. E muita gente faz isso. A própria forma de produzir os indicadores, de revisar os indicadores, de aprofundar, ela bebe do conhecimento de consultores, de outras organizações, das próprias empresas. Então, esse é o formato que a gente organiza pra enfrentar esse desafio de produção de conhecimento. A gente procura trazer o conhecimento de quem tem conhecimento sobre aquele assunto. Então, organizamos grupos de trabalho e as pessoas realmente, estão dispostas, disponíveis, e acham que esse é o caminho, de cooperação, né? É a economia da cooperação. Novamente eu uso esse termo, né? Mas, essa forma de trabalhar, pensando um pouco aqui no Linux, né? Naquela forma que você... é o software livre, onde cada um usa aquilo que foi feito pelos antecessores e deixa a sua contribuição pros outros, né? Esta é a forma que eu acho que é mais inteligente de enfrentar desafios grandes e complexos assim, que envolve todo mundo. Nós temos que ser, e talvez não sejamos ainda, suficientemente inteligentes pra organizar o nosso trabalho nessa direção.
P/1 – Como é que você acha que o Instituto Ethos deve se posicionar, deverá se posicionar, nos próximos dez anos?
R – Pois é, essa é a nossa reflexão deste ano de 2008, né? Certamente, no final deste ano eu vou te responder essa pergunta de forma melhor do que agora [risos].
P/1 – Tá. Mas, você pode respondê-la agora.
R – Agora? Agora eu diria o seguinte: nós, o nosso foco está na nossa terceira parte da lição, né? Que é a construção de parcerias com as empresas para um mundo sus... para a construção de uma sociedade sustentável e justa. Aqui tá... Nós continuamos tendo que fazer, e é importante fazer, as outras duas partes da lição, que são a mobilização, a sensibilização, que é a primeira parte. Ajudar as empresas com essas ferramentas, com esse conhecimento, reunir esse conhecimento todo e colocar à disposição das empresas que queiram fazer, né, o como fazer é importante. Mas, o foco agora é construir parcerias para dar um salto maior. E o salto maior a ser dado neste momento é construir no mercado mecanismos que dêem suporte, que estimulem, que demandem da empresa e que valorizem a empresa que faz a mudança do seu negócio, que repensa o seu negócio, que realmente faz a gestão sustentável do negócio, né? E foi o conteúdo da discussão aqui na conferência. Para construir esses mecanismos de mercado, nós precisamos conversar com diversos outros atores. Os mecanismos de mercado que são criados pelo próprio mercado, né? Nós precisamos da parceria com as empresas pra convencer as organizações de representação das próprias empresas – representação setorial, representação regional, as instituições de mercado – a formular esses mecanismos. Agora, não adianta, não é o Ethos que vai propor para essas organizações. Nós precisamos propor para essas organizações junto com as empresas. Então, esse é um aspecto importante dessa parceria de criar práticas de mercado consolidadas, né? Por outro lado, uma outra forma de criar mecanismos de mercado é a regulamentação. E eu tenho dito assim, insisto, não é regulamentar a responsabilidade social das empresas, não é regulamentar o comportamento. É regulamentar critérios de compras públicas, critérios de como se faz a atividade mercantil no mercado, né? Para que as empresas se comportem de forma socialmente responsável, né? Então, demandar através da regulamentação, um patamar mais elevado de comportamento ético; de avaliação e controle dos impactos sociais, dos impactos ambientais e dos impactos econômicos que as atividades têm; estimular o desenvolvimento da inovação, né, o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis. Então tem uma série de regulamentos que são necessários de serem desenvolvidos com essa cabeça da sustentabilidade. E, pra isso, nós precisamos também da parceria com as empresas para levar a discussão desses regulamentos de forma muito saudável, muito concreta, e convencer os diversos atores da importância de fazê-los, né? Sem, assim, algo que seja realmente estimulador e não engessador da ação da empresa. E tem a necessidade de construir programas públicos, né? Ações governamentais pra dar suporte a tudo isso. E, mais uma vez, nós temos que buscar os governos nos diversos níveis – mas não sozinhos, em parceria com as empresas. Porque é muito diferente quando você propõe um determinado programa para o governo que vai ser executado pelo governo em parceria com a empresa e em parceria com a sociedade civil. Quando isso já é construído dessa forma, sai natural a proposta. E não é uma coisa imposta e pra ser... pra convencer os outros depois. Então, por isso, a parceria com as empresas também, para conseguir que esses programas sejam levados adiante e a gente construa espaços pra isso. Como o Fórum Social, como o Fórum da Amazônia Sustentável, que estávamos discutindo, né, como o movimento Nossa São Paulo, que acontece aqui; isso é reproduzido nas cidades brasileiras, são formas de construir essas parcerias e de construir ações governamentais, ações públicas e regulamentações. Então, o desafio, é, tá aí, né?
P/1 – Tá.
R – Construir... mecanismos para um mercado socialmente responsável e a estratégia é atuar em parceria com as empresas.
P/1 – E aí, pegando essa tua narrativa, a estratégia de se fazer um prêmio, como vocês fizeram esse ano, ela tá um pouco ligada a essa estratégia?
R – Está, está. Porque uma das coisas... umas das ações determinantes das empresas é a questão da tecnologia. Não só o prêmio, mas a mostra de tecnologia sustentável que nós estamos fazendo aqui hoje. O que conforma o seu comportamento, o meu e de todos nós é a tecnologia, né? A tecnologia de transporte, a tecnologia que a gente usa pra energia, a tecnologia de comunicação. A gente não percebe, mas ela é aquela mão, a mão invisível mesmo, que direciona o nosso comportamento, são as tecnologias que nós usamos. E essas tecnologias, são tecnolo... elas, em geral, são tecnologias, até hoje, que pouco prestaram atenção no impacto que o nosso comportamento depois tem sobre o meio ambiente, sobre a sociedade, o impacto que nós temos sobre o desenvolvimento da própria comunidade, né? Nós temos que pensar tecnologias que estejam atentas para esse impacto. Que já sejam desenvolvidas para criar uma cultura mais sustentável, né? Hoje a nossa cultura é uma cultura do desperdício. A gente pensa em edifícios, né? Nós pensamos nas nossas casas, nas nossas habitações, no ambiente construído. A gente pensa só na implantação dessa estrutura, nos custos que vão levar, mas a gente não pensa no uso dela. Porque se pensássemos no uso e no custo que isso tem depois de energia, de água, de manutenção, nós não faríamos o que a gente faz hoje [risos].
P/1 – É verdade!
R – A gente faria outras edificações, a gente faria outro ambiente construído, a gente não faria cidades desse tipo que nós temos, né? Nós temos uma visão muito curta, né? Então, a nossa tecnologia é uma tecnologia que não está pensan... não está, não nos leva a um comportamento sustentável, não é? Então, o foco é esse. É por isso que eu falo de repensar o negócio. As empresas desenvolverem tecnologias sustentáveis.
---FIM DA ENTREVISTA---Recolher