Projeto Redecard
Entrevistado por Marcia Ruiz e Deise Daoud
Depoimento de Luiz Fernando Vendramini Fleury
São Paulo, 21 de setembro de 2006
Realização Museu da Pessoa
Entrevista REDE_HV029
Transcrito por Luisa Fioravanti
Revisado por Leonardo Sousa
P/1 – Bom dia, Fleury.
R – Bom dia.
P/1 ...Continuar leitura
Projeto Redecard
Entrevistado por Marcia Ruiz e Deise Daoud
Depoimento de Luiz Fernando Vendramini Fleury
São Paulo, 21 de setembro de 2006
Realização Museu da Pessoa
Entrevista REDE_HV029
Transcrito por Luisa Fioravanti
Revisado por Leonardo Sousa
P/1 – Bom dia, Fleury.
R – Bom dia.
P/1 – Para começar eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Olha, o meu nome é Luiz Fernando Vendramini Fleury, eu nasci em São Paulo, capital, em 19 de maio de 1956.
P/1 – E qual o nome dos seus pais, Fleury?
R – Meu pai era Olavo Fleury e minha mãe Lurdes Vendramini Fleury.
P/1 – Você sabe a origem do nome da tua família?
R – Pelo lado do meu pai a origem é francesa, mas é brasileira, quer dizer, a minha família está aqui há, Deus sabe quantos anos, a origem é francesa e vamos dizer assim, o ponto de referência que a gente sempre brinca na família é que tinha, na época do Luis XIV, né, tinha o Ministro das Finanças, era o Cardeal Fleury que fugiu para não ser decapitado, é a Revolução, então a gente brinca com isso, mas a origem é francesa pelo lado do meu pai, bem longe. Eu diria que é mais brasileira hoje do que francesa e pelo lado da minha mãe não, é italiano, é bem próximo, meu bisavô era italiano.
P/1 – E você sabe porque o teu avô veio para o Brasil?
R – Ele veio, ele não veio na época das guerras não, ele veio mesmo atrás do Novo Mundo, eu acho. Não teve nada com guerra, nada a ver com perseguição, eu acho que foi pela busca da oportunidade. Naquela época, provavelmente o Novo Mundo, né, a América do Sul, representava pra Europa, né?
P/1 – Qual é a atividade dos seus pais, Fleury?
R – Bom, os dois são falecidos. Minha mãe era professora primária e o meu pai era comerciante de café. Ele trabalhava com compra e venda de café, beneficiamento, exportação, bastante ativo. Ele foi, talvez um dos primeiros corretores de café do Brasil.
P/1 – E onde ele fazia a corretagem de café?
R – Olha, a gente morou, quer dizer, eu sou o único da minha casa que nasceu em São Paulo, depois eu fui ainda, com menos de um ano eu voltei para o interior, né, pra, minha família é quase toda ela do interior, para uma cidade chamada São José do Rio Preto, Mirassol, que é ao lado de São José do Rio Preto, como referência, embora São José do Rio Preto faça parte da grande Mirassol e com isso a gente, eu voltei para lá, eu fiquei lá até mais ou menos o terceiro ano primário e o meu pai trabalhava na região ali, quer dizer, houve, até a Revolução de 64, o meu pai teve uma, vamos dizer assim, uma atividade bem bem, diria bem abrangente, ele chegou a ter pelo menos, acho que no auge, ele chegou a ter umas 12 ou 14 centros de benefício de café, ele era empresário grande, desde a Santa Fé do Sul ali na parte mais a norte, bem norte de São Paulo, região de Santa Fé do Sul, Fernandópolis, até Mirassol, Neves Paulista, __________, enfim, toda a região ali que, na época, era a região de maior produção de café do Brasil.
P/1 – Fleury, eu queria que você falasse agora da sua infância. Como era a cidade, como era o bairro, a rua que você morava.
R – Bom, como eu falei para vocês eu nasci em São Paulo, mas com menos de um ano eu fui para o interior e morava em Mirassol. Eu morei em Mirassol até, mais ou menos, sete anos de idade e aí me mudei para uma fazenda que era no município de Mirassol, mas era um pouquinho mais afastado da cidade. Devia ser uns sete, oito quilômetros da cidade, eu tive uma infância feliz, foi realmente muito boa. Eu sou o mais novo de oito irmãos, então eu tinha assim, uns três ou quatro pais, umas duas mães, então, eu fui muito feliz mesmo. Então esse período de ter morado no interior, numa época em que, é até chato a gente falar, mas é a mais pura verdade, era uma época em que você tinha, vamos dizer assim, uma pureza de espírito nos ambientes, quer dizer, você não tinha problema com segurança, não tinha nada disso. E posteriormente, dois anos, três anos, que eu morei em fazenda, que aí foram mais bacanas ainda e, enfim, para vocês terem, você morar em fazenda é uma coisa realmente muito legal, né? E era uma fazenda que tinha uma infra boa, então tinha piscina, tinha campo de futebol, meus colegas iam todos jogar futebol na fazenda, porque era muito pertinho da cidade, né, então foi. Eu só tenho lembrança boa.
P/1 – E fala um pouquinho para a gente, então, como era essa coisa, quais eram as suas brincadeiras preferidas na fazenda? Como era o seu dia a dia nessa fazenda? Conta um pouquinho para a gente.
R – Hoje quando eu penso na vida quanto executivo, a gente sempre brinca, né, tem aqueles ditados antigos de que quando alguma coisa ruim te acontece ou quando você está passando, assim, por aquela fase meio negra, a gente fala: “Pô, eu devo ter matado muito passarinho na infância.” Eu matei mesmo, porque eu morava em fazenda, né? Então, mas foi muito legal, quer dizer, o que eu sempre gostei de fazer, eu sempre adorei esportes, então eu jogava futebol todos os dias, sem exceção. Nadava, mesmo na adolescência, em nível de competição, colegial, esse tipo de coisa, mais futebol, nunca nadei assim, por competição, não, mas gostava muito de nadar, e qualquer outro esporte, viu, se me chamassem para jogar basquete, eu jogava, se me chamassem para jogar vôlei eu também jogava, se me chamassem para jogar bolinha de gude eu também jogava. Então o que eu gostava mesmo de fazer era esporte, sempre gostei. E sempre adorei música, embora não toque nenhum instrumento, eu sempre adorei música e isso é influência do meu pai e da minha mãe, principalmente do meu pai. Meu pai era um lado assim, ele gostava muito de música popular brasileira, Sílvio Caldas, Elizeth Cardoso, não era? Acho que era Elizeth Cardoso, que era colega do Sílvio Caldas. Depois ele gostava muito da Elis, que eu gostava também. Ele gostava muito de música romântica francesa, tipo Edith Piaf, esse tipo de coisa. A minha mãe também. Meus irmãos já eram mais do romantismo italiano, e meu irmão mais novo, antes de mim, né, homem, foi quem me apresentou para o Rock'n'roll, que foi durante a minha adolescência, o segundo hobby, né, o primeiro continuou sendo jogar futebol, torcer para o Santos, obviamente, sou um cara feliz, o maior time do mundo, né, apesar de ter uma família de são paulinos. Meu pai é fundador do São Paulo, meu pai era do Paulistano e quando o São Paulo foi fundado, acho que em 35, ele é do grupo que saiu do Paulistano para fundar o São Paulo, então todos, inclusive os meus filhos são são paulinos. Na minha casa nós somos em oito irmãos e 26 netos, se você somar todos, inclusive o meu pai e minha mãe, são 38 membros, né? Tem 37 membros são paulinos e eu santista. Então foi bom, tem esse lado pitoresco também e... Então o que eu gostava de fazer era isso e nessa fase de adolescência eu jogava muito futebol e gostava muito de música. Eu, nós voltamos para São Paulo, na Revolução. Meu pai em 64 quebrou. Porque o meu pai tinha uma porção de café, é engraçado isso, porque o mercado financeiro trabalha muito com esse negócio de comprado, vendido, quando na realidade isso existe secularmente. O que você tem hoje é muito mais uma regulamentação de uma formalização desses mercados do que qualquer outra coisa. Então o meu pai já era um especulador porque meu pai, ele se financiava nos bancos, comprava porções de café e depois exportava. E em 64 ele foi convidado por alguns amigos dele daqui de São Paulo e eles resolveram entrar em banco e ele foi ser acionista de dois bancos, um chamava Patriarca e o outro chamava Sul Mineiro e um virou Itaú e o outro Unibanco, né, nos dias de hoje, que houve todo aquele processo de consolidação e tal no sistema bancário. E em 64 meu pai tinha uma posição assim, realmente grande, né, de café, e houve a Revolução e o governo suspendeu as exportações, só que esqueceram de avisar os bancos e os bancos continuaram cobrando juros, então ele não tinha como fazer receita porque ele não podia exportar e ele tinha que pagar os juros, e ele literalmente quebrou. E o meu pai era daquele tipo, que hoje em dia está muito fora de moda, da honestidade. Meu pai sempre foi um sujeito muito honesto. Então ele preferiu quebrar e pagar todo mundo do que pedir concordata, não pagar ninguém, como todo mundo faz hoje e tal, que está na moda até, sai nas coluna sociais, então esse lado de integridade, de moral também, isso eu acho que a gente traz muito de casa. Eu aprendi com ele, embora, economicamente, hoje eu pudesse estar morando na ______ Brasil, se ele tivesse dado um trambique em todo o mundo, mas, tornou a nossa vida um pouco mais difícil.
P/1 – Voltando um pouquinho, Fleury, assim, eu queria que você falasse um pouco, como é que essa fazenda que vocês foram morar? Porque vocês saíram de Mirassol para morar na fazenda? Se ela era uma fazenda produtiva? Conta um pouquinho.
R – Era, a fazenda tinha café, obviamente. A fazenda era grande, era uma propriedade grande e era muito mais porque a casa era muito legal. Meu pai comprou essa fazenda, minha mãe sempre gostou desse negócio de casa, de fazer negócio. Minha família era muito grande. Porque a família do lado do meu pai, eu acho que eles eram em 14 irmãos, 13 ou 14 irmãos. Do lado da minha mãe eram em seis ou sete, eram seis ou sete, e eu tinha muitos primos mais ou menos da mesma idade, né? Então era uma festa, todo o domingo tinha almoço da família em casa. Então, pô, quando tinha pouca gente tinha trinta pessoas, né, então era um negócio muito gostoso, muito gostoso. Então a razão da gente ter ido era basicamente por isso. Eu acho que era uma... subir na vida. Subir na vida foi morar num lugar mais legal.
R – E me fala, eu queria que você falasse para mim, assim, se você teve um fato que te marcou muito na infância, assim, se teve um...
P/1 – A vinda para São Paulo foi meio chocante, né? Porque eu saí da fazenda e me mudei para... Nós tínhamos comprado um apartamento bonito aqui em São Paulo, na Avenida Higienópolis, mas não tinha ficado pronto, como de costume, quem já fez construção ou fez reforma, sabe como funciona, né, e a gente ia mudar para esse apartamento na avenida Higienópolis que não ficou pronto. Então eu fui morar num apartamento que era a República dos meus irmãos que já faziam faculdade aqui em São Paulo. Eu tinha irmãos que faziam faculdade e tinha irmãos que já trabalhavam aqui em São Paulo na época, no banco, tal. E foi muito, para mim foi um choque, porque era um apartamento tipo república mesmo. Era um negócio pequeninho na Martinello de Carvalho, ali no Paraíso, ali no fim da Paulista e me marcou por causa disso, quer dizer, pô, eu sai de um lugar que a amplidão era, eu não usava sapato, tá gente? Eu só usava sapato para ir para a escola, o resto do dia era descalço. Pô, não tinha nada, sabe, o mundo era diferente, né, era um negócio bacana. E de repente eu me mudei para São Paulo, pô, e eu fui estudar num colégio, era um colégio meio de elite e tal, eu acho que o colégio em si não existe mais, ele era em frente ali ao Colégio São Luiz, ali na Paulista, chamava Jardim Escola São Paulo. E eu me lembro muito bem, então lá, mudança, as duas coisas que me marcaram foram essa saída da fazenda e a chegada a São Paulo, realmente foi um choque e acho que a segunda coisa que me marcou muito foi o meu primeiro dia de aula em que tinha um negócio chamado Leitura ao Vivo, uma coisa assim, vocês devem, todo mundo da minha geração sabe o que é isso, você tinha que ficar em pé e ler um determinado texto, e era um texto de história que falava do surgimento da imprensa e tal e tinha o Gutenberg, né, que tinha feito lá a primeira prensa, tal, e ao ler o texto eu tinha, não se esqueça, eu tinha vindo do interior, então saia um belo de um Gutenberg e com isso eu fiquei meio assim, o pessoal, eu obviamente fui motivo de brincadeira e gozações. Então me marcou, mas pelo lado bom, viu, não tenho, pode brincar a vontade, eu não tenho problema com isso não, mas marcou, né, porque pô, eu falei: “Pô, preciso prestar atenção aqui.”
P/1 – Me diz uma coisa, Fleury, eu queria que você falasse um pouquinho das escolas. Você estava contando que você veio para São Paulo e foi frequentar essa escola, mas eu queria que você falasse um pouquinho da sua primeira escola, como é que foi isso, quem era... eu queria que você descrevesse um pouquinho essa escola sua.
R – Tá. Essa existe ainda, em Mirassol, era uma escola estadual chamada Grupo Escolar, provavelmente se tiver algum jovem ouvindo isso não sabe nem o que é isso, mas era um Grupo Escolar chamado Professor Edmur Neves, era na... há uma quadra da praça principal da cidade, lá em Mirassol, e para mim era muito bacana, marcou muito porque era o meu pai que me levava. Pô, que pai que pode acompanhar o filho todo o dia para a escola? Então para mim era muito legal porque era a hora que ele ia para a máquina de café, então ele me dava carona todos os dias. Era um colégio de dois andares, já era um predinho de dois andares. Na época eu não fiz jardim, eu me lembro bem, eu fui direto para o primeiro ano, a gente era alfabetizado, inclusive, no primeiro ano. Minha cartilha foi o caminho suave... Nossa, vocês estão fazendo aqui eu, eu nem sabia que eu lembrava disso. E a minha primeira professora chamava Dona Áurea, fantástica, assim, tinha uma paciência, você imagina, dar aula naquela época para cinquenta, devia ter uns cinquenta alunos na sala e num processo de alfabetização, e não tinha essa história de assistente, pedagogo. Aliás, eu acho que a criançada hoje é cheia de nove horas, às vezes com muito problema justamente por conta disso. O amadurecimento naquela época, eu acho que vinha com 13, 14 anos e hoje você tem adolescentes aí com 22 anos, ainda se comportando como adolescentes, né? Então, era isso, eu me lembro, o diretor da escola chamava Valdemar Fogaça, eu me lembro porque os filhos eram meus amigos. Bem rígido, um cara bem rígido e a Dona Áurea não, essa que foi a minha primeira professora, ela era meio mãezona, assim, muito legal, e ela era muito conceituada na época, assim, era uma pessoa... Engraçado isso, você tinha, principalmente no interior, as ilhas de excelência, no ensino, eram 100% no centro no estado, nas escolas estaduais, aliás, escolas particulares, se existiam, eram justamente para aqueles que não conseguiam performar, é exatamente o oposto hoje, né, quer dizer, a degradação desse país na educação, fica muito clara, para a gente que viveu. Aqueles que não conseguiam performar as escolas estaduais iam para as escolas particulares: “Porque lá passa.’ O conceito era: porque lá passa, quando hoje você tem um Bandeirantes, um Santa Cruz, um Santo Américo, sem esquecer os outros, nada, que são ilhas de excelência. E eu te pergunto, onde está o Caetano de Campo, onde está o Fernão Dias, onde está o Colégio Aplicação, né, então, a gente viajou um pouco na resposta, mas você perguntou, eu acho que condiz. Mas eu fiquei lá até o terceiro ano primário, na metade do terceiro ano primário eu voltei para São Paulo. Isso também foi uma das razões que me chocou um pouco porque não foi numa sequência de anos, né, foi numa interrupção no meio do ano escolar, quando nós viemos para São Paulo em 64, logo depois da Revolução.
R – E vocês vieram por que para São Paulo?
P/1 – Porque meu pai quebrou.
R – E aí o seu pai veio para...
P/1 – E ele tinha que sair lá do interior porque ele tinha que sair lá do negócio de café, né, porque naquele momento meu pai sempre trabalhou, o grande ativo dele era a credibilidade, era o nome dele, então quando ele teve os problemas, ele pagou todo mundo, não conseguiu pagar obviamente todo mundo imediatamente, mas conseguiu pagar todo mundo. E ele tinha ainda essa participação acionária nos bancos e ele veio para São Paulo porque o meu irmão mais velho já estava trabalhando no banco, já era diretor de um banco, e ele veio e tentou meio que se reposicionar, né, mas ele nunca deixou de... De banco ele não entendia muito coisa, apesar de ter trabalhado no começo de carreira dele de banco, ele até entendia, mas não gostava, ele gostava mesmo era de café. Meu pai era um dito pelos concorrentes e amigos da época, era um excepcional comerciante de café, e o meu irmão, o meu segundo irmão mais velho que seguiu essa profissão, talvez tenha sido um dos grandes conhecedores de café aqui do Estado de São Paulo. Meu irmão tinha umas coisas muito engraçadas, eles faziam apostas, quando eles compravam café, né, na época já, a produção de café no Brasil já era, esse meu irmão, inclusive, já é falecido, era meu padrinho, tem uma relação comigo muito bacana, e nós tínhamos lá um, ele tinha centros de compra no Brasil inteiro, e quando chegavam as amostras de café, que é como, você compra, né, você testa o café, só que não é esse café que a gente toma, não, é aquela água suja mesmo, que é para você sentir o gosto, que é com o que você faz o blend depois que você tem o café do tipo A, do tipo B, do tipo C, enfim, dependendo da área de produção, do tipo do grão, né, você faz o blend, que é o café que a gente toma, que não tem nada a ver com o café original do pé, né? E eles tinham apostas no escritório, porque eles pegavam as amostras e tinha lá, Sul de Minas tipo Arábica, região da Mogiana tipo outro, né? E eles punham em copinhos, tipo ____ test, e meu irmão testava e não errava um, e não errava um. Então eles faziam apostas os ___: “Não, hoje ele vai errar, hoje ele vai errar.” E às vezes, de sacanagem, eles misturavam e meu irmão falava: “Pô, isso daqui tem alguma coisa esquisita aqui. Isso aqui não é de lugar nenhum.” Então os caras não se conformavam com isso, né? Era um negócio muito bacana, muito bacana.
P/1 – E aí, dessa fase, aí você veio para São Paulo e foi estudar nesse colégio, esse colégio que era em frente ao São Luiz, né?
R – É, hoje é prédio, acabou com o meu colégio, se eu quiser mostrar para os meus filhos, pô, sobrou...
P/1 – Você estudou até que ano nesse colégio?
R – Eu fiz até o chamado quarto ano, né, admissão, eu fazia até o quarto ano e admissão, aí eu fiz, na época tinha o vestibulinho, né, eu pulei, tinha o tal do quinto ano que ninguém sabe o que é isso, mas tinha o tal do quinto ano que às vezes você fazia que facilitava para entrar no colégio que você tinha vontade de estudar, e ou você fazia admissão e eu fiz o tal de admissão, para quem não passasse na admissão, tinha o quinto ano, né, e eu fiz o tal de admissão e eu prestei na época em três colégios. Eu prestei no Rio Branco, eu morava na Avenida Higienópolis, conforme eu disse para vocês, nessa época eu já tinha saído do apartamento pequenininho, prestei o Rio Branco, prestei o colégio de Aplicação da USP e o Santa Cruz e foi muito interessante que eu entrei no Rio Branco, entrei no colégio de Aplicação e fiquei cedente no Santa Cruz. O Santa Cruz era, pô, naquela época, ainda é até hoje, os meus filhos inclusive estudaram lá, os dois, mas era um colégio bastante elitizado no ponto de vista de intelectualidade, realmente você tinha ali, e era o Padre _______ na época, o famoso Padre ________, e foi muito interessante porque o Santa Cruz tinha um campo de futebol maravilhoso, pô, e o Rio Branco era aquilo que vocês sabem, no meio da Avenida Higienópolis, uma quadra de futebol de salão, não tinha campo, não tinha nada, uma quadra de futebol de salão colada no muro, né, então não era exatamente o colégio dos meus sonhos, embora depois eu tenha amado o colégio e meu pai, eu acabei sendo chamado no Santa Cruz também. O Colégio de Aplicação também foi assim, barrado no baile, na largada, porque ele disse que era colégio de comunista e o Santa Cruz ele não deixou eu ir primeiro porque era muito longe, né, o Santa Cruz sempre nessa época, eu já tinha saído, porque o santa Cruz para quem não sabe nasceu no Sion, ali na Higienópolis, depois que ele mudou aqui para o Alto de Pinheiros, e ele, o Santa Cruz já era aqui no Alto de Pinheiros, então era longe para dedéu porque eu morava lá em Higienópolis, então ia ficava difícil para, e o meu pai estava naquela época, lembra? Tinha quebrado tal, então a gente não tinha, nós não tínhamos carro na época, então era complicado, seria complicado e ele também achava o _______ revolucionário demais, ele gostava muito do ________, de ouvir o ________ tal, mas ele achava que o ________, como é que eu vou te dizer? Na linguagem da época, se a gente fosse traduzir para hoje seria assim: “Ele meio que despertava os demônios dentro da gente.” Então ele tinha um pouco de receio dessa relação. Mas foi basicamente isso, ele interferiu bastante e me colocou no Rio Branco, que era um colégio extremamente conservador, mas onde eu fui muito feliz, muito feliz. Eu tenho amizades do Rio Branco até hoje.
P/1 – E você estudou lá até o término do colegial?
R – Não, até o segundo ano, no terceiro ano colegial meu pai voltou para o interior e aí eu voltei junto. Foi em 73, nós voltamos, não para Mirassol, mas para São José do Rio Preto, que é uma cidade maior e aí eu fui de novo para um colégio estadual chamado Monsenhor Gonçalves, Instituto de Educação Estadual Monsenhor Gonçalves, onde eu fui muito feliz também, fiz grandes amigos, minha esposa é de Rio Preto, e voltei a jogar bola todo o dia.
P/1 – Fleury, eu queria que você falasse um pouquinho dessa fase no Rio Branco, se teve algum professor que te marcou muito e por quê?
R – Ah, com certeza, com certeza. Marcou não só a mim, acho que marcou a geração que estudou naquela época. Nós entramos no Rio Branco em 66, 67, o primeiro ano do ginasial na época, né, em 67, teríamos saído em 73 se eu tivesse ficado até o terceiro, eu sai no segundo, mas nos quatro anos do ginásio nós tivemos, a minha turma especificamente, o Rio Branco tinha muito isso, a turma que nascia junto ela ia junto até o colegial e no colegial se espalhavam, porque naquela época nós tínhamos o colegial de Exatas, de Humanas e de Biomédicas, também quem tiver ouvindo deve estar falando: “O que esse cara está falando?” Então é aí que se separavam, mas os primeiros quatro anos era a turma que você entrava, então eu tenho assim, mesmo aqueles que eu não vejo mais, quer dizer, quando eu lembro, eu lembro com muito carinho e se encontrar o carinho é o mesmo porque nós éramos uma turma muito bacana, um pessoal muito inteligente, muito inteligente, nossa, quando eu vejo essa garotada de hoje eu tenho piedade, os caras eram, meu, que discutiam Sartre em aula, de filosofia, um negócio meio, hoje em dia ninguém, né, os caras...Tem outras coisas, tem a internet, os videogames, então, enfim. Nada contra, só que são fases, né, da vida da gente. E teve um professor de Matemática chamado, ele era de origem russa, chamava Vicente Nicolau Murasco e ele marcou, a minha turma, especificamente, foi uma turma que ele fez questão de ensinar os quatro anos, os quatro anos e eu fui no... Tem uma palavra americana chamada struggling, que é aquele cara que vai apertado, porque eu não tenho muita, digamos assim, aptidão natural pela, pela Matemática e talvez por isso seja a matéria que eu mais goste, então eu, e ele era muito exigente. Vocês não têm ideia, vocês não ideia. Eu me lembro como se fosse hoje, teve uma exclusão de uma sala de aula dele por risos intempestivos, eu rio agora e eu sempre dei muita risada, então, eu sei exatamente o que ele quis dizer com risos intempestivos, mas eu nunca me esqueço disso, porque na época, toda a vez que você era excluído da sala de aula eles punham uma anotação na sua caderneta, né, e os pais tinham que assinar, então eu me lembro muito que o meu pai e a minha mãe ficavam olhando e minha mãe falou assim: “Mas você foi excluído porque você estava dando risada? O que você estava fazendo?” “Risos intempestivos.” E ele era corintiano, então a gente adorava pegar no pé dele. Quando o Corinthians perdia ele chegava extremamente mal-humorado, e fazia um pouco de gênero também, mas ele era uma liderança. Ali eu aprendi o que é liderança, que você não precisa ser o paizão, o bonzinho, você precisa liderar, pelo exemplo, você precisa liderar pela justiça, né, pelo incentivo e respeito a meritocracia, quer dizer, quem fez leva, batata aos vencedores, né? Então esse cara foi sensacional. Quando a gente terminou o ginásio, nós tínhamos a figura da formatura, né, formatura ginasial, e nós gostávamos tanto dele, apesar de ele ter ferrado com a gente durante quatro anos, que ele foi o nosso paraninfo, e ele fez um discurso, que na época, eu me lembro, eu tinha 14 anos, meus colegas todos, a maioria, tinha 14 anos, nós ficamos emocionados, mas emocionados mesmo, de chorar mesmo com o discurso que o cara fez, um negócio assim. E ele fez com figuras, ele comparou a vida à figuras geométricas, eu nunca me esqueço, um negócio de paralelismo, eu lembro, minha mãe se debulhou, foi muito, muito bacana.
P/1 – Fleury, eu queria que você falasse um pouquinho da sua juventude, quais eram os seus amigos, que locais você frequentava?
R – Bom, aqui em São Paulo eu fui até os 17 anos aqui em São Paulo, então o que a gente fazia mais era, a gente ia muito em festa de luz negra, né? Naquela época a gente respeitava os pais, então eu tinha horário para chegar em casa, tal, apesar de não ter violência, né? Então a gente ia normalmente em festas do colégio, a gente ia bastante no, eu não me lembro do nome original, ele mudou de nome umas cinco vezes, quem conhece Higienópolis sabe, tinha o Blue Dog ali na esquina da, do lado do _____ de Agosto ali, nem sei mais, acho que hoje é uma locadora de vídeo. Na esquina da Maranhão com a Angélica tinha o Blue Dog, a gente comia, na época, comer hambúrguer era o máximo, a gente comia muito hambúrguer lá, assim, em grupo de amigos e muita, muita festinha. Aquela festinha que tinha luz negra, com música e, pouca vida assim, social, eu frequentava clube, eu frequentava o Palmeiras na época, mas meus amigos eram os meus amigos de colégio mesmo. Esses eram, mas amigos amigos mesmo, amigo de realmente de compartilhar segredos e coisa que hoje está meio fora de moda.
P/1 – E Fleury, você colocou que você teve um professor que te marcou muito, que foi esse professor de Matemática, você até nos explicou porquê e eu queria saber se, nessa sua fase de vida, teve alguma outra pessoa que te marcou e por quê?
R – Eu sempre, a gente sempre tem figuras que te marcam, né, ou assim do lado do dia a dia, do trabalho na época, que o trabalho do adolescente é escola, né, então eu acho que professor, você sempre tem algum que gosta, que tem uma empatia. Esse foi um que me marcou bastante. Eu tive, na época de Rio Branco, eu tive três amigos muito próximos, assim, que eram bastante amigos mesmo, tem um chamado Carlos Alberto Gordon que depois foi fazer ECA, ele é cineasta, tem o Cláudio Mello Wagner, que era filho, a mãe dele era uma das diretoras da Faculdade de Psicologia da PUC, o apelido dele era Sagui, porque ele era baixinho, jogava muito bem futebol também. Todos nós jogávamos futebol, ele jogava melhor que eu. Ele é psicólogo da PUC, acabou de escrever, acho que o segundo ou terceiro livro já, um dos caras mais bem humorados que vocês podem imaginar e o outro era o Jacaré, o Gilson, que, aluno também... O Sagui era mais como eu, nós éramos mais assim da turma do fundão, mas o Gordon era absolutamente brilhante, brilhante, brilhante e com um gosto musical de vanguarda, né? Quando eu ouvia Deep Purple, ele já estava ouvindo David Bowie, quando eu ouvia David Bowie ele já estava ouvindo Frank Zappa, então era um cara assim, realmente, absolutamente brilhante, o cara assim... Estudar com ele era uma delícia, o cara ensinava tudo. E o Gilson era mais ou menos como o Gordon, mas era mais na dedicação, esse que era o Jacaré, né, que depois foi fazer GV. E nós éramos tão amigos que, quando nós entramos em crise, ali pelos 19, 20 anos, o Sagui e o Gilson foram para Paris vender pipoca no ______________, o Gordon não foi, mas foi passar férias e eu não tinha dinheiro e não pude ir lá acompanhá-los, mas em espírito eu tava com eles e infelizmente, nos últimos tempos, a gente tem se encontrado muito pouco, mas tem uma, eu tenho certeza que do lado deles também tem uma saudade desse tempo aí. Eu, pelo menos, tenho uma saudade muito grande. O Gordon era, o Gordon tinha algumas características também que, o Gordon era de nacionalidade Argentina, não sei se um dia ele vai ouvir isso aqui, ninguém é perfeito, mas ele era brasileiro de coração e a mãe dele era uma pessoa maravilhosa. Eu brincava que era a minha mãe paulistana, porque quando eu morava no interior e vinha para São Paulo eu ficava na casa dele, né, uma pessoa também, tinha um carinho por mim enorme, e ele é um cara muito inteligente, muito inteligente, realmente era uma das pessoas assim, ele entrou na ECA sem cursinho, para vocês terem uma ideia, saindo do Rio Branco. Na época, no Rio Branco, a gente entrava sem cursinho mesmo. O Gilson entrou sem cursinho, não, o Gilson fez cursinho e o Sagui então acho que não fez cursinho também quando ele entrou na PUC, mas foi bons tempos, bons tempos.
P/1 – E você fez cursinho para entrar?
R – Eu fiz, porque eu fui para Rio Preto no terceiro colegial e aí quando acabei o terceiro colegial, lembra que eu falei? O meu pai teve uma fase financeiramente não muito favorável durante muitos anos e aí surgiu uma oportunidade ali em Rio Preto, isso é muito comum no interior, de um programa de intercâmbio e eu me inscrevi no programa de intercâmbio, o meu pai deu a maior força e eu fui para os Estados Unidos quando eu terminei o terceiro colegial. Olha, e também francamente, quer dizer, eu saí do Rio Branco, o Rio Branco, na época, era um colégio muito forte e embora o Monsenhor Gonçalves lá em Rio Preto fosse um bom colégio, na verdade é que os programas não casavam, então tudo que eu tive nas matérias, que no colegial eu fazia Exatas, né, Matemática, Química e Física, né, que eram as matérias no colegial tradicionalmente mais puxadas, mais difíceis, e o terceiro colegial lá em Rio Preto era a repetição do que eu já tinha visto aqui, então eu confesso a vocês que, digamos, não foi o meu ano acadêmico de maior dedicação quando eu estava lá. Não tive nenhum problema, mas também não foi um ano brilhante não, meio repetido e repetitivo. Aí apareceu a oportunidade de eu ir para os Estados Unidos, eu fui, e o cara que coordenava o programa de intercâmbio lá em Rio Preto era pai de um amigo meu, então a gente podia, ali eu descobri o verdadeiro, que o que importa realmente no Brasil é o Q.I, é o Quem Indica, e como o cara era pai de um amigo meu, eu conversei com esse amigo meu e nós fizemos um lobby e eu falei: “Pô, me põe na Califórnia, me põe na Califórnia.” ___________, tinha uns amigos meus que iam numas fazendas no ___________, pô, menos dez, debaixo de gelo e ainda tinha que ficar, né, fazendo cerca. Nada contra, mas pô, Califórnia é mais. E não deu outra, eu consegui, e eu fui para Los Angeles. E nessa época, quando _____ esse terceiro ano colegial em Rio Preto foi também um ano bacana, porque foi quando, lembra quando eu falei que eu gostava de música e tal? Eu e mais dois amigos lá Rio Preto, a gente tinha um programa de Rock no rádio que precisava de patrocinador, quem patrocinava era o meu irmão, esse que eu falei para vocês que eu tinha uma relação muito bacana com ele, que tinha uma exportadora de café e patrocinava programa de Rock no rádio, era aquela coisa do irmão mais velho ajudando o irmão mais novo, dando uma força. E eu fui para Califórnia justamente, porque um dos, as coisas que eu mais tinha sonho era, pô, eu sonhava com Woodstock na época, sonhava com show de Rock, aqueles concertos e tal e a Califórnia era o paraíso disso, então eu fui para Los Angeles, eu dei muita sorte, e aí eu vi, mais ou menos, uns 30 concertos. Vi assim de Mahavishnu Orchestra, Genesis, quando o Genesis estava lançando nos Estados Unidos, ninguém conhecia, acredite ou não, um paulistano Mirassolense/Rio Pretense de coração é que apresentou Genesis na Califórnia. Eles estavam tocando num auditório em Santa Mônica, que era um negocinho pequenininho, lançando aquele disco maravilhoso deles, o ____ ____ __ ___ ____, que ninguém conhecia lá, e eu levei e eles tocaram três dias lá. No terceiro dia eu estava com a minha High School inteira lá no ginásio, porque ninguém conhecia e um foi falando para o outro, aquele negócio do boca a boca, muito legal, muito legal. E eu vi muitos shows lá. Eu adorava, adorava isso!
P/1 – E você ficou quanto tempo lá?
R – Eu fiquei quase sete meses. Aí eu voltei e fiz cursinho para a GV. Na realidade, eu comecei o cursinho para Engenharia, mas aí, vida de engenheiro era muito dura, muito, matemática demais, não que na GV não fosse, mas, enfim, eu prestei no meio do ano, né, porque eu fiquei lá e voltei e fiz o cursinho e enfim...
P/1 – E você optou por fazer GV por quê?
R – Eu gostava desse ambiente de empresa, eu gosto desse mundo de empresa, sabe, eu acho bem ativo, bem vivo, eu me considero uma pessoa relativamente empreendedora também, então eu gostava, eu acho que facilita, né, porque quando você não tem capital, provavelmente aqueles que fizeram as suas empresas do zero devem falar: “Pô, o cara é preguiçoso.” Não era questão de preguiça, não, era um pouco de medo também, pelas experiências que eu tinha vivido na infância quando eu vi o meu pai quebrar, tal, esse tipo de coisa. Me deixava com um pouco de receio com relação a tomar grandes riscos, talvez por isso eu tenha ido para a área financeira, que é uma área mais de controle, tal, e ao mesmo tempo nunca deixei de ter esse meu lado mais, de ser um pouco mais visionário, ter um pouco de, o que que dá para fazer diferente, como fazer diferente, como é que dá para fazer de uma forma mais eficiente, mais eficaz, como é que dá, em última instância, esse é o modelo que a gente vive, o sistema capitalista, como é que dá para ganhar mais dinheiro, né, como é que dá para tratar melhor o acionista, comunidade, enfim, todo mundo. Porque ao contrário que muitos pensam, eu sou a favor do lucro, eu acho que o lucro desenvolve e desenvolve as pessoas em todos os sentidos, né, e eu não tenho nada contra o lucro, aliás, eu adoro o lucro.
P/1 – Fleury, me diz uma coisa, em que medida os seus ensinos básicos e os ____ influenciaram a sua atividade profissional? Na escolha da sua atividade profissional?
R – É difícil você fazer uma afirmação desse tipo. Eu sempre fui muito curioso, quer dizer, eu sempre li muito jornal, eu não era de grande, eu não era um leitor assíduo de livros, não, mas eu era muito, eu era leitor assíduo realmente de jornal, sempre fui, rato de jornal. Sempre me interessei muito por atualidade, entendeu? O que estava acontecendo no mundo e tal. Meu pai sempre gostou muito de viajar e minha mãe dizia que tinha pego esse bichinho da viagem, né, da vontade no novo, tal, com ele, né? Eu viajo e viajei muito já, então, depois de casado também, quer dizer, minha esposa também gosta, eu acho que viajar com a família talvez seja a coisa que eu mais goste de fazer na vida. Aliás, a minha ordem de preferência é essa, a família, o trabalho e os santos, exatamente nessa ordem. Então é difícil te dizer assim, como marcou. Eu acho que é uma coisa que vai se somando, eu acho que se eu pudesse te dizer é o seguinte, eu acho que a escola ela me motivou a ter esse interesse pelo atual, pelo que está sendo feito diferente, pela vanguarda, né, acho que isso, a escola, o ensino básico me estimulou bastante a ser dessa maneira, e por ser dessa maneira acabou influenciando, porque com você pode ser, justamente num ambiente empresarial em que você tem, que você goza de alguma liberdade, dá pra fazer, dá pra fazer, você só tem que ser convincente e não perder dinheiro, né, o capitalismo não perdoa incompetente, então tem que ter muita, tem que ter muito bom senso, se cercar de gente boa.
P/1 – Fleury, deixa eu te perguntar uma coisa, você disse que foi para os Estados Unidos, voltando um pouquinho para aquela época, quais foram os grandes aprendizados dessa tua ida aos Estados Unidos, dessa vivência tua lá, enquanto adolescente?
R – Olha, para mim foi muito especial, começando pelo aprendizado da língua, isso acabou me alavancando profissionalmente, hoje falar inglês no Brasil é uma coisa absolutamente mandatória, acho que não só no Brasil, né, o inglês se transformou numa linguagem de negócio do mundo. Mas isso me deu uma fluência no idioma, que me ajudou bastante. Eu tive sorte, eu caí numa casa de família, na casa que eu morava era uma casa de classe média baixa, porém de valores bons, quer dizer, eu não tive problemas educacionais, nada disso, de gente mal-educada, nada disso, até porque a Califórnia sempre foi, vamos dizer assim, o Rio de Janeiro dos Estados Unidos, né, um lugar muito rico, rico em tudo, rico em cultura. O americano é meio verticalizado demais em relação ao europeu, mas a Califórnia é um pouco diferente, na Califórnia o cara é mais relaxado, diferente da Nova Inglaterra, a Nova Inglaterra eu acho que é mais travada, né? Então para mim foi muito bacana, eu acho que, eu vi um ensino extremamente organizado, eu vi as primeiras escolas profissionalizantes, porque o High School lá, ele, de alguma maneira te prepara para um primeiro emprego, né, nem todo mundo vai para a faculdade, para o College, quando termina o High School, e eu estudava numa escola estadual lá também e era um negócio assim enorme, tal, me mostrou, acho que assim, se eu pudesse te traduzir, resumir, é que organização _________, entendeu? Você fazer as coisas organizadamente tem as suas recompensas. Muito organizado, realmente, a escola, a cidade, enfim, acho que o que me marcou lá era aquela disciplina do americano. A gente às vezes critica dizendo que os caras são meio quadrados, o que não deixa de ser verdade, mas você não precisa ser quadrado também, então, é você aproveitar tudo de bom o que você pode daquilo que, das convivências que você está tendo, né?
P/1 – Eu queria que você falasse para a gente como é que foi o curso superior? Que lembranças marcantes que você teve dessa época? Eu queria que você falasse um pouco para a gente.
R – Olha, eu entrei na GV em 75, né, no final de 75 e sai em 79. A GV é uma escola muito legal porque ela te dá uma visão técnica e ao mesmo tempo ela fomenta bastante, um lado mais humano também. Então você tem desde uma aula de Finanças, uma aula dura, clássica, extremamente formal, depois das sete e trinta você tinha que estar na sala, se não tivesse você não entrava e era reprovado por falta se tivesse um número x de faltas e as provas eram aos sábados, começava às oito da manhã e terminava às três da tarde. Muitas vezes às três da tarde você não tinha conseguido terminar as provas ainda. Então tinha desde uma aula assim até o Maurício _________, né, que era uma aula absolutamente, o cara terminava e você tinha vontade de, quer dizer, levantar e bater palma para ele. Então eu acho que a GV era muito eclética e, não sei como ela está hoje, eu tenho ainda alguns professores que eu conheço, eu converso, eu espero que ela esteja igual, mas na época, uma escola muito legal, muito legal. Fiz bons amigos na GV, não tão próximos quanto os do Rio Branco, né, assim, que pudesse ter chegado ao ponto de compartilhar problemas e segredos, mas muito bons amigos. Muitos conhecidos, a GV tem um certo espírito de corpo, eu acho que a gente se respeita e se ajuda em condições profissionais em que situações profissionais assim, eu exijo, menos do que a Poli, eu acho que a Poli tem um espírito de corpo mais presente, com certeza mais que a São Francisco, mas tem presente também, que eu acho que é uma coisa bacana, isso é muito presente nos Estados Unidos, não é, você é do alumni, você é daquela escola, e um puxa o outro, quer dizer, você, em condições normais de temperatura e pressão você sempre escolhe alguém que tenha aquela identificação com você. Eu acho que a GV tem um pouco isso. Como eu disse menos do que, com certeza, menos do que a Politécnica e a São Francisco, mas tem bastante também. E em termos de professores eu tive ótimos professores, quer dizer, como eu te disse eu tive desde um professor linha dura, de Finanças tradicional até um Maurício _________, um Sérgio ___________, por exemplo, de Sociologia, que também era um cara que terminava a aula e você tinha vontade de bater palma para o cara. Às vezes a gente não entendia muito bem, o ________ era um cara muito erudito, o _________ era mais pé no chão, muito mais, a gente não deve emitir juízo de valor mas, enfim, o ________ era com certeza um cara muito mais lido, muito mais completo do que o Sérgio, mas, ele conseguia descer mais, o Sérgio _______ dava aquela aula meio viajante, tal. Era legal, era legal. Então eu acho que a GV tem esse grande mérito, eu acho que ela faz o blend, a mistura, o equilíbrio entre essas matérias de natureza mais humana e as matérias mais técnicas e cada um escolhe o seu caminho. Eu acho que na GV você tem desde o pessoal que faz os Sobrinhos de Ataíde até presidente de banco.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho para a gente do seu desenvolvimento, da sua trajetória profissional. Qual que foi o seu primeiro emprego, como é que foi?
R – Bom, eu comecei como estagiário no Itaú, na área de operações. Era uma mistura do que hoje se faz em termos de crédito, né, emprestar dinheiro para a empresa e a parte de tesouraria, então era uma coisa que tentava olhar a relação de cada cliente com o banco. Eu trabalhei com profissionais muito, muito ricos, muito ricos, caras assim, com conhecimento técnico excepcional. O que para mim foi muito desafiante, e como eu era estagiário, era uma área nova dentro do banco, os estagiários acabavam fazendo os trabalhos que normalmente seriam do analista, enfim, alguém que tivesse uma experiência um pouco maior, então o que acelerou muito o aprendizado, não só meu como dos outros estagiários que estavam lá. Eu fiquei lá dois anos, nessa área, aí eu me formei, então o que eu fazia lá, só para completar, quer dizer, era basicamente, eu fazia um trabalho de analista financeiro, então eu fazia um trabalho na área de balanço, fazia análise dos produtos do banco, qual produto era mais adequado para qual cliente, quanto que aquilo rendia para o banco, quanto que cada produto gerava de fato receita para o banco, não só receita aparente, aquele juro que cobra, mas, enfim, as possibilidades que você tinha de, a partir de um produto vender outro, que aí, hoje em dia tem um nome mais bonito, chamado Cross Sell, mas que naquela época se fazia de uma forma, diria, um pouco intuitiva, mas se fazia também e se mensurava então a relação do banco com esses clientes. Foi um aprendizado bom. Eu fiquei lá dois anos e depois fui para a Philip Morris que todo mundo conhece, a empresa de cigarro, que faz o Marlboro. Eles fizeram um concurso na GV para quem tinha se formado naqueles dois anos que eu também tinha me formado e era para uma bolsa nos Estados Unidos, eu fui, eu ganhei esse negócio e fiquei seis meses trabalhando aqui no Brasil, chegou a seis meses? É deve ter dado quase uns seis meses aqui no Brasil e depois eu fui para os Estados Unidos, fiquei um ano e meio lá. Nesse um ano e meio eu fiz de tudo, eu fui trainee, então eu trabalhei em toda a área financeira, desde a área de contabilidade, mais chata, a uma área mais legal, de planejamento e numa área mais legal ainda que era a parte de finanças internacionais, então eu vi como funcionava as moedas, uma empresa que operava em outros países, tal, um negócio bem bacana e por fim, eu fui para o Estado da Virgínia, e a Philip Morris tinha planos muito ambiciosos para o Brasil e eu fui para a Virginia para acompanhar a construção de uma fábrica, fiquei lá um mês, mais ou menos, acompanhando um projeto junto de um cara que controlava o projeto de construção da fábrica para ver como é que eles faziam, porque eles tinham ideias de que aqui no Brasil eles iam crescer rapidamente, enfim, fiquei lá um tempão e eles também me pagaram um curso de pós-graduação que eu fiz na Universidade de Nova Iorque, chamado Diploma em Gerência Financeira, ________ _________ ________, que eu fazia de noite, três vezes por semana e um fim de semana sim e um não, quer dizer, um sábado sim, um não. Foi muito bom.
P/1 – Você ficou quanto tempo lá, Fleury?
R – Ah, eu fiquei quase um ano e meio, uns 15 meses, mais ou menos. Aí eu voltei para o Brasil para a Philip Morris também e aí eu fiz carreira na área financeira da Philip Morris, fiz de tudo também. Fui assistente do controller, depois fui gerente de orçamento, depois fui para a parte que eu sempre mais gostei que é a parte de planejamento, planejamento estratégico, casado com a parte financeira, a parte de orçamento. Depois fui superintendente da área financeira e fiquei, na soma do período todo, eu fiquei uns seis anos lá, aí eu recebi um convite da C&A, que, para ser o gerente financeiro da C&A. A C&A, na época, eu acho que tinha 22 ou 23 lojas no Brasil, hoje tem 122, né? E empresa seríssima, completamente diferente, eu estava vindo do setor industrial. Eu tinha trabalho em banco, indústria e estava indo para o comércio, então para mim foi muito rico também, trabalhei com gente muito competente, empresa muito focada, extremamente disciplinada e fiquei lá outros seis anos. No primeiro ano eu entrei como gerente financeiro e em seguida eu fui promovido a diretor financeiro, e aí eu peguei todas as áreas de, porque quando eu entrei eu era responsável pelo cartão da C&A, que é o embrião do IBI, é onde hoje eu trabalho, nasceu como cartão C&A, né, então a gente montou o cartão lá em final de 80, início de 86, mais ou menos, nem tanto tempo assim, são 20 anos, depois eu peguei então, eu fui promovido a diretor e aí eu peguei as áreas tradicionais, controladoria, planejamento, _______. Aí em 92 eu fui convidado pelo Citi para ir para o Credicard como vice-presidente financeiro, onde eu fiquei mais dois anos, fazendo basicamente o que eu fazia na C&A, mas aí numa empresa, num quase banco, né, a Credicard era um quase banco, vamos dizer assim, durante dois anos. Foi quando inclusive eu conheci alguns dos colegas que depois foram meus colegas num trabalho futuro que eu vim a ter. Eu fiquei lá dois anos e aí eu fui convidado para montar um projeto aqui em São Paulo de um banco chamado de investimento do Rio de Janeiro chamado Banco Marca. Eu montei toda a área comercial, junto com alguns colegas, né, quando eu digo eu montei, não sou eu que montei, quer dizer, eu e as pessoas que estavam comigo, a gente fez um trabalho de criação do banco, no braço comercial. Era um banco que basicamente fazia operações de tesouraria, montamos um banco aqui em São Paulo, eu fiquei lá quase quatro anos até mais ou menos junho de 98, quando o Citi me chamou de novo. Porque quando eu estava nesse naco de investimento, nessa área comercial, eu fiz bastante a área de mercado de capitais e operações de finanças corporativas, tal. O Citi me convidou para voltar, o Citi tinha feito a fusão nos Estados Unidos com o grupo travelers e dessa fusão, vamos dizer assim, em decorrência dessa fusão, o braço desse grupo travelers na área de banco de investimento era uma empresa famosa, meio até, assim, famosa e muito, com muita reputação, né, no mercado americano, chamado Salomon Brothers, que no Brasil era sócia de um banco brasileiro excepcional chamado Banco Patrimônio e nesse processo de fusão eles resolveram que o Banco Patrimônio não seria o braço de banco de investimento aqui no Brasil e decidiram então se desfazer da sociedade com esses banqueiros brasileiros todos jovens, competentíssimos, gente de primeiríssimo nível. E resolveram montar do zero o que seria a Salomon aqui dentro do Citi aqui no Brasil, que era um projeto bastante ambicioso, enfim, que está encontrando o seu caminho até hoje. Eu fiquei lá um ano, as dificuldades eram muito grandes pelas diferenças de cultura, o Citi é um banco mais conservador, tradicional, a Salomon é um banco de investimento que tem um programa de meritocracia muito claro, você não tem nenhum tipo de paternalismo como atividade que banco de investimento exigem, inclusive, e o Citi não, era aquela coisa mais da carreira, você fica aqui no Brasil então três anos e depois você vai para a Tanzânia, depois para Mauritânia, depois para a Tchecoslováquia, depois você vai para Paris, entra no circuito Elizabeth ____, aí você vem depois para São Paulo de novo, daí quando você tiver 50 anos e aí você vai ser presidente do banco, esse tipo de coisa. E o banco de investimento não tem nada disso, o banco de investimento é absolutamente meritocrático, quer dizer, o que você fez é aquilo que provavelmente vai servir de base para definir não só a sua carreira como também a sua remuneração. Então esse choque de cultura, eu acho que até hoje o Citi tem uma certa dificuldade em absorver, né? Eu fiquei lá um ano e aí um conhecido meu que tinha sido o meu chefe no Citi também, aqui no Brasil, um cara, assim uma das grandes lideranças no setor bancário aqui da geração anterior a minha, chamado Álvaro de Souza, que tem apelido de Alvarão, ele estava voltando, ele estava nos Estados Unidos, ele estava voltando para ser o Head da América Latina no Citi e ele me convidou para assumir a Redecard, que é o motivo aqui da nossa conversa. Isso foi em outubro, setembro, outubro de 89.
P/1 – Deixa eu voltar um pouquinho. Quando você trabalhou na Credicard, que você assumiu a vice presidência financeira, a tua experiência, eu queria que você falasse dessa tua experiência como o vice-presidente e essa coisa com o cartão de crédito. Eu queria que você contasse um pouquinho para a gente.
R – Olha, a Credicard era uma empresa única também. Eu acho que poucas vezes você vai conseguir assistir na história do capitalismo moderno três concorrentes, literalmente concorrentes, se unindo para criar um negócio onde os três são sócios em partes iguais. O sócio administrador é o sócio estrangeiro que por limitações legais não podia crescer no Brasil, na época, né, você não podia ter agência, o banco estrangeiro tinha limitações, tal, o mercado brasileiro é extremamente regulado, que é o caso do Citi, mas que tinha know how, porque o mercado de cartão estava muito mais desenvolvido nos Estados Unidos do que no Brasil, então a gestão era do Citibank, embora o Itaú e o Unibanco fossem acionistas em partes iguais. E o negócio era tão bom que os interesses, e interesses tão comuns, né, no desenvolvimento desse negócio, e a oportunidade de mercado tão única que o Credicard conseguia meio que se posicionar como um camaleão porque, apesar de ser uma empresa controlado por três bancos, ele criou uma personalidade própria muito forte, tanto, desculpa eu dizer, que os acionistas até hoje estão tentando matar a marca e não conseguem, quer dizer, já fizeram de tudo, já pisaram num tubo de oxigênio, vem pisando num tubo de oxigênio há muitos anos e o Credicard, na atividade dele, ele é mais forte que os sócios, pode falar o que quiser, que é o caso da Redecard também, que a gente vai chegar lá, e o Credicard é... Então foi uma coisa que me marcou muito, quer dizer, a força da marca, a qualidade do ______. Pô, a minha diretoria no Credicard, quer dizer, quando eu me lembro das pessoas com quem eu trabalhava, pô, o mais bobinho lá consertava relógio com luva de boxe, sabe, realmente um pessoal muito competente. Se você for ver a trajetória profissional de cada um, é muito impressionante, quer dizer, todo mundo se deu bem, todo mundo se deu bem.
P/1 – E eu queria que você, nessa época, quando a Credicard decide, separar o negócio, quer dizer, criar a Redecard, você não estava mais lá?
R – Não, mas eu sei exatamente essa história aí, a gente sabia que isso ia acontecer. O último ano que eu fiquei no Credicard, porque o que que aconteceu? O Credicard, ele se diferenciou de tal maneira, enquanto empresa, e ficou tão forte que o que em tese era um grande faz de conta, que era do tipo: “Olha, eu sou neutro. Apesar de ser, de três acionistas banco, eu sou neutro.” A gente chegou a ter, emitindo por intermédio da Credicard, quando eu saí de lá, 52 bancos, até quando eu saí continuou crescendo, chegou, acho, a 58, 60 bancos, não sei. Quer dizer, você tinha gente do porte do Banco Real, do Banerj, do Benj, do Banespa, eu estava esquecendo do Banespa, pô, bancos gigantescos emitindo por dentro porque eles não sabiam, não tinham, primeiro eles não tinham sistema. Sistema quando eu digo é a parte de sistema de computação, tal, que é um negócio, a razão, quer dizer, é a condição, é aquela condição que sem ela você não tem, tá, se você quiser de fato ser um jogador nesse mercado de cartões, você tem que ter sistema, se não tiver sistema, você não vai ser jogador de nada. De preferência seu, não na mão de terceiros. E o Credicard tinha tudo isso, então por absoluta ausência de alternativas, e por um bom comercial, na época o pessoal que era responsável na área de relações com o banco no Credicard, fazia isso muito bem, a gente conseguiu atrair um monte de bancos, então a empresa crescia uma barbaridade numa época de altíssima inflação, então eu não sou idiota. Se a gente crescia na velocidade que crescia, com um regime inflacionário ou uma economia sem estabilidade nenhuma de preço, como era a economia brasileira na época, imagina na estabilidade? Esse negócio ia arrebentar, né? Então quando a gente fez o último, que eu participei pelo menos do último planejamento estratégico na Credicard, a gente já previa, a Redecard não existia, não tinha nem o embrião dela, mas a atividade de relacionamento com o varejo, que a gente chama de (Aquarien?), já estava presente na chamada área comercial da Credicard, que era o embrião, assim como o cartão C&A foi embrião do Banco IBI, a área comercial da Credicard foi o embrião da Redecard, porque ela que se relacionava com o varejo. Então o modelo da Credicard era um modelo único no mundo porque a empresa que se relaciona com os varejistas normalmente não é a mesma empresa que se relaciona com os portadores, com as pessoas físicas, e nós éramos uma exceção e por isso a empresa foi aquele absurdo de lucratividade que todo mundo conhece. E um detalhe, nós não éramos bancos, então, mesmo na época em que o governo, de alguma maneira, desincentivava através de uma taxação excessiva, não sei se vocês se lembram, tinha imposto de renda dos bancos, você pagava o imposto de renda todo _______, não que não merecessem pagar, porque eles também incentivavam o governo a taxas altíssimas, enfim, não vem ao caso mas, mesmo naquela época, a Redecard, a Credicard, desculpa, ficou sempre à margem disso, porque ela não era banco, então quase banco ganhava dinheiro financiando os clientes através de financiamento que ela obtinha em nome dos clientes junto ao sistema financeiro e empresa com uma saúde financeira inacreditável. E ali eu aprendi também de que o negócio de criador e criatura, né, para mim ficou muito claro ali que quando você, quando a criatura começa a ficar muito grande e o criador começa a ficar enciumado, a obrigação dos gestores é tornar aquela empresa tão lucrativa e tão rica em cultura, em geração de talentos, em ocupação de espaço, e por consequência tão lucrativa que o cara fica com vergonha de te matar, ele morre, todo o dia de manhã ele acorda e fala: “Hoje eu mato.” Mas ele não mata porque ele não tem coragem, porque você está, como eu falei, você tem uma cultura tão rica, você está gerando tanto talento, tanta riqueza, riqueza não só econômica, riqueza no sentido de formação de pessoas, no sentido de quadros, né, que ele não consegue te matar. Literalmente ele não consegue te matar. Então no Credicard é isso, eu percebia claramente o mercado de cartões com uma perspectiva maravilhosa, o varejo, de uma forma geral, ainda era muito resistente ao cartão porque normalmente ele recebia em 30 dias do sistema de cartões, condição que persiste até hoje, até que é uma característica do Brasil, diferente dos outros mercados e por conta da inflação, isso tinha uma distorção muito grande, quer dizer, nesses 30 dias. Então você tinha setores como postos de gasolina, enfim, que eram absolutamente avessos ao produto e ainda assim o negócio ______. Então a oportunidade, para mim, sempre foi muito clara, sempre foi muito... E a decisão de criar, quando a gente viu, é que a gente sabia que em algum momento o modelo ia ser desafiado, porque razão no planeta, o Banco Real continuaria escravo, entre aspas, no sentido da gestão, né, do produto, do Credicard no resto da vida, ou o Banespa, ou o Banerj, ou a Caixa Econômica Federal? Isso para gente estava muito claro. Então a gente falou: “Em algum momento nós vamos que ter uma entidade que processa.” Quer dizer, que tem essa inteligência da infra-estrutura, que hoje é a Orbitall, que foi o segundo spin-off, a segunda cisão que houve dentro da Credicard, e a primeira foi a Redecard que também era claríssimo, que era esse lado com varejo, quer dizer, na medida que a economia se estabilize é claro que eu preciso ter uma estrutura independente, focada nisso e cuidando da expansão e da quebra de resistência que existia nesses setores de varejo que por algum motivo não aceitavam o produto. Isso para a gente era muito claro.
P/1 - Isso é extremamente importante para a gente entender. Então assim, pelo que você está colocando, é, esse spin-off que aconteceu com a Redecard e o mesmo com a Orbitall, dentro do seu planejamento estratégico, vocês já viam isso como uma necessidade?
R – Não, estava pronto.
P/1 – Tá, agora...
R – Porque era só a gente olhar o que aconteceu no mundo. Nós não somos mais inteligentes do que ninguém. Não era porque nós éramos visionários. Se alguém falar isso, mentiroso, mentiu, nós não éramos babacas, nós olhávamos o que estava acontecendo no mundo. Você para ter uma relação, como é que você pode ter numa mesma estrutura alguém que tenha capacidade, é só você olhar a atividade bancária. A atividade bancária que se relaciona com a empresa, chamado Setor Corporate, né, não tem absolutamente nada a ver com o Setor de _____. Os focos são diferentes, as prioridades são diferentes e por que o Credicard seria diferente?
P/1 – Agora eu queria que você falasse, você colocou uma questão que eu acho que seria assim, ficou claro, agora a questão da exclusividade, essa questão, isso que eu queria que você falasse um pouco. Até que ponto isso, de uma certa forma, a aquisição do Unibanco...
R – Agora que eu estou entendendo o porquê me convidaram para eu vir fazer esse depoimento aqui.
P/1 – É que você foi presidente da Redecard.
R – Não, mas é, eu tenho posições muito fortes a respeito disso.
R – Ah, perfeito, pode colocar.
P/1 – Porque isso aí é uma grande desculpa para os incompetentes, entendeu? Isto é uma bengala de incompetente. Em português bem claro, não existe uma relação nenhuma de exclusividade, não exclusividade, isso é uma grande besteira, uma grande bobagem. O que houve da nossa parte e eu me incluo nesse grupo, uma ganância excessiva, porque se nós tivéssemos sabido administrar o Credicard, e administrar o Credicard não é só atividade de cartão de crédito não, é administrar a relação com esses 58 bancos. Você poderia ter tido, entendeu, um, eu não digo que você poderia ter perpetuado um modelo, porque hoje é praticamente impossível, dado o tamanho que esse negócio ficou, mas você poderia ter tido uma sobrevida nesse modelo muito maior que você teve, o problema foi que a gente queria jujuba, né, é um para você, dois para mim, e isso não funciona, não funciona. Então houve uma ganância por parte da gestão que eu me incluo e acho que eu sou solidário no, vamos dizer assim no ____ Manage que ocorreu naquele momento e no diagnóstico também porque a gente achava que dava para esticar. Nós temos um grande teste de resistência, nós fomos esticando a corda até onde deu. E esse negócio de exclusividade é uma grande bobagem, isso é uma grande bobagem. O que houve é que o mercado se dividiu naturalmente, de um lado você teve o Itaú, Citi e Unibanco e do outro lado você teve o Nacional, que não existe mais, certo, o Nacional, o Banco do Brasil e o Bradesco. É tão simples quanto isso. E aí eles foram para a Visa e nós fomos para a Mastercard. O nosso modelo, modelo Mastercard, era e é até hoje superior ao modelo da Visa, né, com tudo que a Visa fala, a Visa é maior, eu sei que ela é maior, o modelo de fundamento técnico, de fundamento de business, não dá para comparar, não dá para comparar, é só você pegar a rentabilidade da Redecard e comparar com a dos outros. De novo, ganância, né? Todas as crises que nós tivemos do ponto de vista, nós não, é muito legal isso, não é, nós nunca, isso que é fantástico na Redecard e na Credicard, é um negócio muito louco porque as empresas por si só elas são tão ricas e tão fortes que os sócios não conseguem matá-las, embora elas sejam concorrentes, por quê? Porque elas são extremamente eficientes e extremamente lucrativas, com todos os problemas. Não éramos perfeitos, não, tá longe da perfeição. Podia ser mais eficientes, um monte de coisa, mas indiscutivelmente, se você olhar a sequência, a gente pode ter errado no timing, né, e por isso ter provocado essas crises que leva essa tal de exclusividade, bobagens. A decisão de um banco de emitir na bandeira A ou na bandeira B, é onde ele ganha mais dinheiro, meu Deus do Céu. Por que o Itaú preferiu emitir Mastercard naquela época? Porque ganhava mais dinheiro na Mastercard, porque ele era dono da relação com o cliente, dono entre aspas, ele tinha aquela relação formal com o cliente que ele mantinha e que ajudava na geração de lealdade daquele cliente para com o banco original Itaú e ele tinha, na outra ponta, a Redecard fazendo um negócio maravilhoso, porque ele era dono de 30% da Redecard e todo o resultado da relação com o varejo, ele ganhava 30%. Agora eu te pergunto: que produto bancário, que o maior banco do Brasil, que é o Banco do Brasil, tem 30% de marketing ___? Então isso sempre foi uma grande desculpa, cá entre nós, para, sabe aquele chá de ipê roxo, sabe, cuida, cura de unha encravada a câncer: “Ah, não, isso é por causa da exclusividade.” E aí ninguém sabia e a imprensa entrou nessa também, entendeu, não teve, isso é uma grande bobagem.
P/1 – Então assim, o que você está colocando assim, a questão da dualidade da bandeira, ela poderia ter sido administrado pela Credicard, você mesmo falou isso, que assim, que se vocês tivessem, vamos dizer assim, levado as coisas de uma outra forma isso poderia ter se estendido um pouquinho.
R – Poderia, poderia porque como a Credicard, o modelo Credicard, de novo, é impossível você, da maneira que ele foi criado, lembra? Você tinha três donos e vários bancos que emitiam ali, bastava os donos terem permitido que os emissores fossem sócios também. Aí que a porca torceu o rabo. Você entendeu? Pô, é mais ou menos como você frequentar um clube na condição de sócio-atleta, quer dizer, quando o teu filho nascer ele não vai poder frequentar, e obviamente o receio de você perder, porque o cartão de crédito, comprovadamente, talvez seja o produto que gere... Existe umas técnicas de mensuração de quanto vale um banco, independente de quanto vale a ação na bolsa, que é em função do portfólio do cliente, né, chama _____ ____ _____. Então, que é mais ou menos você imaginar a vida do cliente dentro do banco, enquanto ele te rende em termos de resultado e eu estou falando isso porque, talvez o produto que tenha o ciclo de vida mais longo na relação com um cliente na sua relação bancária, muito provavelmente seja o cartão de crédito, né? Então eu acho que o modelo da Credicard, em longo prazo, não se sustentaria por causa disso, não tem nada a ver com dualidade, porque é óbvio que o contrato da Credicard com a Mastercard, previa essa exclusividade, mas uma da Visa também. A gente estava falando do negócio de bandeira, dualidade. Se você conseguisse gerar, tudo isso que eu estou falando é num terreno hipotético, porque você, quando você lida com, vamos lembrar que as corporações são conduzidas por seres humanos. Seres humanos, por natureza, têm suas virtudes e tem os seus defeitos, têm as suas... em algumas situações essa característica é uma virtude e em outras defeito, que é a chamada soberba. Quando você tem muita soberba é muito complicado, muito complicado. Então você se cega, o sucesso cega as pessoas. O sucesso econômico, né, o sucesso na profissão cega as pessoas e as barbeiragens administrativas ou estratégicas que foram cometidas, 90% delas foram em função de comportamentos idiossincráticos de gestores. Porque o negócio em si tinha como se sustentar, né? Provavelmente a minha opinião deve se diferir bastante de outras pessoas, mas a vida é assim.
P/1 – Ah...
R – Quem que dizia que a unanimidade é burrice? Era o ____ Ponte Preta? Era, né?
P/1 – É verdade, a gente também concorda. A história é feita de várias visões, por isso que eu quero ouvir a sua. Então, eu queria que você falasse um pouco desse momento, porque aí a gente entra logo na Redecard, esse momento da relação da Credicard com os bancos, porque você colocou uma questão que é interessante, é exatamente três concorrentes que vão e montam uma empresa, mas tinha todos os outros bancos que estão concorrendo na periferia, estão do lado de fora dessa história e acabam...
P/1 – E que não tinham essa tecnologia, então se juntavam porque existia uma comunhão... Gente, vamos, ninguém é tonto, principalmente banqueiro, quer dizer, os interesses naquele momento eram comuns, eram comuns. O Banespa se quisesse emitir cartão de crédito, ele não conseguiria emitir cartão de crédito porque ele não tinha uma plataforma tecnológica, ele não tinha o conhecimento. Ele tinha que fazer através da Credicard. Se eu tivesse conseguido transformar esse processo original de sedução, que desculpa, não era, não precisou ser muito bonito para seduzir, porque era a opção disponível, você não tinha os chamados processadores independentes, enfim, o mercado evoluiu muito, mas naquela época, a opção deles era vir conosco, né? E ao vir conosco, se eles tivessem sido reconhecidos como, não apenas como parceiro de negócio, mas num segundo momento, na medida que a carteira de cliente deles, dentro do negócio Credicard crescesse e eu permitisse a ele que ele fosse acionista eventual dessa companhia, o modelo poderia ter ficado, ter durado muito mais do que durou. Independente da dualidade, a dualidade foi uma coisa que veio naturalmente. Gente, vamos lembrar como é que funciona, enquanto a pizza está crescendo, o tamanho da fatia não é o teu driver, o teu driver é crescer, certo? Pô, se eu mantiver a minha fatia, se eu tiver crescendo um pouquinho mais do que o mercado, no ponto de vista do gestor, eu vou ser reconhecido porque estou crescendo mais do que o mercado, eu estou ganhando o mercado. Mas eu, ao ganhar mercado, provavelmente eu estou invadindo a praia de alguém, mas com o mercado crescendo, invasão de praia não é exatamente, sabe, o problema é quando você começa a fazer usucapião, porque o cara fala: “Pô, pera aí, essa praia é minha.” Vamos relembrar como é que funciona. Na hora que o mercado dá uma estancada ou que você não consegue crescer mais, o caminho da dualidade é absolutamente natural, porque o próprio Citi, está o Unibanco de um lado e o que era Nacional, não, vamos tirar o Nacional do filme, mas quem substituiu o Nacional nesse mundo Visa foi o Real. Então o Real, o Banco do Brasil e o Bradesco do outro lado, ao esgotarem o seu portfólio Visa com os clientes e percebendo que o cliente tinha potencial para ter um segundo cartão, porque que ele não emitiria um Mastercard? De novo, se houvesse uma, lá em cima, se houvesse um equilíbrio, que eu falei que foi o que faltou e eu assumo e visto a carapuça: “Eu errei também.” Porque a gente não previu isso, esse modelo poderia ter perdurado por muito mais tempo. Não me pergunta por quanto tempo que eu não sei, porque de novo, são pessoas, pessoas têm o direito de ter o livre pensar, tem o capital, tem a vaidade, tem de tudo um pouco. Mas o modelo, com certeza, poderia ter durado mais tempo, e bandeira não é desculpa para incompetência.
P/1 – É o meu ____ está mudando um pouquinho. Opa, agora estou começando a perceber que o problema é a bandeira mais. Vamos voltar agora um pouquinho...
R – Não, ele foi um problema no momento que você teve essa visão tacanha dos dois lados. E a Visa cresceu mais rápido porque aqueles dois bancos estaduais eram... Gente essa história é tão simples, não sei se tentaram complicar a vida de vocês aqui, fizeram bobagem. Essa história é muito mais simples que isso. Os bancos estaduais escolheram o modelo Visa, porque eles se sentiram, nesse sentido, desassistidos no modelo Mastercard, por quê? Por essa mentalidade que eu fiz parte, eu errei junto com todos os colegas que estavam lá de tratá-los como sócio atletas e não como parceiros de fato, né? E no mundo Visa eles ouviam a ________ e o Canto da Sereia de que: “Não, aqui você será parceiro.” Que depois eles viram que não foi também, mas enfim, não importa, e com isso eles cresceram, é, verdade, cresceram, pergunta quem ganhou mais dinheiro?
P/1 – Vamos voltar um pouquinho, você...
R – A gente aprende. Todo professor de finanças, na minha época era na aula de finanças, demorava um pouco mais. Hoje em dia o meu filho que está na faculdade de Administração, na primeira aula de contabilidade você aprende um ditado que é famosíssimo: “There is no free lunch.” Para tudo que você fizer, do ponto de vista corporativo empresarial tem consequência, não tem free lunch, para o bem e para o mal, acontece. Nada do que você faz deixa de ter consequência, nada.
P/1 – Fleury, vamos voltar agora, você estava no Citi e você recebeu a proposta para ser presidente da Redecard.
R – Isso.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho para a gente o que era o negócio Redecard ou o que é o negócio Redecard?
R – Bom, ele nasceu, como eu te falei, o embrião foi a chamada área comercial da antiga Credicard, que era uma área focada e responsável pelo desenvolvimento do varejo, o lado do _________, que a gente chama em inglês, ou aceitação, quer dizer, quanto mais varejos, quanto mais empresas tiver aceitando cartão, porque esse negócio é meio dilema lá do Tostines, é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho? Quer dizer, o que que puxa o movimento de cartão? São mais estabelecimentos aceitando ou mais portadores com plástico? Eu te diria que são os dois. Tem um estudo, uma vez eu vi um estudo que a Mastercard fez, um estudo grande, no mundo todo. Aparentemente o fator de correlação mais pesado parece que foi encontrado na expansão do varejo, a medida que mais, quer dizer, que o cliente vê a possibilidade de uso, aquele que não tem e não tem uso, aquele que não tem ou que tem e não tem uso intensivo do cartão, a medida que ele é agredido visualmente pela presença da aceitação, da conveniência do instrumento, ele passa a usar, tá? A Mastercard fez esse estudo no ano passado, um negócio bacana. Eu diria para você que no Brasil pelo menos foi um negócio mais ou menos parecido, porque a gente tinha que, o Brasil era todo distorcido, aquele negócio de inflação provocou, a indústria pagou um preço muito alto do ponto de vista de inimigos que você não tem controle, né? O que a gente podia fazer com a inflação, a gente podia arbitrar, como arbitramos, ganhar dinheiro em cima dela, mas isso era outra conversa, outra conversa. Você queria saber, mas a pergunta que você fez com relação ao momento da Redecard ou o business?
P/1 – É.
R – Então o business é esse, é o negócio que cuida da relação com o varejo,. Através de meios de pagamento não só de cartão de crédito, mas também de cartão de débito, quer dizer, de meios de pagamento eletrônico. Isso para por um _______ de vale refeição, isso passa por muitas coisas. Hoje é focado em cartão de crédito e débito e agora a Visanet está mais pesada até do que a Redecard. Isso foi uma mudança da época que eu saí, quando eu saí da Redecard, nós tínhamos um acordo assinado com as três maiores empresas de refeição convênio, de exclusividade e por algum motivo alguém matou, não foi eu. A gente tinha uma dificuldade enorme de botar em pé em termos de lucratividade, mas em termos de volume, geração de ____ por parte de varejo, tal, isso para mim era muito claro, isso para mim era muito claro. Alguém matou, não foi eu.
P/1 – E eu queria que você falasse como você se sentiu quando recebeu a proposta para ser presidente da Redecard e por que você foi escolhido naquele momento para ser o Redecard na sua visão?
R – Olha, o porquê que eu fui escolhido, você teria que perguntar para o Alvarão, o meu chefe, eu acho que é porque ele confiava em mim. Nós tínhamos passado uma crise enorme no Credicard, enorme, nós tivemos um problema de gravidade platinum plus na Credicard, na área de crédito, vamos dizer assim, por excessiva agressividade, basicamente, então a relação entre os sócios se mostrava bastante abalada, na minha opinião. O Álvaro tem, embora ele não seja uma, o Álvaro tem um espírito conciliador muito grande, embora ele não seja uma pessoa calma, mas ele é de uma justeza, uma justiça, na realidade, de uma justeza em seus julgamentos, de uma transparência em seus comportamentos, que ele era a pessoas certa para reaglutinar os sócios naquele momento e acho que ele fez isso com muita galhardia. Acho que o Itaú e o Unibanco tiveram um comportamento maravilhoso também, não sei se eu teria um comportamento tão cavalheiresco quanto houve naquele momento, pelos problemas, da gravidade dos problemas vividos e nós viemos de uma crise, basicamente de uma crise. Eu acho que o Álvaro via, talvez pelo fato de eu ter trabalhado na Credicard, então eu já conhecia os conselheiros, já conhecia os acionistas, tinha com eles uma relação de muito respeito, principalmente, eu posso falar pelo meu lado, mas imagino pelo lado deles também, se eles não teriam aprovado a recomendação do meu nome ou a escolha do meu nome. Então porque o Álvaro pensou em mim? Eu acho que esse foi um fator, o segundo fator é que ele confiava em mim, confia em mim, somos amigos até hoje, é um dos ídolos profissionais que eu tenho, um cara, e muito justo, acho que eu aprendi com o meu pai esse lado também de que, se você tentar sempre ser justo na vida, um dia você vai ser, payoff também, um cara muito centrado e acho que ele viu ali uma oportunidade de por alguém de novo, que já conhecia os sócios, quer dizer, não seria um cara que entrasse e tivesse que passar seis meses para achar a porta do banheiro, entendeu? Então já sabia, mais ou menos, o que que era. E ele confiava muito na minha capacidade de julgamento também, e acho que confia até hoje, dada a amizade que a gente tem e, modéstia a parte, eu sou capaz de entender como é que uma empresa deve se posicionar. Acho que isso é uma característica pessoal minha, eu tenho crenças fortíssimas, eu não tenho medo de errar, eu não tenho medo de pedir desculpas, eu não tenho medo, eu não tenho aquela, entre aspas, aquela viadisse corporativa, entendeu, do tipo, eu errei, mas eu vou até o fim para mostrar que sou eu quem mando, eu acho isso uma babaquice enorme. Você errou, você percebeu que errou, pede desculpa, meu, toca a vida para frente, não tem... Acho que isso naquele momento na Credicard era também importante, eu herdei uma companhia, o Lívio, que foi o meu antecessor fez um trabalho muito bonito. O Lívio percebeu a importância, porque quando nós nascemos e peço aos colegas da Redecard a liberdade de continuar conjugando na primeira do plural, né, quando nós nascemos, nós éramos o patinho feio, né, porque a atividade de emissão de cartão que a Credicard tinha era muito mais lucrativa do que a atividade de relação com o varejo, mas o pessoal era totalmente míope porque eles não entendiam o que que dava para fazer no momento que você separava os negócios, porque alguém que sentasse na cadeira ia começar a olhar e: “Bom, isso daqui a gente faz e ganha dinheiro assim.” O que mais que dá para ganhar dinheiro, não é? Que é uma pergunta natural. Só que antes disso você precisava criar a personalidade, eu acho que o Lívio foi muito feliz nisso, foi extremamente importante. O Lívio é uma pessoa que exerceu uma liderança muito grande, ele percebeu que a primeira coisa que ele precisava fazer, porque embora ele fosse uma pessoa jurídica à parte, era assim, era o andar de baixo da Credicard, né, era no mesmo prédio físico. Pô, continuava sendo a área comercial. Que por um acaso não era a área mais charmosa, né, a área mais charmosa era a área de marketing, era relações com os bancos, normal, né? Então o Lívio percebeu e lutou muito, meus colegas que foram escolhidos pelo Lívio, inclusive, para irem para a diretoria da Redecard e lá permaneceram quando eu cheguei, todos, de quem eu tenho muitíssima saudade, eles eram um, todos extremamente competentes no que faziam, eles souberam passar ao Lívio a necessidade, o Lívio rapidamente pegou, porque o cara era inteligentíssimo, rapidamente pegou a necessidade de fisicamente sair de lá. Então eu acho que a Redecard tem marcos muito claros na sua história, né, então a chegada no prédio da Paulista é um marco enorme, porque ali foi o grito de independência, né, do tipo: “Patinho feio o escambau. Vocês acham que eu sou o patinho feio eu posso ser até hoje.” E o Lívio foi muito importante na criação dessa personalidade, na briga, o Lívio era guerreiro, entendeu? Na briga, no foco, o Lívio não gosta de despesas, assim como eu, na necessidade, a Redecard é uma empresa muito rica, ganhava muito dinheiro, então, com o comportamento, que não seja mal compreendido o que eu vou dizer, mas com o comportamento relativamente perdulário, do tipo, “Nós somos tão lucrativos que nós nos permitimos alguns exageros.” Acho que isso fica até melhor do que chamar o comportamento de comportamento perdulário. E o Lívio não, o Lívio era um cara, ele percebia claramente porque nós não tínhamos aquelas margens enormes do financiamento, tal, a gente trabalhava num ______ mais apertado e era o início da estabilidade econômica, né, o Plano Real veio lá em 94, o grande boom de cartão no Brasil foi justamente nesse período aí, 95 começou, aí nós tivemos problema da crise que eu falei que nós tínhamos que baixar a bola e tal. Quer você queira ou não, acaba pegando a Redecard também, que não teve nada a ver com isso, mas acaba pegando por osmose, porque a gestão era do mesmo sócio, né, tanto de uma, quanto de outra e quando você provoca uma, quando você tem uma crise, quando você gera esse tipo de instabilidade, é muito difícil você ser feliz quando o teu irmão está infeliz na mesma casa, então a gente passou por isso e o Lívio foi muito importante. Então o Lívio gerou essa personalidade, gerou essa preocupação, essa disciplina com o lado do gasto, ele meio que deixou um terreno bacana. Eu acho que num lado estratégico poderia ter sido feito mais coisas, poderia, mas só o fato de ele ter deixado aquilo como ele deixou, com essa cultura de resultado da meritocracia e de você ser responsável pelo que você faz, isso foi muito bacana, de imputar e dar um _______ para as pessoas, isso vem muito dele. Aí, quando eu cheguei, então a companhia e as pessoas por conta do problema lá da crise da Credicard também, as pessoas tinham aquela do tipo: “Pô, precisamos fazer um planejamento estratégico. O que será de nós?” E até os meus colegas, se tiverem paciência de ouvir tudo que eu estou falando eles vão morrer de rir porque foi literalmente isso mesmo. Eu tinha quinze dias de companhia e eu falei: “Os caras tão tudo louco. Que planejamento estratégico? Os caras não precisam fazer nada. Nós temos que focar no que estamos fazendo.” Quer dizer, porque o boom na área de cartão vinha, as pessoas não estavam enxergando o boom no cartão de débito, quer dizer, eu, pela vantagem talvez de estar chegando fresquinho, pato novo e tal, então eu consegui enxergar essas coisas muito claramente, então os caras estavam tudo, eles estavam ainda lá na procissão lá das Filipinas se chicoteando, quando eles deveriam relaxar e largar o pau, que foi o que a gente fez, na atividade principal da companhia, que era o que? Crescimento da base, afiliação, quanto mais lojistas melhor, expandir a captura eletrônica, a gente ganhava muito mais dinheiro, tornava a empresa muito mais eficiente, uma disciplina militar, militar no controle de gastos, no controle de despesa e neutralidade junto aos emissores. Neutralidade. Porque pô, eu não sou idiota, eu já tinha e já confessei aqui que eu fiz parte da equipe que errou no diagnóstico de que a corda poderia ser esticada, se não indefinidamente, muito mais do que de fato poderia, então eu não ia errar de novo. Então a gente tinha que ser uma empresa, embora gerida e todos nós fossemos funcionários do Citibank, com total independência, nós tínhamos que pensar na Redecard, e essa foi a mudança em relação, não que o Lívio não fosse fazer, acho que normalmente ele faria, mas que ele preparou que eu fiz e eu acho que isso foi a minha grande, a herança positiva que eu deixei para os meus colegas que estão lá hoje, que era isso, quer dizer, que a Redecard tinha que pensar nela, a Redecard, o desenvolvimento e o crescimento da Redecard, se acontecesse, traria naturalmente uma satisfação para o acionista. Não tinha que pensar no acionista, tinha que pensar na Redecard. Tinha que cumprir, fazer o filme daquilo que a Redecard tinha nascido para fazer, né? E a gente largou o pau, aí foi uma delícia, né, porque eu motivei muitas pessoas, eu trabalhei muito do lado do ____ marketing, ajudado pelo Irélio, que é o meu guru. O homem que tem, eu conheço um monte de gente que entende de comportamento de funcionários, comportamento de pessoas de ambientes em empresa e tal, mas o Irélio é aquele que tem a mão no pulso, o Irélio é impressionante, ele antecipa, percebe quando as pessoas estão motivadas ou quando estão murchas, estão excessivamente excitadas, ele tem essa capacidade de leitura muito grande. Me ajudou demais, a gente trabalhou muito nisso. E eu brincava dizendo: “O segredo da Redecard é tornar a missão dos sócios, de acabar conosco, impossível, nós temos que ser pornograficamente lucrativos, nós temos que ser pornograficamente eficientes, nós temos que satisfazer todo mundo.” Então essa preocupação em fazer certo, que eu acho que foi uma coisa legal que eu ajudei com a equipe toda, a coisa é fazer certo, fazer direito. Entender o negócio. A gente mudou completamente os relatórios da companhia, os caras não entendiam porque, e essa foi uma das vantagens, o fato de eu ter trabalhado em indústria também. Banqueiro não sabe muito bem e não sabe mesmo a diferença de custo fixo e custo variável, não sabe. Então ele não entendia direito como funcionava aquele negócio, então a gente colocou quase em métodos industriais, a atividade de captura eletrônica, a atividade de captura manual, antecipação, enfim, um monte de coisa. Acho que outra boa herança que a gente deixou lá, que agora está mudando um pouco em função de necessidades de adaptações que o mercado exige e que a própria bandeira também acabou exigindo, foram a antecipação de recebíveis para os lojistas, quer dizer, isso é uma coisa extremamente subexplorada, as pessoas faziam até com uma certa vergonha, então o que a gente fez foi, perdemos a vergonha de ser feliz, quer dizer, a gente criou áreas específicas e com focos de atuação em grande cliente, médio cliente, pequeno cliente. O pessoal entendeu como é que funcionava isso, a gente passou a dar transparência ao resultado dessa operação de antecipação de pagamento para os lojistas dentro dos resultados de companhia e dentro dos resultados de cada uma das pessoas que faziam, dentro da área comercial, a relação com isso, quer dizer, motivando mesmo. Os acionistas, eu propus, os acionistas me apoiaram, a gente mudou completamente a remuneração das pessoas, a gente colocou a diretoria, enfim, os executivos num outro patamar de remuneração completamente diferente, completamente diferente do que eles tinham, assim, da água para o vinho, acho que isso foi uma conquista também. E essas coisas foram se somando também, as coisas foram se somando e eu prometi para eles, quando eu entrei, porque no Citi tinha aquela história dos cinco anos, então eu tinha como meta passar a Redecard, porque a Redecard passasse o Credicard em resultado em quatro anos e infelizmente eu errei porque nós passamos em três. Eu até fiquei muito triste na época. E o que foi motivo de orgulho, e a gente despertou, e isso colocou o pessoal, porque lembra, nós nascemos patinho feio, quando eles perceberam que dava, porque foram todas as coisas acontecendo e isso que as pessoas precisam entender, que nada é por acaso, então o Lívio fez aquele primeiro caminho de geração do orgulho Redecard, porque, e ele foi muito feliz nisso, ele falou: “Pô, nós não podemos ficar à margem da Credicard o resto da vida. De jeito nenhum.” Então ele pavimentou esse caminho muito bem, ele meio que definiu muito bem o negócio da Redecard. A gente entrou bombando, principalmente no débito que ninguém entendia direito o débito, eu falei: “Meu, vamos para as cabeças.” E o débito, obrigatoriamente, passa pela expansão do parque de ______, por exemplo, então a gente bombou mesmo. Então em termos de desafio e criação e orgulho, eu acho que essas coisas foram se somando, então aquele primeiro movimento, o segundo movimento que a gente fez foi esse de dar transparência aos números, de mostrar o que cada negócio gerava para que a gente pudesse focar em cada negócio e apertasse todos os parafusos. Não precisava sair apertando todos os parafusos, é para este negócio eu aperto esse e esse. Nós fomos nos tornando muito mais eficientes, muito mais eficazes naquilo que a gente fazia. E a companhia cresceu muito e isso foi gerando um orgulho, nós entramos realmente, sabe quando alinhamento integral e total dos astros, né? E a gente ganhou tudo. Ganhamos a empresa mais rentável do Brasil, a melhor empresa para se trabalhar, nunca fomos a melhor empresa para se trabalhar porque, engraçado, eu nunca confiei naquilo muito não, porque a gente era a melhor empresa para se trabalhar porque as pessoas tinham muita liberdade. Eu sempre dizia o seguinte: “Não vamos confundir liberdade com maluquice e nem com inconsequência.” Quer dizer, liberdade significa: “Eu sei o que eu preciso fazer, conheço as regras, a ética e as regras de conformidade que os acionistas exigem, que a educação nossa exige. Agora eu vou sempre fazer da melhor maneira que eu posso.” Se todo mundo tiver sempre fazendo da melhor maneira que pode, a gente vai chegar lá. E não deu outra, e não deu outra, né, então a Redecard é um case realmente, é um, deu saudades assim da equipe, do espírito. No quarto ano eu brincava com eles que eu já estava ficando vagabundo porque o pessoal estava tão no mood, tão no espírito que a minha função era mais de ficar, sabe aquele cara que fica com o mata-mosca na mão, quando o cara quer sair um pouquinho da linha você pá! Então era só dar tapinha e às vezes os caras iam aprendendo e a gente dava pouco tapinha e na verdade é que a equipe estava muito ajeitada, muito ajeitada. Momentos, hein, se eu tivesse lá hoje, não sei, estou a distância, não sei o que eles estão passando, o que eles estão vivendo, mas aqueles quatro anos foram um grande barato.
P/1 – Fleury, vamos voltar um pouquinho, eu quero que você fale duas coisas, depois eu vou querer alguns detalhezinhos desse teu relato da Redecard. Essa crise que passou na Credicard, que pelo jeito foi tão grave tanto para a Credicard, que até acabou afetando a Redecard, eu queria que você falasse qual foi essa crise, se não for problema e porque você acha que ela também afetava a Redecard?
R – Ah, a crise não é segredo porque o mercado todo sabe. Foi uma crise de crédito por um excesso, nós fomos excessivamente concessivos. Eu não estava lá, mas acompanhei porque, enfim, eu sempre tive amigos lá tudo. Excessivamente concessivos, fomos concessivos, vou ser redundante, fomos concessivos nas concessões, não é? E com isso acabamos alocando limites de crédito para as pessoas maiores do que elas deviam. Essas pessoas usaram esses limites, quer dizer, se alavancaram, taxa de juros vocês devem lembrar, aquele Fernando Henrique I, Fernando Henrique II, mexe no câmbio, mexe nos juros, quer dizer, aquilo tudo, segura o câmbio, sobe a taxa de juros, aquele pandemônio que foi e com isso as taxas de juros extremamente elevadas, a economia assim, numa, em ciclos de altos e baixos, os ciclos de altos e baixos, cada vez diminuindo mais, quer dizer, você não tinha três anos de ciclo de alta com dois de baixa mais três de alta, quer dizer, a cada seis meses era céu, inferno, céu, inferno. Isso é muito ruim porque, lembra que os modelos de créditos são modelos estatísticos, quando as séries históricas diminuem o seu acerto diminui também, né, você acertar o momento de entrar e o momento de sair fica, digamos, mais difícil de você acertar, e a gente perdeu muito dinheiro. E ao perder muito dinheiro, você teve uma mudança no corpo de gestão, na postura do acionista, o acionista que aceitava estar mais a distância. Porque entendia o que estava sendo feito, acompanhava, concordava. Lembre-se que são três acionistas de peso, nós estamos falando de gente muito, muito competente, então ao dar essa liberdade aos gestores, é porque eles entendiam e compreendiam o que estava sendo feito. E em algum momento, essa liberdade, talvez tenha, traído talvez seja uma palavra pesada, mas talvez ela tenha sido, não tenha tido os seus limites respeitados, vamos dizer assim, e com isso os acionistas também se aproximaram muito mais da empresa, passaram a acompanhar muito mais, queria entender o que estava sendo feito. Isso acaba gerando, mesmo que você não queira, um reflexo, e simultaneamente a Orbitall estava sendo criada também, foi logo depois da crise. Que também já exigiria, por parte do acionista, uma presença maior. Mais próxima, porque o novo negócio, assim como a Redecard tinha sido criada, a Orbitall tinha sido criada, então acaba afetando a Redecard, eu diria que, onde você mais sentia esse efeito, que não é nem negativo nem positivo, mas é um efeito, de fato, uma mudança, era na velocidade. Eu sempre fui meio ligeirinho, eu sempre gostei de fazer as coisas meio rapidinho, uma vez que eu acreditava e que eu fazia um teste de sanidade naquela ideia e as pessoas todas diziam: “Não, eu acho que é isso mesmo.” Quer dizer, no momento que eu ouvia: “Acho que é isso mesmo.” Morreu, para mim estava aprovado ou quando me perguntassem, já estava feito, né? Então isso acabou afetando a Redecard nesse sentido, mas a gente conseguiu, eu acho, eu sempre tive, faço questão de registrar, eu sempre tive apoio integral dos acionistas à minha gestão, eu estou falando, à minha gestão. Mesmo quando a gente mexia em alguns produtos que, como é que chama quando você mexe na grana dos outros? Como é que chama isso? Mexeram no meu queijo. Né, mesmo quando eu mexia no queijo dos acionistas, eles sempre me respeitaram muito, sempre me apoiaram demais, quer dizer, eu não tenho. Algumas situações o acionista gestor poderia ter sido muito mais agressivo do que foi e pagou um preço alto. A gente teve na mão verdadeiros diamantes, que eu olhava ele passando no rio e falava: “Gente, mó diamante!” E ficava aquele marasmo, assim, enfim...
P/1 – Que diamantes eram esses, Fleury?
R – Ah, não, diamantes mais oportunísticos, não eram diamantes de, não eram uma mina, eram diamantes que escapou e entrou no rio, mas passou, pô, era só pegar.
P/1 – Mas qual, por exemplo?
R – Ah, a gente teve vários, na crise cambial, por exemplo, nós tínhamos a oportunidade de ter feito algumas operações de levantamento de recursos internacionais para a companhia que teriam dado assim, sem erro, tá, e eu provo o que eu estou falando, teria dado mais 200, 300, 400 milhões de dólares para a companhia, rindo, rindo e nós não fizemos por n motivos, mas principalmente por motivos de incompreensão e ignorância na época com relação ao que se pretendia fazer com aquilo. Porque a nossa dinâmica era uma dinâmica completamente diferente das dos bancos, a gente tem uma capacidade na Redecard, por antecipação de recebíveis, a gente tem uma capacidade de trocar o preço, né, porque banco quando empresta, se ele não empresta longo, ele não consegue mudar o preço, a taxa, porque ele já emprestou, né? Imaginando, estou falando de contratos pré-fixados, tá? No caso da Redecard, eu faço, como ela não é banco, eu faço sempre por um ciclo máximo, quer dizer, um ciclo médio de 40, 60 dias em função do parcelado, mas enfim, por via de regras é 30 dias, então a minha capacidade de reprecificar é muito grande, então se o mercado oscilar eu não perco, eu consigo reprecificar, a minha perda é absolutamente marginal. Além de que os spreads eram muito mais altos do que no sistema bancário tradicional. Eram muito mais altos, né? E com isso a gente deixou, naquela crise cambial, a gente deixou, por exemplo, de tomar dinheiro em dólar no exterior, seria imediatamente convertido para reais, quer dizer, travada a taxa de juros, eu não quero ser muito técnico, mas enfim, quem é do ramo está entendendo o que eu estou falando, a gente teria a condição de ter travado a 50, 60% do CDI, que é a taxa de juro básica, sem mexer na taxativa. Isso daria, por baixo, por baixo, 200, 300 milhões de dólares a mais de resultado, por baixo, porque eu acho que poderia ter dado mais, porque eu queria fazer por dez anos. Começa que não me deixaram fazer, mas eu queria fazer por dez anos, aí me obrigaram a fazer por cinco e aí arrumaram um jeito de não fazer a operação, entendeu? Quem não arrumou o jeito de não fazer a operação que vista a carapuça, mas perdemos uns 400 milhões de dólares aí rindo, rindo.
P/1 – Fleury, eu queria que você falasse um pouquinho, que produtos que existiam na Redecard quando você assumiu a presidência?
R – Os produtos não eram muito diferentes do que ficaram e do que são hoje, até. É muito mais o mix que eu acho que mudou bastante. Nós éramos eminentemente crédito, marginalmente débito, tinha um pilotinho para fazer lá o vale refeição, que era absolutamente embrionário, tinha um pouco de captura para financeiras independentes, também marginal e não era marginal, mas também não era tão importante como ficou, a parte de antecipação de recebíveis também. E aí o que a gente fez, e isso era muito em decorrência do que, porque eles não entendiam, lembra quando eu falei que banqueiro não entende custo fixo e custo variável? Eles não entendem conceito de margem e de contribuição, e a gente identificou cada um desses produtos e olhou quanto custava para fazer cada um deles. Bom, se eu sei quanto custa para fazer e eu sei quanto rende, eu sei quanto tem de margem, portanto eu vou redistribuir de acordo com que cada um me dá de margem e o que o mercado me propicia, então a gente focou muito no crescimento do débito, que eu acho que a última estatística que me falaram, acho que já passou o crédito, em número de transações, em grana não, mas em número de transação já passou. O Rave foi uma loucura, esse realmente foi uma loucura, o que a gente fez lá foi uma revolução, a gente criou mesas dedicadas, como se fosse um banco mesmo era um mini banco, onde eu acho que eu mexi mais no queijo dos acionistas, mas de novo, a gente ganhava tanto dinheiro que os acionistas diziam: “Ah, deixa esse cara em paz porque ele está ganhando tanto dinheiro.” Que é o que eu dizia para os caras, enquanto a gente tiver ganhando esse monte de dinheiro, de uma forma saudável, de uma forma coerente, de uma forma ética, né, não tem nenhum problema. Então esse era, os caras vão cada dia respeitar mais a gente, e eles sempre respeitaram e sempre deram mó força.
P/1 – Fleury, eu queria que você falasse para a gente um pouquinho quais foram as estratégias utilizadas pela empresa para ingressar nos novos segmentos, nos novos setores, por exemplo, turismo, entretenimento, o que é que foi essa estratégia que foi feita na sua gestão e por que que você achou importante?
R – Não, isso era decorrente, porque, quer dizer, a gente, lembra que eu te falei que, anteriormente, você tinha alguns setores que eram meio avessos a cartão, tal, então esses tabus começaram a ser quebrados, tal, e eu percebia que tinha algumas coisas com potencial enorme. A parte de turismo eu já tinha, na minha primeira passagem pela Redecard, a gente já tinha tido, um interesse pelo setor de turismo muito grande, que depois, por razões, que eu também não sei quais, o setor foi meio que relegado à um segundo plano, tal e eu percebia, a gente tinha uma oportunidade enorme ali. Porque as características do setor são muito interessantes, você tem o ticket médio muito alto, você tem um perfil de cliente muito interessante, formador de opinião, tal, então era muito importante a gente estar nesse segmento de restaurante, tal. Que como nós, por características do acionista, do Citi, que sempre colocava a rentabilidade, não que eu seja contra, mas é uma característica do acionista, colocava a rentabilidade absoluta, à frente da rentabilidade duradoura, né, isso por uma característica do Citi. O Citi sempre, sempre privilegiou o curto prazo, sempre, né? Enquanto eu lembro, você também deve lembrar de uma teorias modernas de mensuração de valor falam em lifetime _______, né? Então eu acho que lifetime ________ do Citi deve valer alguma coisa, no Brasil, deve valer alguma coisa como dois dias, então eles olhavam demais o curto prazo, demais o curto prazo e a gente, então tinha essa meio que distorção e alguns setores eram, no momento do foco e no momento da geração da relação, eles eram, talvez relegados a um plano inferior do que eles poderiam de fato fazer, né? Então a gente teve uma preocupação muito grande em fazer isso. Uma outra preocupação que, se você lembrar, os nossos acionistas e principais emissores eram o Citi, Itaú e Unibanco, são bancos eminentemente metropolitanos, então nós tínhamos uma presença muito grande nas capitais e uma presença muito fraca no interior, então a gente lançou um negócio chamado Projeto de Interiorização. Foi um trabalho que hoje, o Presidente da Redecard que é o Anastácio, que era o responsável da área comercial na época, executou com, assim, grande qualidade. Nós tínhamos tradição de basicamente fazer as afiliações com força de vendas própria. A gente, com a experiência que a gente tinha tido na Credicard, na área de vendas de cartões através da utilização do que a gente chamava de EPS, Empresa Prestadora de Serviços, a gente criou as EPS de afiliação também lá, já existia meio assim, mas era um negócio. Aí foi para valer mesmo, entendeu, o Anastácio colocou gente olhando, tomando conta, tal, a gente fez uma expansão enorme no __________, mas enorme, enorme. Foi um negócio bacana, então o turismo, a interiorização, eu acho que o Rave, a antecipação foi também um negócio extremamente bem feito, bem conduzido. A velocidade na instalação e na manutenção e na criação de parceria com o varejo com relação às máquinas de captura, a POS, o foco nisso, para poder abrir caminho para o débito também. A aproximação dos acionistas, principalmente da Itaú, que tinha uma base de clientes enorme e que tem, o Itaú tem essa vocação pelo Electronic Bank, eu acho que talvez, dos bancos brasileiros, seja quem melhor domine esse negócio, um banco exemplar, enfim, nas suas atitudes, tudo. Eu percebi que se a gente conseguisse expandir e gerar para eles esse negócio, eles nos apoiariam e fariam com que, de alguma maneira, o cliente entendesse. Porque para os bancos era muito importante isso. Você imagina você substituir o processamento de um cheque manual, meu deus do céu. Compensação, carimbo, receber pela boca de um caixa, entra por transação eletrônica, imagine o que gera de economia de custos isso, né? Então essas coisas que a gente meio que desconfiava lá na Redecard, essas coisas ficaram muito claras, eu acho, nesses quatro anos que eu passei lá, que eu falei da parceria, da neutralidade, entendeu, “Vamos entender o plano do cara.” Eu brinco até hoje, independente do lugar onde eu estou, pergunta para o Zé: “Zé, o que você precisa?” Para ver se você consegue atender o Zé, ao invés de você ficar inventando, porque na Credicard, a soberba era tão grande e eu me incluo, hein, eu faço sempre a ressalva de que eu me incluo, a nossa arrogância era tão grande que a gente tinha solução até para problema que não existia. A gente já tinha a solução. Sem perguntar para ninguém, né? Então essa soberba, tudo, é um negócio que a gente eliminou lá na Redecard, eliminou. A gente pergunta para o Zé: “Zé, qual é o teu problema?” E aí você tenta resolver então realmente essa simplicidade que eu traduzo por foco, que eu traduzo por disciplina.
P/1 – Fleury, eu queria que você falasse um pouco qual foi a estratégia utilizada na sua gestão pela Redecard, quando você estava como Presidente da Redecard, para fazer com que os outros bancos fossem emissores da Mastercard? Vou pegar alguns exemplo, Bradesco, Real, tal.
R – É, isso foi uma parceria com a Mastercard, né? Eu tive a felicidade de, a pessoa que era responsável pela Mastercard, eu já o conhecia, digamos assim, de outros carnavais e a gente passou a visitar e tentar transmitir para eles essa transparência e essa independência de que a Redecard, apesar de três acionistas, ela seria, e a gente carregava aquele estigma, né, do ter esticado demais a corda na velha Credicard quando nem existia a Redecard ainda. Então foi um trabalho grande, um trabalho de formiga, um trabalho de absoluta consistência que começou com o Banco do Brasil, com o Bradesco muito difícil, com o Real menos, mas muito difícil. Eu lembro que o Real tinha tido uma experiência muito amarga na saída lá da Credicard, quando ele saiu, quer dizer, do mundo Mastercard para o mundo Visa. Uma experiência que eu acho que eles não gostam de lembrar muito não. Eu acho que foi muita transparência mesmo, quer dizer, mostrar e estimular. E banqueiro só conhece uma língua de estímulo, econômica, né? Então permitindo que eles participassem de uma forma financeira, diferenciada, em relação àquilo que, vamos dizer assim, que mandava a lei, a lei seria, no caso, a regra da Mastercard de que o famoso interchanging lá, o pedaço da taxa que você cobra dos lojistas isso é repassada para o banco emissor. Além disso tinha lá a figura da antecipação que eles não participavam, então a medida que a gente tinha da parte de cada um desses bancos, o aumento da carteira, o aumento do que eles geravam de faturamento e que a gente conseguia fazer com aquele lojista a antecipação, a gente passava também um pedaço do resultado no sistema de, a gente chamava ______ ______, comissionamento, de fato, né? Isso foi crescendo, eu acho que o HSBC foi um parceiro importante para corroborar essa, vamos dizer assim, essa tentativa, isso está mal resolvido até hoje porque de novo, as pessoas gostam de esticar a corda, então, e estão esticando de novo, então, e eu falei, lembra que eu te falei, quer dizer, no mundo corporativo não há nada que você faça que não cause algum tipo de repercussão, positiva ou negativa, não importa, mas tem repercussão.
P/1 – Eu queria que você falasse a respeito de duas coisas que você tocou exatamente, que é o momento atual, mas eu vou voltar. A questão do (rafe?) que é a antecipação, ah...
R – Dos lojistas.
P/1 – Dos lojistas. O processo dela, que você colocou, era um processo de mini banco esse processo aí, essa forma de atuar junto aos lojistas. Eu queria que você falasse um pouco o quanto, se a gente analisar desta forma, é uma concorrência para os próprios bancos acionistas, como isso foi comprado pelos acionistas esse produto, vamos dizer, dentro da Redecard? Ou como foi vendido, vamos dizer assim?
R – Não, não, de novo, são visões pessoais, né? E tudo tem uma correlação enorme com o momento histórico, que por sua vez está ligado ao momento econômico, que por sua vez está ligado ao momento interno da instituição, no caso, dos acionistas. Então, num primeiro momento, quando esse produto surgiu, ele surgiu na Credicard, as pessoas se esquecem, mas a gente fazia e fazia manualmente. Desconto de RV, que a gente vai ouvindo e vai lembrar desse negócio, aquele baita calhamaço assim que chegava dos bancos, com capa de lote, artesanal, vocês não têm ideia, mas muito lucrativo, então esse negócio surgiu lá. Pô isso para os bancos, naquele momento era prioridade zelinha, por que? Porque você tinha dez, quinze, vinte, ____ 50% de inflação ao mês onde, a mera arbitragem de depósito à vista com financiamento de título público te davam, assim, o foco dos bancos naquele momento era a eficiência na gestão do seu próprio caixa, não nesse assunto. E a gente começou a comer pelas beiradinhas alí. Esse negócio não durou para sempre, a estabilidade trouxe uma redução gradual da taxa de juros, tal, isso fez com que os bancos lembrassem que banco existe para reciclar dinheiro, ou seja, ele pega da sociedade de um lado e empresta para a sociedade de outro, ou seja, tem que emprestar, não só para o governo, né, então passou a ser importante essa parte, que coincidiu com a explosão do mercado de cartões também, porque a estabilidade trouxe aqueles, lembra que eu falei daqueles setores que não aceitavam? Todo mundo começou a aceitar. Então a indústria vem crescendo, gente, já há mais de dez anos num pais que cresce dois, a indústria vem crescendo há 30, no débito vem crescendo há 50. É animal, sabe. Tem muita, muita, muita, vamos dizer assim, o profit pool, o dinheiro disponível, o lucro implícito disponível só faz crescer, e aí na hora que o banco se viu com essa necessidade de retomar essa área de crédito mais tradicional, de, o ato de emprestar dinheiro, vamos lembrar que o Brasil não tem biropositivo de crédito, só tem negativo, enfim, tudo aquilo que as pessoas que são da indústria, que acho que vão ter paciência de ouvir o que eu estou falando, sabem que são condições básicas e necessárias para esse negócio funcionar, o Brasil não tem até hoje. Então você tem que criar mitigantes para diminuir os seus riscos e um grande mitigante é justamente a indústria de cartões, por quê? Porque o sistema Visa e o sistema Mastercard, eles trabalham em sistema de convênio e com riscos diluídos, então são, o varejo, o varejo tem 100% de certeza que receberá o dinheiro, ainda que o banco emissor quebre, porque a bandeira garante. E como que a bandeira garante? Por um sistema, enfim, de resseguro interno entre os bancos emissores, enfim, tem todo um mecanismo interno lá, mas o importante é o seguinte, o risco é zero no conceito das agências de _______, tal, ___________, tal, Mastercard e ________, não sei se o Visa é ou não. Mas, enfim, todo mundo recebe, então no momento em que você passa a ter a necessidade, lembra, diminui a inflação, os spreads caíram, então tem que emprestar. Bom, eu tenho que emprestar, mas pô, eu não sei como empresta para pequena e média empresa, porque não tem balanço auditado, não conheço, é muito mais no relacionamento. O que que dá no relacionamento? Cartão de crédito, tá? E porque que é importante? Porque o domicílio bancário do cara, onde ele tem a conta dele, ele sabe que todo o dia, todo o dia, com base nos últimos 30 dias vai entrar uma graninha. Então, emprestar garantido por esse fluxo, fluxo esse que é garantido mesmo que o banco A, o banco B e o banco C quebrem, porque o sistema garante, dão aos bancos que estão emprestando para o varejo com garantia nesse fluxo a certeza de que aquilo é um mitigante enorme, e é por isso que tromba. Por que lembra? A prioridade, a gente foi comendo pelas beiradas, a hora que eles perceberam não estavam mais só na beirada, a gente tinha, digamos, pego o queijo inteiro e aí começa a gerar um pouco de tensão e passa a ser importante, porque lembra, você também me perguntou o que a gente tinha feito no sentido de motivar aqueles que não eram acionistas a emitir mais Mastercard. Lembra que eu falei: “Olha, a gente deu uma participação na antecipação, tal.” Eles passaram a querer tudo, né? Daí essa grande revolução que está acontecendo no rádio, tal. Tudo tem uma razão, tá? Não há coincidência, algumas existem, mas, nesse caso...
P/1 – Este processo todo que ocorreu, isto levou, está levando, isso que você acabou de contar, levou, por exemplo, a busca pelos bancos a solicitarem para a Mastercard em serem, poderem fazer o seu próprio ________, ou seja, acabou um pouco essa questão de exclusividade, você acha que está um pouco ligado com isso?
R – Ah, essa história do seu próprio _______ é outra coisa que, isso é um grande, isso é um fogo de palha enorme. As pessoas acham, eu imagino, que vão ganhar dinheiro na relação com o Pão de Açúcar, por exemplo, se o Pão de Açúcar saiu hoje da base da Redecard, sabe o que acontece com ela? Nada. Ela ganha dinheiro na capilaridade, ela ganha dinheiro no projeto de interiorização que maturou, gente, maturou. Conforme o tio Fleury dizia: “Maturou.” Isso está se pagando agora e o cara, para chegar lá no interior do Mato Grosso, ele tem que ter escala, deixa o banco A, o banco B, quer ter um novo _______? Deixa ele ter, porque ele vai conseguir criar uma base de lucratividade no varejo periférico, e o varejo periférico é todo ele feito em cima POS, então é intensivo de capital, banqueiro não gosta, banqueiro não gosta, entendeu? Então a posição da Redecard é uma posição única, eu acho, de novo, de novo, é a soberba, é achar que dá para esticar a corda. Meu Deus do céu, deixa os caras ficarem sócios da companhia, meu, resolve o problema. Abre o domicílio bancário, sabe, tem um pouco de desprendimento. Vão-se os anéis ficam os dedos. E nesse caso não vão nem os anéis, hein, vai um mindinho, o do dedão fica, pô, o do pé que ninguém vê, fica também.
P/1 – Fleury, eu queria que você falasse um pouquinho como é que foi o processo de obtenção de lucro...
R – E só não acontecesse, de novo, por comportamentos individuais, gerenciais e idiossincráticos, só, só. É a incapacidade do diálogo com o desprendimento.
P/1 – Bom, então vamos lá, já que a gente está falando desse assunto. Como é que você vê o mercado de cartão de crédito hoje? Eu queria que você falasse um pouco disso e queria que você falasse um pouco do concorrente, como é que você vê hoje o posicionamento da Redecard e da Visanet?
R – Ah, eu sou meio suspeito para falar, né, eu sou meio suspeito para falar, porque eu, modéstia parte, ajudei muito e fiz a empresa ir para a frente, eu acho que ajudei nesse sentido e fiz que ela fosse para a frente, muito em cima da concorrência, do desafio, né? Enfim, eu tinha um monte de práticas do outro lado, de manipulação de números, de manipulação de estatística que eu sabia e era consciente delas, tanto que eu nunca fui persona grata, né, nesse sentido. Eu sempre falei a verdade, de preferência na cara e em público para deixar a coisa bem... Porque era a única arma que eu tinha, e eu sempre fui sabedor de que o modelo de negócio da Redecard era melhor do que o do concorrente, sempre soube disso, tanto que a gente ganhava tudo. E por conta disso, eu tenho bias, eu reconheço que eu tenho bias, eu tenho um viés pró-Mastercard, pró-Redecard, mas eu tenho hoje, no IBI, por exemplo onde eu sou presidente, eu já tenho 30, quase 35% do meu faturamento na bandeira Visa. Não tenho nada contra a bandeira Visa, mas em condições normais eu prefiro a bandeira Mastercard, até porque agora, com essas mudanças no _____ eles vão permitir que eu também trabalhe com antecipação, então isso para mim tornou-se ainda mais vantajoso, fazer através da Mastercard e não da Visa. O momento de cartão de crédito acho continua positivo. Sabe por que? Porque o Brasil é um país muito pobre, então quando você vê a pirâmide de distribuição de renda no Brasil, ela tem uma base animal e ela é assim, né, o triângulo de distribuição não é um negócio assim, é assim, e aqui no fim ainda ele faz assim, né, quer dizer, é um negócio que desafia até a geometria para desenhar, né, tamanha a concentração. Então, se o Brasil tiver um pouco mais, e imagino que vai ter, estabilidade e que a, enfim, que o país continue crescendo e a renda comece a melhor se distribuir pela economia, a informalidade diminui, as pessoas, as empresas que pagam impostos hoje, pagam impostos demais, mas elas sabem que pagam impostos demais porque tem um monte que paga imposto nenhum ou que paga de menos, não paga imposto nenhum, né, então na medida que essa informalidade diminua a carga tributária dessas empresas que são as grandes fomentadoras, mesmo, dos grandes investimentos, dos grandes saltos, né, vão vir dessas grandes empresas estabelecidas. Na medida que isso acontece, a quantidade de gente que está ali no limiar de tornarem-se elegíveis a ter o produto é muito maior do que em qualquer outro mercado, então sai um pouquinho, a quantidade de gente querendo, gente saudável, honesta, trabalhadora, entendeu, mas pô, o cara tem, você não consegue, ele não tem um fluxo de renda pessoal estável e nem previsível, então é muito difícil para você, a gente faz isso, principalmente o IBI, onde eu estou hoje, é o grosso dos nossos clientes são clientes classe C e D. A quantidade de gente que entra e sai da elegibilidade, né, o produto, é muito grande, é muito grande. Então eu acho que o momento continua positivo, continua positivo. E acho que vai continuar crescendo acima de 20% ao ano.
P/1 – Fleury, eu queria que você falasse um pouquinho, quando foram adotadas políticas com relação, que diz respeito ao desenvolvimento de pessoas na Redecard, durante a sua gestão, eu queria que você falasse que valores estavam implícitos, por exemplo, dentro desta relação com o ser humano. No sentido, assim.
R – Ah, o principal, o principal era a meritocracia, não é, do tipo, se você... Primeiro era dar as condições das pessoas se desenvolverem profissionalmente, no ponto de vista educacional também, segundo, a renovação, né? A meritocracia eu acho que foi, sem dúvida, um negócio muito presente lá, ou seja, quem faz merece, a gente criou mecanismos de reconhecimento de pessoas muito claros e a gente escolhia realmente a dedo essas pessoas porque, ao serem reconhecidas, elas eram pessoas que eram de fato reconhecidas e as pessoas entendiam: “Olha, aquele cara que é bom para caramba foi reconhecido.” Quer dizer, isso cria um mood muito favorável à dedicação e a geração do comprometimento. Então a gente deu as ferramentas, cobrou, os que responderam foram remunerados. É meio, esse negócio é meio moto-contínuo, então o valor principal era o comprometimento com o reconhecimento. E lembrando que a gente ensinava a pescar também, a gente não dava o peixe, quer dizer, a gente propiciava as pessoas, que elas se desenvolvessem pessoal e educacionalmente. O Idélio trabalhou muito firme com palestras, com apoio de técnicos, nos mais variados assuntos, os problemas motivacionais, convenções, a gente sempre celebrou cada conquista, isso foi um grande barato lá também, quer dizer, desde a obtenção de uma mera certificação ISO-9000, que a gente comemorava também até quando a gente ganhou a melhor empresa para se trabalhar, a segunda melhor empresa para se trabalhar, uma das melhores empresas para se trabalhar, até a empresa mais lucrativa do Brasil, né, que ganhamos aí. Os quatro anos que eu estive lá, os quatro anos nós ganhamos. Hoje eu não sei, quando eu estive lá ganhamos, os dois, para se trabalhar e a mais lucrativa. E éramos também, nas pesquisas de lojistas, vistos como maior prestador de serviço, a bandeira, de preferência, não era Mastercard, era Visa, mas isso é pela quantidade de portadores, e pelo tamanho de verba da Visa. A Visa tem, sei lá, 100, 200 milhões de dólares para gastar em publicidade no Brasil e a Mastercard tem 30, então é meio Davi e Golias, né?
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho, Fleury, o que a Redecard representou para você?
R – Eu acho que a Redecard deu muito mais para mim do que eu dei para ela. A Redecard me propiciou que eu me testasse enquanto gestor naquilo que eu tinha de mais importante como valores e crenças pessoais enquanto gestor. E isso é muito bom e são poucos os profissionais que tem a sorte que eu tive, porque você só consegue fazer essas coisas, quando as coisas estão dando certo, né meu. Então como o mercado cresceu, com o vento a favor, fica mais fácil, não que não dê para fazer, pelo amor de Deus. Quem tem perseverança, quem tem vontade e atua com ética sempre consegue, né? Às vezes demora mais, às vezes demora menos. Eu fui feliz porque o mercado crescia também. Então a companhia crescendo, e essas crenças se mostrando corretas e vencedoras. A empresa deu muito mais para mim, quer dizer, eu acho que eu adquiri, enquanto gestor, enquanto profissional, uma confiança no taco, vamos dizer assim. Não que eu não tivesse, mas ali eu falei: “Pô, não é que esse negócio pode dar certo mesmo?” Foi uma coisa muito gratificante, muito gratificante. Eu tenho carinho, eles sabem disso, eu tenho carinho pela companhia que eu acho que poucos ex-presidentes têm em relação a, principalmente por ter ficado tão pouco, né? Porque muitas vezes você faz a tal carreira, então você trabalha há 30 anos na empresa e se o cara disser que não gosta da empresa o cara merece ser morto, então porque que ficou lá, né? E uma das características, por conta do Citi, que foi o sócio-gestor durante tantos anos, eram de que os ciclos eram pré-definidos e limitados, lembra, quem mais ficou na Credicard ou na Redecard deve ter ficado quatro anos, que fui eu, nunca ninguém ficou mais do que isso. Talvez o Hélio Lima tenha ficado, que hoje é o nosso, de novo eu estou me traindo aqui na primeira do plural, que é Conselheiro da Redecard até hoje, acho o Hélio Lima tenha ficado mais que isso na época que ele foi Presidente da Redecard, mas não tenho certeza. Sempre foram ciclos curtos que se somavam em momentos diferentes e tal. Então eu sou, eu tenho uma gratidão e um carinho pela companhia muito grande, espero que seja recíproco.
P/1 – Fleury, eu queria que você falasse um pouquinho, como é que você imagina a Redecard daqui há dez anos?
R – Tudo depende da Redecard. Ela vai ser o que ela quiser ser. Ela vai ser aquilo que quem tiver lá tiver, parafraseando uma pessoa que eu não gosto e que ninguém tem boas lembranças, mas é o nosso Presidente Collor: “Tem que ter saco roxo.” Tem que ter capacidade de independência de ação, com muita responsabilidade para que os acionistas compreendam que aquilo que está sendo feito, está sendo feito com responsabilidade e com coerência em relação ao negócio da companhia. E tudo isso que eu estou falando é muito bonito, isso é meio filosófico, tal, mas pô, na prática é isso mesmo porque... E não pode piscar. Se você fraquejar, você morre. Então depende muito das pessoas que estão lá. A capacidade delas de dizerem muito mais não do que sim. Para dizer sim é muito fácil, eu recebo uma ordem do meu acionista e faço. Dizer não e conseguir argumentar o porquê eu estou dizendo não e porque que eu não vou fazer aquilo que me pedem é que vai dizer onde ela vai estar. Ela pode ser, provavelmente, a maior empresa do Brasil, como pode ser um dos 50 ______ do mercado. Vai depender das pessoas que estão lá. Eu não estou mais lá, inclusive. Daqui 50... Você falou dez ou 50?
P/1 – Dez anos.
R – Cinquenta eu acho que não estou aqui, dez anos espero estar. Onde eu gostaria que ela estivesse? Fosse a maior empresa do Brasil.
P/1 – Você colocou um pouquinho no começo da entrevista da questão dos acionistas estarem querendo matar a marca Credicard, eu queria que você falasse um pouquinho...
R – Não, isso é no sentido figurado. Ninguém quer matar um ativo daquele, quer dizer, é no sentido, “Olha o bicho, olha a criatura que nós criamos.” E aí começa a ofuscar o criador, é complicado.
P/1 – Mas hoje você percebe que hoje mudanças nesse negócio do Credicard, assim, o negócio do Credicard mudou.
R – Mudou muito, né, e o Unibanco saiu da sociedade, a sociedade é repartida somente entre o Citi e o Itaú, ninguém sabe o que vai acontecer com a marca, quem é que vai ficar, tem um acordo, o acordo não é público, o que eu ouço e o que eu sei é que eles estariam explorando conjuntamente a marca por três anos e depois o Citi compraria com, eu sei lá, sei lá.
P/1 – Ah, essa mudança do negócio, você acha que ela, vamos dizer, a Credicard hoje, se a gente for pensar nela enquanto empresa...
R – Já são duas, porque hoje tem a Credicard, Itaú está sendo anunciada hoje na mídia, existe o Credicard Itaú e o Credicard Citi, e o Citi não assina, o Citi continua assinando o Credicard, pelo que eu entendi, muito provavelmente a marca dele vai ficar com o Citi. Como é que isso se casa na estratégia mundial do Citi? Não me pergunta, porque não casa. Porque a grande franquia do Citi é o que? A marca e ele está comprando a Credicard por causa da marca, se ele comprar a marca com desejo de migrar o prestígio da Credicard para dentro do Citi, começa que é antagônico porque o Credicard é universal, o Citi é classe A e B, meu Deus. Isso não é problema meu também.
P/1 – Eu sei, só estou tentando entender...
R – Não é problema meu. Não que eu não tenha dito, tá, que enquanto eu fui leal, como sempre procuro ser ao meu empregador, eu sempre dei a minha opinião mesmo quando não perguntado. Sempre tive essa característica de falar mais do que devia.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho, você falou um pouquinho do impacto da sua passagem para a Redecard, tanto na sua vida profissional, eu queria que você falasse um pouquinho da sua vida pessoal e quais foram os grandes aprendizados que você teve lá?
R – Olha, a Redecard, ela, como é que, esses quatro anos que eu passei lá, eu realmente dei muita sorte também, enfim, as coisas deram certo né, então eu tive uma chance muito grande de, eu consegui, vamos dizer assim, ter do meu lado pessoal um espaço de tempo maior, mesmo que o tempo não fosse físico, mas mental, pelo menos, de dedicação à família. Porque quando as coisas vão bem, as coisas vão bem, você tem que ficar atento quando as coisas vão bem, indiscutivelmente, quando, e lembrando que a função profissional da gente é aquela que gera nossa renda, que por sua vez estabelece o equilíbrio da casa, né, então isso foi muito bom. E me permitiu então, elaborar mais as coisas de convivência e tal. Acho que foi muito positivo. Eu nunca achei que a Redecard fosse, assim, uma grande família, acho isso uma bobagem, eu acho que nós tínhamos lá pessoas sérias, trabalhadoras, honestas que tinham um objetivo comum e que tinham um DNA parecido, isso é muito importante também, que é o que eu tento fazer hoje no IBI, né? Quando o DNA é parecido fica mais fácil, né, então nós tínhamos assim, características comuns de personalidade, de educação, tal, isso facilitou bastante e acho que pelo fato de a empresa estar indo bem, eu tive a chance de talvez ser mais companheiro em casa, mais parceiro de mulher, filho, só me fez bem, só me fez bem.
P/1 - Para ir finalizando, eu queria que você falasse para mim, Fleury, qual é o seu maior sonho?
R – Pessoal ou profissional?
P/1 – Os dois.
R – Pessoal é ter a certeza que a gente deixou uma herança de valores para os nossos filhos e para a nossa família, baseado em dignidade, honestidade, que, integridade, eu acho que é a palavra mais, que abrange todas essas que eu falei. Tem uma frustração enorme, eu acho que a minha geração é uma geração de merda, eu acho que a gente arrebentou com o Brasil e, não que eu fosse, não uma visão romântica, não é nada disso, é uma visão prática, pô, é só olhar o que está acontecendo. Para quem não lembra hoje é dia 21 de setembro de 2006, então, você me disse que esse negócio vai para a internet, então pode ser que alguém acesse isso e: “Pô, o que esse cara está falando?” Provavelmente vai ser pela internet porque você não conserta o Brasil em menos de 50 anos, que não seja pela educação, né? Então o meu grande sonho pessoal seria, eu pessoalmente conseguir passar para os meus filhos e para a minha família essa preocupação com a integridade, né, não importa o que você faça, faça bem, faça direito, ao seu alcance, né? E profissional? É continuar respeitando as pessoas e que as pessoas me respeitem, que entendam o meu jeito de ser. Talvez eu não seja a pessoa mais fácil de se conviver, também não sou a mais difícil, e ter a oportunidade de continuar fazendo o que eu faço, porque eu adoro o que eu faço, eu, nesse sentido, também me considero uma pessoa muito feliz, assim como eu acho que eu sou um cara extremamente bem casado, né, aí, 25 anos de, comemoramos boda de prata aí, uma família super bacana, tal. Eu gostaria que, profissionalmente, eu tivesse a oportunidade de continuar ajudando, né, e claramente vendo prevalecer os valores de ética e de recompensa. Eu acho que se a gente for ético e a gente tiver um sistema de recompensa justo, você vai estar, não importa a empresa que você trabalhe, o tamanho da empresa que você trabalhe. Você pode ser dono de um restaurante, você pode ser um pequeno empresário numa pequena cidade no interior, até presidente de uma super multinacional se você conseguir passar, permear pela organização, a meritocracia, a justeza, mais do que a justiça e a ética? Putz, ninguém te segura, então assim, um grande sonho, né, eu sei que isso não vai acontecer, mas se você conseguisse para mim seria um grande barato.
P/1 – Fleury, eu queria que você falasse para gente o que você acha da Redecard estar comemorando os seus dez anos de existência colhendo depoimentos de funcionários e ex-funcionários.
R – É por isso que ela é a Redecard, pô, e não é a outra. É por isso que ela é a Redecard, talvez ela tenha muito presente essa cultura, esse respeito aos valores, às pessoas, à meritocracia. Ela não é perfeita, está longe de ser perfeita, mas é uma grande empresa e por que, o que eu acho? Minha resposta é exatamente essa, é por isso que ela é a Redecard e não é outra. Aliás, ela nunca vai ser a outra, o dia for a outra eu mando matar todo mundo que está lá. Literalmente. Eu acho que eles vão achar muito engraçado, ____: “Pô eu sabia que ele ia falar isso.”
P/1 – E para finalizar, eu queria que você dissesse o que você achou de ter participado dessa entrevista?
R – Para mim é motivo de orgulho. Como eu te falei, eu tenho respeito, eu agradeço muito acho que a Redecard, repito, ela me deu muito mais do que eu dei a ela, em primeiro lugar e em segundo lugar eu tive a felicidade de trabalhar com gente, principalmente no Conselho, né, a parte dos acionistas, gente de uma qualidade no diálogo impressionante, tinha que ser de circo para tomar o queijo deles e deixá-los satisfeitos. Sou muito grato, acho que realmente são pessoas de uma qualidade intelectual impressionante. Os colegas que eu tive, todos, inteligentíssimos também, de uma qualidade intelectual, assim, fantástica e por isso que eu digo que eu recebi muito mais do que eu dei para a Redecard e participado é uma honra, realmente é uma honra e não é de boca para fora. Inclusive quando o Irélio falou comigo eu comecei a rir e eu falei: “Pô, Irélio, só podia sair da sua cabeça um negócio desse.” É aquilo que eu te falei da mão no pulso, tal. E isso não é só o Irélio, não, isso é extensivo ao Anastácio, que é um ícone, né, tem 35 anos de grupo, acho que é esse o número. O próprio Irélio tem isso também, o Edson, o Fábio Palmeira, o Henrique, a Mariana, enfim, o pessoal que, sem esquecer ninguém, Virgínia, Burdini, agora eu comecei a falar não posso esquecer, Marta... Quem mais? Tenho que ir por área que assim eu não esqueço... Patrício, Paulo (Curru?), o Rui da segurança, é gente muito, muito, muito fechada com a empresa. É um trabalho hercúleo querer mexer no queijo da Redecard, o cara vai ter que ser craque, que a turma alí... O rato vai ter que ser muito rápido porque os gatos são do ramo. Acho que é isso.
P/1 – Então Fleury, eu queria agradecer pela sua presença e pelo seu depoimento.
R – Obrigado.Recolher