Elaine – Meu nome é Elaine Cristina da Silva, eu nasci em São Paulo no dia 16 de julho de 1976. Você sabe se a sua família é de São Paulo, Elaine? Elaine – Não sei, não sei, acho que a maior parte é. Eu sei que minha avó, mãe da minha mãe, era do interior, acho que de Lem...Continuar leitura
Elaine – Meu nome é Elaine Cristina da Silva, eu nasci em São Paulo no dia 16 de julho de 1976.
Você sabe se a sua família é de São Paulo, Elaine?
Elaine – Não sei, não sei, acho que a maior parte é. Eu sei que minha avó, mãe da minha mãe, era do interior, acho que de Leme, Araras, por esse lado. Eu sou de São Paulo, eu nasci aqui em São Paulo.
O que você sabe da origem da sua família?
Elaine – É muito pouco, porque eu perdi a minha mãe muito nova, aos quatro anos de idade, meu pai acabou assassinando ela, quando eu tinha quatro anos de idade, tinha eu e meu irmão que tinha dois, a minha irmã que tinha seis, então, eu sei muito pouco. O que eu sei, que minha avó contou. Eu sei que minha mãe era loira e meu pai já de uma cor mais escura, eu me recordo por foto, não fisicamente, é só recordação daquela foto. Então não sei muito da minha família, eu não sei se meu pai era daqui, ou do interior ou da Bahia ou qualquer outro lugar.
Essa sua avó que você citou, quem ela é?
Elaine – É mãe da minha mãe. Quando minha mãe faleceu, ela foi buscar eu e meus irmãos na delegacia e pegou a gente para poder morar com ela porque a gente só tinha ela. A família do meu pai a gente já não tinha contato, eu acho que eu nunca conheci a família do meu pai, então foi minha avó que pegou eu e meus irmãos, depois que minha mãe faleceu, para poder cuidar da gente, aí nós ficamos com ela.
Como ela chamava sua avó?
Elaine – Ana Rodrigues Manoel.
E a sua mãe?
Elaine – Cleide Aparecida Manoel.
Você sabe o que sua mãe fazia, sua avó fazia?
Elaine – Não sei. Minha avó era costureira.
Era costureira?
Elaine – Agora minha mãe, não sei. A única recordação que eu tenho da minha mãe foi numa época de páscoa, ela trouxe uns coelhinhos de chocolate, eu lembro que a gente morava num apartamento, mas o local não sei se era em São Paulo, no interior, eu não sei. Aí ela trouxe uns coelhinhos de chocolate para mim e para os meus irmãos. É a única recordação que eu tenho dela porque faz muitos anos, eu não tenho muita recordação. A recordação que mais marca é da morte dela, que é uma coisa que eu não vou esquecer nunca, nem eu e nem os meus irmãos, então eu não tenho muita recordação da minha mãe.
E do seu pai, alguma lembrança?
Elaine – Não, do meu pai não consigo ter. Tenho uma lembrança sim, eu não sei se foi, se é coisa da minha cabeça ou se realmente aconteceu, que eu e meus irmãos com a minha mãe, iamos dentro de um presídio visitar meu pai só que eu não sei se isso eu criei na minha cabeça ou se aconteceu. Eu só tenho essa lembrança do meu pai e no dia do assassinato da minha mãe, só. Eu não tenho nenhuma lembrança dele.
E com quatro anos você foi morar com a sua avó...
Elaine – É, fui morar com minha avó, eu, que tenho mais duas irmãs que é por parte de mãe, que elas moram no interior em Leme, Araras, e tem mais esses dois irmãos, na verdade nós somos em cinco, aí fui eu, meu irmão menor e a minha irmã do meio morar com a minha avó.
Meu irmão chama Marcelo e a minha irmã chama Isabel. Aí tem a do interior que chama Elizabete e tem outra chama Cristiane que só por parte de mãe. A Elizabete e a Cristiane Elizabete são só por parte de mãe. Aí fomos morar com a minha avó: eu, o Marcelo e a Elizabete fomos morar com minha avó na zona norte, no Jardim Tremembé. A minha avó cuidou da gente, colocou na escola e aí com tempo a minha irmã se revoltou, eu não sei o que aconteceu, e começou fugir de casa, arrumou uma família, que acredito que até hoje esteja com essa família, eu não sei porque eu perdi o contato. Meu irmão continuou eu e meu irmão lá com a minha avó.
Minha avó não tinha estrutura psicológica – não financeira. Ela não sabia como lidar comigo, com meu irmão e com a minha irmã, então ela não teve condições psicologicamente de cuidar da gente. Aí o que aconteceu? Começou a falar um monte de coisa, que minha mãe tinha morrido por minha causa – isso minha irmã já tinha ido embora.
Eu sem saber de nada, comecei a fugir de casa também e uma família que era conhecida da família que ficou com a minha irmã, tentou me “pegar”, eu tinha o que, uns sete para oito anos. Aí eu fui morar com essa família, que era um casal e tinha dois filhos pequenos. Só que não era para ser, porque a moça trabalhava de manhã e o rapaz à noite, e as crianças iam para escola e eu com sete anos, eu ficava com o rapaz de manhã, aí ele tentou abusar mim, não chegou a abusar, mas tentou. Aí o que eu fiz? Fugi da casa deles, fui para o Fórum de Santana e lá eu expliquei o que estava acontecendo e chamaram a minha vó e aí a minha vó falou que não, que ela não tinha condições de ficar comigo, que ela estava entregando eu para o Fórum, que eles tomassem a decisão que eles quisessem. Eu me lembro como se fosse hoje que ela falou que era para esquecer que eu tinha uma família, que eu tinha uma avó e que era para eu viver a minha vida.
Eu fiquei lá naquele Fórum sem saber o que fazer. Tinha sete, oito anos, não me lembro direito. Nesse tempo que eu fiquei lá no Fórum, eles falaram que eu ia para uma casa de abrigo, orfanato, uma coisa assim, eu não me lembro direito, aí eles me colocaram na Febem. Lá, eles falavam que era separado o infrator do carente, meu caso era carente. Então eu fui, entrei na Febem pela primeira vez com oito anos de idade – acho que tem coisas na vida que a gente tem que passar. Aí fui para a Febem, fiquei lá um tempo... Eu não me lembro bem o tempo que eu fiquei. Eu lembro que eu fiquei um tempo, porque ainda eu acabei sendo transferida para uma outra unidade na Mooca. Quando cheguei lá eu vi aquele monte de mulher, as meninas tudo olhando para você, parecia que você era um extraterrestre ali. "Ah, você veio para cá por quê? Você roubou quem?" Eu: “Não, foi minha avó que me colocou aqui.” Toda inocente, eu tinha oito anos, sete para oito anos. “Não, minha avó que me colocou aqui.” "Mas por quê, o que você fez?" Aquelas perguntas, eu sem saber de nada, aí eu fiz amizade lá com uma turminha. Com essa turminha eu já comecei a dar umas tragadas no cigarro. "Fuma que é legal." Eu falei: “tá legal, vou ver se é legal.” Aí fumava...
Sei que eu fiquei esse tempo lá, eu lembro que a gente ficava de uniforme, horrível, é um short verde, uma blusa vermelha. Lá - eu posso dizer - foi a minha escola da malandragem.
Aí fui transferida para essa unidade da Moóca, que eu acho que hoje nem existe mais, e lá as “minas”, foi eu e um monte, falaram que iam para a adoção e aí as minas começaram a falar: "você vai para a adoção, você vai para adoção, você vai para a Inglaterra." Eu sem saber se era verdade ou mentira, fiquei com medo. Já pensou você sair com oito anos e ir para outro país, não ter noção de nada, não conhecer ninguém?
"Vai ter uma fuga." As minas me falaram à noite. "Você quer ir?" Eu falei: “Eu não tenho para onde ir”. "Você vai para casa da sua vó." Eu falei: “tá bom”. Aí à noite, tinha um muro enorme, grande, grande, grande. Eu ficava ansiosa, com medo, nunca tinha fugido, nunca tinha entrado na Febem, não conhecia nada, eu falei: “vamos fugir. Combinaram tudo à noite, pega lençol para amarrar para jogar, e chegou à noite, aí jantamos, tem um horário de janta que é cinco horas, depois da janta elas mandam subir para o quarto aí você não desce mais, fica lá, e elas passam contando. "Nós vamos fugir depois da contagem” Aí contaram, e tem a troca de plantão que era às sete horas. Saiu uma de cada vez pela janela, consegui fugir, matagal, eu não sabia que era. As “minas” me colocaram dentro do ônibus: "a gente vai pra Praça da Sé, se você quiser ficar com a gente você vai para a Praça da Sé." Eu falei: “tá bom”.
Aí eu fugi, peguei um ônibus, eu sabia ler, o ônibus era o Jardim Joamar, o ônibus da onde que eu consegui chegar até a casa da minha avó. Quando cheguei lá na casa da minha avó, ela tinha mudado... À noite, era muito tarde, o vizinho apareceu e falou: "fica aqui, dorme aqui amanhã você vai atrás da sua família, da sua avó. " Eu falei: “não, eu vou embora”. Cheguei lá minha vó não estava mais, voltei para onde? Para a Praça da Sé. As “minas” estavam todas lá: "ah, você voltou, que legal”, eu falei: “voltei, mas e agora eu vou fazer o quê? Como que eu vou dormir? Onde eu vou comer, onde eu vou tomar banho? Que não tenho roupa, não tenho nada” Você pensa em tudo... "Não, a gente vai te ajudar."
Aí uma colega, posso até dizer assim, porque ela me ajudou muito nessa fase? "Ó, você vai ficar aqui." Ela me deixava no banco lá da Praça da Sé, sentadinha. "Fica aqui que eu vou atrás de comida para você." Eu ficava lá sentadinha. Aí ela vinha, trazia o marmitex, eu comia. "Ó, agora eu vou arrumar roupa para você tomar banho. "Tá bom” Tudo roubado, né? Aí eu ficava lá ela trazia a roupa. Eu vou tomar banho aonde? "No chafariz." Fui tomar banho no chafariz também. Era tudo criança, então as pessoas, dessa época que estava lá, não passavam muito na Praça da Sé, que era mal falada, lá só tinha trombadinhas, então não passava ninguém. Quando a gente ia tomar banho, tinham os meninos que ficavam lá com um pedaço de pau, que ninguém podia passar. Então a gente tomava banho lá no chafariz, só de calcinha, e tomava banho e eu tomava banho de chafariz, eu acho que fiquei nessa um bom tempo. Dormindo na rua, tem o bastante famoso “ventinho da Praça da Sé”, tinha ventinho do metrô e a gente dormia ali. Na primeira eu nem dormi, porque eu tinha medo, porque eu via na televisão que o pessoal batia, judiava, que a polícia chutava, que acordava com água. Então eu ficava com aquilo na cabeça. "Não, pode ficar sossegada, a única pessoa que vêm aqui encher o saco da gente e a polícia, eles acordam dando botinada.” Eu falei: mas não consigo dormir. Fiquei a noite toda acordada, a noite toda acordada, não conseguia dormir, aí já estava fumando cigarro. Aquele monte de criança lá, que era tudo criança, tinha tudo a minha idade, cheirando cola e fumando maconha. “É aqui que vou ter que viver, porque eu não tenho mais família, não sei onde mora ninguém, não tenho contato mais com ninguém, as pessoas que eu tinha, tinha se mudado, tinha ido embora, então eu vou para onde?” Não tinha para onde ir o único lugar que eu consegui apoio foi na Praça da Sé com aquelas pessoas.
Você nunca tinha ido para a Praça da Sé antes?
Elaine – Nunca.
Como é que você via cidade?
Elaine – Nossa, que maravilha Porque a gente vê pela televisão, nossa, eu tô na Praça da Sé. Eu achava aquilo lindo, maravilhoso, que eu era exclusiva de estar ali. Porque a gente via na televisão Praça da Sé, a igreja, então, era tudo muito bonito. Hoje pra mim é tudo normal, mas quando me vi naquela Praça da Sé enorme com aquela igreja linda, eu falei: “nossa senhora, olha eu, tô aqui agora”.
Mas eu sempre com aquela expectativa que um dia ia encontrar a minha avó, os meus familiares, porque morava a minha a avó, o meu tio, a minha tia e o meu irmão. Eu não tinha mais ninguém, a minha família eram eles. Minha irmã eu já não sabia mais, a última vez que fiquei sabendo da minha irmã - que foi depois que eu fugi e voltei para ver se minha avó tinha voltado - a última vez que fiquei sabendo ela estava em Piracaia, que eu nem sei onde fica, até hoje não sei onde fica. Então minha vida ficou aonde? Ali na Praça da Sé. Eu ia ter de construir a minha vida ali, no meio da Praça da Sé. Eu não sabia de que forma, mas eu tinha de construir ali.
Eu ficava na rua, as meninas traziam comida, roupa, tomava banho... Aí começou a idéia de: "vamos cheirar cola?" Eu falei: “tenho medo”. Eu era a maior medrosa. “Eu tenho medo e se eu morrer?” "Não, não morre." Não, mas eu tenho medo de morrer.” "Não, mas não morre, experimenta." Pronto, experimentei. Às vezes eu fazia as coisas até por medo. Já pensou se eu não faço ela vem e me bate? Aí eu comecei a cheirar cola, ai que delícia que eu achava, eu achava que todo mundo ficava olhando, eu falava: “nossa, todo mundo tem medo de mim”. Eu achava que eu estava na Praça da Sé, que agora eu era a perigosa, que todo mundo tinha medo de mim, que eu ia encontrar meu pai, que eu ia matar meu pai. E isso fazia com que eu me afundasse mais ali na Praça da Sé, porque aí eu comecei colocar na cabeça que eu ia encontrar o meu pai.
Quando eu fui para a Praça da Sé eu achava que todo tipo de pessoa, ladrão, traficante, assassino, tudo ficava ali na Praça da Sé. Eu tinha essa idéia, eu imaginava que ali meu pai ia parecer. Eu ia encontrar o meu pai ali e que eu ia matar ele ali. Comecei a cheirar cola, cheirava cola, cheirava cola. Essa minha amiga acabou indo para a Febem, ela que me ajudava, sabe, trazia comida, tudo, e as meninas falaram: "olha, agora você vai ter que se virar, você tem duas opçoes: ou você vai se prostituir ou você vai roubar." Eu fiquei assim... Tá bom, vocês me ensina roubar? "Ensina."
A primeira coisa que roubei foi um relógio. Levei “um pega”, apanhei tanto dos marreteiros, Nossa Senhora, eles me pegaram, apanhei, apanhei, eu falei: “não, eu não quero mais isso não, não vou mais roubar”. "Não, mas você vai ter que dar um jeito, porque a gente não vai poder ficar te ajudando a vida toda.”
Você roubou quem?
Elaine – Eu roubei uma pessoa na rua, os marreteiros viram e me cataram, e me bateram muito. Aí eu falei: “tá, o que eu vou fazer?” Vou ter que aprender porque me prostituir eu não vou porque eu também tinha medo, entendeu, porque a gente ouvia aqueles casos que a mulher de programa saía, o homem matava, espancava, então eu tinha medo. Então eu vou aprender roubar, vou ter que aprendera roubar, aí puxei o segundo relógio. Deu certo. Aí peguei gosto, dinheiro fácil, né? Não dependia mais de ninguém, ia lá, vendia, comprava minha cola. Eu só roubava para comprar cola, comprava minha roupinha, almoçava, mas sempre dormindo na rua.
Como é que era um dia?
Na rua, a gente não tem hora para nada: não tem hora para acordar, não tem hora para almoçar, não tem hora para jantar... É assim, dormiu, acordou, você fica lá naquela, sem fazer nada, olhando as pessoas que passam. Na época que eu fui na Praça da Sé, o pessoal de lá era muito unido, se eu não tinha dinheiro, precisava almoçar, eles iam e pagavam, então às vezes faziam aquela vaquinha. Ia todo mundo almoçar junto. Aparecia ali um relógio, gostava, eu ia “puxava”, pronto. Os outros passavam um pano – olhavam para ver se a polícia não vinha. A minha vida ali na Praça da Sé foi assim. Aí eu fui crescendo, naquele mundo, conheci uma turma que era do espanto, roubava em loja. "Quer entrar Elaine?" Novinha, bonitinha, ninguém conhecia, eram o que queriam mais “catar eu”. "Não, é que aqui você vai ganhar muito dinheiro..." Eu falei: “tá bom”, e fui.
Eu já estava com dez. Foi na Mesbla, Viaduto do Chá... "Olha, a gente vai encher a sua sacola e você sai." A verdadeira laranja, eu não sabia. A sacola era maior do que eu. Encheram de agasalho da Puma, eu me sentia: “nossa, agora eu sou a ladrona, agora todo mundo vai me respeitar”. Saí com aquele monte de agasalho da Puma. Peguei gosto. O que elas me davam? Elas ganhavam mais do que eu, só que o pouco que elas me davam já era bastante. Aí entrei nessa e não parei mais, voltei para a Febem, já voltei como o quê? Voltei como infratora.
E como era o lugar que você ficou lá?
Elaine – Era tipo um galpão. Na entrada, era um galpão, tinha recepção onde você era revistada, trocava de roupa, elas olhavam para ver se você tinha piolho, passava pela enfermaria. Mais para dentro tinha os quartos, eram chamado de “alas”, os quartos. Eram acho que cinco ou seis beliches que ficavam lá. E atrás uma quadra grande junto com o refeitório. É essa a lembrança que eu tenho de lá.
Escolas? Estudo?
Elaine –Não, não tinha não, na época em que eu estava lá. Tinha quadra para a gente poder se divertir na quadra, mas escola, na época em que eu passei por lá eu não me lembro se tinha, mas acredito que não. Ainda lembro a última vez que eu fui para Febem, estava tão cheia, tão cheia que esse galpão virou alojamento. Então tem um monte de colchão no chão, tanto que estavam atendendo numa outra unidade que entrava porque estava superlotado.
Você volta como infratora...
Elaine – Voltei lá para a Febem já como infratora e os funcionários até tiram barato, né: "ah, agora você voltou como ladrona?" Fazer o quê? Tem coisas na vida da gente que a gente vai ter que passar. Eu tive que passar por isso e fazer o quê? Aí, peguei gosto pela coisa, fugi, saía, fazia a mesma coisa, aprontava.
Consegui morar em um motel, mas eles cobravam o triplo, porque eu era de menor, eles não queriam, cobravam o olho da cara. Eu só roubava para quê? Para me sustentar: roupa, sapato, almoço, a cola, porque eu cheirava muita cola, o cigarro e para pagar o hotel. Terminava de “espantá” - que é o nome que usam quando se o rouba em loja - e voltava, ficava lá no hotel cheirando a minha cola e no outro dia... Também, a minha vida acabou sendo assim: saía para roubar, voltava para o motel, cheirava cola. E minha vida ficou assim um bom tempo. E ir para a Febem, fugindo, tanto que eu tenho 58 fugas da Febem e uma liberdade, de tanto que eu ia e voltava, ia e voltava, peguei gosto. Eu caía, conseguia fugir e fazia a mesma coisa.
Como era? Quem te pegava, quem te levava, era a polícia?
Elaine – A polícia. Por exemplo, eu estou aqui, aqui é uma loja, vai o segurança e pega. Ele chama polícia, a polícia vai leva para a delegacia, faz o B.O. Aí eles encaminham para a Febem e espalham para as unidades, eu caía sempre na mesma unidade.
Nessas idas e vindas para a Febem tem alguma que ficou mais marcante para você?
Elaine – Tem. Eu conheci um menino, que na época era menino, o Marcelo, hoje falecido. Eu construí um pouco a minha vida com ele. Eu conheci ele quando eu tinha 13 anos, ele tinha 14. Nos conhecemos na Febem, lá tinha Dia das Crianças e eles faziam festa, gincana...
Então tinha menino e menina na Febem? Mas não era misturado não?
Elaine – Era separado. Aqui tinha uma casa de menino, aqui uma de menina, era dividido. A gente só se encontrava quando ia para fora, chamavam “quadrilátero”. A gente se unia todo mundo, saíam os namoricos, só assim que a gente se via. Aí teve uma festa lá, no Dia das Drianças, aí eu conheci o Marcelo. Ele já era da Praça da Sé, só que a gente nunca, nem “oi” nos falamos. Aí foi que a gente começou a conversar, aí: "você vai fugir?" “Eu vou fugir.” "Ah, eu também vou."
Então tá bom, a gente se encontra na Praça da Sé.
Eu passei um tempo na Febem. Pensei assim: eu vou ver o que a Febem tem para me oferecer, por que eu vou ficar nessa vida até quando? Aí fiquei lá com bom comportamento, quietinha, me mandaram para um pensionato na Vila Prudente. Então vou chegar lá, vou começar a trabalhar, vou conseguir estudar. Fui para o pensionato. Cheguei lá não era nada daquilo que eu imaginava. Ele falou: "não, você vai para o pensionato, lá você vai ter um quarto só pra você, lá você vai trabalhar, a gente vai arrumar um serviço para você, lá você vai estudar..." Chego lá, um monte de mulher tudo sem fazer nada, eu falei: “eu não vou ficar aqui também não”. Fugi do pensionato. Quando eu fujo encontro o Marcelo já na rua. Aí começamos a namorar. Foi meu primeiro namorado, meu primeiro tudo, nós fomos primeiro de tudo, tanto eu como ele. Então ficou uma coisa muito forte entre eu e o Marcelo. Ele era uma pessoa boa e ruim. Quando eu comecei a ficar com ele, eu já não roubava mais. "Não, você não rouba mais, agora você vai ficar só aqui, quietinha." “Tá bom”. Conseguimos um quarto no hotel, pagava super caro, porque os dois de menor. Começamos a arrumar as nossas coisinhas. Até hoje você chega na Praça da Sé e pergunta: "quem é o Marcelino?" Todo mundo conhece, porque ele foi um cara super respeitado. Ele tinha a família dele, eu nunca perguntei pra ele por que ele entrou nessa vida, nós nunca tivemos esse tipo de conversa. Só que ele foi uma pessoa maravilhosa na minha vida. Eu ficava na Praça da Sé. Ele saía pra roubar e eu ficava lá esperando ele. Ele chegava com comida, com roupa, então era aquela coisa. Ele acabou indo para a Febem. Eu tive que roubar pra levar as coisas pra ele. Levava as coisas pra ele todo final de semana, só que eu não entrava, deixava na portaria.
Numa dessas vezes que ele foi pra Febem, eu fiquei na rua sozinha, eu conheci uma colega minha, o nome dela é Alessandra. Hoje eu chamo de minha irmã, ela é minha irmã, é minha irmãzona. Ela continua ainda na vida do crime – que pena – mas ela continua. Então, ela tinha uma mãe... Na verdade a Alessandra foi para a Febem, também uma ex-menor de rua, ex não, que ela continua na Praça da Sé, ela enterrou o umbigo ali, não sai nunca. Então ela foi para Febem.
Na Febem, tinha uma assistente social – não consigo lembrar o nome dela - essa assistente social tinha uma irmã que era advogada e que não tinha filho. Conversando com a irmã que era assistente social lá na Febem, perguntou se tinha possibilidade de pegar um menor... Ela conseguiu, essa advogada foi e pegou a minha irmã, que é a Alessandra, não é minha irmã verdadeira. Pegou a Alessandra, ficou com a Alessandra um tempo, só que o que acontece? A Alessandra, como eu e como muitas, foi criada ali, então é difícil você tentar resgatar. Porque ela já está acostumada com aquela vida e não com essa aqui. A Alessandra ficou um bom tempo com ela, estudou, trabalhou... Só que não adiantava, ela era da Praça da Sé. Depois que ela conheceu essa advogada, que ela foi morar com essa advogada, foi aí que eu conheci a Alessandra, tanto que a gente saía juntas pra roubar. O apelido dela é Naji. Aí nós saíamos para roubar, pegamos aquela amizade.
Idas e vindas, nos conhecemos, começamos a ficar amigas, nisso eu já fumava maconha, já cheirava cocaína, já tinha visto de tudo, já sabia tudo do crime. Eu estava com o Marcelo, quando o Marcelo estava na rua, não roubava, quando o Marcelo estava preso, eu roubava, então ficava aquilo. Teve um assalto e o Marcelo acabou levando um tiro no braço. Aí ele falou: “não tem condições de eu ficar aqui, vamos pra casa da minha irmã.” Fomos pra casa da irmã dele em Sapopemba. Ele se recuperou, nós voltamos e continuamos na Praça da Sé. Minha irmã – que é a Alessandra –conheceu um cara também, acabou engravidando e hoje ela é portadora do HIV. Ela pegou porque ela tomava muito baque, pico na veia, não sei se foi com relação ou se foi por causa da droga... Hoje ela é portadora do HIV, ela acabou engravidando. A filha dela por sinal é linda, hoje está com 14 anos. Ela estava grávida, a gente já usava crack, eu já comecei usar crack, isso eu já tinha o quê? Quase 17 anos. O Marcelo estava na Febem, me ajuntei com a minha irmã, que fumava crack e eu andando com ela automaticamente comecei fumar crack. A gente estava com muita vontade de fumar e ela com barrigão não podia roubar e eu não queria deixar ela sozinha, aí ela falou: “já sei, vamos na casa da minha mãe, no bar da minha mãe.”
A advogada, que era a mãe – ela chamava de mãe – tinha um bar noturno na Santa Cecília, aí eu falei: “vamos lá, pegar dinheiro”. Pegamos um táxi, descemos lá na Santa Cecília, a advogada pagou o táxi, nós entramos, foi no aniversário dela. Foi quando eu conheci a doutora Maria do Carmo. Aí eu falei: “oi, tudo bem”.
Ela falou assim: “você é da onde?” “Eu sou da Praça da Sé também.” “Está com fome?” “Estou.” Aí ela foi lá, mandou a moça fazer um negocinho para mim e para Alessandra. Aí ela falou: “o que você quer, Alessandra?” “Você tem dinheiro? Tô precisando comprar um remédio.” Meu Deus do céu, pra comprar remédio? Mentira, era para comprar droga. Ela: “Depois eu te dou, fica aqui um pouco, come...” Foi no aniversário dela. “Tá bom.” Ficamos lá um pouco. Eu: “Alessandra, vamos embora.” Ela: “calma, tem que esperar ela dar o dinheiro” “Tá bom.” Aí me despedi dessa advogada,
da Maria do Carmo daí fomos embora, direto pra boca comprar droga. Vamos fumar pedra Fumamos pedra a noite toda.
Passou um tempo, eu fazendo a mesma coisa, sempre roubando. Aí já comecei com a Alessandra, ela estava grávida, era mais fácil. Aí a Alessandra teve a hora do ganhar neném, eu, 17 anos... Aí eu: o que eu faço? Vou levar ela para o hospital. Aí peguei, levei para o hospital, eu nem lembro mais o hospital, acho que no Brás. Meu pai – eu vou chegar lá – meu pai é que lembra o jeito que eu estava: de shortinho, chinelo havaiana, duas xuxinha assim, que eu era menininha, dentro do hospital com a Alessandra... “Ela vai ganhar, a minha irmã vai ganhar neném e ela precisa ser atendida aqui. “Cadê os documentos?” “Ah, não tem.” “Cadê o seu?” “Também não tenho.” Não tinha documento, nem eu nem ela. Tiveram que atender porque ela estava pra ganhar mesmo. Quando eu fui nesse bar, que eu conheci a dona Maria do Carmo, ela me deu um cartão, então eu nunca desfiz daquele cartão. Liguei, falei: “Oh, é a Elaine. A Alessandra ganhou neném – nós não chamávamos de Alessandra, chamava de Naji – Alessandra agora porque eu não sou mais aquela Elaine, eu sou essa Elaine. A Naji ganhou neném, o que eu faço? Eu quero tentar tirar ela, mas eles não querem deixar”. Com 17 anos eu não ia tirar nem eu mesmo de lá. Ela falou: “Eu estou indo para aí.” Aí quem foi? A sócia dela, a Márcia. A Márcia chegou lá. A Alessandra já ganhou neném e precisa ter alta. “Tá bom, a gente vai levar.” Aí a Márcia e a Maria do Carmo lá com a Alessandra e eu fui pra rua, sozinha, sem a Alessandra. Continuei lá, aquela vidinha de sempre, rouba um aqui, rouba outro ali, fuma uma pedra, que é o crack, fuma outro ali... Teve uma época que eu estava mal, eu estava viciada mesmo no crack. Aí o que aconteceu? “Fui pra Febem, e nisso, antes de eu ir pra Febem, a Alessandra acabou voltando pra Praça da Sé, com a menina, entendeu. A Maria do Carmo arrumou um lugar pra ela ficar, ela não ficou. Aí o Conselho Tutelar foi pra lá pra Praça da Sé pegar a menina, a nenezinha, pra não deixar a menina na rua, acabou levando a menina e foi uma confusão. Eu sempre com contato com a Maria do Carmo, com a Alessandra, com a neném...
E o Marcelo?
Elaine – E o Marcelo... O Marcelo na Febem, e eu vou pra Febem também. Fui pra Febem. Dessa vez fiquei um bom tempo na U.E. 9. Aí o juiz, que até hoje eu tenho contato com ele que é o Dr. Armando Camargo, ele me chamou, queria falar comigo. Era época de Natal e ele falou assim: “eu tô querendo te dar um indulto de Natal, você tem alguém pra poder ficar com você?” Eu falei: “eu não tenho”. Não tinha ninguém. Aí eu falei: “só se o senhor liberar alguém da Praça da Sé pra vim aqui assinar o termo, né?” “Não, Elaine, eu to falando sério.” Eu falei: “Não, eu não tenho ninguém”.
“Uma amiga que tem uma vida decente, certa...” Eu falei: “eu não tenho ninguém.” “Mas pensa, vê, você vai lembrar de alguém.” Eu tava com bom comportamento, era Natal, ele queria... Eu falei: “tem uma advogada, mas não sei se ela vai querer ficar comigo, ela nem me conhece direito”. “Quem é essa advogada?” Aí eu peguei, falei o número do telefone dela e ele ligou e ela não estava. Aí eu falei: “tá vendo, ela não vai ficar comigo. “Não, não é que ela não vai ficar, o telefone não atendeu, não está.” Então ficou à noite, muito tarde da noite lá comigo, aí quando ele conseguiu falar com Maria do Carmo, aí ele: “tem uma pessoa aqui, Elaine, você conhece?” “Conheço, ela é amiga da Naji.” Daí explicou tudo para o juiz.
“Eu estou dando o indulto de Natal para ela só que ela não tem ninguém para ficar." Ela: "Tudo bem, eu fico, é só passar o Natal, eu fico.” E aí no outro dia ela veio me buscar. Ela me levou para comprar roupa, à noite, me levou para jantar fora, coisas que eu nunca...
Só que quando ela foi me buscar eu disse: agora fujo, vou fugir da casa dela. Essa era a minha intenção: eu vou para fugir. Só que ela e o esposo me trataram tão bem, que eu não tive a coragem. Ela foi na maior disposição lá comprar as coisas para mim, levar para restaurante, aquele restaurante chique, coisa que eu nunca tinha passado. Eu falei: ah não, eu não vou fugir não, vou deixar para o final. Aí passou o Natal, o Ano Novo, ela tinha que me entregar. Aí ela saiu de férias, aí ela ligou para o juiz, que é o doutor Armando: "Posso levar a Elaine para a praia?" Ele deixou. Aí vai eu para a praia, foi quando contei minha história, da minha infância para ela, eu sempre guardando aquele ódio do meu pai, sempre guardava aquele ódio do meu pai. Ela falou: " você não sabe o que aconteceu, você era muito novinha, então você precisa parar e pensar. Eu não estou falando para você culpar nem sua mãe e nem seu pai, mas tem que pensar, você não sabe o que aconteceu, você não sabe o que vinha acontecendo na relação deles." Então, ela e o esposo, que é Astero, sempre ali comigo, jogava bola com Astero, vamos correr na praia, foi muito gostoso.
Volto para São Paulo, tem que voltar para a Febem. Ah, agora eu fujo e não consegui fugir. Aí ela liga e: "pode passar a Páscoa aqui?" O juiz deixou. Mas nesse meio tempo eles estavam já arrumando a papelada para eu poder ficar definitivamente com ela.
Eu não tinha documento, eu tirei quando eu fui morar com ela. Na verdade, eu tinha documento porque quando minha avó me entregou no fórum de Santana ela levou toda a minha documentação, eu só não tinha comigo. Acabei tirando tudo de novo. Quando foi no dia dela me entregar mesmo, fez a maior cena, ela arrumou as minhas coisas, colocou dentro do carro e falou: "agora você tem que ir, gostei muito de você, quando tiver outra oportunidade eu vou lá te ver.” Meu pai a mesma coisa, já chorando e eu pensando: “ah, devia ter fugido, devia ter fugido”. Mas não consegui fugir. Aquilo lá para mim era tudo novo, era tudo muito gostoso, então não consegui fugir.
Fui até o fórum que era no SOS, que eu não sei se existe ainda na Piratininga, fui com ela e com meu pai, aí chegou lá ela assinou o termo, que ele tinha dado a guarda permanente, até os 18 anos para minha mãe. Agora quando eu falo mãe, é ela.
Eu acabei indo morar lá na casa dela, com quinze anos, ela já providenciou escola, providenciou roupa, documento, então foi providenciando tudo e aí a minha vida começou... E nisso o Marcelo preso, na Febem.
O Marcelo na Febem, eu lá. Arrumei uma escola, fui estudar na Vila Madalena, ela mora em Pinheiros. Nossa, quem diria eu estudar na Vila Madalena? Ela tem um escritório na Teodoro Sampaio. "Olha, eu vou te ensinar como atende telefone, como atende as pessoas aqui." Eu falei: “tá bom”. Eu morria de vergonha, ela me ensinava e fui pegando o jeito. Comecei a trabalhar com ela no escritório, ela me pagava um dinheirinho, estudava à noite trabalhava com ela de dia.
Toda noite o meu pai ia me buscar na escola, eu achava isso uma cafonice. Com 15 anos e meu pai ter que me buscar na escola?. Quando ele não ia, ficava no portão, esperando. Então foi uma parte da minha vida muito boa com a minha mãe e com meu pai, que hoje a gente não se deixa de falar um dia. Eu acabei ficando com ela.
Aí a filha da minha irmã foi morar com a minha mãe. A minha irmã engravidou de novo, a outra menina foi morar com a gente também, então eu cuidei um tempo delas, só que aí o que aconteceu? Eu estava trabalhando, estudando direitinho...
Como que foi a volta à escola?
Elaine – Eu já tinha estudado, quando eu fui para o pensionato. Lá eles davam aula. Porque é assim, onde falavam que tinha estudo eu estava estudando porque eu não queria ser uma burra, uma ignorante que não conseguia nem escrever o nome. Então eu dava um tempinho para poder aprender sempre alguma coisa. Aí: "vou te matricular na escola." Eu fiquei com aquele medo, escola totalmente diferente. Eu falei: “não tem uma aqui perto?” Ela falou: "não, eu só consegui na Vila Madalena." Aí eu falei: “e essa aqui? Tem uma pertinho aqui de casa, você devia ver.” "Não, ali não tem vaga para você." Tá bom, vamos para a Vila Madalena. Eu tinha que pegar ônibus, né? Ela foi lá comigo fazer a matrícula, teve problema do histórico, minha mãe com muito jeitinho, explicando para ela, até pediu uma carta para o doutor Armando dizendo que eu não tinha histórico, aí eles conseguiram me encaixar na escola. Eu toda meio assim, malandrona, preciso começar a mudar esse jeito.
Entrei. Todo mundo ficava me olhando, eu era nova, todo mundo já se conhecia e todo mundo ficava me olhando eu: “aí meu Deus do céu, que saco, o que eu estou fazendo aqui, a eu vou embora”. Acabei me enturmando com um pessoalzinho legal, bacana, iam na minha casa, eu ia à casa deles. Na escola não tinha problemas porque eu sempre gostei de estudar. Até hoje estou tentando estudar, mas não consigo por causa do histórico, mas com a escola não tive problema, ia estudava voltava, sempre tirei notas boas na escola. Com escola eu nunca tive esse problema não.
O que você gostava de estudar?
Elaine – Eu gostava muito era de Matemática e um pouquinho de Português. Mas a matéria que eu mais gostava era de Matemática e o meu pai também adora Matemática. Então a Matemática era com meu pai, se era outra coisa, eu corria para minha mãe. Então foi uma fase muito boa de bastante experiência que eu passei a minha vida. Aprendi atender um telefone, voltei a estudar, tive contato com outras pessoas. Toda vez que chegava alguém na minha casa da minha mãe, ela: "essa minha filha." Toda assim de boca cheia: "essa é minha filha, Elaine, tal..."
Só que aí chegou um belo dia, a minha irmã, a Naji, vai lá na minha casa, eu me lembro como se fosse hoje, no dia do pagamento, ela foi lá: "Elaine, tenho negócio para você." Eu falei: “o quê?” "Olha aqui." Ela me levou uma pedra de crack, e eu fraca, usei a pedra de crack, fui embora, nunca mais voltei.
Vai a minha mãe atrás de mim, chorando, ele chama a polícia para ir atrás de mim, e eu: “não vou mais voltar, eu não vou mais voltar, eu não vou voltar...” Eu estava drogada: “não vou voltar, não vou voltar, some da minha vida...” "Pelo amor de Deus...”. Não voltei, e o Marcelo na Febem. Aí volto, fico um pouco na rua, volto de novo para casa da minha mãe, consegui voltar para casa dela. Consegui, voltei a estudar de novo tudo aquela ladainha tudo de novo, normal.
Aí o Marcelo foge da Febem e vai atrás de mim e eu não estou na Praça da Sé. O que a minha irmã faz? Dá o endereço de onde eu estou. Lá vai o Marcelo. Aí meu pai falou com ele que eu estava estudando, estava trabalhando, que não era para ele se intrometer na minha vida, aquele negócio de pai. Ele não quis saber do Marcelo, nem ele nem minha mãe. Ele tocou e uma vez minha mãe deixou ele subir. Ficou aquele clima, eles escondiam de mim. A minha mãe sempre foi assim, como se fala, muito peituda, muito para frente, entendeu: "vamos resolver logo." Ela é bem assim. Aí então ela: "vamos resolver logo essa situação." Aí chamou ele e falou assim: "oh, você quer a Elaine? Você está vendo onde ela está morando? Ela tem uma casa, tem um quarto, tem uma vida, ela tem tudo aqui. Ela só sai daqui quando você tiver isso para dar para ela." Porque ela sabia do meu amor por ele e o dele para mim. Tanto que até hoje ela fala que não tem nenhuma mágoa do Marcelo, que ela amava muito o Marcelo.
Só que quem disse que eu ia esperar? O amor da minha vida saiu, eu vou sair atrás dele. Fui embora de novo. E não voltei mais. Sempre ligava para ela, sempre falava com ela. Aniversário dela, íamos nós dois, tanto que ela tem uma placa de madeira que ele mandou escrito: “advogado”. Ela tem até hoje essa placa. Nunca perdi o contato com ela.
Engravidei, 17 anos. Engravidei, e o Marcelo me leva outro tiro no braço e ficou mal e fomos para casa da irmã dele. A irmã dele dava uma assistência para nós. Eu parei de usar crack porque ele não usava droga, então eu parei de usar crack e fiquei numa boa, curtir minha gravidez. Fiquei lá, morando lá, sempre ia na casa da minha mãe.
Como foi a notícia de que você estava grávida?
Elaine – Para falar para minha mãe? Enrolava, eu ia lá e ela falava: "você está grávida, né?” “Não, não estou não. Morrendo de medo.” Aí toda vez: "Elaine, você está grávida" Não estou não. Morrendo de medo. Nem precisava ter medo, mas eu morria de medo, mas eu acho que nem era medo, era vergonha. Aí eu: não, não estou não. Aí teve uma hora que eu fui e comecei a passar mal. Aí eu abri, escancarei o jogo para ela falei que estava grávida, falou: "você é louca, olhe a sua idade, olha idade do Marcelo, o que vocês vão fazer da vida?" “Não, o Marcelo já arrumou uma casa”. Mentira. “Marcelo já arrumou uma casa para mim, já está tudo em ordem”. “Elaine, mesmo assim, vocês são muito novos, bi-ri-ri, bo-ro-ró..." “Olha, faz o favor, cuida da sua vida e deixa a minha.” “Tá bom.” E ela sempre ligando, perguntando. Não fiz pré-natal porque não conhecia pré-natal, nem sabia o que era pré-natal. Ficamos um tempo lá na cada da irmã do Marcelo, que eu acho que foi a pior coisa que eu fiz a minha vida. O Marcelo começou a traficar lá em Sapopemba, quando foi ver ele já era dono de uma boca. Ele se juntou com um cara lá e ficou dono de uma boca. Aquela área era dele, ninguém mexia.
Ele não usava droga?
Elaine – Não usava droga, não usava. Então ali era área dele, ninguém mexia. Infelizmente a vida do crime é assim: quem pode mais chora menos. Aí o que aconteceu, eu estava grávida de sete meses e o Marcelo foi assassinado com quatro tiros - três na cabeça e um no ouvido por causa de droga, treta de boca, que um quer mandar mais do que o outro. Quem acabou matando ele na verdade foi a polícia porque tinha que “pagar pau” e o Marcelo não queria “pagar pau” para a polícia, dar dinheiro para a polícia e acabou morrendo. E mais uma vez e eu vi uma das pessoas que eu mais amava longe de mim, caído no chão. Nós tentamos socorrer ele, ele morreu no meio do caminho, não agüentou, morreu no meio do caminho.
Eu tava grávida de sete meses, aí fiquei com medo e lá vou eu de novo para a casa da minha mãe. E liguei para minha mãe para dizer que ele tinha morrido. Aí a minha mãe mandou eu ir ficar com ela.
Quantos anos ele tinha?
Elaine – Dezessete, ia completar 18. Ele morreu no dia 3 de maio de 93. Ele ia completar 18 no dia 2 de julho. Aí fui embora, fiquei lá no enterro dele e fui embora para casa da minha mãe, acho que fiquei com a minha mãe um mês. Só que eu não aceitava a morte dele. Eu peguei fui embora da casa da minha mãe grávida ainda e fui para a rua, eu me afundei nas drogas, mesmo grávida.
Fui para a Praça da Sé dormir na rua, grávida. Fiquei esse tempo todo lá, minha mãe indo atrás, eu mandava embora, que não era mais para ela vir atrás de mim que eu ia viver a minha vida. Ela: "Você tem que pensar na criança, que não sei o que..." “Deixa que eu vivo a minha vida, não vem mais atrás de mim.” Aí fiquei lá até ganhar neném.
Eu me lembro como se fosse hoje o dia que eu tive a dor do parto, tinha uma moça da Pastoral que cuidava dos menores de rua estava lá e falou: "Elaine, vamos embora para minha casa que você vai ganhar neném." Eu: “não, não vou ganhar neném agora”. Só que já estava sentindo dor, só que eu não sabia. Ela foi, me colocou no carro dela, me levou para casa dela, me mandou tomar banho porque eu estava mal, estava muito magra, estava doente. E naquele dia eu ganhei neném, foi a noite. O engraçado foi que ela não tinha filho e aí eu sentia dor do parto, dava aquela cólica: "Vai no banheiro." Eu não consigo. Aí chamou a vizinha: "não, ela vai ganhar neném." Eu fui num hospital lá na Santa Cruz, que é o hospital de mãe solteira, o Amparo Maternal, eu ganhei o meu filho lá.
Só me lembro que o médico falou que ia ser cesárea, que eu era de menor, precisava de algum parente. Aí eu falei para essa moça – eu não lembro o nome dela – que me acolheu: liga para minha mãe e diga para ela que eu estou ganhando neném. Mais uma vez, liga para a mãe e aí tive um parto de cesárea. Meu filho era a coisa mais linda.
Tive meu filho, minha mãe veio nos outros dias, levou roupa, levou as coisas para mim, o meu filho não tinha nada. O que tinha eu deixei, fui embora, não levei mais nada. Aí minha mãe foi rápida em providenciar as roupas, fraldas, esse tipo de coisa para levar. Eu me lembro como se fosse hoje, eu fui ganhar neném eu estava de calça jeans, aí minha mãe veio com uma calça jeans. Não dá pra vestir uma calça jeans. Foi ela e o meu pai, no dia que eu tive alta, eles foram me pegar com meu filho,
fui para casa dela, fiquei lá um tempo, sempre me ajudando com fralda, com tudo que eu não tinha, tudo que era meu larguei lá onde eu morava com Marcelo. Ela sempre me ajudando, comprando fralda, e ela com as duas meninas ainda da minha irmã, sempre me ajudando, ela e o meu pai, com tudo, com tudo eles ajudavam, eu e o meu filho. Aí quando meu filho completou seis meses...
Como que ele chamava?
Elaine – Na verdade, eu não tinha registrado ele...
Você chamava como?
Elaine – Marcelo Felipe. Marcelo por causa do pai; Felipe foi a minha mãe que escolheu. Tanto que até hoje eu falo Marcelo Felipe e ela fala: "não, Felipe Marcelo." Aí eu dei umas cabeçadas de novo e fui embora da casa da minha mãe e deixei o menino lá. Voltei para a Praça da Sé porque eu pensava assim: ela está cuidando dos dois então ela vai cuidar do meu filho. Aí fui embora para a Praça da Sé. Minha mãe foi atrás, só que eu não encontrava com ela, comecei a usar drogas de novo e acabei ficando na rua e não mais procurando nem ela, nem meu filho, nem meu pai nem ninguém. Sabia que meu filho estava bem porque estava com ela,. Pelo carinho que ela tinha com as duas meninas eu sei que ela ia ter com meu filho. Quando meu filho tinha três meses, ela falou se eu queria alguma coisa – a minha mãe – eu falei quero, eu quero encontrar o meu irmão, que esses anos todos eu não tive contato com meu irmão. Ela falou: "então eu vou atrás do seu irmão." Tanto que ela achou, eles estavam morando em Guarulhos, ele, minha avó e o meu tio. Eles estavam morando em Guarulhos e aí a minha tia foi me buscar lá e aí eu fui para casa onde meu irmão morava.
Ele viu meu filho, ficou sabendo que era tio, revi minha avó, meu tio, a minha tia, aquela família de muitos anos atrás. Só que eu não me lembro direito como que foi esse encontro. Revi eles, voltei para casa da minha mãe, aí nesse tempo acabei voltando pra Praça da Sé. Aí passou um bom tempo eu voltei para casa da minha mãe para procurar saber do meu filho. Aí a minha avó com meu tio e minha tia tinham ido lá buscar o meu filho. Levaram meu filho. Eles falaram para minha mãe que se ela não quisesse dar eles iam chamar a polícia e dizer que ela tinha seqüestrado o menino, que ela poderia perder a carteirinha da OAB dela e a minha mãe acabou entregando o menino. Aí eu fui embora para a Praça da Sé não voltei mais. Fui para a cadeia, acabei indo para a cadeia. Um assalto que eu fiz, fiquei um mês. A minha mãe foi lá e me tirou, que é advogada, mas ela sempre falando para mim: "eu sei dele, ele está bem." Está bom, aquilo não me conformava, mas eu sabia que não estava com estranhos, ele estava com a minha família verdadeira. Então aquilo me aliviava um pouco e com aquela esperança: um dia eu saio dessa vida e pegou meu filho, consigo de novo o meu filho.
Voltando para o crime, eu já não tinha mais expectativa de vida, nada, o que eu tinha era meu filho. Nem com meu filho não consegui parar com as drogas, não consegui parar com essa vida, eu falei: agora não paro mais. Aí comecei a ir para boca do lixo que é a Cracolândia hoje, né? Ficava lá, comecei traficar, me envolvi com todo tipo de droga, com todo tipo de pessoa...
Sempre morando no hotel, na Luz.
Aí, fui presa de novo, no tráfico. Lá vai minha mãe me tirar de novo. Isso foi acumulando, aí saiu de novo. Vou eu de novo presa num assalto. Aí foi que eu fiquei. Não saí mais, a minha mãe falou assim: "eu não tiro mais." Porque quantas vezes eu saísse, que ela me tirasse, eu fazia tudo de novo, entendeu. Aí eu logo falei: liga para minha advogada: "não tem ninguém que você está dizendo que sua advogada nesse telefone." Aí eu falei: “agora vou para a cadeia de qualquer jeito.”
Fui para a delegacia, da delegacia fizeram o B.O. Fui para o 56o DP, tive as audiências com o juiz, é claro, neguei, não foi eu que fiz, aquela história. "Você vai aguardar a sentença no presídio." Só que eu já estava condenada pelo primeiro assalto e pelo tráfico de droga, então já estava dando uns seis, sete anos. Fiquei naquele 56o DP,
lá é uma cadeia pequena, é distrito policial, não tinha sol, não tinha nada. Como eu já estava condenada, eu falei: eu não vou ficar aqui. Aí as meninas: "Elaine, você já está condenada é melhor você não ficar aqui, vai para a penitenciária.” Aí mandava uma carta para o diretor do presídio lá: “quero minha transferência para a penitenciária, já sou condenada.” Aí: "Vamos fazer uma rebelião?" Vamos fazer uma rebelião, aí eu participei. Aí o delegado falou: "vai todo mundo para a penitenciária." Tá bom, vai todo mundo para a penitenciária. Quebramos tudo, botamos fogo, veio o delegado titular da cadeia dizer que a gente ia ser transferida – que é o “bonde” – que a gente ia de bonde, que a gente ia tudo para a penitenciária.
Na hora de arrumar os carros para nós irmos para a penitenciária, eles mandaram nós para o Dacar, que é o cadeião de Pinheiros. Horrível. Lá é o lugar onde o filho chora e a mãe não vê, horrível, e usando droga, continuava usando droga. Aí escrevia para minha mãe: eu estou precisando disso e aquilo... Mentira, é que eu estava devendo.
Quando você diz: horrível, o que é exatamente?
Elaine – Quando cheguei, lá não tinha água, não tinha luz, era tudo à vela. A comida vinha num “bandeco”, acho que meu cachorro não comia de tão ruim, azeda, estragada. Desses sistemas todos que eu passei, lá foi o pior.Não tem um médico, não tem um assistente social, um psicólogo, não tem um nada. Acho que foi desativado, eu não sei. Lá foi o pior lugar onde eu passei.
Chegou a minha condenação, o juiz juntou tudo e deu 18 anos. Aí eu falei: “eu não fico aqui, eles vão ter que me mandar para a penitenciária, aí eu não assinei.” O oficial de justiça veio trazer: “eu não vou assinar, não aceito essa condenação”. Ele: "assina, que é pior para você." Eu falei: “eu não vou assinar.” Não tinha um advogado para te instruir, porque normalmente nos presídios têm. Lá não tinha nenhum advogado para te destruir, eu falei: “eu não vou assinar”. E não assinei. Aí o juiz volta de novo e falou: "assina, que na hora que vier sua apelação você apela." Aí assinei e eu falei: “agora vou fazer uma para eu ir para penitenciária.”
Fui, chamei uma funcionária lá e falei: “olha, minha carteira tem 18 anos, eu preciso ir embora, não posso ficar aqui. Elas são todas machonas. "Fala você, você é cadeia mínima que têm aqui..." “Então aponta alguém aqui que tenha a cadeia maior do que a minha? Eu quero ir embora, vou falar com o diretor do presídio.” "Não tem diretor do presídio." Nós começamos a mandar carta para a Secretaria da Justiça, dizendo que tinha um monte de condenada e que não tinha condição de ficar lá. Aí o que eles fizeram? Cada dia saia um bonde para uma penitenciária - um bonde para a PFC, que é no Carandiru, para o Tatuapé, que é a Casa de Detenção do Tatuapé, e para Tremembé, que era interior. Eu queria ir para a penitenciária do Estado porque era perto, eu não queria ir para Tremembé nem para o Tatuapé. Porque dizem que na penitenciária do Tatuapé não tinha serviço, e eu com a cadeia muito alta, precisava trabalhar para caramba para diminuir a minha pena. Eu queria ir aonde tinha serviço. Cantou lá os bondes, a transferência para penitenciária. Carandiru, eu não fui; Tatuapé, eu não fui; fui lá para Tremembé, Aparecida do Norte. Mas para mim, tanto faz como tanto fez, não tinha visitas, não tinha ninguém... eu usava droga ainda lá. Aí fui para penitenciária do Tremembé. Lá não existe droga, a única droga que existe lá é o cigarro. Lá que eu parei com a droga, foi lá no Tremembé. Você fica 30 dias de estágio que era um quartinho, que é como um filme. Só tem aquelas frestinhas para você ver o rosto, onde passa comida, só que do lado tem uma janela que você pode ver o verde, um campo. Então você fica lá trinta dias sozinha. A funcionária vai, dá o café, dá um cigarro. Imagina quem fuma. Eu fumo e ficava desesperada. Vai dá um cigarro, depois passa a moça da biblioteca, quem quiser um livro para ler. Eu só vivia lendo para passar logo. Almoço, e aí pronto, não tinha mais nada para fazer, aí dormia. Aí, à tarde, a janta, também não tinha mais nada para fazer. E a noite, o café e último cigarro, só fumava dois cigarros.
O que você gostava de ler?
Elaine – O que eu mais li foi livro da Agatha Christie, era o que mais tinha. Como li o primeiro e eu gostei, toda vez eu falava: quero um da Agatha, então a funcionária que trazia sabia. Tinha um prazo, uma semana, e eu acabava em dois, três dias, que não fazia nada. Eu perguntei “por que a gente tinha que ficar lá?” Ela falou: " porque aqui ninguém te conhece, é a primeira vez que você vem, a gente te conhece pelo seu processo e seu processo não veio limpo. Você veio de rebelião, você vai ficar aqui durante 30 dias, é norma da casa" Eu falei: “eu não vou sair nem um dia para tomar sol? "Você não sai nem um dia para tomar sol. De vez em quando aparece um solzinho na janela? Você vai lá e fica em frente." Tá bom.
Aí fiquei os 30 dias numa boa, não arrumei confusão, minha cama tudo ali, ela só trazia a comida. Aí na sexta–feira trazia a roupa limpa e a gente mandava a suja, acho que eram três ou quatro trocas. Escutava aquele monte de gritaria, que dava para ouvir. Eu nunca tinha ido para uma penitenciária antes, para um sistema antes, e lá disse que era o pior sistema que tinha, só tinha mulher que estava cheia de cadeia, que arrumava confusão, que matava e eu fui logo parar naquela.
No dia de eu sair, que deu os trinta dias: "você tem rixa com alguém, treta com alguém, briga com alguém aí dentro?" Eu falei “não, que eu saiba não.” "Pode descer?" Eu falei: “posso”. Na hora que eu entro naquele pátio... Aquela cadeia estranha, tudo velho, esquisito, de coisa velha mesmo, parece casa mal–assombrada aquelas grades, que horrível. Aí passamos num corredorzão, embaixo tinha a biblioteca, sala de aula, lavanderia e encima tinha os alojamentos. “Você vai ficar aqui." Aí começou: aqui não pode isso, não pode aquilo, são as normas da penitenciária." Eu falei: “tá, e eu vou trabalhar? "Aqui não tem serviço." “Eu vim para trabalhar, eu não quero ficar aqui.” "Mas você nem chegou e já quer cantar de galo aqui?" “Eu não quero ficar aqui, eu preciso ir para um local onde tenha trabalho.” "Tem a lavanderia que a gente vai ver o que faz, está bom?" Eu falei: “está bom.”
Me levaram para o alojamento, graças a deus eu peguei uma cela com meninas muito legais, tudo cheia de cadeia mesmo, eu em vista delas era café com leite. Enquanto eu tinha 18, uma tinha 30, 40, tinha até 120 anos lá, o meu era café com leite. Aí fui pegando o jeito da penitenciária. As meninas explicaram, tem um horário para banho, horário para janta, horário para a televisão, horário para tudo. "Dia de visita você não sabe, você tem visita?” “Não." “Então você não sai, fica dentro da cela, só sai quem tem visita." “Tá bom, eu quero saber do trabalho, que tem trabalho?” Ela falou: "tem Funap, que é corte e costura, só que para você poder entrar na Funap, vai ter que ficar uns seis, sete anos aqui." Eu falei: “misericórdia, eu não quero ficar esse tempo todo aqui não.” Porque lá é assim, é um estágio. Eu cheguei, vamos dizer, um mês, aí eu vou passando para um lugar, por outro, por outro, aí a Funap faz um curso com as pessoas que estão há mais tempo dentro do presídio para poderem entrar na oficina que é onde ganha mais, porque tem oficial, meio oficial e aprendiz lá na Funap. Eu nem cheguei a ir para a Funap, graças a Deus. Eu falei: “e fora a Funap?” "Tem a lavanderia, tem a cozinha..." Cozinha eu não gostava, que eu ficava meia com receio, sumir faca, briga, água quente, ficava com receio, então falei uma coisa: “eu vou para lavanderia.” "Mas você não consegue, você chegou hoje já quer ir hoje?" “Eu vou tentar.”
Fui para a cela, na hora da janta tem que ir lá com aquele “bandeco”, como chama a bandeja. Para mim, era tudo novidade. Vai lá, serve: pelo menos a comida era boa. Fiquei lá e nada de eu conseguir um serviço. Tenho judiciário aqui, assistente social, psicólogo, tem tudo. Acabou surgindo um monte de comentário, falaram que tinha muita menina portadora do HIV, aí veio uma ordem do juiz do Tremembé, para fazer exame do HIV todo mundo. Eu nunca tinha feito. Pronto, lá vou eu morrer de medo. Chamou todo mundo lá no pátio e a diretora falou: "é obrigatório fazer exame de HIV, quem não fizer vai levar bonde." Eu estava gostando de lá porque tinha assistência judiciária, assistência social, tinha psicólogo, tinha psiquiatra... O que eu mais precisava era de um psiquiatra por causa da droga. Eu falei: “é aqui que vou ficar, é daqui que eu vou embora”.
Na hora de fazer o exame eu falei: “Deus do céu, não quero saber o resultado”. E era assim: quem tinha o médico chamava, quem não tinha ele não chamava. O médico me chama. Ai, meu Deus do céu, eu falei: pronto, sou portadora do HIV. Eu falei: “fala, pode falar eu já estou preparada.” Ele falou: "você veio da onde? " Eu falei: “vim da DACAR.” "Você fez o outro exame aqui?" Eu não, cheguei, desci, não fiz nenhum exame. Ele falou: "eu estou chamando porque você vai ter que fazer todos os exames." Eu falei: “eu quero saber do resultado do HIV que eu fiz.” Ele falou: "não, você não tem nada, é que você precisa fazer os exames" Eu falei: “não tenho nada, nossa, que alívio.”
Eu sei que eu peguei na caneta na hora, escrevi para minha mãe: “eu não tenho HIV.” Porque nem quando eu ganhei meu filho, meu filhinho, eles fizeram, não tinha ainda esta ordem de que eles tinham que fazer exame. Escrevi para minha mãe: eu não tenho HIV, fala para o meu pai, fala para todo mundo. Felicidade eu saia gritando, falando porque quem vive na rua a primeira coisa que espera é isso.
Tinha troca de cartas então, Elaine?
Elaine – Tinha, eu escrevia muito para minha mãe, muito. Ainda há um tempo atrás, acho que foi no Natal, ela pegou aquele monte de carta. Eu falei: as suas que a senhora me escreveu eu joguei tudo fora. Lá não tem como guardar, nem foto. Eu pedia a foto para ela só que pensava: não adianta mandar foto que vai sumir, então foto foi uma coisa que nunca tive lá dentro da cadeia da minha família.
E era bom esse momento de receber a carta?
Elaine – Todo mundo ficava assim: "senhora, e a carta?" A melhor coisa do preso é a carta e a visita. "Senhora, e a carta?” Hoje não tem.” Que elas pirraçavam a gente, sabe? "Hoje não tem carta." Ô senhora, vai lá na portaria ver se chegou a carta... A carta era a emoção do preso. Até hoje é. Na hora que fala que é a hora da carta, todo mundo fica ali na expectativa e chama por nome. Fica todo mundo tirando sarro da cara da outra, fora as correspondências que a gente acaba fazendo da presa com o preso da outra penitenciária, tem muito disso. Às vezes tem até que se casam. Eu fazia mais para passar o tempo, para receber desenho, que eu adorava receber desenho, eu tinha um correspondente, que era lá de Avaré.
Mas como é que você descobriu ele?
Elaine – Uma passava pra outra, quando tem o fórum fica aquela troca de bilhetinhos rapidinho. Acaba dando o número da matrícula, onde está o endereço e a gente acaba se correspondendo. Tanto que eu fui presa com mais quatro caras, não correspondia com eles porque eu já sabia tudo então não tinha graça, eu só correspondia quando era época de fórum, mas depois... Até hoje eu não sei cadê eles, perdemos completamente o contato.
Que desenhos você recebia?
Elaine – Ah, era um beija-flor, é uma mão escrita não sei o quê. O que mais tinha na cadeia era uma algema se soltando. Hoje não vejo graça nenhuma. Era um beija-flor, um coração, um passarinho, uma borboleta, essas coisas, nada a ver. Mas para nós era uma alegria. E, quando eles mandavam poesia. Ficava falando que era a poesia mais bonita.
Fiquei em Tremembé acho que um ano e pouco. Daí conversei com assistente social. Lá tinha todas essas assistências, qualquer coisa eu ia para o médico e aí eu pedi ajuda para a psicóloga porque eu era dependente de droga e queria parar. A falou: "quanto tempo você usa drogas?" Aí eu expliquei para ela que já fazia muitos anos, já usei todo tipo de droga, a única coisa que nunca tinha usado é o baque, nunca tinha tomado o pico na veia. Ela falou: "a última droga que você usou foi qual?" “Foi o crack.” Ela falou: "quando foi? " Ah, foi quando saí, última vez que eu usei foi quando saí do DACAR. Então: "você sente falta?" “Sinto falta.” "Nós vamos te ajudar." Então começou com o tratamento, com remédios. Passei com o psiquiatra, tomava Gardenal, Leptiu, mas tudo dose baixa, porque eu via coisas, eu via rato passando, eu via bicho voando, tudo porque estava fraca, não estava usando drogas, então veio esse revertério. Aí fui, fiz o tratamento direitinho e descobri que no manicônio era fácil de fugir. As meninas: "no manicônio é fácil de fugir." Eu pegava uma pedra, uma pedra colocava o copo assim e falava: “quer senhora?” Dando uma de louca para as funcionárias, para eu poder fugir. Aí ela foi e passou para o psiquiatra, o psiquiatra mandou para o manicônio.
Na hora que cheguei no manicômio o médico falou assim: "Ela não é louca, pode ir embora, ela não é louca, ela vai ficar se ficar aqui." Aí não consegui.
Aí fiquei lá um bom tempo em Tremembé. Consegui entrar na lavanderia: “quanto que eu vou ganhar por mês? "Três por mês." Quantas peças de roupa eu vou ter que passar? "A cadeia toda ." Eu ficava o dia inteiro, ganhava três reais por mês, por mês para passar roupa, o passava muita roupa para ganhar três reais. O que mais importa, o dinheiro ajuda, lógico que ajuda, ainda mais eu que não tinha família, não tinha ninguém, então o dinheiro ajudava, só que eu queria remissão porque minha pena era muito alta.
Por que você queria dinheiro dentro da cadeia?
Elaine – Para poder manter, absorvente, cigarro, xampu, condicionador, essas coisas que o ser humano precisa. Sabonete, escova de dente, pasta de dente, papel higiênico... tudo isso a gente precisa lá dentro também.
Compra onde?
Elaine – A gente trabalha, aí vem uma folha de sulfite, é tipo um hollerith.
Primeiro vem o valor que você trabalhou, o dia que você trabalhou e quando você recebeu, aí assina. Depois passa, acho que uma semana, vem uma folha de sulfite, lista de contas. Como a gente não pode sair, aí a funcionaria vai comprar. Tem tudo de higiene, inclusive tem toalha, tem sapato – lá em Tremembé – bolacha, toddy, esse tipo de coisa, enlatado, tudo enlatado. Aí então vem aquela lista ou você usa o seu dinheiro ou você deixa guardado, que lá fica guardado. Então eu precisava dessas coisas, não tinha visitas, tinha vontade comer uma bolacha não podia comprar porque não tinha dinheiro, ficar pedindo também na cadeia não é bom, não é bom em lugar nenhum. Então o que eu aprendi em Tremembé? Fazer crochê Vou aprender fazer crochê, que crochê dá dinheiro. Aprendi a
fazer umas toalhinhas pequenininhas, aí foi crescendo, crescendo... Comecei a fazer toalha de mesa e trocava às vezes por cigarro, às vezes eu fazia uma listinha, quem tinha visita: “você fala para sua família me trazer isso e a gente abate no crochê”. Eu vivi a minha vida na cadeia assim, porque ninguém sobrevive com três reais. Então aprendi: com os primeiros três reais que eu ganhei, eu comprei a linha para aprender e ganhei a agulha porque não dava, ou comprava a linha ou comprava agulha.
Aí aprendi a fazer crochê e vendia para as meninas lá dentro, elas mandavam para as famílias lá fora, elas davam cigarro, bolacha, esses tipo de coisa, calcinha porque às vezes não tinha. Porque um mês comprava uma coisa e outro mês comprava outra. Então pedia calcinha tudo de fora, esses tipos de coisa para me manter. Então foi assim: aprendi fazer crochê, e o dia inteiro fazendo crochê que nem uma louca. Fiquei esse tempo lá, acho que um ano, um ano e meio, aí conversei com o advogado porque lá tem. Aí conversei com advogado e foi bem claro para mim: "vai vir uma apelação para você, você apela porque a sua cadeia muito alta para sua idade, a sua pena é muito alta para sua idade." Eu tinha 19 anos, a cadeia 18 então, não tem lógica isso. Ele: "você apela e vamos aguardar." Aí veio de novo apelação, apelei, aí caiu para 14 anos. Aí ele sempre em contato: "você vai ter benefício tal ano..." Porque tem essa história de um quarto, um sexto da pena, entendeu, e eu como já era residente eu tinha que ter um quarto da minha pena. Aí foi para o semi-aberto, porque a minha cadeia inicial era semi-aberta. Só que o meu semi-aberto não podia sair, eu fiquei três anos sem sair porque tem a saidinha temporária, você fica cinco dias na rua e volta e trabalha fora. Eu fiquei cinco anos, três anos sem poder sair, fiquei lá como se estivesse no fechado. Aí comecei a traficar lá dentro, ganhava muito dinheiro...
Onde era?
Elaine – No Butantã, na Raposo Tavares. Aí eu comecei traficar lá porque tinha gente de fora que mandava droga para mim, mas não usava mais. Mas sempre assim: eu vou sair, eu vou arrebentar no tráfico. Sempre o meu pensamento era esse, em nenhum momento eu pensei: vou parar. Eu ganhava muito dinheiro com o tráfico, traficava muito lá e para mim estava tudo bom.
Qual é a diferença de ser semi-aberto?
Elaine – Porque lá tinha o semi-aberto e o fechado. O semi-aberto a pessoa sai para trabalhar e volta à noite. E a saída temporária é o quê? Dia das Mães, Dia dos Pais, Natal, Páscoa, então a gente fica cinco dias na rua e no Natal a gente fica 12, porque passa Natal e Ano Novo. Só que eu estava no semi-aberto, mas não tinha nenhuma dessas regalias, porque era inicialmente no semi-aberto. Para eles não me mandarem pro fechado, eles me mandaram para o semi-aberto só que não podia ter essas regalias.
Então era semi-aberto só de nome, então?
Elaine – Para mim era só de nome, mas as outras saíam normal, tanto que traziam as coisas para mim, começava alguma coisa, via alguma coisa nova na televisão e pedia para elas. Fiquei lá no semi-aberto esses três anos, trafiquei, ganhei muito dinheiro. Mas a diretora descobriu que eu estava traficando, me mandou para Tremembé de novo.
Lá não tinha opção de trabalho?
Elaine - No Butantã eu trabalhei três anos na Embramed, lá tem a Embramed, tem a Funap, tinha, não sei se tem ainda , eu falo tem porque é na minha época. Eu trabalhei na Embramed quando inaugurou. Eu ajudei a montar a Embramed. A Embramed é o quê? É uma firma que trabalha com produtos hospitalares. A gente embalava, colava, é Papa Nicolau, soro... a gente fazia lá. Então eu trabalhei três anos, do dia que a Embramed entrou até o dia que eu fui transferida.
Tem uma rotina de trabalho?
Elaine – Tem, é assim: das nove ao meio-dia, aí meio-dia sai para o almoço, volta uma hora e fica até as quatro. Não lembro o valor do salário, mas a gente tinha um "X" por produção, a gente trabalhava por produção. E então quanto mais a gente fazia, mas a gente ganhava, só que o que acontece? Se eu tinha que ganhar 100 reais eu não ganhava 100 reais porque tem os descontos da casa, da Funap, eles não pagam livre. Se eles tinham que me pagar 100 reais, eles me pagavam 30 por causa de todos esses descontos, tanto da casa quanto da Funap. Mas a gente precisava trabalhar, então aqueles 30 que vinham pra nós já era de grande. Qualquer penitenciária tem trabalho, tanto que em Tremembé acabaram colocando uma oficina da Orion que mexe com peças de carro, no Tatuapé tinha firma de pregador, aquela língua de sogra... Tinha um monte de firma, todas as penitenciárias têm serviço, só que o que acontece? Não é um serviço... Que nem, eu trabalhei três anos na Embramed, eu tinha experiência em todas as áreas ali, quando eu saí eu pedi: eu posso trabalhar na Embramed? "Não, a gente só trabalha com preso aqui dentro, lá fora já não é mais com a gente.” Então não é uma coisa que eu vou estar aprendendo pra mim, lá fora, porque eu só sei fazer só aquilo: embalar aquilo. Como que eu vou trabalhar em outro lugar se eu só sei trabalhar na Embramed. A Funap também não trabalha com ex-presidiário, que é o corte e costura, eles não trabalham , é uma coisa que não compensa. Compensa pra você ali dentro, e depois se você sai lá fora?
Você falou que com o tráfico ganhava mais dinheiro. O que você fazia com esse dinheiro?
Elaine – Comprava as coisas... Bebia... Esse dinheiro eu guardei, durante o tempo que eu fiquei no Butantã que eu não saía, eu fui guardando, fui guardando. Eu mandava para fora, a pessoa ia e depositava no meu nome.
Porque lá dentro não pode guardar dinheiro...
Elaine – Não pode ter dinheiro, o que eu fazia? Mandava pra fora e mandava uma pessoa depositar no meu nome. Então foi assim, eu fui aguardando. Aí eu voltei pra Tremembé com dinheiro, comprei um monte de barbante, um monte de linha pra fazer crochê porque eu voltei pra Tremembé, fiquei lá. Para mim não fazia diferença nenhuma porque eu não podia ter saidinha, então pra mim não era vantagem ficar no Butantã. Aí fui pra Tremembé, fiquei 30 dias de novo no estágio, desci, já conhecia todo mundo, os funcionários já me conheciam, normal. Fiquei lá tirando a minha cadeia, na rotina do presídio. Aí foi quando eu fui trabalhar na Orion, que essas peças já tinham entrado dentro do Tremembé, porque das penitenciárias que eu conheço, Tremembé é a que tem menos serviço, é o que ganha menos. Aí fui pra Orion, fiquei um tempo lá, já ia pro bordado da Funap, porque a Funap tem que passar pelo bordado, o meu nome já estava para ir para o bordado. Aí acho que fiquei uns seis meses lá, vou eu de novo pro semi-aberto, aí o semi-aberto, aí eu já fui com a saidinha temporária porque aí eu já podia ter saída.
Lá vou eu trabalhar no Hospital Central, que é hospital de portadores do HIV, e eu queria trabalhar lá por causa da minha irmã. Nisso a minha irmã foi presa, nós nos encontramos, ela foi pro PFC que é Penitenciária Feminina da Capital, eu fui pra Tremembé, perdemos contato. Voltei pro semi-aberto e fui trabalhar fora, pedi pra trabalhar no Hospital Central. Surgiu uma vaga no Hospital Central e era a minha vez, que lá é tudo por fila. Vou eu pro Hospital Central, vou ter que fazer de novo o exame do HIV, e aquele mesmo desespero. Como eu ia trabalhar com portadores, eles pediam exame. Aquele mesmo desespero: “será que eu estou com Aids” Aí sai o resultado: graças a Deus, nada. Aí comecei trabalhar no hospital fazendo faxina. Trabalhava bem no isolamento onde ficavam os doentes. Nossa, foi uma experiência e tanto, foi ali que eu peguei e falei assim: não, eu mereço coisa melhor para minha vida, acho que foi ali que eu acordei, de ver aquelas pessoas doentes, sozinhas, largadas, mal tratadas. Porque: “você vai morrer mesmo, deixa ali...” E eles sabendo que a gente era presa, a alegria de saber que a gente está ali. Eu vi muitas colegas minhas que eu conheci pequenininha quando eu fui pra Praça da Sé, morrer ali. Então, eu acordei para a vida, sabe quando você acorda? Daqui uns dias vou ser eu que vou estar assim. Comecei a trabalhar lá e trabalhava no isolamento onde ficavam os preso e as presas, vendo todo dia aquelas coisas, aquelas pessoas doentes, sozinhas, sabe... Fazia faxina, limpava tudo os quartos deles, deixava tudo cheirosinho e trabalhei lá um bom tempo.
Na primeira vez que eu saí do presídio depois de sete anos, eu foi pra trabalhar fora – eu liguei pra minha mãe... Minha mãe teve um ataque de choro Eu falei: “Eu tô indo trabalhar.” Ela falou: “onde?” Eu falei: “na rua.” “Onde que é que eu vou agora, me fala.” No Hospital Central. Aí dei o endereço pra ela. Depois foi ela, meu pai e minhas duas sobrinhas foram me esperar na porta. Aí eu falei: não posso, porque você não pode ter contato com a família, só que ela, a diretora, as funcionárias sabem que a gente tem contato com a família, porque não tem como, eu depois de sete anos, achar que eu não ia ligar
pra minha mãe e falar: “tô aqui, vem me ver?” Foi a primeira coisa que eu fiz.
Quando eu saí a tarde, estava a minha mãe, o meu pai lá esperando, eu falei: “ninguém pode me ver aqui com vocês.” “Por que não pode, eu sou sua mãe?” “Não é assim, não pode, é norma do presídio.” “Então vamos sair daqui, vamos sair daqui.” Me colocou no carro, aí fomos lá pra uma padaria tomar um lanche aí eu contei pra ela tudo... Aí mais uma vez, e meu filho?
Ela não tinha ido te visitar?
Elaine – Não, ela nunca foi. Até eu ficava meia assim, mas depois que eu saí, depois de muita conversa ela falou: “já pensou se eu tivesse te visitado? Se eu tivesse te tirado? Você ia estar na mesma.” Aí, conversei com ela, perguntei do meu filho, ela sempre falando que meu filho estava bem, tal... Aí tá bom, fiquei três anos no semi-aberto.
Qual foi sua sensação no primeiro dia de liberdade, assim, na cidade?
Elaine – Do semi-aberto? Para mim, era tudo novo, tinha mudado a moeda de cruzeiro para real, não foi? Acho que foi... Eu não conhecia o dinheiro, as meninas falaram... Vocês vão me enrolar, eu vou perguntar pro primeiro homem que eu ver na rua. Porque eu não conhecia o real ainda? Aí eu falava assim: “gente, quanto vale essa nota?” Tinha uma tabela, se não me engano tinha uma tabela e a gente lá tinha uma funcionária que ela falou assim: “Elaine, você vai sair, você não conhece, então eu vou te dar uma tabela...” E parece que tinha uma tabela...
De URV devia ser?
Elaine – Eu não me lembro, só sei que tinha uma tabela, eu falei: Nossa Senhora, agora é real. Aí peguei o ônibus, as meninas me levaram, porque eu não sabia: “Elaine, você lembra onde é aqui?” Eu só lembro do Carandiru, que a gente passa que ali no Carandiru. Eu falei: “nossa, eu nem acredito, eu vou encher a cara.” A primeira coisa que eu vou fazer vou encher a cara, mas não consegui porque a vontade era tanta de ver minha mãe, as minhas sobrinhas já grandes, eu falei: “vou ligar pra eles...”
Quando eu saí que vi aquela rua, falei: de manhãzinha, tudo noite ainda, que a gente saía cedo, eu falei que gostoso, outro ar, as meninas: “corre, Elaine, sai correndo pela avenida...” E a Raposo Tavares é uma avenida. Sai correndo pela avenida... Porque é assim: cada uma que sai é uma expectativa para a outra que já saiu porque elas sabem, elas já passaram por isso, sabem que a gente vai passar também, então cada uma que sai é uma novidade, elas fazem festa. As meninas falaram: “você sabe pegar ônibus, Elaine?” Eu falei: “eu sei.” Só que quando eu pegava ônibus, entrava pela porta de trás e descia pela porta da frente, agora não, entra pela porta da frente e desce pela de trás, tudo ao contrário Então tudo foi, um pouco foi novidade, porque teve essa mudança do ônibus, então teve a mudança das moedas, do real, então tudo pra mim foi novidade.
E o sentimento?
Elaine – Eu não conseguia parar, queria fazer tudo rápido, eu ligava pra minha mãe de meia em meia hora: tá vindo, tá vindo... Eu comecei ligar às nove: tá vindo, tá vindo...”Ela tinha que vir só às cinco e eu toda hora ligando: traz minha sobrinha, tem roupa minha aí traz roupa, porque a gente tem que usar uniforme – camiseta branca e causa jeans – horrível, todo mundo sabia que a gente era presa dentro do ônibus, então a gente chegava: “mais uma presa, uma nova agora. Porque eles conheciam que era camiseta branca e calça jeans. Então fui para aquele hospital e tudo pra mim era novidade. Na hora da saída, minha mãe foi lá.
No primeiro dia nem trabalhei porque eles falam tanto: “não pode isso, não pode aquilo, não pode isso, não pode aquilo, não pode nada.” Tá bom, nem trabalhei, foi só mais uma entrevista, aí à tarde minha mãe estava lá... Nossa senhora, minhas sobrinhas que eu deixei assim, ó, uma nem andava... Já mocinhas Aí pronto: foi choro para tudo quanto é lado e eu falava assim: quem é a Aline e quem é a Juliana? Hoje elas lembram ainda. – Quem é Aline, quem é a Juliana? Aí Ela: “eu sou a Aline.” “Eu sou a Juliana.” As duas: “Você vai embora pra casa agora?” Eu falei: “eu vou, mas vou ter que voltar.” “Ah, mas por que você não foge?” Elas falavam “Gente, eu não posso fugir.” Só que a minha intenção era fugir na saidinha, né? Fui pra casa da minha mãe, a minha mãe já tinha mudado de casa, entendeu: tá vendo, se a senhora não vem buscar eu não ia saber. A Teodoro Sampaio já estava super diferente porque sete anos mudou muito, as lojas, as pessoas. Mas com aquela vontade de ir para a Praça da Sé, só que eu não fui, resisti. Fiquei na casa da mãe, minha mãe fez uma comidinha, um cafezinho, tudo que eu estava precisando. Aí minha mãe falou assim: "e agora, eu tenho que deixar você lá?" Não, não pode, pelo amor de Deus, a senhora não me deixa lá, não. Eu só preciso saber como eu pego um ônibus que vai pra Raposo. Porque o primeiro dia que eu saí, ela falou: "seu pai vai te levar lá embaixo, no Largo da Batata, que lá tem a lotação." Eu falei: “tá bom, e como é que eu faço?” "Ah, você pergunta pro motorista, que aí eu já não sei." Aí desceu eu e meu pai, fiquei à tarde toda lá, eu tinha um horário pra entrar, o horário era as 8 horas, então a gente ia correr com o tempo. Aí peguei, entrei pra dentro da penitenciária.
Quando cheguei lá, revista... eu achava que tudo era festa, aí, revista... Aquela fila enorme, aquele monte de mulher cansada, bêbada, estressada, esperando a revista, porque você sai é revistada, você entra você é revistada. Tá bom. Vai lá, pega a senha e espera. Eu cheguei lá acho que era umas sete e meia, eu entrei pra dentro da cadeia eram 10 horas - cansada, cansadérrima, muito cansada. As meninas ficam tudo na expectativa que era a primeira vez que você sai e fica naquela: "a Elaine não volta mais, fulana não volta hoje..." Porque sempre a primeira a gente acha que não vai voltar. Aí, normal, saí no outro dia pra trabalhar, sempre falava com a minha mãe...
Acho que, no último ano lá no Hospital Central, eu conheço o meu marido, que é hoje o meu marido, o Eliseu. Eu não ia com a cara dele de jeito nenhum: esse cara é muito malandrão – eu pensava comigo – que ele também é interno, ex–interno. Aí: “eu não vou com a cara desse cara.”
Ele também não ia com a minha: "essa menina é muito metida" – ele falava para as meninas. Teve uma saidinha de final do ano. Juntou todo mundo do hospital, fizemos amigo secreto, começamos a conversar, conversa vai, conversa vem, foi vê: nós já estávamos namorando. Aí ficamos, ele sempre me levava, era assim, ele estava em Franco da Rocha, só que em Franco da Rocha tinha que ir mais cedo e eu não. Tinha que ir mais tarde porque era mais perto. Ele: “você vai ficar aqui?” “Você não quer que eu vá pra Franco da Rocha com você, né?” “Você vai que depois eu vou.” Eu não gostava dele, eu ficava mais por ficar. Não via a hora de ele ir embora, aí ele ia para Franco da Rocha, eu bebia, bebia, ficava lá com os meninos conhecidos nossos, com as meninas. Mas acabei gostando dele, as meninas com essas brincadeirinhas acabei gostando dele.
Aí teve a primeira saidinha, nós ficamos a primeira saidinha juntos, fui conhecer a família dele. Na segunda saidinha, ele foi conhecer a minha família, mas até então, nada sério – entendeu – eu só estava ficando... Fui lá, na saidinha, em vez de eu ir pra casa da minha mãe, eu ia pra casa da mãe dele. Eu sempre no semi-aberto, ele também, aí ele foi transferido para muito longe, Valparaíso. E eu sempre ligando pra ele, conversando com ele, eu falei: “quando você vier você se entrega, você se apresenta na penitenciária daqui, no semi-aberto daqui.” Aí foi o que ele fez, ele veio de saidinha, estava no hospital trabalhando, sempre trabalhei no hospital. Peguei e falei assim: “você vem, você saí daí e vem pro hospital que eu estou trabalhando no hospital.” Eu já conhecia todo mundo, dois anos lá no hospital. Eu falei: “o Eliseu vai vir pra cá, eu posso sair mais cedo?” "Não, não pode" Deixa eu sair mais cedo... Com jeitinho consegui sair mais cedo. Aí o Eliseu veio, aí no dia que ele foi voltar para se apresentar no Valparaíso, ele não se apresentou no Valparaíso, ele se apresentou no Belém, que é o semi-aberto do Belém, conseguiu entrar e ficou lá.
Aí acabou ficando sério - trabalhava com ele, ele trabalhava comigo, aí eu fui transferida pra FUNAP, eu pedi minha transferência pra FUNAP, lá eu comecei trabalhar também, sempre de faxina. Aí eu trabalhava na FUNAP, ele saia do serviço dele e ia na FUNAP me encontrar.
Você já tinha qual idéia na cabeça, Elaine?
Elaine – Nenhuma, nenhuma. Eu sabia que eu queria parar, só que não sabia como, eu tinha medo, tanto que sempre que eu e a minha mãe conversávamos, a gente lembrava, eu falava pra minha mãe: e quando eu sair, eu tenho medo de sair. Eu tinha medo de sair da cadeia porque eu não sabia o que ia ser de mim, porque eu não tinha uma profissão. Por mais que minha mãe me ajudasse não queria viver dependendo dela o resto da vida. Eu sei que eu queria parar, eu ia dar um rumo na minha vida só não sabia qual. Aí fui pra FUNAP, trabalhei na FUNAP, engravidei... E para falar pro pessoal da FUNAP que eu tinha engravidado? Porque a gente fica com medo, eu não podia engravidar no servido externo porque elas faziam a conta porque se tem a saidinha, ela vai saber que você engravidou na saidinha, mas eu não, engravidei no serviço externo. Aí pronto, agora elas vão me recolher, não vão deixar mais sair. Aí eu escondendo a barriga... Aí foi assim: teve o meu aniversário, as meninas fizeram uma festa lá na FUNAP, uma festa surpresa – que inclusive eu trouxe as fotos para vocês verem - as menina fizeram uma festa lá, surpresa, aí até então eu desconfiava que estava grávida.
“Ó Eliseu, eu acho que tô grávida.” Aí ele também não tem filho, o primeiro filho é o nosso. Aí ele ficou todo empolgado porque achava que não podia ter filho, não fazia filho, aí ficou todo empolgado. Eu falei: “eu acho, não é certeza.” Tá bom, teve a festa do meu aniversário que as meninas fizeram lá na FUNAP, aí ele veio trouxe o dinheiro e comprou aquele exame de farmácia. Nós dois lá no Shopping Light, sentados no Viaduto do Chá, ele falou: "vamos lá comprar o teste." Ele foi lá, comprou o teste e falou: "vai no banheiro pra ver se você está grávida. Aí fui lá. Tenho guardado até hoje: tem as duas marquinhas assim, se sair rosa é porque está, se não sair é porque não está. Aí eu falei: “agora você faz”. Ele pegou o potinho com o palitinho e ficou lá. Deu três minutos ele falou: "ah, você está grávida..." Foi aquela festa toda. Aí eu falei: “agora tem um problema, elas vão fazer a conta e vão saber que eu engravidei no serviço externo e não na saidinha. Elas vão me recolher.” "Não, porque não vai, que eu xingar, que eu vou bater, que eu vou..." Eu falei: “não adianta.” Aí tá bom e eu escondendo. Tinha que fazer o pré-natal, porque eu já conhecia o que era o pré-natal,
aí eu fui lá pra um funcionário da FUNAP - na maior cara de pau – eu falei: “Tô grávida.” "Mas Elaine, por que grávida, como?" “Engravidei, vai me recolher?” Porque tudo em nós é medo de recolher, ficar lá dentro. Ele falou: "não, agora vou ter que falar pra todo mundo..." Eu falei: “não, o senhor não vai ter que falar pra ninguém, o senhor vai ficar na maciota, não vai falar pra ninguém, eu só preciso de autorização pra fazer o pré-natal.” No outro dia, a FUNAP toda estava sabendo. Eu falei: “pronto, agora ou eu vou ser recolhida ou eles vão me aceitar grávida”, porque como eu trabalhava na faxina eles têm medo. Aí a diretora lá me chamou: "você está grávida?” Eu estou grávida. "De quantos meses?" Eu falei: “dois, eu só preciso de autorização” – eu não deixei nem ela falar – “eu só preciso de uma autorização pra fazer o pré-natal.” "A onde você vai fazer o pré-natal?" Eu falei: “aqui na 7 de setembro, que dá pra eu ir direitinho de manhãzinha fazer.” Ela falou, "Então tá bom, então eu vou te mudar de lugar, você não vai ficar mais nas salas porque nas salas você tem que pegar peso, então você fica no banheiro." No banheiro eu não fazia nada, “male-má” eu catava o lixo, porque as meninas faziam. Aí foi passando, meu marido acabou saindo, eu falei: pronto, agora vai embora, vai esquecer que tem uma mulher, que tem um filho, porque homem é assim, ainda mais preso, agora vai me dar um pé e eu vou me lascar sozinha. Imagina que ele foi embora Todo dia ele estava na porta da FUNAP, dava até raiva. Meu, o que você está fazendo aqui? Vai cuidar da sua vida. "Não, eu vim ver você, meu filho..." Aí, eu falei pra ele: então vamos começar a providênciar as coisas. Aí na FUNAP você ganhava o vale-refeição e o passe de ônibus. Aí o que meu fazia? Eu falei: “gente, agora eu preciso fazer o enxoval do meu filho, então nós vamos dividir a comida e eu vendo o meu vale-refeição.” Eu juntava a semana toda os vales, elas dividiam a comida comigo, eu guardava dinheiro pra comprar as coisas pro meu filho, fazer o enxoval do meu filho.
Eu lembro que no final do ano, no Natal, tivemos o amigo secreto, eu lembro que quem ganhou mais presente foi meu filho. Eles me autorizaram fazer pré-natal direitinho, fiz meu ultra-som, no dia do ultra-som. O primeiro ultra-som foi pago – eu estava desesperada pra saber o sexo – aí a médica falou assim: "você quer menina ou menino?" Eu falei: eu quero menino. Meu marido falou: "eu quero menina." Aí veio o Murilo. A médica falou assim pra ele: "ah, pai, é menino." Ele: “não tem problema não, serve também".
Aí aconteceu uma coisa: eu estava grávida de nove meses, o Eliseu
– que é meu marido – ele não podia entrar dentro do presídio porque ele é um ex-presidiário, aí ele deixava lá minha comida todo fim de semana, já não comia mais comida da cadeia. Quando eu completei nove meses, porque lá é assim: tem o Casmi em cima, a penitenciária, embaixo o Hospital das Mães, que a gente fala, depois que a mãe ganha nenê fica lá, então você tem que pedir uma vaga antes. Então quando eu fiz sete meses, eu falei com a diretora do presido, lá do Butantã, eu falei: “a senhora precisa conseguir uma vaga pra mim porque eu já tô pra ganhar nenê e quero deixar a minha vaga reservada.” "Não, a gente vai conseguir." Tanto que ela conseguiu, depois de duas semanas, ela conseguiu minha vaga. Eu segui trabalhando normal, trabalhei até os nove meses.
No dia que eu ganhei meu filho estava um trânsito na Rebouças e eu tinha que chegar oito horas, eu desci ali no Hospital das Clínicas, fui a pé até o Largo da Batata, de nove meses, eu ganhei nenê esse dia. Aí tinha um funcionário dentro do ônibus que falou: "Elaine, sobe que eu aviso que está trânsito." Eu disse: não, não, porque eu queria ganhar o Murilo na rua, não queria ganhar lá dentro. "Não Elaine, sobe, sobe." Eu falei: “eu vou andando, fui andando e cheguei, peguei a lotação e cheguei em casa”. Aí cheguei na portaria a funcionária, eu falei assim: “senhor, eu posso passar na frente” – com o barrigão – ele falou “pode”. Aí passo na sala de revista: "Abaixa três vezes." Eu falei: eu não vou abaixar.” "Abaixa três vezes." “Eu não vou abaixar, eu tô grávida de nove meses, eu não vou abaixar.” Aí ela deu um berro e eu dei outro berro: “eu não vou abaixar, não vou abaixar”. E gritei que não ia abaixar Aí a funcionária bateu na porta e falou: "o que está acontecendo aí?" Eu falei: “essa louca quer que eu abaixe, eu to grávida de 9 meses, eu não vou abaixar, eu não vou abaixar.” “chama a diretora porque eu não vou abaixar, eu vou atrapalhar a revista todinha, mas eu não vou abaixar.” Aí o funcionário falou: "poxa, ela está de nove meses, vai que ela abaixa e o nenê nasce, isso e aquilo..." "É norma da casa." Eu falei: “eu não vou abaixar. A senhora está louca?” – eu falei pra ela – “A senhora está louca? A senhora acha que eu vou enfiar alguma coisa dentro de mim com uma criança de nove meses dentro da minha barriga?” A senhora é louca – aí eu comecei a xingar porque a gente se altera – eu chamei ela até de santa. Aí vem a diretora e fala assim: "o que está acontecendo?" Eu falei: “eu não vou abaixar.” "Por que você não vai abaixar?" “Porque eu estou grávida de 9 meses e eu não vou abaixar.” Aí foi que elas se reuniram lá fora, lá, e deixaram eu passar.
Subi, tomei banho, me deu a dor do parto e fui para o hospital ganhar neném. Na hora que eu estava passando – eu sou debochada – eu falei: “tá vendo se eu tivesse abaixado? Eu queria que o meu filho nascesse aqui, ó, porque a senhora ia ver o que eu ia fazer com a senhora.” A mesma guarda que estava na portaria estava lá na hora que eu fui ganhar nenê Aí não tinha viatura para me levar. Pegaram a perua velha, tinha que empurrar pra pegar, eu falei: “ah, meu Deus do céu, o meu filho vai nascer aqui.” Mas só que eu sabia que o meu parto era cesárea porque eu fiz o pré-natal e elas não sabiam que eu tinha feito o pré-natal, porque eu fiz escondido na rua. Aí: "você fez pré-natal?" Eu falei: “não, o sistema não dá direito da gente fazer pré-natal, como que eu fiz?” Já com o envelope debaixo do braço dos exames, todos que eu fiz. Foi a primeira coisa que as meninas pegaram o envelope com o meu pré-natal. Aí eu falei: “não, o sistema não dá pré-natal para nós, aí eu não fiz.” Me levaram lá pro Regional, aí eu falei “eu quero ganhar nenê nas Clínicas ou na Santa Casa. Aí: "aqui você não escolhe nada, Elaine, você vai pro Regional, Regional de Osasco." Eu falei: “eu não quero ir pra lá. Eu não quero ir pra lá, porque eu não quero ir pra lá...”
Eu achava que ia ganhar nenê quando eu estava lá na FUNAP trabalhando e a bolsa do meu filho estava lá, tudo arrumadinho, tanto que eu falei pra FUNAP: “quando eu for ganhar nenê minhas coisas estão aqui. Aí vou eu dentro daquela perua velha mesmo, demorando duas horas pra chegar naquele Regional. Aí chega lá: "de onde que é?" Daí: “do presídio.” "Ah, outra do presídio?" Porque eles são assim. "Outra do presídio, não tem outro hospital pra mandar ela?" Eu falei: “bem que eu queria ir para as Clínicas, pra Santa Casa, só que quiseram trazer pra cá, então vocês vão ser obrigados a me aceitar.” "Quantos anos você tem?" Eu falei: “28”. "Qual é seu crime?" Eu falei: “não interessa, eu tô aqui pra ganhar nenê e não pra falar do que eu fiz.” "É porque a gente tem que ver a escolta que vai ficar com você." Eu falei: “quem vai ficar comigo é a pessoa da penitenciária.” Ai a funcionária falou: "Elaine, fica quieta." Eu falei: “eu preciso ganhar nenêm, está doendo...” Aí vai o médico, grosso, grosso, "Mais uma presa, quantos partos... essas presas estão fazendo muitos filhos na penitenciária. Essa penitenciária está boa que só sai filho da penitenciária." Eu falei: “Nossa Senhora, meu Deus, guarda esse homem que faça um parto, decente.”
Aí só eu na sala de parto. Aí entra a funcionária, eu falei: “senhora, pelo amor de Deus, não sai de perto daqui, na hora que meu filho nascer a senhora segura o meu filho.” "Elaine, ninguém vai pegar o seu filho." Não, a senhora pega o meu filho. A senhora olha bem pra ele, a senhora vê se eles colocam a pulseira na hora. Porque eu ficava com medo, presa... Já fica a assistente social na porta: "você vai querer dar seu filho?" Ficam sabendo que a gente é presa... Aí fui para a sala de parto, nasce o meu filho, o Murilinho, a coisa mais linda. Aí, o médico falou: "que ‘rapazão’, você sabia que era menino?" Eu falei: “já sabia.”
Aí eu ganhei meu filho e falei: “pelo amor de Deus, não tira o meu filho de mim.” "Não, a gente só vai levar ele pra limpar." Eu falei: “limpa aqui...” Desespero que me dava. Ele falou: "não, a gente não pode limpara aqui." Então eu falei: “então a funcionária vai junto.” "Ela pode ir junto.” Eles viram o meu desespero, né? "Ela vai junto, vai junto. Aí eles foram comigo, aí aqueles "bruta cavalo", me costurando: "tá doendo, mãe?" Eu falei: “não” "Tá doendo, mãe?" “Não.” Só isso que eles perguntavam, não perguntavam se eu estava passando bem ou se estava passando mal, só se estava doendo.
Levaram meu filho, limparam meu filho, aí coisa de segundos já e o Murilo já estava do meu lado. Eles enfaixaram meu peito. Eu falei: “pronto, tem algum problema.” "Mãe, você vai ter que fazer o exame de HIV." Eu falei: “mais um.” Já vai de novo pro pânico, apesar de que só tive relação com o meu marido, só que eu conheci ele assim, nunca falei: “você tem um exame de HIV aí pra me mostrar?” Nunca. Aí lá vai fazer exame. Tamparam meu peito pra eu não amamentar ele, o meu filho. É coisa rápida, chegou de manhã lá, o médico foi, soltou a faixa do meu peito e falou: "pode amamentar, mãe, você não tem nada." Meu Deus do céu Vou amamentar meu filho.
Nisso eu já tinha mandado as meninas avisarem meu marido que eu tinha ido ganhar neném. Meu marido chega lá cedinho. "Eu quero ver minha mulher..."Passou na FUNAP, pegou as minhas coisas e as coisas do meu filho pra levar lá. Tinha uma funcionária lá no hospital que não deixou ele entrar pra levar as coisas, não pegou as coisas do meu filho, a única coisa que ela pegou meu foi uma calcinha e um absorvente. Eu falei assim: “senhora, deixa ele ver o menino, por favor?” Ela falou: "não" Ela era muito ruim. "Não e eu vou te algemar." Algemou meus pés e minha mão e eu fiquei com essa aqui com o meu filho. Eu falei: “senhora, eu sou do semi-aberto, não tem necessidade da senhora fazer isso.” Ela falou: "mas o pai pode vir seqüestrar o menino." Eu falei: “a senhora não pensa? Como o meu marido vai entrar aqui para seqüestrar o próprio filho? Se eu quiser liberar ele agora pro pai dele vocês têm obrigação de liberar, é lei.” Ela falou: "não, vou te algemar." E algemou aqui, o braço aqui e as pernas. Eu falei: “a senhora me paga, eu vou voltar pro sistema, vou falar pra diretora.”
Foi lá, eu falei: “senhora, leva pelo menos o menino pra ele ver, assim, de pé” Porque o meu marido nunca tinha sido pai. Eu conheço ele, eu sabia que ele ia invadir o hospital, ia ser pior pra mim, que elas iam me dar bonde na hora. Ela falou: "ta bom, tá bom..." Muito grossa aquela funcionária. Pegou o menino lá, eu falei: “enrola ele, por favor?” O meu marido disse que ela fez... Mandaram ele colocar capa, toca, sapato pra mostrar pelo espelho... A funcionária fez assim e já levou o menino embora. Ele falou: “eu nem vi se o meu filho era branco ou preto, de tão rápido que tirou.”
Veio com meu filho, trouxe só um pacote de absorvente e uma calcinha. Eu falei: “e a roupa do meu filho? E minha roupa? Assim não dá pra eu passar os cinco dias que eu vou ficar aqui, não”. Ela falou: "se você quiser é assim." Tá bom, aí fiquei lá naquele hospital com a cesárea, aí estourou meus pontos da cesárea, fiquei tão nervosa que estourou os pontos. Aí vai eu de novo fazer cirurgia, aí faz outra cesárea, costura de novo e eu já com minha vaga no Casmi aí eu falei: daqui cinco dias eu vou embora pro Casmi eu sei que lá... Aí deu cinco dias e nada de eu ir pro Casmi aí eu falei: “a minha vaga já está lá, avisa pra diretora que eu já ganhei nenê.” "Mandaram uma presa errada..." Porque uma outra colega minha – que a gente se fala até hoje, ela ainda ta lá dentro – ela foi no meu lugar, na minha vaga. Aí eu falei: “então faça o favor de arrumar outra pra mim, que eu não passo mais uma noite aqui.” Aí conseguiram arrumar uma vaga pra mim e vou eu e o Murilo lá pra dentro do presídio...
Puxa, levar o meu filho pra dentro do presídio... chegou lá, mais uma revista. Eu falei: eu não consigo abaixar, porque a minha cesárea eles fizeram assim, assim, eles avacalharam comigo, eles fizeram a minha cesárea em pé. Eu falei: “eu não posso abaixar, eu não vou agachar, eu saí do hospital, que ignorância é essa gente? Funcionária 24 horas comigo vai querer me revistar?” Chama a diretora, meu negócio era falar com a diretora. A diretora vem e eu falei: “olha aqui, olha o rasgo que está na minha barriga, eu não vou abaixar.” "Não, gente, olha o estado dela, não sei o que tem..." Subi, aí me colocaram num quarto, vem regras pra cá, não pode fumar, não pode isso, não pode aquilo, não pode nada. Aí eu falei: “eu posso receber visita?” "Só daqui quinze dias." Eu falei: “o que é isso, senhora, meu filho não tem uma roupa pra por.” "A gente dá aqui." Eu falei: “eu não quero a roupa que vocês dão, não é nem lavada direito.” Aí ela falou assim: "não é a gente que dá, as meninas é que dão." “O hospital não tem nem roupa pra dar? E fralda, vocês têm pra dar? "A gente recebe uma doação de vez em quando.” Eu falei: “então meu marido vai ter que entrar e trazer as coisas pra mim, sim.”
A visita lá era de quarta-feira. Eu saí do hospital na segunda-feira, na quarta-feira o meu marido foi lá, levou as coisas do meu filho, fez isso pra poder entrar, porque ele não podia entrar, ele falou: "as coisas dela vão ter que entrar, eu não entro, mas as coisas dela vão ter que entrar e do meu filho também vão ter que entrar porque ele não tem nada”. Realmente, o meu filho estava usando a roupa dos nenês de lá. Aí foi que entrou tudo aí fiquei lá...
O seu filho ficou com você até quando?
Elaine – Até os quatro meses, foi assim: eu já tinha um benefício pra sair de condicional, eu estava só esperando a resposta do juiz. Tive a primeira saidinha com meu filho na Páscoa. Nossa, foi uma alegria, a minha sogra chorava... Eu não sei porque ela chorava, se era de tristeza ou de alegria porque ela chorava, e chorava... "Deixa ele aqui." Ela pedia pra eu deixar ele lá, pra que eu voltasse sozinha pro menino não ficar lá preso comigo. Aí fui na casa da minha mãe, só que aí minha vida já não era tanto com a minha mãe, era agora do lado do meu marido, fui lá, levei o menino pra minha mãe ver, meu pai, as meninas ficaram super encantadas com o meu filho... Deixa ele aqui, vem morar aqui... Sempre tinha a saidinha, a minha última saidinha foi no Dia das Mães, a última saidinha que eu tive com meu filho. Vou eu sair – em pleno Dia das Mães – sair com meu filho nos braços, fui pra casa da minha mãe, depois fui pra casa da minha sogra e a minha sogra falou assim: "Elaine, deixa o Murilo aqui que a gente cuida dele." Eu falei: “não, o Murilo vai embora comigo, ele vai voltar pro presídio comigo e ele vai sair comigo. Porque é assim , lá tem um período de quatro meses pra você ficar com a criança e depois as famílias têm que vir buscar. Se a família não busca a criança tem que ir para a instituição. Eu não conheço uma presa que falou: "eu reencontrei meu filho."
O Eliseu – ainda bem que ela já estava solto, estava em liberdade – mas se ele estivesse preso ele não ia poder ficar com menino. Minha mãe não ia poder ficar porque não é meu sangue, minha sogra porque é de idade, a única pessoa que ia poder ficar com o meu filho era meu cunhado. Tanto que eu falei pro Eliseu: se você tivesse preso quem ia registrar o Murilo ia ser seu irmão, entendeu, porque meu filho não ia pra instituição, com a família grande que ele tem.
Voltei da saidinha, sabendo que era a última, que a próxima eu ia sair sem ele porque ele já ia estar na rua. Fui falar com o advogado – isso lá no Butantã – porque é assim: tem o Casmi só que eu era presa do Butantã. Mandei uma carta pro advogado do Butantã, eu falei: eu quero falar com o senhor porque eu preciso saber do meu benefício. E nada dele me chamar. Ele me chamou numa sexta-feira, no dia 27 de junho. Eu falei: “doutor, eu quero saber da minha condicional”. "Olha, Elaine, foi até bom você vir aqui porque a sua condicional foi negada, o juiz negou." Ele falou: "você está aonde, você está no Casmi". Ele falou: "então, manda o seu filho embora, que quando você subir, a gente monta outro benefício." Mas já estava tudo combinado, eu e meu marido, tanto que eles pediram o meu documento para registrar meu filho e eu falei pro meu marido, falei pro Eliseu: não traga porque se o Murilo for primeiro que eu, eu vou fugir, então você guarda meu documento, tanto que já estava tudo arrumado pra eu ir pra Minas, Aí ele falou: "tá bom." Tanto que ele não levou meu documento para registrar, foi com a xerox que tinha dentro do presídio. Nesse dia, uma sexta-feira o advogado falou: "seu benefício foi negado." Eu falei tá bom. Já estava tudo certo que eu ia fugir. Saí chorando lá da sala do advogado, queria telefonar porque lá tem telefone, a diretora não deixou, aí comecei xingar a diretora, aí desci e chorei, mas eu chorava, chorava, pegava o Murilo e chorava, chorava com o meu filho no braço: “meu Deus, eu vou embora com o meu filho.”
Antes disso eu já tinha escrito uma carta para minha sogra e para minha cunhada, para quando o Eliseu, meu marido, fosse buscar o menino que elas fossem junto. Porque o meu marido nunca teve filho, não sabia cuidar, eu tinha medo. Já estava tudo certo pra eles vir buscar. Quando foi na sexta-feira, à noite chegou a minha condicional. Aí eu vi as meninas falando: "Elaine, Elaine..." Eu apareci na janela porque a gente se comunicava pela janela, as meninas do semi-aberto... “O quê? Fala” Aís meninas falaram assim: "E o Murilinho, tá bem?" Eu falei: “Tá.” "Elaine, eu tô te chamando pra dizer que eu te amo muito e o Murilinho também?” E eu sem entender nada. Elas já sabiam que a minha condicional tinha chegado. Três anos lá, eu conhecia a cadeia toda. Não entendi nada. De manhã, dei banho no Murilo, tomei café, almocei, tinha um culto duma igreja lá, eu não me lembro, sei que era evangélica, estava lá no pátio aí me chamou: "Elaine Cristina da Silva." Sou eu. "Tá te chamando lá em cima." Eu pedi pra minha colega: “olha o Murilo aqui.” Aí, na hora que eu subo tá aquele monte de mulher, na janela, no pátio: "Elaine, eu te amo, Elaine, dá um beijo no Murilo, Elaine, não sei o quê..." Eu falei: gente, o que está acontecendo? Chegou a chefona lá do plantão: "seu benefício foi negado." Eu já sei. Meu benefício tinha sido negado. Eu falei: “eu já sei.” "Então vai lá dentro assinar." Na hora que eu assino, tá lá o papel: "eu..." Juiz, "defiro o livramento condicional de..." Nossa Senhora, o juiz tinha me dado liberdade, com meu filho” Comecei abraçar as funcionárias, elas sem saber de nada. Abracei um monte de funcionária: “gente, eu vou embora com o meu filho...”
A única coisa que eu falava era isso: “eu vou embora com o meu filho, eu vou embora com o meu filho, eu vou embora com o meu filho”. Eu não acreditava que eu ia embora com meu filho, com o meu filho, que eu já tinha perdido um, não queria perder o outro. A maior felicidade do mundo pra mim acho que foi esse dia que a diretora falou: "Elaine, você vai embora, você vai embora." E eu ir embora com o meu filho foi uma alegria, a cadeia toda fez festa, a gente é mulher a gente sabe, muitas delas sabem como que é perder um filho. Aí eu falei: “Nossa Senhora, eu não acredito. Eu vou ligar pra minha mãe” "Não, você assina aqui. Eu tinha deixado um dinheiro no pecúlio...”
Só que teve uma hora que caiu a ficha: “meu Deus, e agora, o que eu vou fazer da minha vida porque eu vou sair com uma mão na frente outra atrás e com um filho no braço”, não sei o que vou fazer... Liguei pra minha mãe, assinei tudo lá, papel, peguei meu dinheiro – até então não tinha descido pra pegar meu filho – eu liguei pra minha mãe e falei assim: “Maria do Carmo...” Ela falou: "o que foi, Elaine?" Chorando num desespero... Falei: "eu tô indo embora." Meu pai falou que ela soltou o telefone, que ninguém acreditava. Nem eu acreditava que ia embora um dia, porque 10 anos. Ela ficou muda, aí meu pai pegou o telefone: “o que aconteceu, Elaine, está tudo bem com você, com o Murilo? Tô indo embora...” Meu pai mudo também. Meu pai tem problema de coração... “Aí, meu Deus, matei meu pai” Minhas sobrinhas pegaram: "o que foi, tia, o que foi tia?” Eu falei: “a tia está indo embora” Aí começaram a chorar. Eu só ouvi a minha mãe falando assim: "manda ela pegar um táxi." Ela não tinha condições de dirigir, né?
Na hora que eu desci, quando eu peguei meu filho, gente do céu, como eu fiquei feliz com aquele menino no braço. Eu falava assim – parecia que ele entendia – Murilo, a mamãe vai embora, a mamãe vai embora e ele sorria assim pra mim, sabe, quatro meses, ele sorria assim pra mim. E as meninas gritando, rodeando, o pessoal da igreja agradecendo a Deus do jeito deles. Lá é assim, cada mãe que sai com seu filho a emoção é maior, porque é difícil uma mãe, em pleno dia, na semana, porque meu filhinho, eu fui embora no dia 28, o meu filhinho ia embora no dia 9, então tinha uma semana pra ele ir embora e ficar longe de mim. E eu fui embora com ele.
Arrumei minhas coisas tudo correndo e lá não tem táxi. “O que eu vou fazer agora para ir embora que não tem táxi?” Eu falei: “diretora, eu preciso de alguém pra me levar no Carrefour pra poder pegar um táxi.” "Tem um funcionário aqui..." Aí já pôs todas as minhas coisas no carro, as meninas todas chorando e a maior gritaria... é um prédio, mesmo, então dá pra ver do lado de fora... As mulheres gritando: "Murilo eu te amo." E o Murilo ficava assim, olhando que não entendia nada e eu chorando. Cheguei na casa da minha mãe, minha mãe lá na sala chorando. Eu falei: “ah gente, é pra vocês estarem rindo". Só que a emoção é tão grande, porque eu achava que eu nunca ia sair dali, que o meu filho ia sair e ele ia ficar com o pai dele, e eu nunca ia ver o meu filho crescer. Aí saí e pra ligar para o pai do meu filho? Ele estava trabalhando. Ligava: "ah, ele não chegou ainda." Eu ligava pra casa da minha cunhada, Maria, ela falou assim: "aconteceu alguma coisa?" Falando pra minha mãe. "A senhora está ligando tantas vezes aqui atrás do Eliseu, a Elaine tá bem, o nenê tá bem?" Minha mãe: "tá, tá tudo bem."
O meu marido só chegava à noite porque ele saiu do presídio e conseguiu um serviço. Ele começou trabalhar na Santa Ifigênia como camelô e também não queria mais voltar pro crime. Então, a iniciativa acabou partindo mais dele porque ele saiu primeiro, entendeu, então ele não voltou pro crime, então por que eu iria ter que voltar. Aí minha mãe liga: "chegou?" "Não" "Chegou?" "Não." Aí, tudo bem, ele chegou, começou montar o berço do meu filho, porque ele ganhou o berço. Aí começou montar o berço, aí minha mãe ligou. "Eliseu, onde você tava?" "Eu tava trabalhando, dona Maria." Aí minha mãe falou assim: "o que você tava fazendo?" "Eu tava montando o berço, que o Murilo tá vindo, se Deus quiser a Elaine vem com ele..." "Ah, falando de Elaine, sabe o que a Elaine fez?" Minha mãe falando pra ele. "A Elaine fugiu e deixou o Murilo lá.” Minha mãe... (risos)
"Eu vou matar aquela desgraçada, a senhora tá mentindo pra mim..." Ele falando no telefone. "Não. Eliseu, deixa a Elaine prá lá, você vai lá, busca o seu filho e tem uma moça aqui querendo falar com você. Ela gostou de você desde aquela vez que você veio aqui em casa." "Não, eu não quero saber..." Ele falou um monte de palavrão. "Mas ela vai falar". Eu falei: “oi” Ele falou: "Elaine?" Eu falei: “que Elaine...” "É Elaine?" Eu falei: "é eu mesmo” e comecei chorar, não consegui mentir. Aí ele falou: "não acredito, cadê o meu filho?" Seu filho tá aqui comigo. Aí ele falou: "eu vou aí agora." Não, tá muito tarde, você vem me buscar amanhã.
De manhãzinha, no outro dia, ele estava lá, mas ele chorava, quando viu o menino. Eu acho que ele chorava mais por causa do menino do que de mim, mas chorava, chorava... Aí eu falei pra minha mãe: “e agora? O que eu vou fazer?” Foi nessa noite que eu conversei com a minha mãe. Ela falou: "Ó, Elaine, ta você aqui, você ficou 10 anos presa, agora você saiu com seu filho, agora é bola pra frente. Agora você não tem que pensar em você, você tem que pensar no seu filho, entendeu, tem você e o Eliseu pra pensar no Murilo." Aí ela falou: "tenho uns contatos aqui, eu vou ver se alguém está precisando de alguém pra trabalhar, a gente conversa..."
Tem uma pessoa também que, nossa, eu não posso de deixar de falar nunca dele, que é o senhor Ademir, que foi o primeiro a me empregar depois que eu saí do presídio. Minha mãe conhecia ele, é advogado também. Ele tinha uma papelaria na Consolação. A minha mãe foi, convidou ele pra ir em casa, aquela coisa toda, me apresentou, eu conheci ele, ele conheceu o Murilo. Até então eu não tinha ido morar com o meu marido. Ele falou: "você arruma uma creche pro seu filho, alguém pra cuidar dele e você vem trabalhar comigo. Eu vou te dar o tempo todo, o tempo que você precisar pra você resolver essa situação com o seu filho e você já pode se considerar contratada por mim." Eu falei: “tá bom”.
Aí fui correr atrás de creche, para eu conseguir uma creche eu tive que usar: “olha, eu sou uma ex-presidiária, eu preciso trabalhar, se eu não trabalhar eu volto, eu preciso de um lugar pra deixar meu filho.” Aí foi com uma diretora de uma creche de Pinheiros, aceitou, arrumou uma vaga pro meu filho e meu filho ficou e fui trabalhar... Não sabia nada, porque era papelaria, então era mexer com venda, vender as coisas da papelaria, além disso ele tinha uma escola de computação. Ele falou: "Você vai trabalhar aqui embaixo, eu vou te dar um curso de informática..." Eu não sabia nem o que era computador, para mim era uma novidade, só quem tinha era rico, via lá na FUNAP, mas não sabia o quer era, como mexia.
Comecei a trabalhar com ele, gostei, aprendi muito. Aprendi a falar, a me comportar, a vender, a aceitar que eu era capaz de muita coisa. Eu fui lá eu era um bichinho do mato – e ele era professor – sempre me corrigia quando eu falava errado, ele foi uma pessoa muito especial na minha vida. Eu trabalhei lá um ano e nove meses, com carteira registrada, bonitinho, tive meu primeiro salário, minhas primeira férias, foi tudo ali. E ele também sempre muito preocupado com o meu filho.
Aí eu mudei, fui morar com o meu esposo e o Murilo acabou ficando com minha sogra, minha cunhada cuidou, minha cunhada Rosemeire cuidou, a minha sogra cuidou... O Murilo passou na mão de todo mundo daquela família, da parte do meu marido. Aí eu fiquei lá um ano e nove meses e resolvi sair, porque o que eu queria? Eu aprendi muito com ele, então eu queria aprender mais. Agora eu sei que eu sou capaz disso e muito mais, então eu vou crescer.
Eu fui na Funap – “Fundação de Amparo ao Preso” – fui lá Aí eu falei: eu vim atrás de serviço.
"E aí Elaine, tal, e o Murilo?" “Tudo bem, eu preciso de serviço.” "Ah, a gente não está mais trabalhando com egresso. Eu falei: “eu vou ficar como?” Aí ela falou: "deixa seu telefone que se aparecer alguém eu vou ver, no meu particular, não da FUNAP, se eu conhecer alguém que precisa de alguém eu vou te indicar.” Eu falei:” tá bom”.
Nisso, o Projeto Arte que Liberta está ligando, precisando de uma pessoa para cobrir as férias do Charles, que é um funcionário de lá, e eu estou lá justo naquela hora. Eu tô indo embora e a funcionária da FUNAP desce: “Elaine, Elaine, eu arrumei uma coisa pra você." Aí subi lá, conversei com a moça que tratava do contato com o Arte que Liberta, ela falou: "então você vem aqui amanhã." Fui lá, conversei com ela – só que até então eu não tinha conhecido nem Chico Maia, nem Maitê: "não, por mim você já está empregada..." Mas quem emprega são os dois". Eu não vou muito na conversa dela não porque vai que ele não me pega.
No outro dia, marcaram comigo, com a Maitê e com o Chico, para eu ir lá conversar com eles. Mas foi amor à primeira vista. Maitê, uma baiana que é assim, cativa qualquer um. Fizeram entrevista comigo, e o Chico sempre muito durão. "Você sabe fazer o quê?" “Eu trabalhei com vendas numa papelaria – eu falando pra ele – “tenho um curso básico de informática”. A Maitê já não, já mais... Aí ele falou assim: "você pode começar amanhã?” Eu falei: “O quê?” "Amanhã?" Eu falei: “posso”. Eu falei: “mas eu não conheço nada disso”. Eu não conhecia nada do produto, como era feito, eu só sabia o que era feito. Ele falou: “Não, você vem amanhã que a gente começa explicar."
No outro dia eu fui, ele falou que era tudo desenvolvido dentro da penitenciária, que eles eram de Salvador, mas que eles não estavam em nenhuma penitenciária aqui em São Paulo... E aí eles queriam saber um pouco da minha história, então eu resumi o que eu contei aqui, perguntaram onde eu morava, aquelas coisas todas...
Quando foi isso, Elaine?
Elaine – Foi em julho de2006. Ele perguntou se eu queria tentar. Eu vou tentar, porque eu não tenho experiência nenhuma com esse tipo de área porque pra mim era ficar ali atrás do balcãozinho fazendo embalagem e tirando xerox.
E a proposta qual era?
Elaine – De eu entrar como vendedora no showroom. Pra mim, era... Nossa, uma vendedora. Eu achava que eu não tinha capacidade.
Porque, para mim, eu tinha que ficar atrás daquele balcão com o que eu estava acostumada. Aí eles me explicaram direitinho de como era feito, de como vinha de Salvador, o que os presos achavam, perguntaram a minha opinião por eu já ter passado lá dentro do presídio, se era uma iniciativa legal. Aí eu falei que era, porque lá o serviço... A primeira coisa que eu queria era arrumar um serviço.
O que você acha de diferente nesse projeto?
Elaine – Lá são várias oficinas, tanto que eu trabalhei três anos numa só. Só que a diferença do Projeto com as outras oficinas, pelo menos as que eu conheço, as que eu trabalhei, é que eles vão ter algum retorno quando sair? Por quê? Uma vela que eles façam, que eles aprendam lá dentro dá pra fazer em casa, no fogão de casa, o trabalho de piaçava eles podem fazer em casa, o negócio de ferragem, os móveis... O que eles podem fazer? Se tem uma serralheria ali, do lado da casa deles, é só ir lá e falar: "deixa eu te ajudar..." Só se expor pra ajudar e mostrar que sabe, que aprendeu a fazer aquilo, com certeza, a pessoa que está deixando ele mostrar o que sabe vai empregar ele. Então é de interesse. É, como eu, que trabalhei três anos lá na Embramed e até hoje eu não consegui achar um serviço que fosse o serviço que eu fiz na Embramed
Não foi útil o que você aprendeu?
Elaine –
Eu selava copinho, que é aquele copinho de soro, então que vantagem eu tive de trabalhar três anos lá na Embramed? Agora no Projeto Arte que Liberta, a vela você pode fazer. Agora vão começar fazer o tear, uma coisa que dá pra você fazer em casa. Então a diferença do Projeto Arte que Liberta é essa: é uma profissão que você pode fazer na sua casa. Foi por isso que eu aceitei mais ainda trabalhar, porque eu sei o que eu passei
Se eu soubesse fazer vela quando eu saí do presídio, hoje eu estaria com uma fabriquinha de vela lá no quintal da minha casa, porque eu levo, eu mostro lá para o pessoal da onde eu trabalho. "Traz vela pra eu vender, traz vela pra eu comprar, que tipo que tem?” Então eu sei que se eu fabricasse na minha casa elas iam comprar, entendeu, tanto que nós fizemos uma empreitada de um monte de velas – acho que foi os brindes da Petrobras e o Chico acabou dando uma vela pra nós, que sobrou. Eu levei lá pra minha casa, para exibir o que eu sei fazer. “Tem mais, tem mais?” Tanto que eu acabei vendendo, a única que eu tinha eu acabei vendendo. Então eu sei que se eu tivesse mais, eu ia vender mais.
Então a diferença é essa, é uma coisa que a gente pode fazer aqui fora, agora tem uma lei que o preso trabalha, ganha o seu salário e 25% vai pra uma poupança e essa poupança ele só retira quando sai. Então, esse dinheiro que está guardado lá ele compra de matéria-prima, vai comprar parafina, vai comprar o aroma, vai comprar e vai fazer. Então a diferença é essa.
Aí fui e falei: “vou ficar” e fiquei... Aí meu filho adoeceu. Ficou doente, ficou internado, começo de pneumonia, e então saí pra não atrapalhar o Projeto. Eu saí. Fiquei desempregada, sempre que aparecia alguma coisa a Maitê e o Chico me ligavam. "Tem vela pra fazer aqui, você quer fazer?" “Quero.” Eu ia fazer. "Tem uns quadros aqui pra vim fazer. Quer fazer?" “Quero.” Então sempre que eles precisam, eles me chamavam, nunca esqueceram de mim. "Elaine, no dia que surgir uma vaga pra você a gente vai te chamar e vai te registrar." Então foi assim. Fiquei nessa.
Consegui um trabalho lá na 25 de Março, marreteiro, lá no camelô. Só que aí toda hora tinha que correr e eu não tô mais com idade de ficar correndo, aí fiquei em casa. Aí o meu marido começou a trabalhar como ajudante de pedreiro porque ele também estava cansado de correr da polícia, que vendia contrabando... Agora trabalha como ajudante de pedreiro, inclusive hoje está na praia. Como eu aprendi a fazer crochê, o dinheiro que a Maitê me dava, que eu ficava lá ajudando ela fazer as coisas, as velas, eu comprava pano de prato, linha e fazia bico de crochê e vendia pra mulherada. Então eu fui assim até o dia que ela me ligou e falou assim: "pronto, já achei um lugar pra você." Aí entrei no Projeto e no outro dia ela pediu minha carteira, já estou registrada, estou no Projeto.
Outras oportunidades de trabalho você tentou? É difícil, Elaine?
Elaine – É difícil. Eu trabalhei numa loja de sapato. Consegui ficar um, dois meses. Na verdade, iam ser três meses de experiência, nunca tinha trabalhado com sapato – na verdade nunca tinha trabalhado. “Olha, a gente vai te dar um período de três meses de experiência." Eu falei: “tá bom” Aí eu achei que me saí super bem, consegui vender. Tinha uma meta e não consegui alcançar a meta, mas quase eu alcancei a meta. Mas na hora, “eu vou precisar dos seus documentos." Eu falei: tá bom, aí já logo abri o jogo, eu falei: “eu sou uma ex–presidiária, eu tô tentando arrumar a minha vida.” “Ah, tá bom, então, a gente vai conversar depois." E nada dele pegar a minha carteira pra registrar. Ele falou: "ó, Elaine, eu tô achando que aqui tá muito pouco movimento, não vai dar pra ficar mais com você, tal, tal, tal, tal, tal, tal..." Fui embora. Aí tentei na "Atento" que é de telemarketing. Aí, tudo certinho, gostaram do meu currículo, tudo certinho. "Ah, traz os documentos. Tem que trazer o atestado de antecedentes..." Pronto, aí eu já não posso mais. Porque eu sei que não vão aceitar, entre eu e você eles vão querer você por mais que o meu currículo esteja lindo, maravilhoso. Só que sei que vai ficar aquela marca: "ela é uma ex-presidiária, então ela vai fazer mal pros meus funcionários, pra minha firma..." Mas eu tentei, sim
Desta segunda vez que você está no Projeto Arte que Liberta você vai fazer o quê?
Elaine – Agora? Eu tô como vendedora...
Como é que é o seu trabalho?
Elaine – Na verdade eu não fico no show room. Quando eu voltei pro Projeto, tava uma feira, uma exposição no Extra do Morumbi. "Quem vai pra lá, quem vai pra lá?” “A Elaine." Eu fui registrada como auxiliar de escritório pra ajudar lá no escritório porque até então não tinha necessidade de ficar dois no show room. Aí, ta bom, vamos lá. A Elaine foi pro Extra do Morumbi. Volto, aí vai a Elaine pro escritório. Aí aparece "Casa e Móveis da Teodoro" "Quem vai?" A Elaine vai. Então nisso eu to fazendo o quê? Só vendendo. Mas agora, a gente estava conversando na semana passada, já vai mudar a minha carteira, eu vou ficar como vendedora, vou ser registrada como vendedora, receber o piso de vendedora. Então resumindo, sou vendedora.
E o Projeto novo agora que vai começar com a Penitenciária Feminina...
Elaine – A Feminina
Que projeto é esse, Elaine?
Elaine – Eu não fico muito lá no escritório, mas eu sei o que o Projeto quer entrar na Feminina, estou sabendo também que estão superansiosas... Depois que eu saí do presídio, eu voltei uma vez com o Projeto Arte que Liberta – depois de três anos eu tive que entrar de novo na penitenciária. Acabei sentando na mesa da diretora, sem ela saber que eu era uma ex-presidiária, mas depois acabamos contando. Então, o Chico que estava me contando que elas vão trabalhar com tear, fazer bolsas, sapatos...
Do masculino eu não sei a necessidade do homem com trabalho, agora do feminino eu sei. Tem aquela mãe que precisa mandar dinheiro pra mãe poder sustentar seus filhos, tem a filha que precisa ajudar a mãe. Você vai na porta de um presídio num final de semana, você vê a fila de mulheres no presídio masculino... De 200 que estão na fila do presídio masculino, no feminino, tem um homem. A mulher é mais abandonada. Se não é a mãe, o pai ir visitar, o marido não vai. Eu, graças a Deus tive a sorte, meu marido todo domingo estava lá. Não entrava, mas tava. Então a mulher tem mais responsabilidade... O marido tá preso, quem tá cuidando? É a esposa. A mulher tá presa, quem tá cuidando? Ou a tia, ou a avó, ou uma amiga, nunca vai ser o pai, de 10 a gente conta um. Então o Chico falou: "eu vou entrar na Feminina." Ah, que bom "Você não quer ir trabalhar lá?" “Não.” Pra mim não dá, já pensou, depois de muitos anos eu estar lá com as pessoas que eu conheci há anos atrás e eu estar ali? Não...
Mas você sabe o valor que vai ter essa iniciativa pra essas mulheres?
Elaine – Com certeza Com certeza eu acho que elas estão mais ansiosas que a gente. A gente tá louco pra entrar e elas mais ainda. Elas estão sabendo que já foi arrumado, o galpão tudo direitinho, só estão precisando de uma ordem.
Depois que você trabalhou um tempo no projeto, outras coisas começaram a te chamar atenção nesse Projeto?
Elaine –A gente está olhando pro preso, mas e pra aquele que vai sair? Tanto que ele está tentando ver um negócio de cooperativa, porque a necessidade lá dentro é grande, só que pra quem saí é pior ainda, a necessidade aumenta. Então eu sei – foi o que eu falei lá na roda – eu sei por que, eu tive lá dentro e eu saí. Eu sei da minha dificuldade lá dentro e de quando eu saí, então a minha dificuldade maior foi quando eu saí. Lá dentro eu precisei? Precisei, precisei porque eu não tinha visita, eu queria diminuir a minha pena, precisava me manter, só que aqui fora não adianta a gente querer cobrir um lado e esquecer o outro? Desde o primeiro dia que eu conversei com o Chico e a Maitê, a primeira coisa que eu falei: elas precisam lá dentro mas aqui fora precisa mais.
A gente já chegou no presente e para concluir, eu queria falar do futuro. O que você deseja, como é que você vê o futuro desse projeto?
Elaine – Agora você me pegou Se eu pudesse lutar, eu lutaria mesmo é pra o quê? Eu vou usar nas minhas palavras, tipo assim: arrumasse um galpão, desse aqui e o pessoal que trabalhou lá dentro no Projeto que viesse trabalhar aqui fora. Se eu pudesse, se eu tivesse condições, se eu tivesse ajuda, é o que eu iria fazer. Foi aquilo que eu te falei, eu sei a necessidade de quem sai. Lá dentro precisa, mas aqui fora precisa mais ainda.
Se tivesse um galpão assim pra colocar todas elas,
tudo pra trabalhar, seria o ideal pra pessoa que sai do presídio. Ou então se cada empresário - não sei explicar direito - cada pessoa que tivesse um serviço, uma empresa colocasse uma ex-presa, um ex-preso, pelo menos como experiência. Claro que não é fácil lidar, porque você pode me contratar e eu posso ir lá e te roubar. Só que, se a gente não tentar, a gente não vai saber. Foi que nem esse meu primeiro patrão, ele podia dar cabeçada comigo, eu ter roubado ele, isso e aquilo outro, mas ele deu a cabeçada dele, viu que valeu a pena. Hoje a gente se fala direto, ele pergunta onde eu tô trabalhando, se eu tô bem, então é um contato que a gente vai ter pra sempre. Então ele fica muito em ver que eu estou bem. Ele falou que se aparecer outra pessoa ele põe também.
Então eu acho que é isso, se cada um pensasse um pouco naquele que vai sair, eu acho que diminuiria bastante a pessoa voltando para cadeia, porque às vezes é falta de oportunidade.
E, pra você, o que você sonha?
Elaine – Pra mim? Meu maior sonho é encontrar meu filho, que hoje eu sei que ele chama Fábio, tem quatorze anos... Então o maior sonho, o maior sonho mesmo é encontrar meu filho que é só pra completar minha vida mesmo...
Ele não ficou com sua avó?
Elaine – Eu não sei. Sei que ele ficou com a minha avó, minha avó faleceu, tá com meu tio, sei que ele tá com meu tio e chama Flávio e mora em Guarulhos, é a única coisa que eu sei, o resto eu não sei mais nada.
E pro Murilo e pro Fábio o que você sonha?
Elaine – Pro Murilo e pro Fábio? Sonhar a gente sonha, o duro é tentar realizar. Agora uma coisa que eu sei que eu vou lutar é que meus filhos nunca entrem nessa, não passem pelo menos a metade do que eu passei. Eu falo pro meu marido, eles não precisam saber o que a gente passou. Se um dia eles souberem pelo outros, vierem perguntar, a gente tem que dar o exemplo pra eles, pelo menos pro Murilo, porque quem está criando o meu outro filho são meus parentes. Então o que eu sonho pro Murilo é assim: eu quero trabalhar muito, ter um dinheirinho pra ele mais tarde poder pagar um curso – nem se for um curso, eu não falo em faculdade – mas um curso pra ele pra ele poder ser alguém na vida. Ser um espelho pro filho dele. Eu quero ser esse espelho pro meu filho, é por isso que eu estou lutando, lutando porque o meu filho é tudo de bom na minha vida e o meu marido também. Então a gente luta porque eu quero que meu filho se espelhe em mim.
Eu tenho o maior orgulho quando ele fala: “mamãe, eu te amo, você é a melhor mãe do mundo" Ele tem três aninhos, então quero sempre estar mostrando para ele que eu sou a melhor mãe do mundo.
Por último eu queria perguntar o que você achou de contar a sua história?
Elaine – Pra mim, é sempre difícil, porque tem coisas na vida da gente que não vai se apagar nunca. Eu posso contar, contar, contar que essas lágrimas sempre vão descer. Só que pra mim sempre é bom. Se fosse algum tempo atrás, eu não tinha chegado nem aqui, eu já tinha parado, desistido como eu já fiz várias vezes com o Chico, com Maitê, com a minha mãe... Eu paro no caminho e não toco mais no assunto. Então pra mim tá sendo bom porque cada vez que eu falo consigo me soltar mais, é um pouco mais pra fora porque eu era muito presa, eu não soltava aquilo, então eu ficava só remoendo, remoendo... Então pra mim foi bom porque eu to conseguindo me soltar cada vez mais. E espero que eu conte dando risada, sem precisar chorar que tudo isso foi uma experiência que eu tive que passar.
Muito bom, a gente só tem a agradecer essa sua coragem de dividir a sua história com a gente.Recolher