Projeto Instituto Ethos
Depoimento de Ivan Messiano
Entrevistado por Clarissa Batalha
São Paulo, 28/05/2008
Realização: Museu da Pessoa
ETH_CB003_Ivan Messiano
Transcrito por Regina Paula de Souza
Revisado por Rafael dos Santos Silva
P/1 – Você pode me dizer o seu nome completo, local e data ...Continuar leitura
Projeto Instituto Ethos
Depoimento de Ivan Messiano
Entrevistado por Clarissa Batalha
São Paulo, 28/05/2008
Realização: Museu da Pessoa
ETH_CB003_Ivan Messiano
Transcrito por Regina Paula de Souza
Revisado por Rafael dos Santos Silva
P/1 – Você pode me dizer o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Ivan Messiano. Nascido em São Paulo, capital, bairro da Liberdade, em 30 de novembro de 1954.
P/1 – Qual é a sua atividade?
R – A minha atividade é arte-educador. Eu tenho um atelier onde são criados e produzidos vários objetos a partir de material descartável. Nós trabalhamos com lixo seco, que é o lixo de uso doméstico. Embalagem longa-vida, isopor, jornal, revista, pet e todo esse lixo que é produzido domesticamente. Basicamente, é isso.
P/1 – Fala pra mim: como que você conheceu o Instituto Ethos?
R – Já faz alguns anos que eu conheci. Foi por publicações e matérias em jornal. E, depois, sempre que tem alguma coisa que é promovida pela Ethos, eu sempre procuro participar. E acompanho o trabalho que vem sendo feito ao longo desses anos, no sentido dessa conscientização a respeito de meio ambiente e mudança de atitudes pra que se consiga melhorar o modo de viver. Basicamente é isso aí, né?
P/1 – Fala um pouquinho pra mim dessas ações socioambientais que você desenvolve no seu atelier?
R – Bom, é o seguinte: eu vou dar um exemplo que aconteceu conosco aí, no mês passado. Nós fomos contratados por uma ONG aqui no Campo Limpo, que é periferia de São Paulo, e dar uma capacitação pra um pessoal, visando eles montarem uma pequena empresa que produzisse determinados objetos a partir de material descartável. Então, o que nós fizemos lá? Ensinamos aquelas pessoas desde usar uma régua direito, ou um transferidor, um compasso pra fazer moldes redondos, retos… a trabalhar com tesouras diferentes, com ferramentas, e apoio para se fazer esses objetos. Depois, vem a parte que você ensina que tipo de cola você usa em determinado material, que reaproveitamento de tinta, sobras... Porque essa ONG recebe muita sobra de tinta. Então, como reaproveitar essas tintas e usar no acabamento desses objetos. Depois, vem a parte de impermeabilização: que tipos de vernizes, de produtos que você usa pra impermeabilizar a peça. Aí entra a parte de como calcular preço de custo dessas peças, né? Como organizar uma linha de produção, trabalhar em equipe. E, finalmente, a parte de como colocar isso no mercado com ações de administração de uma pequena empresa e visando o quê? Que eles consigam se organizar, produzirem determinados objetos de uma forma certa, eficiente e com uma escala qualquer lá na frente. E consigam colocar no mercado com um design legal e sobreviver disso daí. Essa é, basicamente, a nossa atividade.
P/1 – E você acredita que essas ações, elas estariam com os indicadores do Instituto Ethos?
R – As minhas ações?
P/1 – Sim.
R – Olha, se você pega um determinado número de pessoas, essas que a gente deu capacitação, são os multiplicadores. Eles vão levar esse conhecimento para outros tantos. Então, nós trabalhamos com 20 pessoas: cada uma vai passar pra 10 ou mais 15. Por aí, você vai irradiando esse conhecimento. Eles vão trabalhar com o lixo que eles mesmo produzem, reaproveitar tudo que eles têm dentro da casa deles. Vamos dizer, a matéria-prima, praticamente custo zero, eles estão tirando isso aí do meio ambiente. Durante essas aulas todas, a gente está sempre falando que você começa a produzir lixo na hora que compra, e não na hora que está dentro da sua casa. Quando estiver dentro da sua casa, acabou, né? Ou você separa. E depois você não sabe se a coleta é bem feita ou não. É na hora que você compra. Então, eu acredito que essas pessoas, durante os dois meses de curso, saíram de lá e
aprenderam a fazer alguma coisa. Vão reaproveitar o seu próprio lixo e tomar cuidado na hora da compra. Porque todo aquele lixo lá é dinheiro jogado fora, né? Imagina no final do ano a quantidade de lixo que você produziu e quanto dinheiro jogou na rua? Aprenderam a trabalhar em equipe, que é uma coisa difícil na periferia. Porque cada um, cada um. Bom, em qualquer lugar do Brasil, cada um cuida do seu umbigo. Então, você procura o quê? Conscientizar as pessoas a trabalharem em equipe, reduzir essa lixarada toda... Porque isso aí implica em doenças e essa coisa toda que a gente já sabe. E vai o quê? No final elas vão conseguir trabalhar em casa, não precisam se deslocar. Não vão gastar dinheiro com condução, entupir ônibus... Elas vão poder trabalhar. A maioria são mulheres que vão poder trabalhar em casa. Porque no modo como a gente ensina, cada um faz um tanto de produção dentro da sua própria casa. Depois, no final, é que junta pra fazer os finalmentes do produto que elas escolheram. Eu acho que você primeiro: reduz um tanto de lixo da comunidade. Claro que é produzido N vezes mais do que aquilo que elas vão poder reaproveitar. Você já começa a conscientizar essas pessoas com relação àquilo que ela está comprando e o quê que ela está jogando de dinheiro fora. Ah, houve o quê? Um conhecimento entre essas pessoas que não conheciam. Porque uma era de uma rua, outra era de duas ruas lá pra cima. Então, elas começaram. Ao mesmo tempo que esse curso era dado, tinha um momento que a gente deixava elas conversarem a respeito dos seus problemas ali, que são comuns, né? E como resolver isso, independente do curso que a gente estava dando. Agora, eu já soube que elas começaram, escolheram as peças que elas vão fazer, estão começando a se juntar, a se organizar. A pessoa não precisa sair de casa. Então, ela pode ficar tomando conta do filho. E se elas conseguirem, do jeito que foi planejado, a colocar essa produção com uma frequência que normalmente você coloca de uma vez só. Com uma certa frequência, que isso daí foi o (_____), se tudo seguir como o plano, tem mulher ali que vai ganhar mais que o marido. E isso já é um ponto de honra, né? Nesses lugares aí, a mulher ganhar mais que o marido. Claro, ela vai causar a maior encrenca dentro de casa [risos]. A mulher ganhar mais que o marido. Mas eu estou dizendo que dentro dessa filosofia, entendeu? A gente tentou o quê? Passar um tanto de organização pra essas pessoas. Um tanto de alerta a respeito dessa coisa do lixo. E, daí, você entra na história de esgoto, do posto de saúde, como funciona. Por que a criança pegou a doença, lá, do esgoto, de pele, de disenteria, essa coisa toda? Porque é um círculo vicioso, né? Lixo, esgoto e doenças, várias outras. E, também, a gente joga pesado com essa história delas se organizarem e cobrar dos seus políticos, dos seus vereadores, dos seus manda chuvas, porque todo bairro tem um manda chuva. De cobrar desses caras essas melhorias, de criarem associações, pessoa jurídica, porque elas têm mais força. Eu acredito que, onde a gente passou, deixou, pelo menos, um rastilho de pólvora ali, entendeu? Porque não é só ensinar a fazer uma caixinha revestida, bonitinha, como a caixa de leite, que vai resolver o problema dessas pessoas. Não. Eu acho que o importante é você deixar ali um pouco de organização e saber que se elas se juntarem, eu falo elas porque a maioria é mulher. Se elas se juntarem, vão conseguir. E se a gente se juntar, também. A gente vai conseguir, porque, senão, eles vão continuar dançando e a gente pagando, né?
P/1 – Fala pra mim, como que você avalia o envolvimento das empresa brasileiras relacionadas a esse movimento de responsabilidade sócio-ambiental?
R – Bom, eu já tive projetos patrocinados por empresas, não é? Nesse sentido, de capacitar pessoas a trabalhar com um material descartável. Já trabalhei dentro de empresas. Dentro de um programa de conscientização de funcionárias pra que, por causa do problema de lixo, do meio ambiente, esse tipo de coisa... Então, já trabalhei também. Eu acho que é muito pouco, de uma forma geral. Pelo que eu vejo as empresas estão mais é fazendo marketing, querendo mais é melhorar as suas imagens, a sua cara perante o público, do que realmente ação efetiva, né? Você não pode, eu diria, a mesma empresa que faz uma propaganda bonita, dizendo que está salvando um bichinho na Amazônia, por exemplo, ou que está investindo dinheiro lá, naqueles caras que perdem os dedos trabalhando com sisal, ou coisas do gênero, a própria Petrobras aí, seja quem for, essa mesma empresa é altamente poluidora, está entendendo? Eu acho, que é muito mais marketing do que ação, na realidade. Eu vejo que as pessoas que são responsáveis por esse departamento dentro de empresa não são formadas pra isso. Às vezes, a pessoa, aquela que é a mais boazinha dentro da empresa, sabe? Aquela que acha que se preocupa mais com o meio ambiente, é ela que, normalmente, as empresas colocam pra tomarem conta desses departamentos de meio ambiente, responsabilidade social e interagir com as pessoas. Então, o que acontece? Essas pessoas não têm preparo. Elas têm uma função diferente daquela. Então, elas acumulam função. E na hora que vão te atender, ela não consegue te atender porque ela acumulou a função. Então, não é uma função reconhecida dentro das empresas. As pessoas acumulam funções pra atender essa história toda de responsabilidade social e ISO. Claro, tirando a parte daquela que tem a ver com a produção da empresa, que tem um engenheiro, tem gente responsável. Eu estou dizendo essa parte, que é a parte que eu lido, né? Que é de ONG, de projetos e coisa ligada ao social. Não estou dizendo de coisa ligada a linha de produção da empresa, você entendeu? Essa aí tem os engenheiros responsáveis. Senão, elas também não sobrevivem, né? Então, eu acho, resumindo, é pouco, é mais marketing. Porque fica bonito a empresa ter a marca de responsabilidade social. E que tem muita gente que não está preparada pra esse tipo de solicitação, pra esse tipo de demanda. É o que eu vejo.
P/1 – Fala pra mim, como é que você avalia o impacto das ações desenvolvidas pelo Instituto Ethos?
R – Olha, do tempo que eu conheço... Eu não conheço profundamente quem é o Ethos! Quem é, né? Conheço aí a história de uma pessoa que foi presidente. Mas, resumindo, eu acho que o Instituto tem lá, em função das pessoas que estão comandando essa Instituição, algum poder. Embora, acho que eles estão dez anos na estrada aí, também ralando. Com todo o poder que eles têm. O poder que eu digo, de articulação, contato, um conhece o outro, o outro conhece aquele. E é muito mais fácil pra uma pessoa dessa, do Ethos, chegar lá no presidente daquela empresa, do que eu. Você concorda? Ele tem, acho, que só a secretária do cara pra chegar lá, né? Então, eu acho que em função de onde essas pessoas do Instituto estão colocadas dentro de empresas, e empresas de porte, elas podem, sei lá... Daqui a dez anos, estar num passo de alguma coisa acontecendo mais concreta, né? Dá uma impressão, né? A impressão que eu tenho do Instituto Ethos, pelo modo como ele propagandeia as suas ações, não é crítica não, é só uma visão de quem está desse lado do balcão. Você não sente no seu. É aquela história, a mesma história das empresas. Você não sente no seu dia-a-dia esses resultados. No caso do Instituto, de dez anos de batalha em cima disso, você não sente no seu dia-a-dia que a poluição está aumentando. Nós estamos comendo um monte de comida industrializada e o resto todo mundo sabe, não vou fazer aqui um roteiro. Eu acredito que ações como essas, é claro que são ações a longo prazo, de conscientização. E os resultados são a médio e longo prazo. E quando acontecem. Então, eu vejo que ela tem uma penetração, falando da Instituição, grande em função desse contato com quem decide lá dentro da empresa. Mas se você não falar com quem decide, não adianta ficar falando com aquela pessoa que ela é. Como eu disse, em empresas, aquelas pessoas que se demonstraram com mais boa vontade com relação ao meio ambiente. De repente, aquela que fez uma doação um dia praquele “vamos salvar as baleias”, entendeu? A pessoa fez uma doação e fala: “Não, é essa que vai cuidar da responsabilidade social da empresa”. Eu acho que o Instituto tem penetração, né? Em função do conhecimento das pessoas. E que claro que é um trabalho longo porque uma empresa não vai mudar a sua forma de trabalhar e de poluir da noite pro dia. Porque está todo mundo atrás de dinheiro. Têm acionistas e tem, ah... Não vai mudar! Então, eu vejo que no dia a dia, eu não vejo como beneficiário dessas atitudes, vamos colocar assim. Eu não vejo essa coisa acontecendo e nem as pessoas que eu lido, que eu lido com pessoas que trabalham com responsabilidade social, também não sentem no dia a dia, não sentem o que está acontecendo. Se está mudando mesmo, se vai diminuir a fumaça da rua, se... Claro que eu sei que isso é um trabalho da população como um todo. Então, eu não sinto a coisa acontecer. Que está acontecendo eu sei, né? O trabalho é muito bonito, é legal. Mas eu acho que a gente corre, a gente precisa de resultado pra ontem. Outros vão demorar mais. Mas eu acho que do jeito que está indo, não dá pra gente esperar mais dez anos pra alguma coisa acontecer. Nossa! Estou parecendo aqueles profetas do Apocalipse [risos].
P/1 – Como é que você acha que o Instituto deve se posicionar nos próximos dez anos?
R – Olha, eu imagino que eu não sei se já está acontecendo alguma coisa. Algum resultado que o Instituto está conseguindo e a gente não está sabendo, né? Claro que eu sei que é um grão de areia numa praia. Todas as nossas ações e até a ação do Instituto também. Eu acho que é muita conversa, é muito encontro. Se o Instituto for organizado e se ele moralmente tem força, então ele pode chegar. Eu estou colocando o Instituto como uma pessoa física. Aí, se eu tenho essa força, eu posso chegar na cara de qualquer presidente de multinacional e falar: “Oh meu, você tem que mudar a forma de que você está poluindo rio, você está fazendo”, você entendeu? De botar o dedo na cara desses caras. Porque só encontro de bate-papo não funciona, a gente sabe. Se fala, se fala, se fala e os caras continuam poluindo. Se fala, se fala, se fala: “Oh, esse negócio está poluído”. Se fala, se fala, se fala, não é verdade? Então, eu acredito que se o Instituto tem essa moral, que eu acho que tem, tem que chegar mais junto, esse é o termo. Chegar mais junto em quem está causando isso aí, que tem poder de mudança. Porque não adianta ficar esperando a sociedade. A sociedade está desorganizada, não tem essa, não é só no Brasil. Senão, já tinha mudado, você concorda? As pessoas fazem isso: “Não, porque na Europa”. Não, lá também, né? Eles cavaram, eles estão poluindo lá também. Ou poluíram tudo que tinham e agora estão apontando o dedo pra nós aqui. Mas eu digo que se não houverem atitudes mais reais, entendeu? Que é essa que você sinta realmente, né? No que diz respeito ao que essas empresas causam, é só conversa. Daqui dez anos eu vou estar sentado aqui falando a mesma coisa pra você. Então, eu acho que é um trabalho, claro que eu sei que é de longo prazo, mas esses resultados têm que ser mais imediatos. E eu não sei a forma que esses resultados são propagandeados. Você não escuta falar, só quem é do meio conhece o Instituto Ethos. As outras pessoas não sabem o que este Instituto está fazendo, ou o que está fazendo por elas. Eu sei que já várias ações caíram lá dentro do Congresso Nacional e aconteceu, só que a gente não vê isso. Então, eu não sei se o Instituto precisa se abrir mais em termos de: “Olha meu, eu também, eu estou empurrando o barco pro mesmo lado”, entendeu? Mas não adianta o Instituto Ethos estar lá num pedestal, como muitos outros estão, conversando com Deus e o mundo, mas e aí cara? Nós estamos aqui na boca da Marginal. Nós é que estamos pegando trânsito e sentindo o cheiro desse rio. E cada um dentro do seu inferninho [risos]. Não é verdade? Então, apareçam, vamos conversar mais. Porque pra mim o Instituto Ethos está num pedestal, eles estão. Eu entendo, eu acho bárbaro o trabalho que essas pessoas, eles não devem estar ganhando nada pra isso, né? Só encheção de saco. Mas eu acho que isso daí tem que, porque é muita, essa história da responsabilidade social é muito endossada ainda, entendeu? É muito longe do cara que está na periferia, lá no Campo Limpo. O que adianta você ficar falando que a Coca-Cola tem responsabilidade social, o Instituto Ethos, aquela empresa, não dá. Ninguém entende isso aí. Ali, o cara precisa de chegar lá e falar: “Olha, você vai fazer isso aqui. Você vai fazer isso, aquilo, aquilo cá e vai dar esse resultado”. Não adianta ficar falando pro cara que daqui meses, daqui um ano... Não tem, a necessidade nossa é já. Então, eu acho que a forma desses resultados aparecerem pra sociedade tinham que ser diferentes. Eu acho que tem que trocar o cara que está fazendo o marketing aí, entendeu? Sabe, é igual a galinha e o pato. A pata, ninguém sabe que ela bota ovo. Mas a galinha sabe, porque cacareja. Então, eu acredito que esses Institutos, tipo o Ethos, têm que propangadear mais o que está fazendo e os resultados pras pessoas conhecerem e se engajarem nessa história. p
Porque você anda na periferia e está todo mundo sozinho. Quem manda lá é, ou o pastor, ou o traficante, não tem pra onde correr. Você corre pra um lado está o cara ali. Você não tem, entendeu? Se correr o bicho pega. Então, eu acho que os resultados têm que ser mais imediatos e mostrados. Porque só discussão, congresso, né? Isso aqui é lindo, é gostoso vir aqui. Não paguei nada, pra mim está sendo um relax. Saí do meu trabalho, passo aqui o dia, converso, estou até dando um depoimento. Mas isso não funciona, sabe? Ou a gente vai ter atitude pra já, senão, isso aqui corre o risco de mais 10, 15 anos. Eu acho que é isso aí.
P/1 – Tá, é isso aí, valeu.
R – Acabou?
P/1 – Muito obrigada.
R – Desculpe o discurso.Recolher