Projeto Redecard
Realização Museu da Pessoa
Depoimento de Regina Helena Martins Affonso
Entrevistada por Márcia Ruiz e Deise Daou
São Paulo, 28/06/2006
Entrevista REDE_HV002
Transcrito por Raquel Martins Reis
Revisado por Ana Calderaro
P/1 – Bom dia, Regina.
R – Bom dia.
P/1 – Boa tarde já, né?
R – É.
P/1 – Gostaria que você dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Regina Helena Martins Afonso, nasci em São Paulo.
P/1 – Data de nascimento?
R – Dia quatro de setembro. O ano pula, né? (risos)
P/1 – Tá bom. (risos) Qual é o nome dos seus pais?
R – Papai chama-se William Vivian Martins e mamãe chama-se Celina Plácida Guenin Martins.
P/1 – E você sabe a origem da sua família?
R – Opa, todinha. Uma coisa que eu curto muito. Inclusive, às vezes, quando eu paro pra pensar que todos os meus avós são brasileiros, mas todos os meus bisavós eram estrangeiros. Então, tem uma mistura muito interessante, não é? Porque eu tenho um alemão casado com uma pernambucana, um espanhol casado com uma índia, então, tem umas coisas bastante interessantes, não é? Apesar de predominar na raça o espanhol, tenho bisavó italiana casada com um francês. Quer dizer, é uma mistura bem bacana.
P/1 – E qual era a atividade profissional dos seus pais?
R – Mamãe foi professora a vida toda e meu pai, por um grande período, era empresário. Depois, um belo dia, ele resolveu criar uma asa um pouco mais própria e por muitos anos ele foi vendedor. Hoje já estão com idade de estar curtindo um pouco mais a vida, estão aposentados, mas papai foi vendedor uma grande parte da vida e a minha mãe professora.
P/1 – Sua mamãe era professora de que matéria?
R – Mamãe foi professora de primário, depois de um tempo ela fez geografia, se tornou bacharel em Geografia, e atualmente ela continua ainda dando aula, mas uma coisa completamente diferente, porque a minha mãe mora no exterior. Então, hoje, no exterior, ela dá aula de espanhol, de português do Brasil e de português de Portugal. Então, ela continuou na linha de ensino porque ela adora ensinar, mas lá ela mudou um pouco as coisas, então, hoje ela dá aula de línguas.
P/1 – E eles estão morando onde hoje?
R – Minha mãe... Porque meu pai, meus pais se separaram depois de 28 anos de casados. Minha filha, inclusive, já tinha um ano quando isso aconteceu e mamãe hoje mora em Los Angeles, em Palm Springs, e papai mora em Itapetininga, aqui no interior de São Paulo. Me largaram sozinha aqui em São Paulo.
P/1 – E me diz uma coisa, Regina, seu pai era empresário, ele tinha empresa do quê?
R – Ele tinha uma loja de vidro, né? Onde tinha a colocação de vidro, espelhamento. Ele, o auge daquelas peças em Murano... Eu lembro que tinha peças maravilhosas na loja, isso outro dia, na década de 1960, 1970. Então, era uma loja de vidro onde se fazia colocação e espelhamento. Inclusive, eu tenho ainda hoje na minha casa um espelho que eu coloquei no corredor, porque era a única forma. Foi meu pai quem fez, quem espelhou esse espelho. Ele é todo feito em cristal, tanto que hoje você olha, o espelho tem 35 anos e são pouquíssimas as manchas que ele tem. Um espelho de quase três metros de comprimento e que usava-se muito para colocar sobre o buffet da sala de jantar. E esse espelho ainda está lá em casa. Eu me orgulho, foi papai quem fez aquela coisa, aquela coisa bem de quem curte muito, né?
P/1 – E teu pai depois passou a ser vendedor, mas ele vendia basicamente o quê?
R – Acessórios de automóvel, né? Então, ele viajava porque ele não estava lá dando muito certo, aí houve o auge de uma marca de acessórios para Corcel e ele resolveu, curtiu, foi vender. Então, era coisa de acessórios de automóvel,e com isso ele criou os cinco filhos que ele tinha.
P/1 – Me fala um pouquinho. Você se lembra de quando você era criança, do bairro que você morava, da rua da sua infância?
R – É uma coisa muito interessante, lembro, lembro muito. Eu costumo dizer que eu fui criada assim: os dias úteis em São Paulo e os dias inúteis em Santos. Como papai era santista, nós íamos pra Santos todos os fins de semana, porém, era muito gostoso porque eu morava aqui em São Paulo numa vila da Vila Mariana. Quer dizer, pra quem nasceu e cresceu ali, é uma coisa bem... Coisa de quando você vê, às vezes retratam em algumas novelas... Eu lembro bem daquela coisa de poder brincar na rua, de poder correr, então, era muito mais gostoso porque a gente morava numa vila, numa ruazinha pequena. Era muito legal e eu era muito moleque, muito moleque, porque éramos eu e meu irmão que brincávamos. Meu irmão tinha dois anos a mais que eu, então era o moleque, vivia rezando o terço e algum gesso em algum canto também, mas foi bem legal. Então eu tinha, em São Paulo, uma vida de brincar direto na rua nas horas que podia, em que não tinha que fazer lição, estudar. Chegava o fim-de-semana e tinha aquela coisa de estar em Santos. Eram duas vidas totalmente diferentes, porque até a liberdade que a gente tinha era totalmente diferente, a criação... Eu tenho uma tia que hoje está bem idosa, ela é catedrática na língua portuguesa. Inclusive, ela foi estudar um pouco mais sobre isso porque a gente tinha uma vida dupla, no bom sentido, evidente, eu e meu irmão. Ela falou que na época, hoje perdi, a gente desenvolveu uma maneira diferente de se falar. A gente não falava nem como paulistano e nem como santista, porque a gente ficava naquela coisa, chegava em Santos, era tu viu, tu viste, tu vais. Chegava em São Paulo, era você. Então, a gente desenvolveu uma coisa que era muito legal, só pelo que estava sendo dito ela já sabia que éramos eu e meu irmão, porque a gente tinha desenvolvido até um jeito diferente de falar, né? Eram coisas assim, se eu for abrir o baú de memória de infância, coisas assim, de ter o privilégio de ter convivido até os meus catorze, quinze anos com bisavós, uma coisa muito legal, eu tive uma infância privilegiada. Graças a Deus foi uma infância onde eu brinquei muito, aprontei milhões e sempre tive muito aquela coisa de “papai, mamãe, vovó, titio, titia”, tanto é que todo mundo me tinha como a melada da família, porque todo mundo chegava, quando era pequenininha... Chegava aquele horário em que a gente chegava em Santos, aí chegava um tio, chegava outro tio: “Cadê minha queridinha? Cadê minha queridinha?” E era muito legal. Eu tinha o irmão caçula do meu pai, por exemplo, as namoradas acho que não gostavam de mim, porque de domingo à tarde ele só saía pra namorar me levando junto. Ele tinha que me levar, tomar sorvete no terraço, na Ilha Porchat. E eu era a sobrinha querida dele. Então, era uma infância em que cada detalhe que a gente lembra é muito rico de brincadeira, de lembranças, de amor, de união. Os meus bisavós, os avós paternos de papai, eles tinham muito isso, aquela coisa de união de família de espanhol, né? Isso é uma coisa que a gente até hoje fala, eu e meu tio João. Evidente que eu continuo sendo a sobrinha querida, apesar dele ter um monte. A gente fala que nós temos um tesouro que não tem preço, que foi justamente a vida que a gente teve, o amor que a gente teve, a união que a família vivia e teve, que foi uma coisa fora de série.
P/1 – E quais eram as brincadeiras? Você falou que vivia muito, brincava e tal, quais eram as brincadeiras prediletas?
R – Ah, empinar pipa, guerra d’água na rua, carrinho de rolimã, jogo de botão, futebol. Isso era mais em São Paulo, as coisas na rua eram em São Paulo. Até tinha aqueles momentos, carrinho de rolimã era mais na casa da minha avó de São Paulo, a gente ia lá pelo menos uma, duas semanas nas férias de meio de ano pra ficar na casa dela aqui em São Paulo. Ela morria de ciúmes da outra avó porque a gente entrava em férias em novembro, dezembro, ia pra Santos e só voltava quando começavam as aulas. Quer dizer, eram quatro, cinco meses direto lá. E em Santos era assim, a gente ia, passava o fim de semana praticamente no clube, então era aquela coisa, aquela bagunça gostosa de piscina, patinar, aprontar milhões dentro do clube até que mamãe é chamada, aquelas coisas, brincadeiras de crianças, né?
P/1 – Me fala uma coisa, Regina, seus carrinhos de rolimã era você quem fazia? (risos)
R – Não, não. Quem fazia os nossos era meu avô, pai de minha mãe, que era muito engraçado. Ele era cirurgião dentista, porém, ele tinha um quintal tão cheio de ferramentas e acessórios, porque o que ele curtia era fazer um monte de coisas. Se o sapato estragava, ele ia lá e arrumava. Então, quem fazia os nossos carrinhos de rolimã era o meu avô que, inclusive, uma vez fez pra gente uma balança na casa dele que era aqui em São Paulo. E teve um episódio muito engraçado, agora lembrando disso, em que o vovô tinha um caquizeiro muito grande que tinha um galho, e neste galho meu avô fez uma balança, uma pra mim e outra pro meu irmão. E eu lembro que a gente chegou e não percebeu, coisa de criança, a gente começou a balançar, balançar, balançar, balançar, de repente começou a cair tanto caqui, tanto caqui, tanto caqui, que eu acho que a árvore quase ficou vazia. A gente saiu encharcado, sabe, porque quanto mais a gente balançava, mais caqui caía, mais a gente ria, mais a gente balançava e virava aquela bola de neve. Quando a gente viu, o chão estava que era só caqui, acho que estavam todos muito maduros porque meu avô não tinha colhido, mas essa foi uma coisa que marcou muito legal. Tomamos, literalmente, um banho de caqui. Ainda bem que estava maduro e não doeu.
P/1 – Me fala, Regina, e as pipas? Eram vocês que construíam?
R – Pipa, sim. Inclusive, está programado para hoje à noite a gente fazer umas pipas pra molecada lá na chácara. Ainda falei pro meu marido: “Você não esquece de comprar Tenaz.” Se bem que no meu tempo a gente fazia com farinha, não é? Mas fiz muita pipa. Muitas vezes papai ajudava, uma vez ele fez uma pipa enorme, muito grande, muito grande, porque para poder empinar essa pipa, meu avô - esse que fazia os carrinhos de rolemã - fez um molinete,
vamos chamar de molinete, né, sei lá...
(interrupção)
R - Olha, é meio difícil, muito difícil, porque, justamente, o que até aconteceu: nós somos em cinco irmãos, porém, entre meu irmão mais velho e eu eram dois anos e meio, e entre eu e minha irmã são seis anos. Quer dizer, é muita diferença. E eu, em termos de primos, meu pai é o irmão mais velho, meu irmão é o neto mais velho. Consequentemente, eu não tinha, minha brincadeira era com meu irmão. Evidentemente que eu tinha milhões de bonecas, até pegava, brincava, mas cinco minutos depois... Não tinha como, até teve a época em que na turminha tinha meninas, mas eram tão moleques quanto eu porque também brincavam com seus irmãos. Aquelas pulseiras que se usava muito, de bolinhas de ouro, eu perdi a conta de quantas eu ganhei, porque ganhava, colocava no braço, saía pra brincar no dia da festa, e quando eu voltava já tinha sumido. O interessante é que eu era muito moleque. Eu fui ficar um pouco mais refinada acho que lá pelos meus dez, onze anos, que aí eu já comecei com aquela história do primeiro namoradinho e tal, mas até então não adiantava. E a vovó, mãe do meu pai, tinha ateliê de costura. Então, todo fim-de-semana eu chegava em Santos, todo fim-de-semana eu tinha uma roupa, qualquer coisa nova, e eu lembro que chegava em todas as festa, faziam vestidos, eu tive vestidos todinho bordados de casinha de abelha. Teve uma que me marcou muito, que eram bodas de ouro, bodas de prata de um tio, irmão da minha avó, e vovó me fez... Esse eu vejo, quando eu conto eu vejo a cena, sabe? É um vestido amarelo bem clarinho, todo de renda, lindo, maravilhoso, aquela renda... Tá, tudo bem. Chegando, eu fui brincar com meus primos e com meu irmão e passa dali a pouco a minha vó. Ela me puxa: “Regina, vem cá.” Aí que eu fui ver... Tinha na lateral do vestido um “L” rasgado desse tamanho. Aí foi minha vó pegar, dar uns pontinhos. Nisso eu devia de ter uns nove, oito anos de idade. Quer dizer, me vestiam de boneca, aquelas coisas, aqueles vestidinhos com as cirandinhas, as rendinhas entiotadas, mas vestir... Trajada estava, porém... Tanto é que eu perdi a conta de quantas vezes eu quebrei braço de pular, de correr, de fazer e acontecer. Foi isso.
P/1 – Você falou que você brincava muito com seu irmão, mas você tinha amigos também. Então, por exemplo, na vila...
R – Sim, sim, sim, tinha um monte. É que normalmente era assim: se o irmão ia, você podia, então era sempre com o irmão. Mas, sim, porque até acho que nós éramos... Na vilinha devia ser uma turminha de umas quinze crianças. Em Santos também era uma turma muito grande, a gente sempre teve. Na casa da minha avó, em São Paulo, era um monte de gente, tanto é que a delícia era a turma de cima fazer a guerra d’água contra a turma de baixo, aquelas coisas, derrubar a pipa do cara de baixo, sempre assim, com muitos amigos. Aliás, é uma coisa em que eu também me considero muito rica. Eu tenho grandes, grandes amigos, inclusive até nas fotos que eu trouxe. Ninguém vai entender nada, mas é o “quarteto”, que eu brinco, que é o meu marido, um casal de amigos, porque somos literalmente inseparáveis, tanto é que eu brinco que ela é minha irmã siamesa, porém japonesa. Mas pra mim, a amizade... A gente sempre teve muito amigo, muito amigo, muito amigo.
P/1 – E nessa época, tem alguma criança ou algum adulto dessa fase de vida que te marcou muito?
R – Olha, na minha família, toda ela, todos sempre me marcaram muitos. A gente sempre teve uma união legal. Tinham coisas... Eu curtia olhar pra um tio do meu pai, era cunhado da minha avó, eu achava o máximo porque ele era magro e alto, inclusive, ele chamava-se Onacir e eu inclusive brincava: “Esse é o meu tio Onassis.” Foi uma pessoa que me marcou. Agora, fundamental mesmo, que hoje faz 25 anos que ele se foi e que até hoje ele me faz falta, é meu avô, pai do meu pai. Vovô foi uma pessoa, assim, indescritível.
P/1 – O que é que tinha nele, que valores, que atitude que te marcaram?
R – Amor. Eu tinha uma diferença muito grande de culturas, colocando dessa forma. Por exemplo, do lado de minha mãe eu tinha dois avós, onde meu avô era cirurgião dentista, protético, farmacêutico, professor de física, química, biologia e falava cinco línguas fluentes, e minha avó era mais ou menos assim. Do lado do meu pai, eu tinha meu avô que aprendeu a ler e a escrever até o segundo ano primário e minha avó que fez até o primeiro ano do ginásio e depois resolveu partir pra costura. Então eram duas coisas, em termos de cultura, totalmente distintas, certo? E que se fizeram na vida legal, só que esse que não tinha cultura, mas eles tinham… Tanto é que a minha avó também era uma coisa fora de série, era uma coisa muito diferente a base. Tanto é que em 99% das coisas que eu falei aqui eu envolvi a família do meu pai, porque era aquilo, o amor, aquela coisa de avó, aquela coisa de avô. Meu avô também tinha isso, ele fazia os carrinhos de rolimã, cantava musiquinha, mas eu não sei se é a descendência também, porque ele vem pro lado do alemão o Güinin, tal, mas é uma diferença muito grande. E o vovô, meu avô Emílio, era aquela coisa de colo, sabe, não dá pra explicar. Eu convivia com todos da mesma maneira, porque todo fim de semana estava em Santos, mas a gente voltava de Santos e parava na minha avó Gisela. Mas não dá pra explicar. É aquela coisa acho que de afinidade, de amor, de cumplicidade. Então era o vovô que fez um monte de coisas, aquele que te protegia, aquele que não deixava minha mãe bater, aquelas coisas, entendeu? É uma pessoa que marcou muito, tanto é que tem uma história com ele muito interessante, porque o sonho do meu avô era me ver casando, e o vovô faleceu sessenta dias antes do meu casamento. Exatamente. Ele morreu no dia trinta de dezembro e eu casei no dia 28 de fevereiro do ano seguinte. E aquilo foi um choque, mas eu continuei porque era o sonho dele. Ele queria tanto que eu não vou mudar nada, eu só simplifiquei muito as coisas, passou e, logo em seguida, eu praticamente na lua de mel fiquei grávida e tal. Lá pelo sétimo mês de gestação, eu tive um sonho com o meu avô, era um sonho muito bonito. Estávamos eu, meu avô e meu pai num lugar, um parque como se fosse o Ibirapuera, e a gente estava andando, andando, andando. Nisso, meu pai some no sonho, aí eu vejo um viveiro de pássaro monstro, daquele que você entra dentro, e eu saí correndo. Já era grande, não era uma coisa que eu fosse menininha, não. Eu era eu naquele momento do sonho. Aí eu lembro que eu saí correndo e falei: “Vovô, olha que coisa linda, que coisa linda!” Aí nós entramos no viveiro, ele virou pra mim e falou assim: “Você sempre gostou de passarinho. Você lembra que você sentava no chão e ficava me ajudando a limpar?” Que ele sempre teve.“Ajudando a limpar as gaiolas e tal, não sei o quê.” Ele falou: “Pois é, você sempre gostou. Eu não pude...” Essa... “Eu não pude, não tive tempo de conhecer a sua nova casa.” Que era onde eu morava porque havia casado. “Porém, agora, como eu estou sempre junto de vocês e eu sei que, apesar de pequena, cabe uma gaiola, mande seu pai te dar um canário.” Ah, no dia seguinte eu estava ligando pro meu pai: “Eu quero um canário, eu quero um canário, eu quero um canário, eu quero um canário!” E, realmente, depois, papai trouxe o que a gente deu o nome de Badaró, viveu uns sete, oito anos. Quer dizer, era uma coisa muito forte a ligação que eu tinha com o meu avô. Não só eu, como meu irmão mais velho. Eu nunca vou esquecer que o vovô estava no caixão sendo velado e meu irmão tinha combinado que ele iria passar o Réveillon daquele ano em Curitiba, estava com passagem, tudo comprado. Aí meu pai falou: “Não, vai pra lá, né? Tá com tudo pronto, pode ir.” Eu nunca vou esquecer daquela cena também. Meu irmão chegou junto do caixão do meu avô, levantou aquele tule e falou: “Eu vou me despedir dele como eu sempre me despedi na vida.” Levantou a mão e falou: “Tchau, vô.”
(pausa)
R - É uma história muito bonita.
P/1 – Então, eu vou voltar um pouquinho.
R – E eu sou muito chorona. (risos)
(pausa)
R – Obrigada, aí depois você corta isso, tá, por favor.
P/2 -
Não, imagina. (risos) Eu queria que agora você falasse um pouco das escolas que você frequentou, Regina.
R – As minhas escolas foram uma coisa muito interessante também. Gente, se vocês forem fazer eu abrir baú, é terrível, viu? Eu estudei o primário num colégio que chamava-se Colégio Paulistano, que é ali na Rua Taguá. Depois de alguns anos, o Paulistano foi comprado por não lembro exatamente alguma coisa, houve uma separação da FEI, que era na Joaquim Távora, na São Joaquim. Houve uma separação dos donos, eles compraram o colégio e dali surgiu a FMU. Mas o prédio da época, da tradição do Colégio Paulistano continua ali na Rua Taguá. Aprontava muito, evidentemente, não podia ser diferente, e o pior é que eu aprontava muito mais porque eu era bisneta do fundador da escola, que era o avô da minha mãe. Então, eu era terrível a ponto de que eu não ia mais só parar na sala da diretora do primário, muitas vezes eu fui parar na sala do diretor geral. E eu cheguei a ter a audácia... Devia de ter acho que oito anos, por aí, oito, nove anos. Me levaram, eu aprontei tanto, tanto, tanto, e as reclamações não chegavam pra minha mãe, né? A coisa ficava só lá porque, imagine... Meu irmão aprontava tanto ou mais, né? E eu lembro que uma vez eu fui parar na sala do diretor geral e atrás dele tinha uma foto do meu bisavô. E o homem falou, eu cruzei o braço assim e fiquei olhando pra cara dele, e o homem falou, falou... Nossa, gente, eu lembro como se fosse hoje, que vergonha! Na hora que o homem terminou, eu olhei bem pro olho dele assim e disse: “Já acabou?” É a petulante, né? “Já acabou?” Ele falou assim: “Você me ouviu?” Eu falei assim: “Ouvi, mas não te escutei, tá? Tomara que o meu avô caia na tua cabeça!” Virei as costas e fui embora. Gente, era de uma petulância absurda, mas a gente aprontava muito na escola, tanto é que o meu irmão, no terceiro colegial... Ele estudou primário, ginásio e colegial. Eu não, só o primário. Aí depois eu quis ir com a turma que foi pro Roosevelt. No terceiro colegial ele recebeu uma suspensão, ligaram pra minha mãe e falaram: “Olha, Dona Celina, desculpe, mas a gente vai ter que dar uma suspensão.” Aí ela falou: “Mas, escuta, passou primário, ginásio...” Porque ninguém fazia nada, era muito interessante. Aí depois, ali, eu fui pro... Quase todo mundo do primário foi pro Roosevelt, que era ali, até foi quando construíram os novos prédios, que ainda estão lá e hoje são muito velhos, evidente. Estavam construindo os novos prédios do Colégio Roosevelt, então eles tinham feito, galpões e a gente estudava nos galpões. Dancei, porque quem nunca comeu melado, quando come se lambuza. A filosofia da escola era de portas abertas, você entrava e saía a hora que você quisesse. Nós matamos aula até não poder mais, a ponto de que eu repeti de ano por falta. Dali a gente foi pra um colégio mais perto de casa, que era o Paulo Sarasate, na Rua Humberto Primo, aí tinha aquelas coisas de matar aula pra ir namorar na Vilinha do Pecado, que é uma travessinha que tem ali na Humberto Primo, e a diretora ia atrás. Nunca fui muito CDF, era o suficiente. Se ´passei, tá legal, tô na média, era o suficiente. Passando, então tá perfeito. Se eu não passar, eu vou me lascar, porque o verão inteiro eu vou ficar de maiô na beira da piscina e não vou poder botar o pé na água, então, era o suficiente, nunca fui assim de grandes livros, né?
P/1 – Regina, que tipo de arte você fazia naquela escola?
R – Ah, era muita bagunça, era coisa de bagunça, de aprontar. De repente, como eu era muito moleque, aquelas histórias, o moleque vinha correndo, eu punha o pé. E essa história, aquele dia que eu fui parar no diretor geral, foi justamente por causa disso, porque eu pus o pé, o menino caiu, quebrou o braço e todo mundo viu que o menino caiu porque eu pus o pé. Já não era a primeira, foi um milhão de vezes, entendeu? Sabe, coisa de moleque? Era coisa de moleque. Então, você imagina, era um moleque de sainha pregueada, suspensório, entendeu? Era coisa bem de moleque mesmo.
P/1 – E me diz uma coisa, essa escola que foi fundada pelo seu avô, como é que era?
R – Bisavô.
P/1 – Bisavô, como é que era a escola, ela era uma escola particular?
R – Particular, é. Colégio Paulistano.
P/1 – E como é que era a filosofia dessa escola?
R – Eu não posso te falar muito como é que era a filosofia, primeiro, porque no fim das contas, com essa história de eu ir junto com a turma, eu só estudei no primário e era muito levada, era muito levada. Eu nunca vou esquecer uma vez que alguém esqueceu umas flores no... A professora estava brava comigo, alguém esqueceu umas flores no pátio, então bateram de sala em sala: “Ah, de quem era um maço de palmas?” “Ah, de quem era? Ah, é minha?” (risos) “Professora, pra você.” Meia hora depois veio, entendeu, mas é que eu não tinha como, não tenho como te falar como é que era porque justamente o que é que eles faziam? Eles super protegiam a gente, a mim e ao meu irmão, então, quer dizer, existia todo um rigor, toda uma série de coisas, mas eu não sofria nenhum, porque ninguém comunicava a minha mãe, entendeu, era uma coisa meio que de maluco mesmo, né?
P/1 – E me fala uma coisa, qual era a disciplina que você gostava mais quando você tava na escola?
R – Matemática. Sempre foi a que eu mais gostei.
P/1 – E você tem algum professor que foi emblemático? Que foi referência durante os seus estudos?
R – Bom, eu tenho, por incrível que... São coisas distintas, eu sempre gostei muito de matemática, mas tem um professor que... Nossa? Eu lembro muito, foi meu professor de história no ginásio, professor Carlos. Carlos Carroso. Ele, inclusive, era marido da diretora da escola e era uma coisa... Porque, aliás, se eu fosse lembrar bem, ele lembrava um pouco meu avô. E era muito engraçado, porque eu não gostava de história, eu nunca gostei de coisa muito decoreba, só que eu sempre tive aquela história de que eu era aquela aluna que estava sentada, olhando pro professor, né? Então, eu ia mal na prova e ele falava: “Mas, Regina, não sei o que aconteceu, você ficou nervosa, bem? Então faz um trabalho.” Porque ele não acreditava que eu não sabia nada de história, mas não por isso, ele era uma pessoa que me passava uma cultura muito grande, né? Ele era uma pessoa extremamente culta. Então, qualquer coisa que você colocasse, ele sempre tinha alguma coisa pra lembrar e associar à história, à história do Brasil, à história geral, né? Então, uma coisa que me marcou muito foi esse professor de história, esse professor Carlos.
P/1 – E você nos falou que você saiu do Paulistano, foi pro Roosevelt e lá você terminou o primeiro e segundo grau.
R – Não, não, eu repeti por faltas. Daí fui pra esse outro, o Paulo Sarasate, esse era perto de casa, mamãe comandava mais. Fiz o ginásio e, depois dali, o colegial eu fui fazer no Rui Bloem, que é ali no Mirandópolis, e ali eu fiz o colegial. No Rui Bloem já era um estilo muito legal de escola, porque lá já, cada professor é que tinha sua classe. Então, ao terminar uma aula, os alunos é que saiam de um lugar pro outro. A gente tinha biologia no laboratório, desenho na sala com aquelas pranchetas, era muito legal, mais fácil de matar aula, digamos até, porque era coisa de maluco.
P/1 – Me fala um pouquinho dos seus grupos de amigo dessa fase de adolescência, juventude, como era?
R – Bom, no de final de semana continuava sendo o grupo de amigos da turminha que cresceu junta em Santos, que tinha a Silvana, a Cidinha, o Cláudio, o Oswaldinho. Enfim, era uma turma enorme. E em São Paulo eu sempre tive os meus grupos, era sempre o pessoal de escola, porque no fim de semana eu não tava aqui. Então eu tinha amigas com quem eu estudei o ginásio inteiro, o colegial inteiro junto. A Laís, a Gisele, que eram, inclusive, as minhas guardiãs, porque elas eram CDFs. Então, nada como você ter amigas CDFs pra você garantir a tua média, né? Então, a gente tinha, muito… Tinha inclusive, assim... À tarde, às vezes, a gente se reunia na casa de um pra fazer trabalho, e trabalho que era bom a gente não fazia, né? Mas era uma turma muito grande, tanto é que eu sempre fui, sempre fui e continuo sendo, meio folgada. Então, no Rui Bloem, por exemplo, eu estudava de manhã, entrava às sete quinze, então não tem por onde, alguém me levava, tinha que ir. Alguém me levava, era muito cedo, não pegava… Porém, pra voltar, eu só voltava de ônibus, porque justamente aquela turma toda que morava na Vila Mariana, todo mundo voltava junto, e o ônibus saia do ponto final, o primeiro ponto era em frente à escola, ali na Casimiro da Rocha, né? Então, o ônibus ia cheio, a gente fazendo aquela bagunça. Depois chegava de tarde e ia pra casa de um, pra casa de outro, era uma coisa bem cheia de amigos e gente pra lá e pra cá.
P/1 – Me fala uma coisa, o que é que vocês faziam de diversão, que locais vocês frequentavam?
R – A gente ia muito ao Ibirapuera, porque a gente morava muito perto. Tinha às vezes da gente fazer na quinta, muito de quinta-feira, da gente fazer muito na casa de um o bailinho. Aí botava lá a música, ainda mais naquela época das músicas meladas, né? If, aquelas coisas assim, e fazia. Tinha, então, o bailinho e era mais da gente se reunir pra fazer trabalho, mas ficava a tarde inteira junto, uma hora pra trabalho, quatro horas pra falar: “Tô gostando daquele, daquele e daquele.” Tinha muito aquela história daquela época do grupo de meninas e do grupo de meninos. Por isso que tinha os bailinhos em que a gente conseguia juntar as meninas com os meninos, que aí os meninos ficavam todos encostados nas paredes e mulher dançando com mulher, porque os meninos não queriam dançar, né? Aquelas coisas assim. Fazia muito bailinho. Mas a gente ia muito pro Ibirapuera mesmo, ali no parque, naquela época em que você podia andar mais ali, né?
P/1 – E me fala uma coisa, você participou de alguma atividade social em Santos ou aqui em São Paulo? Teve alguma atividade assim?
R – Teve uma época onde eu estava no final do colegial, uma época que eu trabalhei um tempo seis meses mas aí eu não lembro exatamente porque eu saí, foi como voluntária num orfanato. Depois e atualmente, isso já vem a coisa de uns quinze anos, eu faço uma campanha muito forte com recicláveis para um orfanato, tanto é que eu brinco que eu falo que é um entreposto a minha casa, porque eu já tenho tantas pessoas que me guardam esse reciclável pra levar pro orfanato, que... Isso é uma coisa que mais à frente a gente fala, vocês vão entender o quanto isso já tá enraizado no nosso dia a dia.
P/1 – Depois que você terminou o colegial, você foi fazer faculdade?
R – Ciências físicas, químicas e biológicas.
P/1 – E por que você escolheu ciências físicas, químicas e biológicas?
R – Porque, na verdade, esse curso era assim você fazia ciências físicas, químicas e biológicas e tal. Ao término do segundo ano, você escolheria uma das matérias, uma das opções, na época era matemática. Então, ali você tinha os dois primeiros anos e dali você receberia uma documentação onde você poderia, por exemplo, ser uma professora de primário, com esse curso de dois anos poderia passar a ser uma professora ginasial, e dali à frente é que você iria pra uma especialidade, porque a minha ideia era matemática, entendeu? Mas aí rolaram algumas coisas no período e eu acabei não completando.
P/1 – Você tinha uma expectativa pra que você seguisse essa carreira profissional por parte da sua família ou não?
R – Não, não, não, não. Não sei se porque o pessoal já tinha, mas ficaram colocando muito na cabeça do meu irmão que ele tinha que ser médico e no final ele não foi ser médico, acabou fazendo totalmente o oposto. Acho que ninguém colocou mais nada, mas não tinha muito esse negócio de esperar que você fosse, evidente que tinha que esperar que você se formasse, mas que fizesse aquilo que você tava a fim de fazer mesmo.
P/1 – E que lembranças marcantes você tem desse período da faculdade?
R – Esse período da faculdade? Era um grupo muito divertido, eu tinha um professor que eu odiava o homem. Eu não podia assistir aula dele porque eu tenho alergia a charuto e o homem entrava dentro da sala, acendia um charuto e eu era obrigada a sair. Então, eu nunca consegui assistir à aula dele, e era uma coisa, assim, que tinha um professor de matemática maluquíssimo, o homem era até descabelado, ele tinha até um topete meio Itamar Franco, grisalho e bem, muito crespo, né? Mas a gente tinha um grupo extremamente unido. Nós éramos em meia-dúzia e era uma coisa muito unida. Depois, pra gente, o curso foi interrompido, como tudo no Brasil, e chega uma hora que alguém descobre uma falcatrua. A curso foi interrompido e a faculdade ficou fechada por um tempinho, coisa de alguns meses, porque houve uma denúncia de que era vendido esse certificado do curso que eu fazia, do segundo ano, e fecharam a faculdade pra intervenção, essa coisa toda, e foi nesse meio tempo. Eu tava fazendo faculdade quando a gente casou, a ideia era continuar, mas entre ir e vir eu já estava esperando bebê, e quando a minha filha nasceu eu tive que fazer algumas opções naquele momento, né? Mas eu não tenho, não foi uma coisa que me marcou demais, não sei se foi porque foi uma desilusão muito grande, essa parte de que a coisa poderia ter sido diferente se não existisse uma pessoa corrupta lá dentro. Acho que houve uma desilusão muito grande daquilo, sabe quando você meio que passa a borracha?
P/1 – Que faculdade que era?
R – Princesa Isabel, ali em Moema. Ainda existe hoje com outro nome, Avenida Moacir, aquela? É logo assim: você saiu do Ibirapuera por trás, é a primeira ou segunda à direita, logo ali.
P/1 – E você conheceu seu marido onde?
R – Na verdade, meu marido, a gente meio que se conhece desde pequeno porque a gente morava no mesmo bairro, só que ele era da facção lá de baixo e eu era da facção aqui de cima, que era onde os pais da minha mãe moravam aqui em São Paulo.
P/1 – Que é onde?
R – Jabaquara. Cidade Vargas. Quando eu nasci minha mãe morava lá, depois eu tinha dois anos e pouco minha mãe veio morar pra Vila Mariana, então a gente sempre esteve se esbarrando, né? Derrubei muita pipa, não sei o quê. Depois, como minha mãe era filha única, chegou um momento em que minha avó ficou doente e pediram pra minha mãe: “Não, você tem que tomar conta da sua mãe, não sei o quê...” Então, eu tinha de dezoito para dezenove anos quando nós voltamos a morar no Jabaquara, então eu fui estreitar novamente as amizades. Eu tinha algumas amigas que uma morava aqui na esquina, a outra em frente, a outra em pegada na minha sogra, e ele estava sempre por ali. Então via, mas era aquela coisa de: “Oi, tudo bem?” “Oi, tudo bem.” Um dia, que era uma ladeira, um “T”, um caminhão, um homem, sei lá o que aconteceu, o cara desceu ladeira abaixo e carregou as duas casas no peito e eu tava numa delas. Inclusive a Neusa, que era uma das minhas amigas da casa de baixo, ela estava sentada no sofá vendo novela e quebrou a bacia porque foi atropelada pelo próprio carro dela. Depois foi tudo contornado e ficou interessante, porque as pessoas começavam: passava uma pessoa sozinha no carro, via o que tinha acontecido, dali a pouco ele subia com o carro cheio, virou um ponto turístico lá. No fim, a gente passou a noite inteira lá porque até tirarem o caminhão, depois tinha que tirar o carro, na época era a Light, que numa das casas que era a que eu estava só quebrou o muro, mas quebrou justamente onde estava o relógio. Então, a gente passou a noite inteira todo mundo ali fazendo bagunça, e foi ali que a gente começou a conversar mais. Casualmente nós dois estávamos inscritos pra fazer vestibular na mesma faculdade, prestamos vestibular, aí começamos, prestamos vestibular juntos, entramos na faculdade, e no comecinho a gente combinou: “Bom, a gente pode ir junto.” Ou então: “Não, junto não vai dar, a gente volta junto.” E dali começou a coisa, justamente por conta do caminhão basculante que arrebentou as casas, a gente se aproximou.
P/1 – E você falou que acabou largando a faculdade por causa desse problema, mas também porque você tava grávida, você ficou grávida, você também largou por causa disso. Porque nasceu a sua filha...
R – Foi, foi. É que eu tive que realmente optar, porque de repente eu tinha 23 anos e, puxa, isso não era pra ter dito. Mas foi outro dia, eu tinha 23 anos e eu acabei ficando grávida na lua-de-mel praticamente. Quer dizer, tudo aquilo que você vai construir... Porque na nossa época era bem assim, você até comprava um apartamento, né? Só que você tinha um monte de coisa pra pagar, então você primeiro pra dali dois, três, quatro anos de casada é que você ia ter seu filho, e eu não, eu tava com ela ali. Justamente quando teve esse período que de repente, então, a Carol nasceu, e eu tinha que realmente falar: “O que é que eu vou fazer?” Mas não o fato de que a Carol nasceu com Síndrome de Down, então eu tinha que falar: “Bom, o que é que eu vou fazer?” Houve até um fato de uma psicóloga na APAE fazendo uma entrevista que ela falou assim: “Por quanto tempo você rejeitou sua filha?” eu falei assim: “Eu não rejeitei minha filha.” “Não é possível, porque toda mãe quando descobre que a filha tem Síndrome de Down, rejeita, ainda mais você, tão novinha.” Aí: “Mas eu não rejeitei minha filha.” “Não, não é possível!” Aí eu falei: “Peraí, moça, você quer? Você vai ficar feliz se eu falar que eu rejeitei? Tá bom, eu rejeitei. Você quer por quanto tempo? Foi assim, um milionésimo de um quadrilionésimo do milionésimo de um fragmento de segundo. Tá bom pra você? Você fica feliz?” Porque realmente eu pensei, eu falei: “Mais do que nunca é ela! É a ela que a gente vai se dedicar.” Então, foi pra ela que eu saí correndo atrás. Eu precisava suprí-la de tudo que ela precisasse. Ou eu dava a ela o que ela precisava, ou eu pagava a minha faculdade, e ela sempre teve prioridade. Isso foi uma opção minha e do meu marido. Ambos, nós dois acabamos interrompendo, porque ele fazia faculdade na mesma, teve aquela intervenção, etc e tal, então a coisa acabou que a gente optou por investir nela, tanto é que a Carolina andou com um ano e meio, que é difícil pra um Down, falou com um ano e pouco, que é difícil pra um Down. Por quê? Porque de repente eu falava: “Bom, ela precisa fortalecer a musculatura porque o Down tem uma musculatura mais flexível. Tá legal.” Não era nem difundido muito, fisioterapia era quando você quebrava braço. Eu pedi ao pediatra dela, fazia dez sessões, só podia dez sessões. Aí eu ia lá, em vez de eu pagar faculdade eu investi na minha filha, bebê de meses, uma fisioterapeuta fazendo exercício, com isso ela conseguiu andar com um ano e meio. Então, essa sempre foi a trajetória que a gente traçou. A gente juntou: “Bom, a nossa vida é a nossa vida, e juntos que nós três vamos viver, então, no que ela precisar nós vamos estar aqui.” Então isso acabou levando.
P/1 – E quando você começou a trabalhar, Regina?
R – Comecei a trabalhar quando entrei na faculdade contra a vontade do meu pai, porque eu queria: “Não, agora eu vou ser.” Inclusive, meu primeiro emprego foi no Bradesco, porque meu avô subiu a rua, chegou lá pro gerente do banco e disse: “A minha neta quer trabalhar.” “Manda ela vir falar comigo aqui, fazer um teste.” eu tava subindo lá no Jabaquara, bermuda, chinelo, lenço na cabeça, e meu avô: “Fulano mandou você passar lá no banco.” Imagine, lenço na cabeça, chinelo, bermuda, porque eu ia ao mercado, no Jumbo que tem ali naquele pedaço do Jabaquara, onde tem a rodoviária que vai pra Santos. Eu entrei e falei: “Meu avô mandou eu vir falar com você.” “Ah, faz um teste.” Isso numa quinta-feira, ele falou: “Nossa, tá ótimo. Você pode começar segunda-feira?” Eu falei: “Posso.” E assim eu comecei a trabalhar. Tanto é que eu brinco que eu fui contra a vontade do meu pai, então meu pai continuou pagando faculdade, né? Eu tive o privilégio na minha vida de março à outubro. Outubro? É. De março à outubro receber o meu salário e torrar. Meu primeiro salário, eu nunca vou esquecer, eu entrei no Jumbo, lá do Jabaquara e comprei um monte de malha de lá, de gola olímpica, de não sei o quê, um secador de cabelo que ficava numa caixa desse tamanho, então ele tinha um monte de pé que você montava, ficava um pedestal que nem esse pra você pôr aquele secador, nunca usei. Sabe aquelas coisas assim? Mas quando foi outubro, a gente tinha resolvido ficar noivos, eu e o Waldir, porque eu comecei a trabalhar um, dois meses depois que a gente começou a namorar, porque eu achava legal, ele fazia faculdade e trabalhava, então eu também tinha que trabalhar, né? Aí, quando foi em outubro, a gente resolveu que nós íamos ficar noivos. A gente até começou, fez uma poupança programada, os dois juntos, chique, trabalhava no Bradesco. Aí, quando foi novembro, a gente encontrou um apartamento que estava, começando a construir e compramos. Foi quando eu cheguei em casa e contei pro meu pai muito orgulhosa: “Pai, olha, nós compramos assim, assim, assim.” Ele falou: “Puxa, legal, parabéns, mas volta lá e pega um de três dormitórios.” Porque o apartamento era de um dormitório, ali também no Jabaquara. “Não. Porque este é o que eu posso pagar.” “Filha, tô falando pra você ir lá pegar um de três dormitórios.” “Não, pai, esse é o que nós vamos...” “Não, mas eu vou ajudar você.” Eu falei: “Não. De hoje em diante eu estou por minha conta.” Mas foi muito engraçado, porque ele falou: “Então tá bom, se você precisar de alguma coisa, você me avisa.” Eu falei: “Então tá, cobre o cheque do sinal que eu acabei de dar pra comprar o apartamento.” Mas eu anotei, eu anotei porque ele falava: “Se você precisar de alguma coisa...” Então eu fui anotando, e quando foi em fevereiro do ano seguinte, nós ficamos noivos. Quando fez um ano de namoro e um ano após a isso, nós casamos, só não foi no dia treze de fevereiro porque era uma sexta-feira e minha mãe: “Você fazer sua família vir de Santos é ruim.” Então, acabou saindo 28 de fevereiro, que era um sábado de Carnaval, por isso que minha vida é tão alegre, é uma palhaçada só. Aí eu fui anotando tudo, dei milhões de mordidas no meu pai, né? Aí ,quando a gente casou, eu fui lá e juntei, férias, eu tinha tudo lá anotadinho, bonitinho, um ano de dívida, cinquenta e poucos mil dinheiros que isso foi. Eu casei em fevereiro de 1981, eu tinha tudo anotadinho. Aí eu juntei com as férias, com o não sei o quê, faltava um pouquinho de nada que eu falei pro Waldir assim: “A gravata, o corte da gravata junta, a gente paga meu pai.” Legal, então eu tinha tudo bonitinho. Aí chegou no dia, na hora da gravata, o meu pai chegou e falou assim pro Waldir, coisas que ninguém vai lembrar: “O que é que você quer?” Tinha um envelope, a nota de um barão, o auge do barão. O Waldir ficou meio assim, aí o amigo, a molecada toda: “Pega o barão, pega o barão.” Meu pai pegou e colocou o envelopinho, aí o Waldir chega pra mim e diz: “Seu pai pôs um barão nesse envelope.” Aí eu abro e era um cartãozinho do meu pai e da minha mãe, no verso: “Dívida de solteiro depois que casa não se paga mais. Deus te abençoe. Papai e mamãe.” Quer dizer, fiz os armários da cozinha, foi muito bom, mas eu comecei a trabalhar tarde, contra a vontade do papai e mordi meu pai a vida inteira. Depois, chegou uma hora que eu fui dando uma: “Espera um pouco.” Realmente chegou a hora em que eu tive que caminhar com as minhas próprias pernas que foi nesse momento, exatamente ali, naquele momento da maternidade aos 23 anos, da minha filha linda, maravilhosa, porém, com Síndrome de Down. Eu vou fazer, então eu tenho que fazer por mim. Eu sempre soube que ele sempre esteve, como ainda está até hoje aqui, coladinho na minha retaguarda. O que eu precisar, se ele não tiver, ele vai virar mundos e fundos para conseguir. Lembra que eu sou a melada da família? Apesar de cinco filhos, eu sou a queridinha, então foi isso.
P/1 – E aí, depois que você saiu do Bradesco você foi trabalhar onde?
R – Saí do Bradesco e fui pro Abbott. Inclusive, quem me arrumou pra ir pro Abbott foi o Waldir, meu marido, que na época já trabalhava lá na Abbott. Aí eu fui trabalhar como secretária júnior, porque até então eu trabalhei dez meses no Bradesco, primeiro em abrindo conta-corrente; depois, cinco meses depois eu passei para auxiliar da gerência, abrindo conta de pessoas jurídicas. Dez meses depois, eu já estava indo pro Abbot, quando comecei como secretária júnior. Na verdade era datilógrafa, curso que nunca fiz. Não sei como eu fui contratada como datilógrafa. Nisso, eu fiquei dois anos no Abbot, que foi nessa fase que a gente ficou noivo, de faculdade, de Carol... Tanto é que eu saí do Abbot quando eu voltei da licença-maternidade. Eu saí da Abbott quando... E lá eu trabalhei na área de recursos humanos como secretária júnior; depois eu fui pra área de faturamento, que aí, então, eu tinha uma série de controles, porque tinham os produtos que eram entorpecentes, tinha uma série de guias que precisava e eu que tinha todo esse controle. Quando a Carol nasceu, quando eu voltei, saí da Abbott.
P/2 – Você saiu? Foi pedir as contas ou...
R – Não, me “saíram”, né? Porque eu tinha brigado, eu vi que eu não tava 100% madura, estava tentando, mas com razão. Eu tinha tido dois problemas com razão porque um, primeiro, foi porque justamente esse produto que eu controlava tinha uma série de guias. Por exemplo, se era um anestésico que era entorpecente, então, se era pra ser faturado pro Rio de Janeiro, as guias precisavam passar pela Polícia Federal no Rio de Janeiro, pela Polícia Federal em São Paulo. Então, como eu tinha às vezes um estoque pequeno, então chegava pelo malote pra mim uma guia dessa vinda do Rio, e passava pela Polícia Federal do Rio de Janeiro, que tinha um prazo de validade muito maior que de São Paulo. São Paulo tinha trinta dias só, do Rio acho que eram seis meses. Então, o que é que eu fazia? Eu segurava dentro do meu controle e a hora que eu tinha a mercadoria para faturar pedido é que eu mandava pra Polícia Federal pra que a coisa colocasse assim. Aí, um belo dia, teve um problema lá em que tinham faturado um pedido pra um hospital no Rio de Janeiro sem a Polícia Federal de São Paulo, e é lógico caíram em cima de quem? De mim. E eu tinha lá um controle que era passo a passo, entendeu? Do pedido. Eu tinha a entrada do pedido e eu sabia que não tinha sido eu que tinha mandado faturar, até porque a data do faturamento era do sábado e eu não trabalhava de sábado. Eu sei que rodou, girou, girou, rodou... Um dia eu atendi o telefone e era um senhor do Rio de Janeiro, daqueles que se você mandar um papelzinho falando “bom dia, Seu Vitor”, dali cinquenta anos ele tá com aquele papelzinho “Bom dia, seu Vitor”. Eu atendi na mesa da secretária. Então, a mesa da secretária ficava separada da mesa do meu gerente por um corredor mais estreito que essa sala. “Oi, seu Vitor, tudo bem?” Aí me caiu a ficha. Eu comecei a perguntar pra ele: “Seu Vítor, o senhor lembra do fulano de tal?” Aí o homem já ficou roxo, o Senhor Gilvandro já era um senhor, o homem ficou roxo. Eu sei que fui conversando com esse senhor e tudo que o seu Vitor falava, eu fui repetindo, falei: “Não, seu Vitor, o pedido veio?” “Veio.”,“Não, porque o senhor me mandou, mas eu não lembro de ter mandado faturar.” Aí o homem fala a palavrinha chave que eu queria ouvir: “Não, mas isso foi o Gilvandro num sábado.” E eu que tava sendo crucificada. Aí eu falei: “Ah, foi o Gilvandro num sábado?” Quer dizer, ele já ficou com aquilo, porque foi um sururu de rendez-vous enorme, até porque a secretária do gerente geral ficava atrás da gente e ela tinha escutado o telefonema, e foi. Passado também, o que acho que pesou mais é que, o Abbot tinha comprado um outro laboratório em que tinha muitos casos de marido e mulher e eu estava seguindo meu pré-natal, estava no sexto mês. Um dia me ligam que era do convênio, que o meu médico tinha saído e que eu teria consulta com um outro. Falei: “Tá bom.” Cheguei lá, esse médico: “Acontece que a Amesp está passando por um processo que é assim: hoje sou eu, mas eu não tenho certeza se o mês que vem eu vou estar aqui, então eu recomendo, se você puder, continuar com o médico que você tava até agora.” Que, inclusive, tinha feito o meu pré-nupcial e continua sendo o meu médico até hoje, o Doutor Antônio. Eu sei que fui pro consultório dele e tal, só que é o seguinte, eu não tinha me precavido. Tive sempre uma vida tranquila financeiramente com o papai por trás, só que meu pai não era rico, não era nada, não era de tirar da cartola uma fortuna. Aí fui no Doutor Antônio e tal, ele falou: “Fica sossegada, você não se programou, mas a gente dá um jeito, o hospital a gente faz na Beneficência, enfim.” Tudo bem, aí cheguei no dia seguinte falando: “Ah...” “Mas verifica porque a gente tem um carimbo aqui na carteira profissional, a gente não pode usar o INPS.” Falei pro Waldir: “Waldir, vê com o Aruan.” Que era o diretor interino de recursos humanos: “Vê essa história com o Aruan.” Tá bom. Passou um tempo e o Waldir me liga: “Regina, fala você com o Aruan porque eu não sei se o cara não tá me entendendo, o que é que tá acontecendo. Eu só quero que ele responda pra gente. Escuta, o tal do carimbo, pode ou não pode mesmo?” Era isso que a gente queria. E ele falou: “Eu não sei, e eu não quero discutir com o cara porque o Cosme não tá aqui.” Que era diretor dele. Aí eu falei: “Tá bom, eu ligo.” Peguei e liguei lá pro homem: “Oi, seu Aruan, bom dia. É a Regina. tive um problema assim, assim, assim, eu quero saber SE realmente esse carimbo...” Que aí eu fui pegar e a profissional tinha um carimbo realmente: “Esse carimbo realmente não permite que a gente use o INPS, né?” E o homem falava, falava, falava e eu: “Mas, seu Aruan, eu só quero saber: eu posso ou eu não posso usar?” E ele falava, falava, falava um monte de coisa e eu: “Seu Aruan, eu só quero saber se eu posso ou não posso usar.” Inclusive, eu fui falando até um pouco mais assim, juntando gente, a secretária do gerente geral ouvindo tudo aqui atrás. Por fim, pra mim, justo eu, nojenta do jeito que sou, ele veio virar e falou: “Sabe o que é que tá acontecendo? Vocês não tem condição e estão querendo arrumar um rolo danado pra ver se a empresa paga.” Ah, ainda mais pra mim, né? Filhinha, como brincam comigo, filhinha de William, Vivian, não dá. Na mesma hora, de senhor Aruan passou pra: “Acho que você não sabe com quem você tá falando. Acho que você está enganado. Eu só queria um esclarecimento. Sim ou não? Se eu posso ou não você não tem nada a ver com isso. Aliás, se você pôde observar, por muitas vezes meu pai me deixou aqui na porta, anda com o carro do ano, rolex no pulso, não precisa baixar a cabeça pro outro e não precisa andar com carro de empresa. Se você não tem capacidade pra me responder, fico feliz que você está interino no cargo.” E desliguei o telefone. Foi um sururu... No fim acabaram resolvendo, descobriram que pagavam dobrado, então cancelaram o convênio de todas as esposas. No fim, deu tudo certo, mas mal sabia ele que, tadinho do meu pai... Aí, quando eu voltei, com certeza... Lógico, né? Só que o moço lá de cima sempre sabe o que faz. Realmente eu voltei. “Ó, você pode ficar na sua estabilidade, que são sessenta dias, ou pode ir pra casa. Eu falei: “Vou-me embora pra minha casa. Eu tenho sessenta dias ainda com salário, vou ficar aqui fazendo o quê?” Passados poucos meses disso, ele ainda continuava como diretor de recursos humanos interino, Aruan Villas Boas, nunca mais vou esquecer o nome deste homem, e contrataram um gerente de recursos humanos, aí sim, dizem, que ele ficou mais cheio de empáfia ainda, porque: “Estou sendo efetivado.” Depois de uns dois, três meses, o gerente que estava lá foi demitido e foi quando entrou um diretor de recursos humanos chamado Horácio Alguma Coisa, que é uma gracinha de pessoa, e que eu depois, mais à frente, vim a conhecer numa outra empresa que ele trabalhou, quando trabalhei na Rei. Então, quer dizer, não fui só eu que sofri por tudo aquilo que ele fez, e o dele foi muito pior do que a minha, né?
P/1 – E me diz uma coisa, quando você saiu do Abbott, onde você foi trabalhar?
R – Fui pra Rei do Brasil Consultores Ltda. Uma escola. Ali foi a minha escola mesmo. Como era uma empresa de prestação de serviço, uma empresa de prestação de serviço passa o quê? A imagem dela é o serviço final, as propostas, as descrições de cargos, cursos. O padrão de exigência do produto final era absurdo. Então, ali eu aprendi muita coisa, muita, muita, muita coisa. Inclusive, foi ali que eu consegui trazer, pra dentro do meu profissional, uma das pessoas que mais me ensinou uma série de coisas, que é minha irmã siamesa, porém japonesa, que somos “amicíssimas”, se é que existe isso, um termo mais forte do que isso. Não tem, entendeu? Não tem classificação. E foi uma escola, foi muito legal, muito, muito bom.
P/2 – Quanto tempo que você ficou lá?
R – Na Rei foram quatro anos e pouco, e ali eu já começava a amadurecer um pouco mais. (risos)
P/1 – E me diz uma coisa. Pelo que você falou de ter sido uma escola, quem foi a pessoa que mais te marcou, e que tipo de ensinamento, que tipo de atitude...
R – Emília, minha irmã siamesa, porém japonesa. Apesar de que eu entrei primeiro que ela. Mas, assim, a Rei foi um momento extremamente interessante pelo seguinte: era uma multinacional considerada de porte muito grande, até porque atendia quase todas as grandes empresas. Ela vinha de fora, porém, aqui no Brasil era um escritório que era composto por quinze pessoas. Então, todo mundo foi marcante pra todo mundo naquela época. Hoje a Rei é enorme, não sei nem qual é o tamanho da Rei, efetivamente, mas eu trabalhei naquele momentinho onde eu cheguei, o gerente geral era Julio Lobos, que passados três, quatro meses da minha chegada, ele saiu porque estava falindo a Rei, estava usando a Rei pra toda consultoria dele. Mas eu trabalhei com Julio Lobos na Rei do Brasil, uma coisa que ninguém nem lembra que existiu, quem trabalha lá. Então, todo mundo era importante. O que é que acontecia? Eu fui contratada pra ser recepcionista, porque até então eu tinha trabalhado dois anos e pouco na minha vida, né? Só que lá, por isso que foi a escola, como era uma empresa com muita coisa com muito pouca gente, não tinha como eu ser a recepcionista, ponto. Eu tinha que ajudar a secretariar, eu tinha que ajudar a fazer conferência quando chegavam as informações pra poder fazer toda a pesquisa, tinha que ajudar depois no momento da conferência de plotagem: “Ai, agora o ‘boom’ é faturamento.” Todo mundo foi uma coisa marcante. Todo mundo precisava de todo mundo porque nada conseguia, você era só você pra cuidar de pesquisa, só que você não dava conta. Então, naquele momento do seu “boom”, todos nós deixamos de ser secretária, fosse o que fosse. E, justamente agora, marcar marcado mesmo, a Emília foi não só pela amizade que dali a gente construiu, que são 24 anos e meio de um convívio muito grande, semanal, diário, enfim. Mas foi ali que justamente ela me passou uma série de coisas. Por exemplo, eu tinha preguiça, não gostava de ler, ela é que me incutiu a coisa de ler. Hoje eu não sei não ter um livro na cabeceira, lendo toda noite, e não só tê-lo na cabeceira. Então tinha muita coisa assim, eu estava sentada na minha mesa, um exemplo bobo: “Dissolver é com um ‘s’ só ou com dois ‘s’?” Ela falava: “Levanta daí, o dicionário tá aí, procure, aproveite e leia as outras palavras que estão envolta da que você está procurando.” Entendeu? Então, quer dizer, ela fez eu acordar, né? Tanto é que eu acho que apesar de... Eu não pude, de uma certa maneira, ter uma opção da vida também, sentar num banco de escola e aprender, fazer uma faculdade, fazer MBA, mas as coisas que eu trago dessa época foram tão fortes que eu hoje, uma das coisas pra que muito me procuram, mamãe fala: “Minha filha é uma assumidade.” Pra eu ver erro de gramática, meu Deus do céu, a gente ainda brinca: “Regina sendo expert em gramática é uma coisa de louco.” Mas por quê? Porque realmente tudo aquilo que se passou por mim e eu pude aprender, eu procurei. Eu acho que inclusive eu consegui muito, muito, muito sem ter um nível de escolaridade, mas eu acho que um pouco por conta disso, e foi ela a peça-chave, a pessoa-chave, o exemplo pra que eu desse essa virada.
P/1 – E me fala uma coisa, Regina, quando e por que você começou a trabalhar na Redecard?
R – Olha, na Redecard, na verdade, foi porque eu era da Credicard em recursos humanos, o Irélio e eu, eu e Irélio, a gente... Eu brinco muito, porque éramos nós dois e então tinha uma separação entre alguns superintendentes de recursos humanos que atendiam determinadas vice-presidências. E nós dois é que cuidávamos, entre outras, da vice-presidência comercial, que na época já era com o Anastácio, então a Redecard, por uma série de decisões da alta cúpula, foi decidido o início, o start Redecard. E a Redecard, ela nasceu especificamente da vice-presidência comercial se transformando em Redecard, e eu tive o privilégio de fazer o operacional disso, que eu era recursos humanos. Então o Irélio fez toda parte lá de pôr a mão na massa, de fazer, de movimentar todo mundo, juntar todo mundo em auditório pra conhecerem o novo presidente, estar presente. Foi que nem eu brinquei aqui, eu não estou na Credicard, eu sou Redecard, não é? Uma coisa assim, bem... Então, eu to com ela desde que ela nasceu, não é?
P/1 – Então, vamos voltar um pouquinho. Você saiu da Rei e foi pra Credicard?
R – Não.
P/1 – Você foi pra onde?
R - Não, eu pulei muito. Eu saí da Rei porque chegou uma hora eu achei que não tinha mais pra onde crescer, aí fui trabalhar numa empresa que mamãe fala... Ela tem consciência de que os filhos todos são um pouco loucos, tá? Mas eu saí dali como secretária, aí eu fui trabalhar como coordenadora da mesa de vendas de uma empresa que vendia produtos pra sorventeria e aí vendi tanto, tanto, tanto, que passei a ser auxiliar da gerência comercial, porque não só venderia matéria-prima como também maquinário. E por ali fiquei. Desenvolvemos inclusive, naquela época, eu e um outro gerente, um receituário de balanceamento de sorvente, virei uma expert em sorvente. Aí, como toda empresa na época do plano, do congelamento, não sei o quê, ela ficou ruim das pernas e acabou fechando aos poucos. Eu tinha que fazer uma cirurgia, então eu falei o seguinte: “Encerra a minha conta agora e eu vou, porque se vocês forem ficar com o peso de fazer uma cirurgia e ainda... Aí não vai dar certo.” Foi quando eu saí da... O nome fantasia dela era Sorvecenter, ali no Canindé. Aí eu fiquei um tempo parada porque fiz justamente essa cirurgia, meu sogro ficou doente e chegou a falecer. Depois disso eu fiz um bico de dois meses substituindo a secretária do gerente-geral na Rei, né? Isso foi em 1988. Nisso, eu fui trabalhar como secretária dos donos de uma construtora, que eu aí não fazia quase nada, aí eu fui galgando, galgando, galgando. Virei coordenadora das obras em acabamento e medição de obra, mas ali era uma desorganização muito grande, tanto é que eu fiquei um ano. Aí, quando eu saí dali da construtora, eu trabalhei por uns dois anos numa empresa de telefonia, onde eu era a secretária dos dois donos, mas de uma empresa pequenininha você não é simplesmente secretária, tinha o dia em que eu era do departamento pessoal porque era o dia de pagamento, o dia em que eu era o financeiro porque era dia de faturamento. Enfim, também foi uma escola aprender um monte de coisa. Nisso, um amigo que já tinha... A gente já se conhecia desde os meus dezessete anos. Ele um dia ele foi lá almoçar comigo, uma empresa pequena, aí veio a brincadeira: “Isso aqui não é lugar pra filha do Willian estar trabalhando.” Aí eu falei: “Não, mas tá legal. Eu to aprendendo muito.” Era na Liberdade, pertinho de casa, pegava o metrô, andava três, quatro estações. Foi quando nós fizemos o meu currículo, porque até então eu nem isso fazia, né? Fiz o meu currículo e ele entregou no departamento pessoal na Credicard. E aí...
(troca de fita)
R - Então, eles tinham duas vagas pra secretária. Na época era uma em Recursos Humanos e a outra em operações. Aí me chamaram. Eu lembro que foi um processo super demorado porque eu tive que ir oito vezes e ter sala com cinquenta meninas fazendo dinâmica, uma coisa assim. Chegou uma hora em que eu falei: “Meu Deus!” Muita coisa, muito pesado, até porque ficou mais pesado ainda porque, no meio do processo, as duas vagas se transformaram em uma. Cortaram a vaga de operações e, por fim, um belo dia me liga a Clair, que era de seleção, no meio de março. A primeira entrevista eu fiz na primeira semana de janeiro, quando foi no meio do março ela me liga: “Ai, eu estou feliz! Você que ganhou, você vai ser contratada. Você tem duas semanas ainda pra dar, finalizar...” Porque eu estava lá na empresa de telefonia. “Você tem duas semanas pra finalizar. Não é mentira minha, não, mas você começa aqui no dia primeiro de abril.” Aí eu falei: “Olha que você tá mentindo!” Ela falou: “Não é mentira, você começa aqui no dia primeiro de abril!” Aí foi quando eu comecei como secretária sênior dos superintendentes de recursos humanos. Em recursos humanos eram três superintendentes, e eu era secretária deles, aí foi que eu comecei.
P/1 – Quem eram os superintendentes nessa época?
R – Na época o Fernando Lima tratava da parte de comunicação, tinha o Ricardo Castanino, super, grande Ricardo, saudade dele. O Ricardo Castanino pegava toda aquela parte chamada de RH Serviço. E tinha o Mauro Campelo, que pegava uma parte de orçamento de recursos humanos. Eram quatro superintendentes. E tinha o Stanislaw, mas ele tinha sua própria secretária, eu secretariava os três. Entrei dia primeiro de abril de 1991 no prédio da Ipiranga.
P/1 – E como é que foi sua passagem pela Credicard?
R – Ah, foi muito legal também. Eu entrei em abril, quando foi outubro, novembro foi a mudança de presidência. Foi quando, então, saiu o Barbante e chegou o Brigadão. Em seguida a isso, dezembro, janeiro saiu o Provenzano e chegou o Arnaldo Djanile como presidente de recursos humanos. Na época essa troca toda era feita com o Citybankers, então o Provenzano foi embora levando a secretária dele. O Arnaldo veio, mas o Arnaldo veio do Rio, então ele não tinha como fazer. Então, num primeiro momento, ele pediu, se eu quisesse e se eu pudesse. O Arnaldo é uma coisa... É hors concours, né? Se eu pudesse, se eu quisesse, eu poderia ficar com ele até ele arrumar uma secretária, porque eu estava no prédio da Ipiranga, secretária dos superintendentes, e eu teria que vir pra Faria Lima, pro Pedra Grande. Falei: “Não, evidente que eu vou ajudar.” Aí, fui em janeiro de 1992. Quer dizer, tinha entrado em abril de 1991. Em janeiro de 1992, então, eu fui pra lá, procurei fazer meu serviço bonitinho, não implantei muita coisa, até porque não tinha como, alguém viria pra fazer aquilo. Aí, passado um mês e pouco... O Arnaldo tem um jeito muito especial, ele é uma pessoa muito legal, gosto muito, ele marcou, foi uma pessoa que me marcou dentro da corporação também, o Arnaldo. Foi muito engraçado porque um dia ele me chama, passado um mês e pouco. Ele fez uma série de entrevistas e falou: “Bom, mulher, o negócio é o seguinte, você está me atrapalhando.” Gente, eu gelei! Eu lembro que eu estava em pé eu sentei e falei: “Puxa vida, eu tô tentando fazer tudo tão direitinho, não é?” Ele falou: “É, porque você já viu quantas eu entrevistei?” Eu falei: “Já.” Ele falou: “Pois é, toda que senta aqui e me conta, me fala que não sei o quê, eu comparo com você e aí, o que acontece? A única coisa que você não tem é o dito inglês, inglês você aprende. Então, eu estou te convidando, né? Eu estou te convidando para ser minha secretária. Não quero que você responda agora, quero que você vá pra casa e pense, porque você vai ter que ficar vindo todo dia aqui pra Faria Lima. Eu estou te convidando. Evidentemente que você vai ser promovida, mas eu quero que você pense, eu não quero sua resposta agora.” Eu falei: “Ah, é perguntar se macaco quer banana, né?” Aí, mesmo assim fui pra casa, falei: “Waldir, o Arnaldo fez isso assim e assim, ele deixou claro que se eu não quiser, ele não vai me perseguir.” Imagine, gente! Imagine! Então nisso, evidente, passei a ser secretária executiva com o Arnaldo, fiquei três anos com ele, aí houve a troca dele com o Délcio Klain e fiquei mais um ano com o Délcio.
E quando a Credicard foi sair do Centro Empresarial e vir pra Henrique Schaumann, foi nessa mudança que eu saí. Eu acabei lá como secretária executiva e comecei como analista de RH, pra infelicidade do Irélio, que teve que me aturar com mais assiduidade, porque até então eu era secretária do chefe, né? Aí eu passei a ser funcionária dele.
P/1 – Me diz uma coisa, como é que aconteceu? Você disse que participou desse processo, como é que aconteceu o processo de decisão da criação da Redecard?
R – Olha, em termos de discussão, cúpula, essa coisa toda, eu não sei, mas o trabalho que eu fiz, que eu achei que foi legal, foi justamente aquela coisa de organizar tudo, de elaborar. Inclusive, eu procurei pra ver se o pessoal, o Irélio deve ter isso, mas eles elaboraram um aditivo ao contrato de trabalho, depois fazer a movimentação transformando todo o mundo de funcionário Credicard em funcionário Redecard... Então, toda essa movimentação passando para o pessoal a segurança do quanto a coisa não ia, né? Porque você tinha que conversar com as pessoas: “Olha, você vai assinar esse contrato, mas pode assinar, é um aditivo ao teu contrato de trabalho, onde te assegura que tua data de admissão é a mesma de quando você entrou na Credicard.” Então, eu participei dessa parte que me foi muito legal, porque justamente o que eu achei interessante é o seguinte: a pessoas chegavam com dúvida, né? Porque é lógico, eu estou há, sei lá, dez anos aqui na empresa, agora vão mandar eu assinar um papel, vão mandar mudar pra uma empresa que acabou de ser criada. E a gente tinha meio que um gostinho amargo porque tinham criado uma outra empresa, a Brascard, que não vingou. Então, sabe quando a coisa... Pra mim foi legal, o quanto foi importante o meu papel em passar pra pessoa que estava assinando aquele aditivo de que realmente ele podia assinar, de que realmente é aquilo de que muitas vezes se falou, né? A empresa que nasceu grande, não é? Então, eu me senti gratificada exatamente por isso, né? Houve pessoas que voltaram depois e ainda tiraram mais algumas dúvidas, mas na grande maioria, ver a pessoa chegando cheia de interrogação e saindo confortável com aquilo que eu tinha contado: “Olha, vai ser assim, vai ser assado...” Entendeu? Isso foi muito legal. Depois, dali pra frente, participar de toda a evolução... Porque eu saí do RH em agosto de 1999, então, tudo que foi, né? Toda a evolução, toda aquela coisa de participar, de estar, não é?
P/1 – Quantas pessoas vieram com vocês pra formar a Redecard?
R – Acho que foram 320 e poucas pessoas. Não tenho o número certo, mas era a vice-presidência comercial inteira... Acho que eram trezentas e pouco, e existiam, evidentemente, pessoas-chave nas posições certas. Então, tinha um presidente que foi o Lival, né?
P/1 – O Lival trabalhava na Credicard?
R – Não, não. O Lival veio de uma empresa que eu não vou me lembrar do nome, mas ele estava chegando, inclusive, do Japão, China. Ele estava vindo de uma empresa daqueles lados, ele não era do grupo, não era. E eu acho que isso foi muito importante pra Redecard, no meu humilde modo de ver tudo. Acho que uma das coisas que foram realmente estratégicas pra Redecard foi que o seu primeiro presidente não era da corporação.
P/1 – Por que você acha isso?
R – Porque eu acho que ele conseguiu fazer a identidade da Redecard. Evidentemente que depois, sendo trabalhado e continuado pelo Fleury, pelo Oster
e o Anastácio, que a gente não tem nem o que dizer do Anastácio. Acho que teve gente que não dormiu de tanta felicidade no dia que ele foi nomeado como presidente, e eu garanto pra você que eu fui uma delas, sou uma delas, né? Inclusive, eu brinco com ele, porque houve uma Festa Celebridades que era pra celebrar um prêmio da Redecard. Então, estava todo mundo arrumado e tal, e eu tirei foto. Estamos eu, ele e uma amiga. E na hora, naquelas fotos instantâneas que se colocavam, eu brincava, eu brinquei com ele. Imagine, estava longe, nem se imaginava o Anastácio, interino, ser em tão pouco tempo efetivado como presidente. Aí eu brincava com ele na festa: “Olha, eu tirei foto com a verdadeira celebridade.” Eu brinco até hoje com ele falando: “Nana, tá vendo? Te falei lá atrás, que eu tirei foto com a verdadeira...” Então, justamente o Lival, eu acho que ele deu a segurança, entendeu? De ser firme. Não dá pra, não tenho como te traduzir a minha sensação em palavras, mas eu acho que foi justamente por ele estar fora. Toda corporação tem seus vícios de comportamento, de posturas, enfim. Então, eu acho que foi justamente porque ele não tinha isso, acho que a base foi muito importante, tanto que nós tínhamos até aquele estigma da Credicard. O lixo é o importante, o plástico, o cartão, o resto é consequência. Então, a Redecard era um pedaço que era consequência do negócio maior. E de repente a gente superou toda e qualquer expectativa de uma audácia fabulosa, haja vista que a gente hoje tem muito mais. Mas logo no começo foram desenvolvidos uma série de produtos, e a gente teve a audácia de fazer o quê? De ganhar dinheiro, transformar um produto em cima do nosso maior concorrente. Porque se o estabelecimento quiser, ele comprava um serviço que você ia pagar com cheque, no nosso POS ele consulta a Serasa. Quer dizer, é ser muito audacioso, vamos combinar? E justamente é essa audácia, nesse sentido de criar, de enxergar, entendeu? É que fez o que é a Redecard hoje.
P/1 – Deixa eu te perguntar uma coisa, Regina. Você falou que quando você deixou de ser secretária executiva do presidente, você veio trabalhar com o Irélio na Credicard, na Superintendência de Recursos Humanos...
R – Isso.
P/1 –
Logo em seguida foi formada a Redecard? É isso?
R – Não.
P/1 – Não.
R – Não.
P/1 – Então tá.
R – Passou um ano, um ano. Não chegou nem a ser um ano porque... Ou perto, não... Foi perto de um ano, porque a gente veio para o prédio da Henrique Schaumann no finzinho de 1995. O duro é falar datas, né, gente?
P/1 – Não, não tem problema.
R – Não, não tem pra você, tem pra mim.
P/1 – Mais ou menos, mais ou menos. Não precisa ser precisa.
R – Então, a gente ficou um ano atendendo uma série de vice-presidências, uma delas era a comercial. Aí, então, quando chegou, foi em 1996, exatamente.
P/1 – E a estrutura que veio da Credicard pra Redecard, você falou que foi basicamente Superintendência Comercial.
R – A vice-presidência comercial inteira. O VP da Comercial era o Anastácio, então, se pegou dentro dele todo mundo que estava dentro daquela folha de pagamento daqui, aí isso gerou alguns cargos como o do Fernando Teles, que era do financeiro. Então tinha o Fernando Teles, logo depois veio o Fábio Palmeira... Então, foram se criando alguns cabeças, certo? Pra compor a diretoria da Redecard. Aí o serviço todo era terceirizado para a Credicard e o Irélio já compunha essa diretoria, só que nós dois nos mantivemos como funcionários Credicard até 1998. Eu fiz a movimentação em folha do Irélio em janeiro de 1998 e me automovimentei em fevereiro de 1998. Nós não estávamos, a partir do momento da criação da Redecard, full time com Redecard. As outras vice-presidências devagarzinho a gente foi soltando e a gente nos dedicou especificamente à Redecard.
P/1 – Tá, então vocês vieram juntos pra estrutura Redecard desde o início e se dedicaram full time aqui.
R – Isso, desde o início. Exatamente. Isso porque a Redecard ficou um ano e meio mais ou menos lá na Henrique Schaumann, ela mudou no final de 1997, começo de 1998, quando ela foi pro prédio da Paulista.
P/1 – E que papel você acha que a área de Recursos Humanos teve na criação da Redecard?
R – Eu acho que foi fundamental o papel justamente por conta disso que eu te falei, as coisas, a firmeza e a segurança que o Irélio passava e que ele me passou, evidentemente. Se também não tivesse passado isso pra mim, eu não teria condições de passar para as pessoas. Justamente, exatamente isso, a firmeza, a segurança, a confiança que ele. Se éramos eu e ele, ele passou dando exatamente isso pras pessoas: “Eu vou à luta porque tem alguém cuidando de mim aqui atrás. Eu não estou sozinha, não me mandaram pra uma Brascard da vida.” Então, eu acho que foi justamente isso. E a gente também teve, pra facilitar ainda mais os trabalhos, porque o Irélio quis desenvolver enquanto Redecard, o Líval, que foi uma pessoa que fez uma gestão como presidente da Redecard trazendo sempre o primeiro homem de recursos humanos pra junto dele. Ele valorizava muito o ser humano. Então, foi daí, inclusive, que o Irélio se liberou geral, sabe como é que é? Colocou em prática muitas coisas. Porque realmente você tem seu presidente como sendo homem fundamental pra ele, o homem de recursos humanos, você acaba realmente... Então por isso esse papel do nascimento da Redecard foi fundamental pra passar exatamente isso, essa postura de segurança, de firmeza, mas ao mesmo tempo, sabendo que ele te passa a mão na cabeça se você precisar. Então, ele deu a segurança pra que todo mundo continuasse desenvolvendo e indo atrás muito mais.
P/1 – Que projetos de RH que o Irélio desenvolveu que você coloca como “ousados”, vamos dizer assim? Com liberdade de ação, que você acha que foram interessantes, que tem a cara dele...
R – Ah, existiram vários. O que mais... Que eu achei muito legal, até porque eu que trabalhei esse projeto, foi quando começou... A gente tinha um problema muito grande da área comercial com a área do atendimento. Isso logo nos primórdios, então era sempre aquilo, né? O atendimento reclamava do representante porque o representante não fazia, não acontecia; e o representante, por sua vez, reclamava do atendente. Então, precisava se resolver esse problema, porque isso... Naquele momento era o cartão-visita da Redecard, era o representante, era o cara que estava atendendo o estabelecimento, então foi bolado, depois eu ajudei a desenvolver e eu é que coloquei em prática, a gente fez um projeto que se chamava “Programa Companheiros”. Então o que é que aconteceu? A gente fez exatamente aquilo: o representante passava um dia inteiro no atendimento, depois o atendente passava um dia inteiro com o representante, não é? E isso foi mostrando que eles estavam errados, porque o representante fazia o papel dele, o atendente fazia o papel dele e quem mentia era o estabelecimento. Então, isso fez com que todo o grupo, da comercial e da outra, se juntasse, ficasse muito amigo literalmente. Por isso que talvez o nome seja “Companheiros”, tanto é que esse foi um projeto que ganhou o primeiro prêmio da Redecard enquanto Redecard. Teve vários prêmios, Top de Marketing e tal, que vieram por conta do “Nascer grande”. Mas o primeiro prêmio Redecard foi o Top RH com o “Programa Companheiros”, né? E muitos outros... O “Projeto Em Frente”, o projeto que a gente tá vivendo hoje com a Fundação Dom Cabral, foram muitos, muitos, muitos. E todos eles, a meu ver, foram implantados com sucesso.
P/1 – E qual é o papel do RH hoje na Redecard?
R – Eu acho que ele continua sendo fundamental, né? Tá certo que eu sou meio suspeita, sou oriunda de lá, sou fã do RH, resolvi bater asas, bati minhas asas, mas continuo sempre com aquela coisa de recursos humanos. Eu acho que continua sendo fundamental, até porque se existe uma coisa que nosso Recursos Humanos faz é saber ouvir, e de uns tempos pra cá isso tem se tornado muito mais forte, haja vista esse projeto monstruoso da Fundação Dom Cabral que nós estamos vivendo. Isso é a prova mais cabal, vamos colocar assim, dessa disponibilidade do nosso Recursos Humanos, porque você montar alguma coisa onde quem determina somos nós, não é Recursos Humanos. Outro dia mesmo eu participei da dinâmica por dois dias onde a gente está montando o perfil do gestor ideal. Então, quer dizer, eu vou dizer, eu e meus colegas, claro, meus pares, nós estamos montando esse perfil pra depois nós mesmos sermos treinados. Quer dizer, isso é de um, não tem como falar. É exatamente aquilo de dizer: “Vamos juntos.”
P/1 – Quais foram os principais desafios que você enfrentou na Redecard?
R – Na Redecard, olha, eu acho que os desafios são todos a cada dia, mas eu acho que foi lá atrás, num determinado momento. De repente houve uma situação onde as pessoas começaram a me rotular como “queridinha do chefe” em vez de competente e que, inclusive... Só que o mundo gira, lusitana roda, então, em seguida disso foi quando eu fui convidada a ser secretária do VP de Recursos Humanos. Então, acho que aquilo foi um desafio, inconscientemente, naquele momento em que eu estava ali, eu tinha que provar que eu era boa, porque se eles estavam fazendo... Eu estava com problema antes, então acho que aquilo foi um momento de desafio, um grande, e esses foram dois momentos muito pesados de desafio, eu não digo nem que fosse pelo trabalho desenvolvido, mas foi o conseguir trabalhar nos dois eventos pesados da vida da minha filha, aos doze anos, quando ela ficou tetraplégica, e em 2003 quando ela estava no tratamento de leucemia. Eu me dividir e saber que depois eu teria uma resposta de que “você conseguiu”, né? Do contrário, eu posso até dizer que eu fui privilegiada, porque eu sempre tive os meus desafios e sempre consegui atingi-los, mas foram trabalhos em que um trabalho era melhor que o outro, um trabalho era mais completo que o outro, um mais desafiador que o outro. E eu chegava ao final dele, né? Mas, sim, de ser uma coisa de eu ter que realmente ir à luta, batalhar, pegar o touro à unha, como dizem, né? Foram essas três situações, que aí é a briga do você com seu profissional. É uma coisa assim...
P/1 – Essa coisa de colocarem você como “queridinha do chefe” era você sendo queridinha do Irélio?
R – Não, não, não, Irélio nem estava na empresa, não. Irélio nem estava na empresa. Isso foi quando eu deixei de ser secretária sênior e passei a ser secretária... Eu comecei com o Arnaldo em janeiro e Irélio veio pra Credicard em março.
P/1 – Ah, tá. Então foi um momento seu na Credicard, e aqui dentro da Redecard foram nesses dois momentos da sua vida particular em que você tinha que se dividir. E que atitude você acha que você precisou ter pra lidar com essa situação de estar com a sua filha com problema de saúde grave e ter que trabalhar. O que é que você acha que foi necessário você ter pra conseguir lidar com isso?
R – Serenidade, maturidade e saber que eu, com certeza, iria vencer.
P/1 – Me fala uma coisa, o que você considera como sua principal realização dentro da Redecard?
R – Não é puxa-saquismo, mas é justamente esse trabalho de quando a gente transformou as pessoas em Redecard, depois esse Projeto Companheiros, a satisfação de subir num palco, pegar um troféu como Top de RH, o primeiro prêmio da diretoria de Recursos Humanos. Eu acho que participar desse início da história foi o ápice.
P/1 – Você colocou que você saiu da área de Recursos Humanos e você foi pra outras áreas. Como é que se deu esse processo, Regina?
R – Desde antes, desde a época em que eu era secretária, passava muito forte nas minhas avaliações, inclusive ditas pelos meus chefes, que eu era uma pessoa muito voltada pra Controle, pra Controle, pra Controle. E aí então, justamente aconteceu que na vice-presidência de Operações eles precisavam criar uma área de Controle dentro de Operações, estava tendo uma série de problemas, tinha tido um problema de auditoria, tal. Então, precisava criar uma área de Controles de Gestão. Foi nesse momento, então, que eu fui convidada pra criar essa área dentro da diretoria de Operações, e pra mim foi um desafio, lógico! Legal! Eu vou passar a ser gestora, eu vou criar uma série de controles. Foi aí que eu fui pra diretoria de Operações e dali fiz todo um controle de contratos e pagamentos, de orçamentos, de provas, de auditoria, de uma série de coisa. Dali a coisa foi crescendo e esse meu lado de controle foi então ficando muito mais... Eu fui depurando, digamos assim.
P/1 – Isso foi em que ano, Regina?
R – Agosto de 1999.
P/1 – Eu queria saber se você vivenciou e acredito que sim, presenciou algumas situações em que foram tomadas decisões que envolviam pessoas dentro da Redecard?
R – Sim.
P/1 – E quais valores ou razões foram levadas em consideração pra essa tomada de decisão? Eu queria que você contasse um caso, que você nos falasse que momento foi esse, qual foi o valor e por que as coisas ocorreram dessa forma.
R – Bom, algumas coisas eu não tenho como te dizer porque tinha algumas decisões que eram tomadas pela cúpula, né? Uma coisa que a gente não participava, mas um momento que marcou dessa parte foi exatamente quando, por uma estratégia de negócio, eles resolveram aos poucos fechar os polos de atendimento e terceirizar atendimento. Aí era uma coisa que era muito marcante. Como é que você vai trabalhar porque... Que nem, por exemplo, o polo do Rio de Janeiro, que foi o primeiro, nós estávamos falando em 120 e poucas pessoas. O que é que a gente vai fazer? De que maneira a gente vai fazer? E é aí que entra um trabalho fabuloso, que foi um projeto que quem desenhou, desenvolveu − e eu tive o privilégio de dar suporte − foram a Marta Campos e a Simone, que foi o “Projeto Em Frente”, então, foi uma coisa que marcou justamente por isso. A empresa tomou, a Redecard tomou a decisão de terceirizar por uma estratégia de negócio. Pode até ter tido uma redução de custo, mas foi de uma forma muito diferenciada, porque foi feito todo um projeto. Isso foi em, se não me engano, em 1998. Foi, então, desenvolvido todo um projeto, tudo extremamente estruturado onde várias pessoas foram para o Rio, levaram todos os atendentes pra um Hotel, distribuíram em salas. Então, para não haver nenhum tipo de terrorismo, nenhum problema, digamos que foi feito de um jeito onde aquelas 120 e poucas pessoas foram demitidas no mesmo segundo, cronômetro, literalmente. Só que aí é que a coisa começa a diferenciar. No dia seguinte, todas essas 120 pessoas, eu lembro que só duas ou três não quiseram, porque era opcional, estavam convidadas pra um workshop no dia seguinte. Então, o que foi feito, no dia seguinte, elas receberam todo aquele trabalho de um headhunter, né? De como se colocar, de como fazer, de como fazer seu curriculum. Inclusive, foi feito num primeiro momento, eles responderam um questionário, indo pra uma linha de traçar o teu psicológico, aí tinha uma pessoa de suporte que mandou tudo por fax aqui pra São Paulo. Eu peguei, levei tudo pro psicólogo, ficamos fazendo, que até o final do dia a gente tinha que devolver todos os resultados. Dali eles criaram, fizeram todo o... Cada um foi fazendo o seu curriculum e tal. Tá legal, até aí tudo bem, só que depois disso, foi o fundamental pra mim, gerou um book com aqueles 120 e poucos currículos, as pessoas receberam orientação de: “Pensa, de repente você também pode partir pra um negócio.” Tanto é que tem até uma menina, eu não sei, até um tempo atrás parece que estava tudo bem. A menina, por conta desse workshop, então falou: “Não vou procurar emprego, vou partir pra um negócio próprio, vou abrir um pet shop no Rio.” Então, quer dizer, era uma coisa de direcionamento mesmo. Feito isso, gerou aquele book que literalmente o Irélio, Marta e Simone puseram debaixo do braço e foram às empresas com polo de atendimento do Rio de Janeiro oferecer o serviço daquelas pessoas. Tanto que, num prazo muito curto, aquelas 120 e poucas pessoas, 114, precisamente 114 estavam empregadas. Também foi um outro projeto fabuloso, magnífico, onde teve um Top de RH. Então são coisas assim, as pessoas são tratadas... Mesmo que eu esteja te demitindo, eu estou te demitindo de uma maneira que você vai sair daqui, vai ficar dolorido, vai ficar, com certeza, mas eles não vão estar te esquecendo.
P/2 – Que fatores você acredita que estivessem envolvidos nesse momento da decisão e que a Redecard demonstrou pras pessoas?
R – Eu acho que é o valor da humanidade, o valor humanitário, o valor do que, olha, eu, infelizmente não posso ter o seu serviço hoje, mas você tem que seguir em frente. Então é o valor família, humanitário, o valor à pessoa, o respeito ao ser, o respeito ao outro, entendeu? Não é porque é bom pra mim, que sou a corporação, que lixe-se você. Então, eu acho que é isso, é exatamente a coisa do respeito, que isso é uma coisa que eu acho que é muito forte.
P/1 – Dentro desse contexto que você está colocando aqui, Regina, tem alguém dentro da Redecard que foi importante pro seu desenvolvimento de carreira? Quem foi e por que foi tão importante?
R – O Irélio. Com certeza, o Irélio. Ele tem um jeito muito especial de ser, mas é uma pessoa que também me ensinou muito. Do mesmo jeito como eu contei da Emília. Ele me fazia buscar o aprendizado, então, eu acho que realmente o Irélio foi uma pessoa, porque dali eu deixei, passei... Tanto é que ele, talvez se ele não tivesse essa postura, eu não conseguiria com tanta facilidade, do jeito que eu julgo que eu tenha passado, passar de secretária a ser uma analista de Recursos Humanos, porque é uma vida completamente diferente, totalmente diferente. Então, aqui dentro da Redecard, eu digo que o Irélio realmente foi, dali...
P/1 – E que valor você acha que dentro dessa relação dessa pessoa como referência, que te traz dele, que atitude dele te marcou e foi importante pra esse teu crescimento profissional?
R – Respeito, o acreditar e o mostrar o caminho. Não adianta te respeitar se eu não te dou o norte.
P/1 – Você pode contar um caso um pouco pitoresco que você vivenciou dentro da Redecard?
R – Pitoresco na Redecard...
(PAUSA)
R - Difícil, viu? Tiveram várias coisinhas, mas... Ah, a gente teve um caso que era muito engraçado porque, por exemplo, houve um momento que, como tinham três leis, municipal, estadual e federal, proibindo fumar... Então a gente, eu ainda estava lá no RH, anotou que era proibido fumar, etc e tal. E naquela época a gente tinha um vice-presidente de finanças, o Zé Waldir, que era uma figura carimbadíssima. No dia que ele descobriu que eu estava fazendo esse trabalho e fumava, ele xingou até a minha tatataravó, né? E era muito engraçado porque, independentemente disso, nunca pôde, no andar da presidência fumar. O Líval fumava socialmente, ia em happy hour, tal. Então, no andar dele não podia fumar, o resto era aquela bagunça. E o Zé Waldir, quando chegava, o que é que ele fazia? Se vocês forem ver, até hoje é assim, a mesa dos vice-presidentes tem um balaústre aqui em cima onde eles guardam... Então, o que é que o Zé Waldir fazia, como coisa que adiantava, né? Mas era muito engraçado, ele deixava o cinzeiro dentro do balaústre. Cada vez que ele queria fumar um cigarro, muitas vezes ele saía, ia pra outro andar, mas ele queria fumar na mesa dele, então era muito engraçado porque ele ficava em pé, dava uma tragada no cigarro, soltava a fumaça pra dentro do balaústre, punha assim e fechava a portinha, entendeu? E o Líval passava às vezes por ele fazendo de conta que não estava percebendo. Imagina aquela fumaceira, né? Porque é baia, né? Então, acho que uma das coisas mais pitorescas foi o Zé Waldir fumando dentro do balaústre.
P/1 – Me diz uma coisa, o que a Redecard representa pra você?
R – Minha vida.
P/1 – Por quê?
R – São muitas e muitas e muitas gratificações e muitas coisas vividas aqui dentro, mas eu não tenho como não trazer isso pra mim como principal. Eu devo pôr dois eventos muito pesados da vida da minha filha pra essa empresa. Então, por isso que eu falo: eu não estou na Redecard, eu sou Redecard. E isso, por mais que se você falar “que não, mas tem um outro motivo”, eu não vou conseguir dizer, porque não existe nada maior que isso.
P/1 – E você pode explicar um pouco esse fato? Você se sente à vontade pra contar?
R – Totalmente. Até porque é uma lição de vida, uma coisa triste, como diria, porque você sempre vai se perguntar o porquê, né? Uma resposta que você nunca vai ter, mas da mesma forma que é muito bonito, né? Minha filha nasceu com Síndrome de Down e aos doze anos a gente estava em férias, no último dia aliás, segunda-feira... Agora vai completar, vai fazer aniversário, 31 de julho. Ela caiu de um brinquedo num parque em Atibaia e naquele momento, ali no parque ela começou a ficar, pra mim ela estava... Como é que fala? Engasgada. E aí é aquela coisa de mãe, né? Como meu pai teve uma época em que ele viajou, então minha mãe teve que assumir. Então, com a minha mãe tem aquelas coisas, né? Enfia o dedo na garganta, né? E eu tive, convivi com isso. Então, naquele negócio, falei: “Bom, não dá porque se ela está engasgada...” Ela tinha tomado leite e comeu pão, então não tinha como puxar. “Não tem como puxar, vou assoprar.” Só que, sem perceber, eu estava fazendo uma respiração boca-a-boca. Cada vez que eu fazia, ela fazia aquela coisa assim, né? Nisso, meu marido foi buscar o carro, então eu continuei fazendo. Eu continuei fazendo sem saber, não sei o porquê, como tudo que eu fiz. Não me pergunta por que é que eu resolvi fazer uma série de coisas quando ela era pequena, enfim. Nisso a gente foi com o carro, aí fomos pro hospital e eu já cheguei assim: “Olha, ela tinha bebido leite, ela tinha bebido leite, eu acho que ela teve um refluxo, teve um refluxo, teve um refluxo.” Porque cada vez que você parava ela começava a ficar mais roxa. E entrei com ela lá pra dentro, aí realmente eles entubaram e aspiraram todo o leite do pulmão. Então, quer dizer, tudo aquilo que eu imaginava tinha realmente acontecido. Só que na hora que eles desentubaram, ela parou, teve uma parada respiratória de chegar a ter duas falanges roxas, né? E eu ainda peguei na mão dela e pensei: “Não senhora, pode voltar, pode ficar aqui.” E aí tinha um médico japonês: “Tira essa mãe daqui!” Eu falei: “Não, eu não tô histérica, eu não tô nada, só que do lado da minha filha você não vai me tirar.” Então, nisso começou, eles tiveram que entubá-la. Depois que estava tudo certinho é que eles foram pedir documento da Carol, é interior, em Atibaia, não é isso? E aí, dali, o que é que aconteceu? Eles não aceitavam o convênio do meu marido e tampouco o meu, que era o Gama, só que o Gama tem todo um lado de emergência, eu falei: “Bom, particular. Eu só preciso de um telefone.” Por que eles me pediram um cheque de cinco mil reais. Aí eu peguei e liguei pro Ricardo Castanino, falamos dele um tempo atrás, avisando: “Aconteceu assim, assim, assim.” “Tudo bem.” A partir daquele momento, a empresa, com o convênio e com tudo, assumiu a única coisa que eles permitiam que eu fizesse, que era pensar nela e estar com ela. E aí a gente acabou trazendo ela pra São Paulo. Por conta da Síndrome de Down, que tem uma característica em que o osso odontoide é um pouco curto, então, no que ela caiu e bateu com as costas, desencaixou a primeira vértebra do odontoide, houve uma projeção entre a primeira e a segunda, elas comprimiram a medula e a medula dela sangrou. Tanto é que naquela época o diagnóstico e prognóstico foi assim: tetraplegia irreversível, ligada num aparelho respiratório enquanto ela sobrevivesse, né? Enfim, evidentemente que as coisas foram mudando, mudando, mudando, mudando... E realmente com tudo isso foram onze meses na cama, com home care, um monte de gente entrando e saindo e eu tendo que me preocupar com ela. Imagina. E há doze anos atrás o custo de um home care... Hoje já é uma fortuna, imagina naquela época, em que estavam começando a inventar. Foi até a percursora, a Med-Lar, não existia isso. E eu tive isso. Mas eu tinha quem? Eu tinha aquele negócio de que de repente estava todo mundo ali, você se preocupa em cuidar da sua filha e acabou. Entendeu? Passado um bom tempo, inclusive, ela lá, as coisas... E ela foi se recuperando. A gente conseguiu um monte de vitórias, e todas elas, aliás... O fato de não ter ficado ali no parque, que era o que acontece em 99 pontos, uma dízima de noves, porque, com a lesão, os comandos não chegam, corta o comando. Então, ia chegar uma hora em que o pulmão ia parar, tudo pára porque não chega, ele só obedecem... Tanto é que era a lógica, fazia pouco tempo tinha tido um caso de um jogador, Dener, no Rio de Janeiro, que a causa da morte dele foi exatamente isso. Tudo bem, aí ela acabou ficando bem melhor, só que alegria pouca é uma coisa, porque ela acabou pegando hepatite B dentro do Einsten. Então, por conta disso ela faz anualmente um checkup. Aí, quando foi agora em 2003, no auge dela, porque a gente pode dizer que até então, em 2003, ela tinha recuperado 80, 85% de movimentos. O problema maior dela é a autonomia pra andar, se você dá a mão, ela anda. A parte respiratória, nem se fala. Sumiu. Então, em 2003, fazendo exame de rotina descobre-se o quê? Uma leucemia. Bom, então o negócio é tratar, vamos tratar. Só que a primeira medicação de quimio, na primeira injeção, na segunda injeção, na terceira injeção ela começou a ficar ruim, ela teve todos os efeitos colaterais possíveis e imaginários que aquela quimioterapia poderia dar. Isso foi em 2003, quatro meses ininterruptos internadas no Sírio Libanês, dois na UTI, dois na semi−UTI, cinco eventos de parada cardiorrespiratória, tanto é que a última de traze-la meio ER, sabe aquelas coisas que você vê na televisão, principalmente com massagem cardíaca? Das cinco, uma foi com o meu cunhado, porque às vezes, de sexta pra sábado, ele ficava lá pra gente poder descansar. As outras quatro eu é quem estava com ela, o que eu dou graças a Deus de sempre estar com ela, porque meu marido é mais bolachão e ele não admite que nada esteja acontecendo com ela, então ele fica extremamente, excessivamente nervoso. E eu, quando estou passando por alguma coisa numa situação, que nem aquela do parque, eu passo a ficar extremamente racional. Então, o meu raciocínio é absurdamente preciso pra tudo, pra tudo. Nunca vou esquecer naquele do caminhão lá atrás que me fez me aproximar ao meu marido, uma das meninas que estavam na casa estava tomando homeopatia de hora por hora, e eu lembrei de hora em hora em ficar cuidando enquanto estava aquela muvuca de ambulância e não sei o quê, porque o meu racional é uma coisa fora de série. Não sei, não me peça explicação, mas é assim, uma coisa, né? No fim das contas acabou, porque acabou tendo uma série de coisas, foi evoluindo pra uma parte pulmonar que é uma parte fragilizada. Aí a coisa não dava certo e a gente acabou indo buscar pneumologista de fora do Sírio. Foi um sururu danado e o tempo todo a empresa esteve ali, presente: “Se preocupe com a sua filha.” Tanto é que eu mandei buscar uma outra equipe de médico, eu não fui perguntar: “Olha, gente, posso?” Tanto é que fazia dois meses que ela estava ali entuba, extuba, entuba, extuba. Se entubou não tem mais como extubar e ninguém fazia nada dois meses? Não dando ouvido, né? Porque só falta eu ter o CRM para ser pneumologista, porque tudo que eu fiz e trabalhei com ela esse tempo todo e eu falava: “Gente, pelo amor de Deus, com a Carol não é assim!” Mas não funciona, tanto é que quando a gente foi buscar alguém que parou, sentou, leu o histórico e conversou com o fisioterapeuta dela, uma semana depois ela estava na semi, porque ela falou: “Não, a Carol tem o tempo dela, a gente não vai extubar a Carol do jeito que a gente quer, a gente vai novamente fazer uma traqueostomia na Ana Carolina e vamos ao tempo dela.” E foi realmente o que aconteceu. Então, hoje ela está... Depois disso, em dezembro de 2005, encerrou as quimios, então ela está só de tempos em tempos passando pela manutenção, tá ótima, linda, maravilhosa, feliz da vida. A única coisa é que engordou bastante, a gente agora tá pelando pra fazer isso, mas, como sempre, ela tá lá linda, forte, sacudida, né? De um humor fabuloso, de um desprendimento absurdo, né? Quando ela caiu, ela tinha doze anos, o aniversário de treze anos ela passou dentro da UTI do Einstein e ela ficou onze meses na cama em casa. Dali eu já tinha, agora voltando, né? Dali a gente já tinha o hábito de tudo que era reciclável em casa, “o saquinho dessa coisa aqui não vai para o lixo, ele vai pra reciclável”, porque lá no orfanato eles transformam em dinheiro para as crianças. Isso já vinha, até porque a gente começou com isso por conta de um médico que tinha no ambulatório da Credicard, já era um hábito. Então, era muito engraçado. Imagine ela, numa cama hospitalar, tudo bem, dentro do quarto dela, aqueles ferros, halo craniano, um monte de ferro enterrado na cabeça: “Você não vai rasgar o saco da uva, você vai abrir com cuidado.” “Mas, Carol...” “Cuidado, ordem é tudo. E se você rasgar não vai ter ordem. Você sabia que você rasgando esse envelope... Esse envelope bota feijão no prato das crianças do orfanato?” Mas tinha que ser, porque ela é extremamente meticulosa, né? Então, você tinha que abrir com cuidado, você não podia rasgar. Mesmo se você juntasse os papéis, tinha um saquinho que ela fez colocar aqui. Tudo era com o olho, porque ela estava recuperando já os movimentos, mas ainda era tudo mais no olho. E ela falava feito uma tramela, né, puxou a mãe. Aí, aqui tinha um envelopinho em que ela cobrava beijo. Ela cobrava beijo. “Mas, Carol, cobrar beijo?” “É, mãe, sabe por quê? Porque depois, quando eu ficar boa, meu pai pega esse dinheiro todo que eu vou juntar, vai ao supermercado, compra uma cesta básica e leva para o orfanato.” Tanto é que a gente juntou, depois a gente completou, deu pra comprar três cestas e a gente esperou ela estar em condições de poder ir junto até o orfanato pra entregar. Papel reciclável o meu marido tem que levar todos eles. Aliás, até hoje a minha casa é um entreposto do orfanato com reciclável, né? Meu marido mesmo ainda estava falando, ele falou assim: “Eu vou ter que ir a semana que vem umas três vezes no orfanato pra esvaziar a garagem.” E é isso. Tanto é que teve até um médico na época que veio fazer um benchmarking com a Med-Lar, porque ele ia montar um home care no Paraná, entrou e eles pediram pra levar lá, porque normalmente sempre é caso terminal, e não era o caso da Carol. Então, é legal conhecer, legal, tá tudo bem. Ele entrou, viu umas fotos da Carol, assim: “Nossa, que lindinha menininha...” Esse homem desceu, como muitos homens nós vimos fazer isso em casa, desceu, pediatra, médico pediatra. Esse homem sentou no sofá da minha casa e chorava, chorava, chorava, e falou: “Eu peço a Deus para ter metade da dignidade desta menina.” Não é? Porque ela ria, ela brincava, né? Nesse segundo evento, houve um período pesado de uma depressão profunda a ponto de, pra ver se ela melhorava mesmo, minhas duas irmãs e minha mãe viram dos Estados Unidos pra aproveitar o feriado. Na sexta-feira pegaram o voo lá, ficaram sábado e chegou domingo à noite pra irem embora. Manja essas coisas assim? E ela tem verdadeira paixão pelas minhas irmãs, paixão, ela não queria... Depressão profunda de antidepressivo a cada quatro horas. Graças a Deus está hoje feliz da vida, linda, maravilhosa.
P/1 – Que bom! Voltando, então, você nos falou exatamente dessa razão. Na verdade, o que é que ela representa pra você, a Redecard? Eu queria que você colocasse, em função desse histórico que você nos disse, quais são os valores que permeiam as relações da Redecard?
(troca de fita)
P/1 – Retomando a pergunta, Regina, até pelo fato de que você nos contou. Eu queria saber quais são os valores que você percebe que existem, que permeiam as relações da Redecard.
R – Eu acho que é... Já parece, vou me tornar um pouco repetitiva, mas acho que o valor principal é o respeito entre as pessoas, o respeito ao ser humano. Então, isso faz com que você, a partir do momento que existe o respeito, a valorização do ser humano, você acaba trazendo o melhor do ser humano, né? Porque você consegue realmente transformar isso numa via de duas mãos, e eu acho que o primeiro nível é exatamente isso: o respeito de um ser humano para com o outro. Então, esse respeito faz com que tudo isso nos transforme em o líder de captura do mercado, o líder, o líder, porque a Redecard é líder em respeito de ser.
P/1 – E qual é a principal razão de você trabalhar na Redecard hoje?
R – Bom, todas que eu já coloquei pelo âmbito da pessoa, não é? Mas não é isso não, não é só esse apoio, essa coisa financeira que tá por detrás disso. Mas é muito gratificante você poder desenvolver um trabalho. Chega lá na frente e você vê seu trabalho concluído, você vê o seu trabalho valorizado, você vê as pessoas sabendo que você é você, porque às vezes você trabalha numa empresa em que realmente você não passa de um número, né? Mas a Redecard deixou há muito tempo de ser assim: “Ah, Fulana secretária do Ciclano?” As pessoas eram muito associadas a alguém. Hoje: “Ah, a Regina!” Entendeu? Entendeu? Então, a Redecard... Acho que isso é uma coisa que deixa com que você fique mais à vontade pra você trabalhar, pra você produzir. Então, toda vez que se consegue produzir dessa forma é gratificante, então, o meu trabalho, as atividades que eu faço, eu faço com muito prazer.
P/1 – Você participou do processo de criação da revista Vitrine, Regina?
R – Muito, muito, muito bastidor, mas eu já estava lá naquela época, quando a revista foi criada, mas muito pouco. Eu contribuía um pouco porque às vezes dava uma ajuda pro Luiz, principalmente quando ele estava lá na edição da revista, às vezes faltava alguma informação: “Ai, Regina, minha repórter número um, acha pra mim tal...” Mas eu não trabalhei muito, porque na época a área de Recursos Humanos era bem pequena, então eu tinha o Luiz Anrubierre de comunicação, eu como a pessoa de folha e a Marta e Simone, que corriam feito doidas, né? Então, nós nos ajudávamos muito, mas não dava pra gente se envolver tanto quanto a gente gostaria.
P/1 – Qual a importância da revista na história da Redecard na sua maneira de ver?
R – Ah, eu acho que é justamente o deixar ali registrados os grandes eventos, algum fato mais marcante. Eu acho que é justamente o permanecer na história.
P/1 – Como é que você imagina a Redecard daqui a dez anos, Regina?
R – Daqui a dez anos, acho que tem um patamar pra gente parar um helicóptero, porque São Paulo vai estar parada. Eu acho que daqui dez anos a Redecard vai ser líder, talvez, na América Latina, uma coisa de uma grande... Eu a enxergo de uma grandiosidade fabulosa, de um domínio de mercado absurdo, eu a enxergo muito maior.
P/1 – E como é que você vê o mercado de cartões de crédito, o que é que você acha que mudou no cotidiano das pessoas?
R – Eu acho que a facilidade, né? Eu falo isso mais por conta de usuária, né? Porque apesar da gente saber, conhecer o negócio, tal, a minha atividade aqui dentro não é tão ligada ao negócio, então, não entro em detalhes que eu não sei. Como usuária, eu valorizo muito. Por quê? Porque você, primeiro, te dá uma segurança, é muito bom. Você vai... Uma coisa mais difícil é eu passar um cheque hoje em dia, papel, porque você tem aquele plástico que você passa e dá segurança. Então, o fundamental eu acho que é justamente a segurança. Porque você tem aquele plástico que, se te acontecer alguma coisa, você liga para o teu emissor, cancela teu cartão e suspende teu cartão. Ali te dá aquela facilidade, porque eu vou aqui, comprei, eu só tenho um plástico, eu não tenho que me preocupar em estar andando com muito dinheiro, porque aí eu vou estar mais vulnerável, se me roubarem eu tinha aquele dinheiro, sendo que o meu dinheiro está lá guardado. Então eu acho que o plástico é realmente como falam, já está sendo, mas: “É o dinheiro do futuro.” Porque a segurança que dá é exatamente essa: você pega um plástico e sai, você compra, você parcela, você pré-data, hoje em dia você faz tudo com o cartão, tanto débito como crédito. Então, é muito mais prático, em vez de você pegar aquela carteira cheia de dinheiro, mais talão de cheque, mais não sei o quê, você põe o cartão naquela bolsinha e faz suas compras com muito mais segurança, com uma segurança maior para o estabelecimento, porque se o estabelecimento passa seu cartão ali ele vai ver, se foi aceito é porque você realmente é uma pessoa idônea. Então, eu acho que é aquela coisa da segurança, do ratificar a sua idoneidade, te dar a segurança de correr menos risco.
P/1 – Como é que você avalia o impacto da sua passagem pela Redecard, tanto na sua vida pessoal como profissional? Fazendo uma avaliação.
R – Bom, como pessoal, como vida pessoal eu acho que era... Se fosse diferente, tudo poderia ter dado errado. No profissional é de um aprendizado muito grande, uma escola muito grande, porque é aquilo que eu falei, por uma opção eu não pude sentar na cadeira de uma faculdade, só que a minha cadeira dentro da Redecard passou por todas as faculdades. Então isso, esse aprendizado, toda minha evolução, meu crescimento, amadureci muito, aprendi demais, aprendi muito, aprendi muito, muito, muito. Então, a Redecard pra mim é aquela universidade, é meu MBA, é meu PhD, a Redecard pra mim tem esse significado, a minha escola foi Redecard. E está sendo, né? Eu espero que por mais tempo!
P/1 – Então, em cima do que você tá colocando, qual foi o maior aprendizado que você obteve trabalhando na Redecard?
R – Me transformar numa revisora de auditoria onde eu aprendi muito sobre o controle, a importância de controle, o ideal pra você estar desenvolvendo indicadores, essa coisa toda, ir pra esse lado de ser uma pessoa de controle.
P/1 – O que você acha da Redecard estar comemorando seus dez anos de existência coletando depoimento de seus funcionários e ex-funcionários?
R – Eu acho isso fabuloso, até porque, dentre as minhas atividades, em uma delas, eu trabalho com a informação, tanto é que a gente tem lá dentro da nossa área um programinha que se chama “Central de Informações” onde a gente ali vai guardando tudo, só que da diretoria. Um dia eu quero trabalhar esse projeto pra que ele seja maior. Eu sou uma pessoa, como adoro... Eu acho que o você ter a memória é uma coisa fundamental, eu tenho o privilégio de ter uma memória boa com uma vida tão cheia de coisas pra poder lembrar. Só que uma empresa não tem isso. Hoje eu estou aqui, amanhã eu não estou. A identidade e a cultura são coisas fundamentais numa empresa, principalmente como a Redecard, que preza muito o ser humano, a comunicação, o estar, o dar, o receber, então eu acho isso fabuloso, fantástico, maravilhoso. Quisera eu poder estar mais perto do projeto, porque realmente é um trabalho muito bom, muito, muito bom.
P/2 – Regina, deixa eu te fazer uma pergunta. A Redecard veio da Credicard e já tinha uma identidade. Hoje você vê a Redecard com uma identidade própria?
R – Com certeza. Há muito tempo, há muito tempo. Digamos que hoje as coisas se inverteram, na minha visão as coisas se inverteram. A Redecard manteve a sua identidade, ela saiu de lá e se criou, ela criou a sua identidade, certo? E a partir do momento em que ela criou, ela não perdeu. Inclusive, foi uma identidade criada em cima, embasada em algumas coisas de cultura que vieram, evidentemente, da Credicard. Mas eu nunca vou esquecer de uma vez, quando o Líval saiu e o Fleury assumiu a presidência. O Fleury foi vice-presidente financeiro na Credicard na época que eu era secretária de VP. E aí ele veio pra ser presidente da Credicard e, passado um tempo, eu falei: “Puxa, Fleury, o que é que você tá achando?” Ele falou: “Nossa, muito legal, não sei o quê, não sei o quê...” E eu nunca vou esquecer que ele virou pra mim e falou assim: “Pois é, eu tiro o chapéu pro Irélio, porque o Irélio, nesse tempo que ele tinha ficado fora, no retorno dele, o Irélio soube manter a identidade da Redecard. O que eu não consigo enxergar na Credicard e na Orbital.” Então, quer dizer, é bem isso, a identidade, ela foi tão sólida ao se formar no início da Redecard, que nada quebra.
P/1 – E, agora sim, o que é que você achou de ter participado dessa entrevista?
R – Morri de vergonha, acho que falei um monte de bobagens. Não, eu acho que justamente eu acho que isso é legal. De repente um dia, sabe Deus quando, alguém vai falar: “Puxa, aquela louca estava lá, aquela louca contou aquilo.” Entendeu? Eu acho super legal, super gratificante, né? Uma coisa que, se eu pudesse, se eu tivesse condições, se eu fosse abrir os meus baús efetivamente, tadinho, não ia ter fita que acabasse, mas fazer mais uma vez parte de mais um momento importante da Redecard, Mastercard, paga todo o resto.
P/1 – E pra finalizar, uma última pergunta. Qual o seu sonho?
R – Meu sonho? Olha, eu não posso te dizer que eu tenha um sonho, tenho pequeninos sonhos, né? A gente sonha em ganhar na Mega-Sena, a gente sonha isso, mas o meu sonho que é aquele que eu peço todos os dias, na hora que eu vou deitar, pra minha santinha querida: é continuar sempre, sempre vendo a minha filha sorrir.