Projeto Perpetuando a Rede LAC
Depoimento de Milena Pérez Pérez
Entrevistada por Immaculada Lopez e Danilo Eiji
São Paulo, 17/11/2006
Realização Museu da Pessoa e Rede LAC
Entrevista REDELAC_HV008
Transcrito por Victor Julian Trejos Tabasco
Traduzido por Naila Freitas / Verso Tradutores
Revisad...Continuar leitura
Projeto Perpetuando a Rede LAC
Depoimento de Milena Pérez Pérez
Entrevistada por Immaculada Lopez e Danilo Eiji
São Paulo, 17/11/2006
Realização Museu da Pessoa e Rede LAC
Entrevista REDELAC_HV008
Transcrito por Victor Julian Trejos Tabasco
Traduzido por Naila Freitas / Verso Tradutores
Revisado por Ana Calderaro
P - Para começar, gostaria que dissesse seu nome completo, a data e o lugar onde você nasceu.
R - Meu nome é Milena Pérez Pérez. Nasci no dia 24 de novembro de 1970, na cidade de Tarapoto, um bairro que se chama Tres de Octubre, departamento de San Martín, no Peru.
P - E os seus pais, seus avós, são da mesma região?
R - Meus pais são do mesmo lugar, meus vovozinhos também.
P - O que você sabe da origem da família do seu pai, da família da sua mãe?
R - Sei pouco, não houve oportunidade de conversar, de que nos contassem alguma coisa de como foram. A minha mãe diz que cresceu com o seu padrasto. Começou a trabalhar muito moça e isso foi um pouco o que a minha mãe nos contou. Meu pai, com onze anos, ficou sem pai e também começou a trabalhar para poder sustentar sua mãe, ou seja, a minha vovó. E assim vivia.
P - A família é grande?
R - Sim, do meu pai são uns dez irmãos. Agora todos moram longe, mas sempre vêm passar o Natal em San Martín.
P - E você sabe o que faziam, em que trabalhava seu avô e sua vovó?
R - A minha vovó, por parte da minha mãe, trabalhava no que é o cultivo do milho, a uma distância de vinte quilômetros de onde nós moramos. E meu pai trabalhava no cultivo do tabaco, na colheita da mandioca, da banana, do milho... Do milho eles faziam a chicha e também se usava para dar de comer aos frangos.
P - O que é a chicha?
R - A chicha é o milho moído e desmanchado em água e fervido. Se deixa fermentar uns dias e é uma bebida que se toma nas festas. E da mandioca também fazem uma bebida de nome masato.
P - Então, você conheceu a mãe da sua mãe, a sua vovó?
R - Sim.
P - E como era?
R - Era uma bela pessoa, era de idade e trabalhadora. Morava sozinha quando minha mãe foi embora para se casar.
P - E você sabe como os seus pais se conheceram?
R - Segundo minha mãe me contava, meus pais se conheceram quando um dos amigos do meu pai convidou ele para sair para passear por um distrito que se chama Juan Guerra. A minha mãe estava com outras pessoas em Juan Guerra e convidaram ela para ir até San Martín, outra comunidade. E diz que foi aí que se conheceram o meu pai com a minha mãe, isso contou minha mãe.
P - E você sabe como foi a juventude e a infância da sua mãe, ela contava para você?
R - Ela contava que não tinha juventude, não deixavam, não deixavam ela sair para dançar, nem ir a festas. O padrasto só deixava ela sair quando era para trabalhar.
P - Que tipo de trabalho?
R - Doméstica, digamos.
P - Sua mãe trabalhou em outras casas?
R - Sim.
P -Como você acha que era a rotina da sua mãe? Muito trabalho?
R - Sim, de muito trabalho, devia sofrer a maior parte do tempo. Tinha que trabalhar para poder sustentar os irmãos mais novos. Foi quando casou com o meu pai.
P - E sua mãe estudou?
R - Não, ela não tinha estudado, não tem estudos.
P - E o seu pai?
R - Ele só tinha o segundo ano do primário. Não teve oportunidade. Ficou sozinho o meu pai, quando morreu o meu vovô, e ele tinha que sustentar a minha vovó, sua mãe.
P - E o seu pai trabalhava em quê?
R - Quando morre o meu avô, ele fica com suas terras, as do meu vovô, e vai trabalhar na mesma coisa, com o tabaco, a banana. Ficou com a herança do meu vovô para trabalhar.
P - Como é o dia de um agricultor como o seu pai?
R - Ah, com muito trabalho, tem que trabalhar na lavoura.
P - Precisa acordar muito cedo?
R - Levanta cedo, às seis da manhã já está levantando, tem que sair para ver as plantas e todo o dia de trabalho é bem trabalhoso. Eles têm que botar água, têm que fazer as máquinas andar e cultivar o dia todo, é muito difícil.
P - E quando seus pais se casam, onde vão morar?
R - No bairro de Tres de Octubre, onde meu pai tinha suas propriedades.
P - Em outra casa?
R - Na casa do meu vovô, aí foi que eles viveram.
P - Como era essa casa?
R - Uma casa... Tinha uma sala, dois quartos, era de um material que se chama quincha, que é com cana-brava e barro.
P - Cana-brava?
R - É um tipo de palmeira.
P - E o chão?
R - O chão era de terra, sem cimento, sem nada. E o teto de calamina.
P - O que é calamina? Era de madeira também?
R - Não, era como alumínio.
P - Você conheceu essa casa?
R - Sim.
P - Você morou aí?
R - Morei e cresci.
P - O que mais você pode nos contar desta casa?
R - O quarto dos meus pais era bonito, porque as casas nossas são de cerca de cana-brava cobertas com plásticos. A do meu pai era fechada.
P - Com janelas grandes?
R - Não, eram pequenas, com uma portinha de madeira.
P - Com móveis?
R - Não, sem móveis, só umas poucas cadeiras, não tínhamos outros móveis.
P - E a cozinha?
R - Era separada.
P - Fora da casa?
R - Fora da casa. A cozinha com material levezinho, de palma, como nós chamamos.
P - O que havia nessa cozinha?
R - Tinha todos os utensílios das cozinhas: pratos, panelas, lenha para o fogão. Tudo o que se utiliza na cozinha.
P - Um fogão de barro...
R - Era uma mesa de madeira com barro em cima, nós chamamos de tullpa, com duas pedras bem compridas, onde se põe a lenha.
P - Os seus pais se casam e vão morar aí.
R - Sim.
P - E tiveram muitos filhos?
R - Sim, tiveram muitos.
P - E você foi das primeiras?
R - A segunda
P - O que contam do seu nascimento, Milena?
R - Eu nasci aí na comunidade, com uma parteira. Parteira é como chamam quem ajuda, no povoado, no nascimento das crianças. Não nasci em um hospital, mas na comunidade. E nasci muito pequenina, porque não cresci mais. Nasci muito pequena e vivia doente. Me levavam nos médicos e não conseguiam me curar. Eu tinha a cabeça partida, com cortes. E assim, me levando nos médicos, me curaram, segundo me conta minha mãe.
P - Eu não entendi a parte dessa partida, o que significa?
R - Como se tivesse se partido.
P - Com parteira, o parto foi em casa, então?
R - Sim, na minha casa. O parto foi natural.
P - E ela era da comunidade?
R - Da própria comunidade.
P - E você foi a primeira mulher, não?
R - Sim, a primeira mulher.
P- E como foi a infância? Que lembranças você tem da infância nessa casa?
R - Lembro pouco, porque fui crescendo bem e vou para a escola. Me colocam no jardim da infância e depois na primária.
P - Você lembra dessa primeira escola?
R - Sim.
P - Como era?
R - A escola só tinha um salão. Eu encontro com o professor que atende todas as seções do primeiro ao quinto ano, eram coisas práticas. Se faziam todas as coisas iguais porque só tinha uma professora.
P - Você tem alguma lembrança bonita da escola, dos professores?
R - Não, neste momento não tenho nenhuma lembrança.
P - Como era a sala de aula, era um único salão?
R - Um único salão.
P - Com mesas?
R - Assim, com cadeirinhas, com sua mesinha.
P - Tinha uniforme?
R - Não, não tinha uniforme. Nos outros anos, sim, usei uniforme.
P - A escola era do governo?
R - Sim.
P - E era longe da sua casa?
R - Perto.
P - E como você ia?
R - Ia caminhando, caminhando.
P - E, além de estudar, o que você fazia?
R - Estudava e não fazia mais nada. Ou seja, fazia minhas tarefas na casa e cuidar dos meus irmãos.
P - Você cuidou muito dos seus irmãos?
R - Tinha que ficar com meus irmãos, porque era a maior.
P - Não tinha muito tempo para outras coisas?
R - Não.
P - Mas do que você brincava?
R - Não, eu não gostava tanto de brincar, nem com as bonecas, nem com as bolas, nada.
P - O que você gostava de fazer quando era menina?
R - Me dedicava aos meus irmãos. Não gostava de jogos. Então minha mãe comprava bonecas para mim. Bonecas, dizem, para as mulheres.
P - Depois de você, quantos irmãos?
R - Seis.
P - E como era essa casa com oito filhos?
R - Todos em um quarto só. Era um quarto só para os filhos e um quarto só para meu pai e minha mãe.
P - E sua mãe trabalhava na lavoura?
R - Sim, ela trabalhava.
P - O que você você lembra da rotina da sua mãe?
R - Bastante trabalho.
P - E ela ia junto com seu pai?
R - Sim, trabalhavam juntos.
P - Como era esse trabalho?
R - Plantava, colhia as folhas do tabaco. Botavam as folhas, um cortava, e botavam em uma corda para secar e, quando já estavam secas, faziam pacotes e iam vender.
P - Eles mesmo iam a vender?
R - Eles mesmos.
P - E como levavam?
R - De carro, iam de carro. Demorava três horas, muito longe da cidade. Levavam para Costa.
P - Em ônibus?
R - Em caminhões.
P - E a terra era de vocês?
R - Sim, era do meu pai, depois que os meus avós deixaram para ele.
P - E como é essa região em que vivem, a paisagem?
R - A paisagem é bonita. Tem áreas verdes. A paisagem é muito bonita.
P - Mas, tem selva perto de onde vocês vivem?
R - Sim, tem selva.
P - E os vizinhos também são agricultores?
R - Também são agricultores, plantam o arroz. Quando é verão, fazem com água de rego. E, agora, também abacaxis para comer.
P - E estão longe do povoado?
R - Estão longe desse povoado.
P - E iam até o povoado?
R - Nos domingos, sempre saia para passear. Tinha uma festa, parrillada, no domingo.
P - Parrillada?
R - Parrillada, sim, porque se comem frangos cozidos na brasa, é isso que chamam de parrillada.
P - E que tipo de festa era essa?
R - Com música, boa música. Tinha bebida, cerveja...
P - E onde eram essas festas?
R - Eram em um campo esportivo. Aí faziam as festas.
P - Essa é a diversão da juventude?
R - A diversão era ir até a frente do salão, na festa. Eu saio quando tem festa da comunidade, o aniversário, a padroeira.
P - Como são as festas?
R - Tem tantas... São Francisco de Assis é o santo que veneramos na Padroeira. E a Padroeira se celebra em outubro. As bebidas, eu já tinha dito antes: se toma a chicha e o masato. Assim se celebra a padroeira. No aniversário do povoado se escolhe rainhas e se faz comidas.
P - Que tipo de música e dança?
R - Música típica.
P - Como é?
R - Os músicos tocam o bombo, o clarim...
P - E que tipo de dança?
R - É dança em casal, de dançar juntos.
P - Uma música alegre?
R - Sim, divertida.
P - E há alguma tradição mais ligada à cultura indígena no seu povoado?
R - Não.
P - Ainda sobre sua infância, além de cuidar dos seus irmãos, você continuou indo ao colégio?
R - Sim, terminei a secundária, me escolheram na comunidade como animadora comunal. Estive três, quatro anos e, depois, como promotora de saúde. Trabalhei uns oito anos na própria comunidade. Estava como promotora de saúde para atender a população, aplicar injeções, curativos...
P - E como você começou esse trabalho?
R - Eu me capacitei primeiro em uma clínica. A doutora Rosa, que me conheceu na clínica, me disse que eu fosse me capacitando, fazendo práticas. E foi só com a prática que eu aprendi. Quando colocaram um Posto Sanitário aí na comunidade, foi quando começou essa história como promotora de saúde.
P - Qual é o trabalho de uma promotora de saúde?
R - Atender a comunidade nos seus problemas de saúde.
P - Você vai de casa em casa?
R - Sim. Vou vendo se têm banheiros e algumas recomendações para a população.
P - Esse é um trabalho ligado ao governo?
R - Não, não.
P - Ligado a quem?
R - Diretamente à comunidade. Tínhamos, antes, uma instituição, uma ONG CEPCO [Centro de Estudios y Promoción Comunal del Oriente], que nos apoiou para a construção de um posto, conjuntamente com a comunidade. Não era do governo. Aí foi que eu comecei a trabalhar, mas sem ganhar um salário. Nos prepararam para a atenção da saúde.
P - E por que você foi?
R - Porque eu queria. Queria praticar a atenção à saúde.
P - E qual é a realidade da saúde?
R - Agora mesmo está bem, porque não tem mais crianças com diarreia. Agora, quando tem orientação, se cuidam os bebês.
P - E você continua fazendo esse trabalho?
R - Sim.
P - Você não queria mais trabalhar na terra?
R - Antes eu não ia a trabalhar na terra, mas agora, sim. Vou porque não estou mais no Posto.
P - E quem trabalha na terra do seu pai?
R - Meus irmãos homens.
P - Só os homens?
R - Sim. Eu apoio eles às vezes, com empréstimos para pagar os peões, mão-de-obra. Como os meus irmãos não têm o dinheiro, eu tenho que ir até uma instituição e pedir o crédito para poder dar para os meus irmãos e poder ir pagando depois, mensal ou a cada seis meses; e assim eu vou pagando com o meu nome.
P - E continuam morando todos juntos?
R - Estou morando com a minha mãe, porque o meu pai morreu, e quatro irmãos.
P - Na mesma casa?
R - A casa antiga do meu pai não existe mais, já foi derrubada para fazer outra casa, com mais quartos.
P - E a cozinha nova, como é?
R - A cozinha nova não. Ainda tem que fazer.
P - E quem cozinha?
R - A minha mãe...
P - O que ela faz?
R - No almoço, às vezes, cozinha o frango, a carne, o que tiver. Tudo o que tem no dia, se cozinha.
P - Como é um almoço de diário?
R - Para mim, é o arroz, às vezes tem feijão, a banana ou a carne. Se tem, o peixe
o frango. A banana, o arroz, o feijão e a salada, esse é o diário. Quando eu estou, cozinho e faço todas essas coisas, porque a minha mãe vai para o seu sítio.
P - Ela tem uma relação forte com a terra?
R - Ela vai todos os dias para o sítio. Planta a mandioca, o feijão, o milho, cultiva e colhe.
P - E a relação dela com você?
R - A gente se dá muito bem, sim.
P - Você acha que a vida dela foi diferente da vida da sua vovó?
R - Sim, mudou. Acho que não é igual aos que viviam antes.
P - Quais mudanças?
R - Eu tenho dor de ver como a minha mãe vai para o sítio. E eu, com tudo que eu trabalho, ela não precisa ir para a lavoura, pela idade que tem.
P - E o movimento de mulheres, quando foi que você começou a se envolver no movimento de mulheres?
R - Eu comecei na organização em que estou agorinha mesmo e entrei quando tinha quinze anos.
P - Em qual lugar?
R - No local de mulheres, com a comunidade, no clube.
P - Desde os quinze anos?
R - Sim, aos quinze anos entrei. A primeira vez foi quando eu fui fazer o curso de capacitação com as mulheres. E estavam procurando com o que as mulheres podem trabalhar na comunidade. E nos disseram que as senhoras formassem um clube, incluindo as filhas. Aí minha mãe me incluiu também. Daí comecei no movimento das mulheres.
P - E você sabe como sua mãe começou?
R - Ela começou no clube, com o grupo, quando iam fazer alfabetização. Ela aprendeu corte e costura. Foi assim que, contou minha mãe, ela tem o seu corte e costura, sua horta... Depois criaram esse projeto da manteiga de amendoim, que tem se mantido.
P - Você lembra como foi quando chegou ao clube?
R - Sim.
P - O que você achou? Como foi?
R - Nos primeiros dias, não tanto. Mas, depois, quando continuei trabalhando, eu gostei. Estando lá, conheci outras coisas, saí de viagem, começamos a experiência e, depois, a manteiga. Fui aprendendo mais coisas. Coisas que eu não podia aprender e não pude estudar.
P - O clube existia antes de começar a produção da manteiga, não?
R - Sim, antes.
P - E tem um lugar próprio?
R - Sim, tem uma casa que foi construída com as vendas da manteiga e o apoio de CEPCO.
P - E antes disso, onde funcionavam?
R - Na casa da minha mãe, na nossa casa.
P - Na sua casa?
R - Antes de ter o local, minha mãe fazia as reuniões, trabalhavam, faziam manteiga... Tudo na minha casa.
P - E como era? Todas as semanas iam muitas mulheres na sua casa?
R - Todas as semanas iam todas as mulheres, iam doze ou quinze mulheres.
P - E o que faziam? Do que falavam nas reuniões? Qual era o tipo de discussão?
R - Quando iam fazer o trabalho, faziam as reuniões. Combinaram que podiam fazer mais trabalhos além da manteiga, que podiam fazer algum jantar, alguma rifa. Não tinham dinheiro, então tinham que ver de onde tirar recursos para poder construir o seu local. Antes que formassem a empresa, era um clube de mães.
P - E antes da manteiga, o que faziam?
R - Antes da manteiga, só aprendiam corte e costura, alfabetização, educação cívica e planejamento familiar, mais nada.
P - Como surgiu a ideia de produzir a manteiga de amendoim?
R - A senhora Betty, ela é que traz isso. Ela é que se encarrega de dizer para elas que podiam fazer uma atividade e que podiam dividir a renda entre várias. E ela faz uma proposta: a mãe dela ia nos ensinar a fazer a manteiga.
P - E onde foram as aulas?
R - Na minha casa.
P - Você lembra como foram essas aulas?
R - Sim, diretamente nos ensinaram a seleção do amendoim de três qualidades: médio, pequeno e grande. As senhoras sentavam no chão e daí começavam a torrar o amendoim nas panelinhas. Torravam, descascavam e moíam no moinho. Faziam seis moagens, até que saía a manteiga.
P - E as panelas, com que tipo de fogo?
R - Com lenha, com lenha.
P - E uma panela como de ferro?
R - Sim.
P - E o amendoim, de onde vem?
R - O amendoim, antes, se colhia aí na comunidade, mas agora já compramos de Tarapoto.
P - O amendoim se torra e depois se passa no moinho?
R - Sim.
P - E o que se faz com a pasta?
R - A gente embala.
P - Em que tipo de embalagem?
R - Antes embalavam em um potezinho branco, de plástico. Depois tinha outro tipo de embalagem, que era um outro pote, também de plástico. Atualmente, em copos de vidro com tampa vedada.
P - E onde vendem?
R - Na cidade. As próprias mulheres iam. Antes, cada grupo tinha sua quantidade de quilos para vender, distribuíam a quantidade que saía. Se saíam dez quilos e eram dez mulheres, um quilo para cada uma.
P - E mudou alguma coisa na sua casa quando começou essa atividade do amendoim?
R - Sim, claro que mudou. Quando se produzia, já se recebia um pagamento pelo trabalho que você faz.
P - É o primeiro trabalho em que recebem?
R - Sim, sim.
P - Os outros tinham sido voluntários?
R - Sim. Por isso também deixei e me incluí no que é a produção da manteiga.
P - Na sua casa, antes, não sabiam fazer a pasta de amendoim?
R - Não. O amendoim só se utilizava para a sopa que se chama inchicapi ou para a mazamorra.
P - Mazamorra?
R - É um preparado de amendoim com leite e banana. Se ferve e se bota açúcar.
P - E a pasta de amendoim, para que se usa?
R - Se passa no pão ou se come com bananas.
P - E como vai avançando esse novo negócio?
R - Agora estamos como empresa, com toda a legalização, uma empresa bem constituída, com três pessoas. Tem a gerente, que se chama Imelda Pérez Pérez (ela também é, mas não é minha irmã). E a outra sócia se chama Carmela Silva, que dá o nome para a manteiga.
P - Qual é o nome da manteiga?
R - Agroindústrias La Carmelita.
P - E tem outros trabalhadores?
R - As sócias somos três, mas damos trabalho para outras, segundo tenhamos pedidos.
P - E você lembra da primeira produção de vidros da La Carmelita?
R - Sim. Tínhamos encomendas diretamente de Lima. Temos mandado mensalmente cinquenta caixas. Eu lembro porque melhorou a apresentação com suas etiquetas adesivas.
P - Hoje em dia é em vidro?
R - Em vidro e em sacos.
P - E onde é vendido?
R - Na cidade de Tarapoto, nos autosserviços, em estabelecimentos públicos e privados.
P - E como levam essa mercadoria até Tarapoto?
R - De carro.
P - Em caixas?
R - Em caixas, em caixas de doze copos. Temos uma vendedora. A própria gerente é a vendedora, é ela quem reparte nos supermercados e vende também o resto.
P - E você, o que faz na empresa?
R - Eu sou trabalhadora e também sou eu que faço os livros contábeis, o quanto sai, quanto de compras, quanto de vendas, as coisas de banco.
P - E quando você diz “trabalhadora”, o que significa isso?
R - Que também faço o produto, a manteiga.
P - O que você sentiu quando começou La Carmelita?
R - Eu senti uma alegria bem grande. Tenho uma renda! Uma renda. E queremos vender mais, ampliar nossas vendas para ter mais lucros e assim poder manter a nossa família.
P - E como você conheceu a Rede LAC?
R - Conheci a Rede LAC em uma reunião que convidaram, em Tarapoto, a Senhora Betty.
P - Quando foi?
R - Em 1993.
P - Esqueci de perguntar. Quando foi que começou o negócio com a pasta de amendoim?
R - Em 1986, que começa como uma atividade de geração de renda. Mas alcança seu maior desenvolvimento em 2000, quando foi feita a melhora de embalagem, a melhora das máquinas, a construção nova e a formalização como empresa.
P - Você estava me contando que conheceu a Rede LAC em uma reunião.
R - Sim, uma reunião que a senhora Betty organiza com outras mulheres rurais da minha região. Nessa reunião me escolheram para participar da reunião no Brasil. Porque eu era solteira e não tinha filhos, me escolheram para participar nesta primeira reunião de Fortaleza.
P - E como foi?
R - Era preparar os temas e toda a organização para o primeiro encontro que ia se realizar em 1996, o Encontro das Mulheres Latino-Americanas.
P - Como foi esta preparação?
R - Em Tarapoto, me escolheram e, depois disso, teve uma reunião também em Lima, para preparar as senhoras, as mulheres que iam para o Brasil. Eram dez mulheres de todo o país, escolhidas entre muitas, e participamos de um encontro nacional.
P - Como funciona esse processo preparatório na comunidade?
R - Eram reuniões nossas, pequenas, conversando sobre nossos problemas de mulheres rurais. Me disseram: “Você vai para a reunião.” E eu aceitei. E vim para o Brasil, pela primeira vez, em 1993.
P - E o que você lembra das reuniões preparatórias?
R - Nos contavam as experiências das mulheres de diferentes países. Encontramos aí as amizades com as mulheres de cada país, com seus problemas.
P - Como você continuou?
R - Voltei para Tarapoto e reuni as mulheres, organizei uma associação de técnicas e agrupamos mulheres produtoras de alimentos. Temos uma organização que esteve funcionando vários anos. Nós saímos em grupos para ensinar em outras comunidades.
P - Vocês ensinam em outras comunidades?
R - Sim, sempre compartilhando.
P - Isso depois que você voltou?
R - Sim, depois. Sempre que viajo, nas reuniões que temos, informo que eu estive na reunião da Rede no Brasil. Tudo que eu aprendi e que escutei de experiências, compartilhei com as outras.
P - A associação nasce depois que você volta?
R - Sim, depois.
P - Há uma relação entre a criação da associação e sua participação na Rede?
R - Sim, porque a gente ouve dizer que se agrupam mulheres e que se organizam, por isso pensei que podia fazer a mesma coisa.
P - Quem participa?
R - As mulheres que produzem alimentos. É um grupo de diferentes lugares, não só de Tarapoto, mas de Bellavista, Cacatachi, Juanjuí, Saposoa, Cuñumbuqui, San Antonio etc.
P - E quais são as atividades dessa associação?
R - Por exemplo: fazem vinhos, doces e pães. Daí, a gente junta os produtos e vendemos todos com uma vendedora.
P - E são somente mulheres?
R - Só mulheres.
P - E foi difícil organizar essa associação?
R - Sim, um pouco difícil porque, às vezes, quando fazíamos as reuniões, não apareciam.
P - E a associação influenciou na vida de vocês de alguma forma?
R - Sim.
P - Melhorou alguma coisa?
R - Sim, porque cada instituição tinha onde produzir e levar os produtos para vender. E tinha, também, mais capacitações e estágios.
P - E a associação está bem?
R - Houve problemas pelas distâncias, porque algumas não cumpriram.
P - Quantas mulheres mais o menos?
R - Umas vinte.
P - E onde se reúnem?
R - Nos reuníamos em Tarapoto, na casa da senhora Imelda, mensalmente.
P - E esse ano foi mais ou menos...?
R - No começo de 1996, quando voltei do primeiro encontro.
P - No 1º ENLAC, o que foi mais forte para você?
R - Muitas mulheres com bonitas experiências, mulheres amáveis e com conceitos muito bonitos e claros sobre a situação da mulher rural.
P - Quando você volta, traz novas ideias?
R - Na minha volta ao país, penso que vamos continuar trabalhando para reunir as mulheres, capacitar e dizer para elas que valemos muito, que temos que fazer valer nossos direitos. Muitas vezes as mulheres não valorizam tanto o que é a sua pessoa, não fazem respeitar seus direitos. Por isso temos que dizer e orientar as mulheres do campo, porque as mulheres são as que mais trabalham no que é a agricultura. Conversar, reuni-las e dizer a elas que exerçam seus direitos.
P - E como vai tudo?
R - O trabalho do amendoim, por exemplo, está crescendo. Nós queremos exportar nosso produto, não queremos que fique somente no Peru.
P - E continuam tendo algum contato com as pessoas da Rede LAC depois do 1º ENLAC?
R - Na verdade, não.
P - Você foi ao 2º ENLAC?
R - Não, não me chamaram.
P - E nestes dez anos, como você vê a situação das mulheres na sua comunidade? Com este trabalho é visível alguma mudança?
R - Sim, houve alguma mudança porque, depois deste trabalho, começamos a padaria com as outras mulheres. Se faziam pães para uma dependência do Ministério da Mulher, para as merendas escolares. Fazíamos dois mil pães diários. Com isso trabalhamos, também, com o Clube de Mães.
P - Ah, a padaria?
R - A padaria deu renda para as senhoras que não tinham outra atividade econômica.
P - E hoje, como é o seu cotidiano?
R - Com a morte do meu pai, não pude mais sair. Antes eu saía muito para Tarapoto a passeio, mas com a morte do meu pai não faço mais, fico mais na minha casa.
P - Por quê?
R - Porque não gosto de sair. Vou até o Clube de Mães, trabalho na empresa, no final do mês faço os relatórios, entrego para a contadora e daí volto para a minha casa. Nos domingos estou com a minha mãe, meus irmãos e minha irmã.
P - Você vai para a empresa todos os dias?
R - Não, todo dia. Vamos três vezes seguidas. Estamos fazendo não só a manteiga, também fazemos amendoim com passas e amendoim frito. E com isso temos mais dias de trabalho na semana.
P - E você tinha este sonho?
R - Agora me sinto bem com a empresa, com meu trabalho. Nunca soube o que era um livro de compras, um livro de bancos, não sabia o que era preencher um cheque do talão de cheques, cobrar um cheque no banco. Com a empresa, aprendi.
P - E você se sente uma trabalhadora rural?
R - Sim, eu me sinto uma trabalhadora rural, porque é isso que eu sou. Eu trabalho no campo, sou da zona rural e trabalho em uma empresa da zona rural.
P - E o que você sonha para o futuro?
R - No futuro... Ser uma pessoa melhor do que eu sou, ser uma mulher líder, ser como as companheiras que estão aqui, que têm facilidade para se expressar. Gostaria de ser o que elas são. Deus queira que eu chegue.
P - E, finalmente, queríamos perguntar o que você achou de contar um pouco da sua história.
R - Achei a entrevista um pouco difícil. Pensar muito, lembrar o que nós éramos antes, até chegar agora...
P - Difícil?
R - Digo difícil por não poder tirar tudo de dentro, não poder pensar, não lembrar...
P - É difícil lembrar?
R - Sim.
P - Mas nós gostamos muito de conhecer a sua história. Muito obrigada.
R - Obrigada também.Recolher