Projeto Identidade Santander
Entrevistado por Fernanda Prado e Ana Maria Lorza
Depoimento de Luiz Felipe Taunay Ferreira
São Paulo, 21 de novembro de 2011
Realização Museu da Pessoa
Código BST_HV024
Transcrição por Laura Lucena
Revisado por Letícia Maiumi Mendonça
P/1 – Luiz Felipe, boa...Continuar leitura
Projeto Identidade Santander
Entrevistado por Fernanda Prado e Ana Maria Lorza
Depoimento de Luiz Felipe Taunay Ferreira
São Paulo, 21 de novembro de 2011
Realização Museu da Pessoa
Código BST_HV024
Transcrição por Laura Lucena
Revisado por Letícia Maiumi Mendonça
P/1 – Luiz Felipe, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Primeiro eu gostaria de agradecer de você ter aceitado o nosso convite, ter vindo aqui para essa entrevista.
R – Prazer.
P/1 – Para começar eu queria pedir para você falar o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Luiz Felipe Taunay Ferreira, São Paulo, o local onde eu nasci ou o local onde estamos hoje?
P/1 – O local onde você nasceu e a data.
R – Luiz Felipe Taunay Ferreira, nasci em São Paulo, cidade de São Paulo, sou paulistano, no dia 18 de março de 1967.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Nelson Ferreira Filho e Cecília Taunay Ferreira.
P/1 – Conta um pouquinho para nós da origem deles, você sabe? Você falou que o Taunay é francês.
R – O meu pai é Leme Ferreira, aquelas famílias tradicionais de São Paulo e por outro lado, o lado da minha mãe, o Taunay, eles vieram numa missão francesa para o Brasil. Fugidos. Ele era pintor de Napoleão. Fugido na guerra, ele fugiu aqui para o Brasil. A família acabou ficando aqui e teve algumas gerações de pessoas que foram, por exemplo, o Visconde Taunay, que é um escritor famoso que você estuda no vestibular. Esse era avô do meu avô. Foi uma família que teve uma atividade intelectual bastante forte.
P/1 – Você sabe um pouquinho de como é que seus pais se conheceram?
R – A minha mãe já faleceu. Meu pai era dez anos mais velho do que a minha mãe, se eu não me engano eles se conheceram numa festa, porque a minha tia era amiga da minha mãe. A minha tia que casou com o irmão do meu pai, era amiga da minha mãe de colégio e, se eu não me engano, eles se conheceram numa festa. Eu não tenho certeza absoluta.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho dois irmãos.
P/1 – Mais velhos?
R – Não, eu sou o mais velho. Guilherme e Eduardo.
P/1 – Conta para nós um pouquinho como é que era a sua casa de infância, a relação com os irmãos.
R – Eu tive uma infância privilegiada. O meu pai era um empresário bem sucedido. Eu tive aquela história de família estruturada, nós viajávamos bastante junto, meu pai tem uma fazenda, então passava todas as férias na fazenda. Voltava com o sotaque até do interior, quando voltava para São Paulo. Foi o tipo de infância de criança em fazenda, andando a cavalo etc. Foi muito bom. Nós acabamos estudando num bom colégio, que nós adorávamos. Foi uma infância tranquila, sem grandes percalços.
P/1 – Como era a casa aqui em São Paulo, do que vocês gostavam de brincar, os meninos.
R – Nós morávamos no Alto de Pinheiros, na época o Alto de Pinheiros era bem mais calmo do que é hoje. Nós tínhamos uma vida bem de menino de rua mesmo. Ficar andando de bicicleta na rua, jogar futebol. Na rua, nós pintamos um campo de futebol, nós jogávamos futebol todo dia na rua. Era a vida de bicicleta, futebol e, no colégio, também estudei num colégio que tinha um campo super bom, também passava o tempo ou estudando ou também fazendo muito esporte. Mais tarde, depois, eu comecei a jogar mais tênis. Era uma mistura de, eu sempre gostei muito de estudar. Era uma mistura de estudar com bastante esporte.
P/1 – Você falou um pouquinho da atividade do seu pai de ser administrador. Conta um pouquinho mais o que ele fazia e a sua mãe.
R – Meu pai tinha uma construtora e uma incorporadora, que chegou a ser grande para, ali na década de 1980, ele fazia isso. A minha mãe era dona de casa. Era uma pessoa, como eu falei, a família da minha mãe era muito intelectualizada, então ela gostava de estudar etc., mas a principal atividade dela era cuidar dos três filhos.
P/1 – Você falou do colégio, que você gostava muito. Qual é a sua primeira lembrança da escola?
R – Eu estudei no Santa Cruz, que é um colégio famoso. Antes eu tinha estudado em escolas menores, e para entrar no Santa Cruz era uma coisa difícil. É engraçado porque essa experiência, eu tinha que entrar num colégio maior, eu sabia que meus pais tinham uma expectativa muito grande que eu entrasse no Santa Cruz, no dia da prova do Santa Cruz eu “paniquei”, uma criança de 6 anos fazendo uma prova. Eu “paniquei”. Acabei ficando na lista de espera, no outro colégio, no Santo Américo, eu entrei super bem ranqueado, depois acabei entrando nas outras listas, e acabei entrando no Santa Cruz. O Santa Cruz foi um colégio, eu fiz desde o primeiro ano primário até o final do colegial. Eu sempre fui um bom aluno, gostava de estudar, não era uma coisa que, foi uma época muito feliz da minha vida. Foi muito bom. Dado essa coisa da família da minha mãe, é muito engraçado, porque você sabe que eu, depois que eu passei para a universidade, na verdade o meu objetivo era ser professor universitário. Eu acabei em banco meio por acidente. A ideia era ser professor universitário.
P/1 – O que você nessa meninice queria ser quando crescesse? Tinha algum sonho?
R – Durante muito tempo, o meu avô por lado de mãe, uma pessoa que era um grande referencial para mim, e ele era médico. Durante muito tempo eu tinha vontade de ser médico, em função da referência que ele era para mim. Só que se eu vejo sangue eu desmaio. No período mais da infância inicial eu queria ser médico. Depois que eu vi os primeiros acidentes… Eu morava numa rua, depois a rua onde eu morava ficou muito movimentada, tinha muitos acidentes de carro, o pessoal se machucava mesmo. Depois das primeiras batidas, que eu ia tentar ajudar, tirar a pessoa do carro, a pessoa saía sangrando etc., uma vez cheguei a quase desmaiar. O cara teve que me ajudar, junto que estava ajudando, tirar as pessoas de dentro de carro. Eu percebi que Medicina não era o meu caminho. Não tinha como, de jeito nenhum eu ser médico.
P/1 – Nessa sua trajetória escolar lá no Santa Cruz teve algum professor que marcou, ou alguma matéria que você gostava mais?
R – Tiveram vários. Eu gostava tanto das matérias de Exatas quanto das matérias de Humanas. Exatas tiveram alguns professores que marcaram muito e na parte de Humanas o colégio tinha alguns professores que eram referências, alguns davam aula também em universidade. Tive um professor de Filosofia que eu gostei muito, um professor de História que eu gostei muito. Ainda no meio do colegial, a minha ideia, na verdade, era fazer Sociologia. Depois que o meu pai me influenciou para fazer Economia. Se eu tivesse feito Sociologia eu não teria parado, vindo trabalhar num banco.
P/1 – Como é que, quando você foi crescendo, mais nesse período de colegial, quais eram suas atividades, o que você gostava de fazer, quem era o seu grupo de amigos, vocês iam ao cinema?
R – Isso é uma coisa engraçada do colégio que, você sabe que até hoje os meus amigos mais próximos são os amigos dessa época, de ginásio e colegial. Nós mantivemos o contato muito forte até hoje. O que nós fazíamos era, já no colegial, tanto cinema, barzinho, tinha uma coisa que também tem que lembrar, quando eu estava no colegial estava acabando a ditadura, se metia com movimento político, pichar muro: “Abaixo a ditadura.” Tinham muito filhos de intelectuais nesse colégio, e filhos de ex-exilados, com isso, também foi uma época que eu me envolvi um pouco com o movimento estudantil. Era isso.
P/1 – Você falou da fazenda, conta um pouquinho das coisas que você gostava de fazer na fazenda, como era aquele espaço, o que você se lembra de lá?
R – A fazenda era… Bom, é uma fazenda de gado. Depois que o meu avô faleceu, ela foi dividida. Mas o meu pai ainda tem um pedaço da fazenda. Era uma fazenda de gado, passava o dia inteiro em cima do cavalo, sabia laçar, sabia mexer no gado no curral etc. Era essa vida, você acordava cedo, subia em cima de um cavalo, ficava o dia inteiro junto com os peões, com o gado, na hora do almoço, piscina. Mais tarde, quando eu tinha uns 15 anos, construíram uma quadra de tênis, eu jogava bastante tênis e sempre tinha um futebol no final do dia. Fazenda é aquela coisa de, aquele cansaço bom, você acorda, você fica fazendo muita coisa, chega às oito horas da noite o teu olho já não consegue ficar mais aberto. Era isso. Quando eu, menino, passava dois, três meses seguidos nesse ritmo.
P/1 – Como foi, um pouco mais velho, a sua decisão, o momento de escolher mesmo a faculdade, de prestar o vestibular?
R – Eu não sabia muito bem o que eu queria. Como eu falei, antes eu pensava em fazer Medicina, depois eu descobri que não era Medicina, eu gostava de estudar, o meu problema não era aquelas pessoas que faltam alternativas porque não gosta de nada. Para mim era o contrário, como eu gostava de fazer várias coisas eu não tinha muito claro o que eu gostaria de fazer. No colegial, no último ano, eu acabei indo, naquela época você escolhia entre Exatas, Biológicas e Humanas. Eu acabei indo para Humanas. Tem que lembrar que meu pai tinha essa empresa de engenharia, então ele queria que eu fosse engenheiro. Por sinal meus dois irmãos são engenheiros. Teve certo conflito ali de que eu não queria fazer Engenharia, queria fazer Sociologia etc. Depois meio por não ter muita convicção, sem saber o que era, eu acabei fazendo, eu queria fazer só Economia, eu ia prestar só Economia, prestar Economia na USP [Universidade de São Paulo]. Meu pai falou: “Meu filho, se você não entrar na faculdade eu acho que você tem que fazer outra prova.” Naquela época era quebrado o vestibular da GV [Fundação Getúlio Vargas] e o vestibular da USP. Ele falou: “Por que você não faz Administração na GV também? Como uma opção, caso você não entre na Economia?” Acabei entrando nas duas faculdades. Ainda falei: “Pai, agora vou fazer só Economia.” “Não, tenta um pouco também Administração.” Com essa história eu fui enrolando, fazendo as duas universidades em paralelo por dois anos, chegou uma hora eu falei: “Ah, acabar as duas.” Acabei fazendo as duas universidades em paralelo. Enquanto eu estava na universidade, eu adorei Economia, e a minha ideia era virar um economista acadêmico mesmo. É bom dizer que quando eu entrei na universidade foi justamente quando eu comecei a namorar. Namorei muitos anos, hoje em dia é minha esposa. Coincidiu de eu entrar na universidade, comecei a namorar uma semana antes da minha primeira fase da faculdade. Mistura as duas histórias. Eu comecei um namoro mais sério e as duas faculdades. Eu queria fazer Economia, na verdade eu acabei a GV, faltava ainda um semestre da USP. Resolvi dar uma “mochilada.” Fui “mochilar” sete meses pela Europa. A minha intenção era quando eu voltasse para o Brasil acabar o semestre que faltava da FEA [Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo] e eventualmente entrar no mestrado. Quando eu voltei para o Brasil eu acabei o semestre da FEA, só que eu tava achando que eu precisava trabalhar um pouco. Eu fui trabalhar numa empresa, numa pequena consultoria de (MNA?). Logo depois eu falei: “Não realmente, o que eu quero é continuar com a minha trajetória acadêmica etc. Eu prestei para o mestrado, você sabe que tem a Anpec [Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia] que é uma prova difícil, fui super bem ranqueado no Brasil, entrei no mestrado. Ali eu tinha certeza que o que eu queria era a carreira acadêmica. Eu fiz o mestrado e quando eu acabei o mestrado, e professores da USP tinham indicado, eles me indicariam para bons PhDs [Philosophiæ Doctor] nos Estados Unidos, só que a minha namorada ainda faltava dois anos da Medicina dela. A história de eu ter entrado em banco eu pensei: “Vamos fazer o seguinte: para dar tempo dela acabar a graduação dela antes de nós irmos para os Estados Unidos, eu vou trabalhar um pouco em banco para entender como é o mecanismo de transmissão da política monetária de dentro de um banco.” Essa era a minha intenção quando eu pensei em trabalhar em banco. Eu entrei em banco e nunca mais saí. Até eu fazer 31 anos, quando nasceu minha primeira filha, todo final de ano eu me pegava: “Será que eu continuo em banco ou será que eu largo e vou fazer o PhD e voltar para um veio mais acadêmico?” Depois que nasceu minha primeira filha todas essas dúvidas se diluíram. Desde então estou em banco há bastante tempo.
P/1 – Conta para nós um pouquinho como era conciliar essas duas faculdades, como é que você fazia para dar conta, estar nas duas, e fazer todas as matérias.
R – O primeiro ano foi engraçado porque o primeiro ano, a GV era paga. Eu fazia questão de não perder nada. O primeiro ano, como eu estava começando a namorar e eu fazia GV de manhã e à tarde, porque a GV tinha alguns dias tinha tanto de manhã e à tarde. Preponderantemente de manhã, mas alguns dias à tarde. A FEA eu fazia à noite. Só que estava começando a namorar. No primeiro ano de faculdade eu larguei um monte de matérias. Depois, a partir do segundo ano, eu resolvi recuperar tudo, porque no primeiro ano eu larguei quase todas. Eu fiquei correndo atrás do prejuízo nos outros anos na FEA. Eu só estudava. Eu ia de manhã na Faculdade, na GV, à tarde eu ficava estudando para as duas, e à noite eu ia na FEA. O que foi mais complexo foi que para se formar na GV eu tinha que ter um semestre de estágio. O meu critério de procurar estágio foi: qual era o estágio que requeria menos horas estagiando. Eu arranjei um estágio no Metrô de São Paulo, eles requeriam quinze horas por semana. O que eu fazia?Como nesse semestre só tinha aula na GV de manhã, só tinha na segunda-feira, só das sete às nove da manhã e o restante do dia livre, eu ia para o Metrô, chegava às seis horas da manhã e saía, eu tinha aula na FEA, se eu não me engano, umas sete e meia da noite, conseguia fazer treze horas em um dia, depois eu fazia duas horas durante o restante da semana. Esse foi o período mais complexo, que eu estagiava e fazia as duas faculdades juntas. Era profissão estudante. Eu era bom aluno nas duas e conseguia levar as duas bem.
P/1 – Como é que você ia vendo se juntar Administração com Economia, fazendo a ponte entre as duas faculdades, as matérias?
R – A Administração é muito mais generalista, enquanto a Economia não. A Economia é mais realmente uma ciência. Tem gente que discute se é ciência ou não, mas é uma coisa muito mais estruturada. Realmente a GV, eu acabei fazendo a GV, como eu falei no começo foi meio sugestão de se eu quisesse desistir de uma, eu deveria aprender com o tempo o que eu achava mais interessante. No final das contas acabei fazendo os dois, porque eu falei: “Agora que já andou dois anos.” Mas eu adorava Economia e a Administração eu não gostava muito, não.
P/1 – Como foi a ideia de ir para o “mochilão” esses sete meses, o que você trouxe de aprendizagem na volta, se teve algum lugar que marcou mais, que vocês foram visitar?
R – Primeiro tinham dois componentes: eu queria melhorar o inglês, então eu fui quatro meses pela Inglaterra. Dentro desses sete meses eu não fiquei os sete meses viajando, eu fiquei três. Quatro eu fiquei na Inglaterra, aprendendo inglês. Eu tinha estudado na Cultura Inglesa, eu tinha ido até o Cambridge: “Vou aperfeiçoar mais.” Quando eu fui para a Inglaterra a ideia era tentar fazer aquele Proficiency, que é o teste de inglês mais, é um teste super demandante. Eu fui para a Inglaterra, esse período no começo foi muito difícil. Até deixar a namorada para trás etc. Foi super difícil. Mas eu estava realmente, era um projeto de estudar. Hoje em dia eu me arrependo amargamente, porque eu vejo que o pessoal ia para esses negócios, eu ficava lá estudando, e o pessoal ficava mais “gandaiando” do que estudando, eu acho que eles estavam mais certos do que eu. O que aconteceu é que assim, engraçado, hoje em dia eu trabalho falando inglês, a maioria do tempo eu estou falando inglês e não português. O que é engraçado é que eu sempre tive muita dificuldade de aprender inglês. Eu estava estudando para fazer o Proficiency, e os pré-testes davam que eu tinha uma probabilidade de 50% de passar e 50% não passar. Não adiantava. Se eu quisesse fazer o Proficiency eu teria que ficar mais um mês e tanto na Inglaterra. Como me disseram que eu tinha uma chance de 50, 50, eu falei: “Quer saber de uma coisa? Eu vou ‘mochilar’. Não vou ficar esperando até o final.” Realmente eu “mochilei” quase dois meses e meio, encontrei a minha namorada em Paris. Nós passamos três semanas em Paris e nós voltamos para o Brasil. Tiveram coisas novas de n naturezas, desde sair de um ambiente bastante protegido, que era a minha vida aqui em São Paulo, tiveram n coisas muito engraçadas. Em termos de lugares, o que eu acho que é mais divertido, que não dá para refazer hoje em dia é que eu fiz também toda a parte da, na época ainda tinha comunismo. Eu fui para a parte comunista. Fiz Iugoslávia, fiz Tchecoslováquia, fiz Alemanha do Leste. Por exemplo, umas das coisas que mais me marcaram, eu estava num, um monte de filmes, você vê as pessoas da Europa, da Alemanha do Leste e a Alemanha do Oeste, as pessoas se abraçando e chorando. É muito engraçado porque tem algumas coisas, isso foi no ano de 1989. O Muro caiu seis meses depois. Algumas pessoas começavam a falar sobre a possibilidade do Muro cair, mas parecia uma coisa tão longínqua. Isso talvez uma das coisas que mais me marcou. Viajando esses países, que você chegava, entrava no supermercado não
tinha nada. Nada. Você não conseguia comprar um negócio de leite. Foi daquelas viagens de quinze dólares por dia, era a média. Perdi vinte quilos durante a viagem. Mas foi muito divertido.
P/1 – Como foi voltar com todo esse aprendizado para terminar a segunda faculdade, começar a procurar trabalho e ver o que fazer?
R – Quando eu voltei para o Brasil até foi engraçado, porque esse semestre que eu fiquei fazendo só a FEA de manhã eu tinha um monte de tempo livre, porque eu ia à aula de manhã, tinha tardes e noites inteirinhas livres, foi um período bem devagar da minha vida. Eu tinha muita essa convicção acadêmica, eu não estava muito… Tanto é que na época da GV, no final do meu último ano da GV, existia uma paranóia entre todos os alunos de fazer as coisas de trainee etc. Eu não me candidatei para nenhum programa de trainee, nada. Porque eu tinha uma convicção tão grande de que eu queria seguir na vida universitária que não fazia sentido para mim. Eu não estava muito dividido: “O que fazer? O que deixar de fazer?” Eu acho que depois de passar esses quatro meses mais devagar é que eu falei: “Eu acho que eu preciso trabalhar um pouco.” Trabalhando em empresa eu falei: “Eu acho que eu quero é voltar para acabar a minha formação etc.” Foi um período tranquilo.
P/1 – Como foi o período do mestrado depois dessas experiências, já trabalhando?
R – O mestrado foi muito rico, a FEA mesmo estava num período de transformação. A FEA da graduação foi uma FEA muito diferente da FEA da pós-graduação, do mestrado. Ali eu estudava com uma coisa, de querer realmente estar me preparando para fazer PhD nas melhores universidades. Ia fazer curso de Matemática no IME [Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo]. Economia tem um lado que pode ser bem matematizado. Eu fazia cursos de Topologia, de Álgebra Linear etc., tudo na Matemática. Foi um período que eu também, dois grandes amigos, viraram meus amigos nessa época. Foi um período muito rico. Impactou fortemente a minha trajetória depois num banco. Muito do que diferenciou a minha trajetória no banco foi essa diferenciação acadêmica que eu tive durante esse período.
P/1 – Como é que foi entrar no banco e efetivamente começar a trabalhar com isso? Por mais que a ideia fosse de ser temporário?
R – Tiveram algumas histórias que eu acho que são interessantes. Eu tinha uma capacidade de estudar que era boçal. Eu era capaz de estudar catorze horas seguidas sem levantar da cadeira. Eu tinha acabado os créditos do mestrado, mas eu não tinha acabado ainda a dissertação, eu estava fazendo três ou quatro meses a dissertação, foi quando eu resolvi entrar em banco. Eu tinha que esperar os dois anos, mas se eu continuasse naquele ritmo eu acabaria a dissertação em seis, sete meses, surgiu uma oportunidade de entrar em banco e eu fui trabalhar em banco. Na entrevista o que foi engraçado é que me perguntaram o que eu tinha feito. Na hora que eu falei: “Eu vou trabalhar em banco.” Só um comentário, Finanças eu não estudava muito na faculdade, eu estudava mais Macro, Matemática etc., na pós-graduação. Eu não fiz o curso de Finanças na pós-graduação, porque eu não tinha a intenção de trabalhar com isso. Na hora que eu resolvi trabalhar em banco, o que eu fiz: durante duas semanas eu peguei dois livros que são considerados clássicos para Finanças e debulhei os livros para poder fazer a entrevista. Paranóia de quem é muito perfil acadêmico. Eu cheguei na entrevista e o cara me fez perguntas, estava olhando um cara de 24 anos, falou: “O cara não vai saber responder.” E eu soube responder todas as perguntas que ele fez. Contrataram-me. Naquela época, no começo de década de 1990, o nível de preparação das pessoas que trabalhavam no mercado financeiro era muito mais baixo. Quem vinha com boa qualificação, destoava. Perguntaram: “Felipe, e Derivativos, você entende?” Eu falei: “Não, mas me dá dois meses que eu vou entender dessa história.” Dois meses depois eu estava dando aula dentro do banco sobre Derivativos para várias pessoas dentro do banco. A capacidade de aprendizado muito rápido e toda a bagagem que eu tinha de ter estudado tantos anos tão intensivamente é que diferenciou muito rápido no começo da carreira, em relação a todo mundo que estava entrando na mesma idade, junto comigo no banco.
P/1 – Conta um pouquinho que banco era esse, como era o dia a dia, sua função.
R – Eu entrei no ING [ING Group] nessa época. Entrei como trainee de risco. O primeiro ano, eu entrei em dezembro, esses cursos que eu mencionei, mais ou menos eu dei em fevereiro, e o que aconteceu é que o banco queria fazer um Derivativo e colocaram um menino que tinha acabado de trazer, como estudante, eu que fiz, escrevi tudo. Na hora de discutir com Amsterdã, quem conseguiu explicar toda a lógica etc., o que seria feito, fui eu. Isso eu estou te contando, faz sentido para um passo três anos depois na carreira. O que aconteceu? Um ano depois me convidaram para ir para a mesa para virar trader de opções (brayds?). (Brayds?) são aqueles títulos que o Brasil renegociou da dívida externa. Eu fui para essa mesa e se você pegar o processo lá atrás, comparado com hoje, era uma mesa que os volumes negociados eram muito grandes, e não tinha estrutura. Tinha o trader principal, me pegaram com um ano de formado: “Você senta aqui e você faz o mercado de opções de (brayds).” E era um dos principais market makers do mercado. Eu tinha que ficar falando com Londres e Nova York. Lembro-me a primeira vez que, o primeiro dia: “Felipe, esse aqui é o telefone, liga aqui, e liga aqui. Agora, cota.” Uma das primeiras ligações eu me lembro do JP Morgan me pedindo spread compra e venda para cem milhões de dólares. Eu tremia. Fiquei completamente… Durante uns seis meses foi um… Tiveram três momentos na minha carreira onde eu diria que cadeira aumentou muito rápido e demora uns seis meses para você fazer um catch up para poder sentar bem na cadeira. Depois de uns seis meses eu já estava consolidado na cadeira. Eu fiquei fazendo isso durante quase dois anos e meio, três anos. Nesse meio tempo eu casei. Era uma vida que demandava muito. Nós éramos market makers para Londres, apesar de nós estarmos aqui em São Paulo, nós cobríamos Londres e Nova York. Isso significava que tinha dias que, tinha épocas do ano que eu tinha que chegar às cinco horas da manhã no banco, e saia do banco quase todo dias umas sete horas da noite. Depois quando mudava o fuso horário, tinha épocas que eu saía quase todo dia nove e meia, dez horas da noite do banco. Depois de uns dois anos e meio, três anos, a minha esposa estava dando sinais de que não aguentava mais aquela minha vida, e a pessoa com quem eu tinha tido o contato e feito aquele negócio que eu tinha explicado, aquela operação de Derivativos em Amsterdã; o que aconteceu é que quebrou o Barings e o ING comprou o Barings e aquele cara com quem eu tinha tido contato foi designado para ser o principal cara de risco, market risk do ING Barings em Londres. Ele precisava de pessoas que ele conhecesse de fora do ambientes do Barings para irem trabalhar com ele em Londres, em risk management. Pensar numa mesa de trading. Essa mesa de trading que eu trabalhava era muito bem vista. Durante quatro, cinco anos ela ganhou vários prêmios de melhor mesa de trading de (brayds?) do mundo. Aquelas quatro, cinco pessoas. Nessa época quem era o chefe do meu chefe era o José Berenguer. O cara ligou para o José Berenguer e falou: “Eu queria conversar com o Felipe para ver se ele quer ir para Londres para risk management.” O Berenguer falou: “Está bom, pode falar com ele.” Eu fui conversar e dado esse contexto que eu estava cansado, conversei com a minha esposa: “Vamos para Londres?” “Vamos.” Quando eu falei para o José Berenguer que eu ia para Londres ele falou: “Felipe, eu nunca achei que você fosse fazer esse movimento de carreira.” Nós acabamos indo para Londres. Lá eu fui ser, foi o segundo momento que a cadeira aumentou de novo. Eu fui ser equity derivatives market risk management em Londres. Eu cheguei lá eu era o cucaracha, eu tinha 27. Eu era o cucaracha e tinha seis ingleses e americanos que se reportavam para mim. O cucaracha que chega com um monte de inglês e americano se reportando para você, você pode imaginar que a reação deles não foi a mais amistosa possível. Era um momento muito crítico do banco, porque o regulador inglês, que é o FSA [Financial Services Authority], como o banco tinha quebrado, o Barings tinha quebrado, você tinha inspeções do FSA. Eu tinha, com 27 anos, que representar e falar com os reguladores, falar o que estava sendo feito para resolver todos os problemas que tinham acontecido no Barings. Além disso, tinha esse problema de ter pessoas que se reportavam a mim, ingleses e americanos, a língua é deles, mais velhas. Tinha especialmente um cara que era PhD por Chicago, esse cara ficou completamente revoltado de eu ter sido designado como chefe da “patota” toda. O que tinha de bola nas costas era uma coisa inacreditável. Além disso, outro desafio de quando a gente foi para lá é que a Valéria, a minha esposa, tinha acabado a medicina. A proposta inicial não tinha nada muito bem definido para ela fazer lá. Ela tinha tido contato com algumas pessoas. Ela fez Pinheiros na USP. Ela tinha tido contato com algumas pessoas da universidade da Inglaterra, mas não era nada muito consolidado. Ela foi comigo, a ideia é: “Eu vou tentar alguma coisa aqui na medicina.” Se não der certo, o plano B, ela adora cozinhar, fomos ver até um curso, só que fazer é mais caro do que fazer um MBA [Master Business Administration]: “Espero que ela consiga os negócios de medicina, senão vai ser um furo no bolso.” Deu super certo porque ela foi, toparam, aceitaram ela para ser médica no hospital Rotary Hospital que é um hospital de psiquiatria famoso. Ela deu uma sorte porque ela pegou umas pessoas que acreditaram muito nela. O correto é, não sei se é o correto a palavra, mas você tem que fazer todo o processo de validação do diploma na Inglaterra. Agora, se um médico que era o professor da universidade falar: “Essa pessoa está qualificada para ser médica aqui, pode atender sob minha responsabilidade.” Ela podia atender pacientes. E foi o que aconteceu. Ela começou a trabalhar nesse hospital. Durante os primeiros seis meses a cadeira era grande e depois a cadeira se acostumou. Nós tínhamos uma vida lá muito boa, porque eu era expatriado. Sabe que expatriado eles te pagam casa, carro. Nós tínhamos uma vida que nós sabíamos que era um pouco o mundo da fantasia. Eu tinha morado em Londres antes, quatro meses. O mundo que nós vivíamos ali era meio irreal. Por sorte, quando nós fomos, o que foi engraçado é que dois grandes amigos do colégio também foram expatriados pelas respectivas empresas. Tinha esses três casais que nós nos relacionávamos muito como família. Depois o que foi muito divertido é que a Valéria, no hospital, ficou muito amiga de ingleses mesmo; no banco, os ingleses eram mais arredios. Londres é uma Torre de Babel. Você tinha gente do mundo inteiro, você acabava ficando próximo mais dos estrangeiros dentro do banco. Nós tínhamos uma vida super divertida porque era a família, que eram esses dois casais de amigos brasileiros, depois tinha a vida com os ingleses e a vida com a Torre de Babel. Era super divertido. Nós estávamos lá há dois anos e pouco. Toda a história aqui tem um lado que é engraçado, só que ali nós estávamos com 29, depois de dois anos e pouco. Eu falei para a Valéria: “Vamos fazer o seguinte.” O meu contrato inicial era de dois anos, o banco queria que eu renovasse o meu contrato. Falei: “Vamos fazer o seguinte: nós renovamos o meu contrato, nós passamos mais dois anos aqui, depois quando acabarem esses dois anos eu peço demissão do banco, nós vamos ‘mochilar’ pela Ásia um ano inteiro, nós voltamos para o Brasil, eu arranjo outro emprego e você engravida.” Porque nós queríamos ter filho: “Engravida. Está bom?” “Está.” Eu renovei o meu contrato. Passados um mês, dois meses, a noção de que ela ia fazer trinta anos, um dia ela chegou, ela foi me buscar de ônibus, eu achei muito estranho, ela falou: “O negócio é o seguinte: mudei de ideia. Quero ter filho.” Teve todo um período: “Mas nossos planos, viagem.” No final das contas ela me convenceu a mudar de ideia. Ela engravidou na Inglaterra. Nós íamos ter nossa filha lá. O que aconteceu, isso é começo de 1998, a minha mãe aparece com um câncer no Brasil e a gravidez da minha esposa começa a dar todos os pepinos possíveis e imagináveis. Quando a coisa não estava conseguindo se resolver lá, eu falei: “Valéria, vamos voltar para o Brasil, não tem como.” Nesse momento, o cara que tinha sido o meu primeiro chefe no ING soube que eu queria voltar para o Brasil, ele me contratou no Santander. Eu vim ser responsável aqui por market risk do Brasil, que era uma cadeira super pequeninha para quem já tinha sentado naquela cadeira. Nós voltamos para o Brasil, o parto, a minha esposa quase faleceu no parto, minha filha nasceu com 29 semanas, menos de um quilo, ficou quase dois meses e meio na UTI [Unidade de Terapia Intensiva]. Foi um período muito difícil e o que aconteceu, ah, para eu voltar para o Brasil, na Inglaterra você pode segurar, quando uma pessoa pede demissão você pode segurar até três meses a pessoa. A minha esposa voltou antes, eu fiquei trabalhando lá porque o banco estava numa fase muito complicada e eu sou muito amigo, sou amigo pessoal do meu chefe holandês. Eu sabia que a coisa estava muito complicada, ele me segurou lá um tempo. O que aconteceu foi que dentre eu ter sido contratado e eu chegar no Brasil de fato, quando eu cheguei aqui no Brasil algumas coisas tinham mudado no cenário que o meu chefe tinha, meu chefe que tinha me levado para o Santander, e logo depois ele foi convidado para ir trabalhar no Banco Real, que tinha acabado de ser comprado pelo ABN Amro ia ter o hand over do management para o pessoal do ABN Amro. Ele foi convidado para ir para lá e como ele se sentia responsável por ter me trazido para o Brasil etc., ele me colocou no pacote. Ele me perguntou: “Você quer ir comigo?” “Eu vou com você.” Eu trabalhei no Santander naquela época alguns meses só. Fui para o Real. Isso foi em 1998. Foi quando eu entrei no Real e depois foi Real até a compra pelo Santander.
P/1 – Como foi essa mudança de acompanhar do Santander para o Real, como estava o cenário dentro do Real, como foi esse processo de juntar o Real com o ABN?
R – Foi uma experiência muito diferente do que Santander com o Real, porque ali era um banco, o grau de intersecção que havia entre ABN e Real era ínfimo comparado com o grau de intersecção que havia entre Real e Santander. Tinha um mundo de coisas para fazer e não tinha muita intersecção. Foi um processo, relativamente, indolor. Foi um período, que a minha mãe acabou falecendo em 2000. Eu acho que foi um período, esses dois anos foram um período talvez o que mais predominou para mim foi a agenda pessoal e não a agenda profissional. Eu brinco. Nós morávamos lá quando morreu a princesa Diana, eles chamavam de anos horribles. Eu brinco que de 1998 a 2000 foram os meus anos horribles que aconteceu, aquele meu avô, o avô que eu te falei, médico, também faleceu em 2000. Foram dois anos e pouco que a minha mães faleceu, o meu avô faleceu e teve todo esse negócio da minha filha que foi uma preocupação grande durante muito tempo. Nesse período, se você me perguntar o que mais me marcou desse período todo é muito mais toda essa questão de saúde familiar do que o trabalho. O trabalho, o início do trabalho no Real foi, tinha muita coisa para fazer, mas eu diria que não era uma coisa, sabe quando você tinha tido experiências maiores que você conseguia tocar relativamente fácil que tinha que ser feito.
P/1 – Como foi vencer todos esses problemas de saúde, familiares, e ir superando para ir retomando a sua carreira, as suas atividades dentro do banco?
R – Eu sinto um pouco, eu continuava trabalhando. Tem uma coisa: o meu perfil é muito, sabe que em todas as mudanças de trabalho eu nunca fui, sempre a minha grande coisa foi querer fazer as coisas bem feitas. Eu acho que também tem uma coisa: com as coisas que eu me envolvo eu acabo gostando. Só voltando um passo atrás, eu te falei que eu não tinha estudado Finanças no mestrado. A minha dissertação inicial era sobre Macroeconomia, que era o Plano Cavallo na Argentina, mas depois que eu comecei a trabalhar como trader não fazia sentido continuar uma dissertação de Macroeconomia. Mudei para uma dissertação de Derivativos. Era super matematizada, a minha orientadora era matemática etc. Quando eu fui para a Inglaterra eu só tinha um capítulo feito. Eu fiz toda a dissertação no primeiro ano de Inglaterra. Foi um tema que depois eu passei a amar de paixão. Sendo que durante a minha faculdade eu falava: “Isso aqui é uma coisa menor. Comparado com as grandes questões da Economia isso aqui é uma coisa menor.” Eu sempre tive essa coisa de que a medida em que eu vou me envolvendo com os assuntos, eu vou gostando dos assuntos. Não é… Agora eu me perdi porque eu entrei nisso?
P/1 – Você estava falando de como é que foi o processo de vencer todos esses problemas.
R – Nesses dois anos eu continuava trabalhando etc., mas a minha prioridade em termos de espaço mental estava muito mais só família, continuava performando, tinha boas notas, mas nada de… Depois que a minha mãe faleceu, eu acho que foi, mais ou menos um ano, nesse período todo você imagina que você fica muito deprimido. Acho que um ano depois, eu uso como muito simbólico, sabe o que é o CFA? O CFA é uma certificação, Chartered Financial Analyst, é uma certificação que fora do Brasil tem, ela é bastante bem vista. É um processo longo. São três anos. É doloroso. Na média 50% só passam de um ano para o outro. Em 2002, 2001, foi quando eu resolvi que eu ia tentar o CFA. Eu acho que foi o momento que eu, sabe, quando você sai da fase de… E começa a olhar outras coisas de novo? Nesse período no ABN Real as minhas funções foram crescendo ao longo do tempo. Eu comecei só como responsável pelo market risk Brasil, depois eu virei market risk América Latina toda, eu tinha uma responsabilidade regional. Depois pediram para o pessoal de risco operacional viesse trabalhar comigo também, eu assumi risco operacional. Uma coisa que não tinha bem estruturada no Real naquele momento era a área de ALM [Asset & Liability Management], ou que é chamada de Gestão Financeira no Santander. Pediram para eu estruturar a gestão financeira do Real. Primeiro market risk Brasil, market risk Região, operation risk, e depois toda a parte de asset & liability management. O que aconteceu é que você pode ter um ALM, uma gestão financeira, com responsabilidade de resultado ou sem responsabilidade de resultado. Isso é importante porque se tiver responsabilidade de resultado você pode ter algum tipo de conflito de interesse com a função de market risk. Em 2005, acho que foi 2005, resolveu-se que, agora eu não me lembro se é 2005 ou 2006, resolveu-se que a gestão financeira passaria a ter mais responsabilidade de resultado. Eu deixei todas as minhas funções anteriores, nesse período todo eu estava me reportando para o cara que me trouxe para o Brasil, Santander e depois para o Real. Eu voltei a trabalhar com o José Berenguer. Reportando-me para o José Berenguer. Vocês já falaram com o José Berenguer? Vocês conhecem o José Berenguer?
P/2 – Ainda não.
R – Voltei a trabalhar com o José Berenguer. Foi até a compra do Santander. No modelo Santander a área de gestão financeira não está dentro de negócios, está dentro de finanças. Na junção dos dois bancos eu continuei responsável por gestão financeira. Eu comecei a trabalhar com o Galán. Estava fazendo a gestão financeira, com o IPO [Initial Public Offering] do banco, pediram que eu fosse fazer a investor relation, que é quem conversa com os principais fundos institucionais do mundo que compram a ação do Santander, para explicar qual é a fase do banco, o que está acontecendo com o banco, qual foi o resultado do banco. Esse período foi um período onde de novo a cadeira aumentou. Na hora em que, porque foi uma mudança muito grande. Até então eu tinha feito mais atividades que eu não precisava falar com o público externo. Aqui era uma coisa assim: você tem que falar com o público externo, representando o banco. Você sente uma responsabilidade, e a expectativa é que como o cara de investor relation você conheça quase todos os assuntos do banco, que você tenha uma visão muito boa de tudo. A expectativa é grande. Depois tinha uma questão, um skill certo, que eu não sabia se eu tinha, que é essa questão mais de comunicação. Em 2009, eu fui para essa área e desde então estou lá.
P/1 – Antes de nós falarmos dessa última grande mudança, eu queria que você falasse um pouquinho como é que você sentiu a chegada do Santander. Você estava no Real, como é que foi para a sua área, como foi para você essa mudança, de sentir a integração dessas duas culturas, de modos de agir e de operar diferentes?
R – Até você sabe que é engraçado, teve ali em outubro, novembro de 2007, quando ficou definido. Porque lembra que o processo todo começou em fevereiro de 2007 quando um fundo mandou uma carta para o board do ABN dizendo que queria entender se as somas, se as partes valiam mais do que o grupo como um todo. Começou todo o processo onde começou o Barclays para um lado e depois começou o consórcio para o outro lado. Essa situação de incerteza vinha desde fevereiro. Em outubro, novembro, quando ficou definido que era o Santander, o Fábio Barbosa teve uma iniciativa que foi boa. Ele chamou no Real uma consultora chamada (Vicky Blog?). Ela falou das várias fases, que eu entendo que deve ser o processo de luto natural. As reações quando você sabe que vai acontecer, todas as incertezas, depois quando começa. Você passa por uma montanha-russa que é natural. Dentro do banco tem áreas que o processo de integração naturalmente é bastante rápido, e tem áreas onde o processo de integração é bastante demorado. Por exemplo, no varejo. A integração total do varejo aconteceu agora, no final do ano passado, 2010. Eu estava numa das áreas onde esse processo é bastante rápido. O Carlos Galán é um cara que, ele se mostra bastante aberto às novas ideias das pessoas. Eu acho que foi uma integração que foi relativamente rápida e relativamente depois de pouco tempo você já tinha virado a página. É que nem mudar de emprego, você vira a página. É claro que na hora que você muda de emprego a tua cabeça já mudou, já está em outro lugar. Mas para você aprender o processo cultural da nova empresa demora um tempo. Teve todo um processo nessa direção. Comparando, eu sempre, os investidores perguntam qual a diferença cultural do ABN Amro com o Santander. Eu diria que a cultura holandesa é uma cultura do consenso. Tudo lá era na base dos comitês. Esse modelo tem algumas vantagens e algumas desvantagens em relação ao modelo Santander. Quais são as vantagens? As vantagens, quando o processo é consensuado, se você chega no resultado, você tem a adesão mais fácil de todo mundo, e a comunicação também fica mais fácil. Lá tudo tinha um comitê, tinha ata, eram atas que explicavam todo o racional porque tinha ido na direção A ou na direção B. Fazia um cut da ata e mandava, a decisão, o banco vai nessa direção em função disso. Isso ajuda. Por outro lado, questões que não tinham consenso não tinham decisão nenhuma e ficavam sem decisão por muito tempo. Tinha um caso específico, porque eu representava o Brasil em alguns comitês na Holanda, tinha um caso específico lá que durante dois anos nós ficamos no we agree to disagree, essa que era a conclusão do negócio: “Nós concordamos que discordamos.” Mas não tinha decisão nenhuma. Comparando com o modelo Santander, o modelo Santander é um modelo que tem decisões, não é um processo consensual, a grande coisa boa do Santander é que é rápido e você tem a decisão, boa ou ruim, você tem a decisão. Mas uma situação à la ABN Amro que ficava com we agree to disagree por dois anos, isso é impensável no Santander. Acho que essa que é a grande diferença cultural entre os dois bancos, que vem do DNA das suas matrizes.
P/1 – Como foi para você oriundo originalmente do Real assumir essa nova cadeira de falar com os acionistas, de entender todo o processo do Santander?
R – No IPO foi outubro de 2009. O processo todo eu conhecia o Carlos foi fevereiro de 2008. Eu comecei a trabalhar mais perto com o Carlos em julho de 2008. Já tinha um ano e três meses trabalhando com o Carlos. Ali tinha mudado o chip. Ali eu acho que o desafio era, acho que não era uma questão Real, Santander, era uma questão como é que você posiciona um banco que não era uma empresa aberta, como você a posiciona como empresa aberta no mercado. Esse que era o grande desafio na época.
P/1 – Como foi esse processo de decisão, de transformar a empresa numa empresa aberta, como é a relação com o acionista?
R – Eu entrei no processo aos 45 minutos do segundo tempo. Na verdade o IPO, o banco estava trabalhando nisso há alguns meses. O Carlos pediu que eu assumisse a posição de RI [Relação com Investidores] tipo um mês antes do IPO. Eu não vivenciei o processo de construção mesmo. Entrei só na hora do tiroteio.
P/1 – Como é o posicionamento do Santander em relação aos acionistas? Quem são eles? Qual o perfil?
R – Nós somos um banco que, nós temos na média, mais acionistas estrangeiros do que os bancos brasileiros. No IPO basicamente quem comprou as ações do banco foram os investidores institucionais fora do Brasil. Nós temos mais ou menos 1% de pessoa física na base, o banco tem 81%, o diferencial basicamente, somar 1, 82, 18% basicamente são os investidores institucionais. Na sua grande maioria, na época do IPO, os grandes compradores foram os investidores estrangeiros. Esses investidores estão mais concentrados nos Estados Unidos, depois a Inglaterra e a Europa, mais ou menos, têm um peso relativamente similar, e o fenômeno mais recente é que a participação de brasileiro tem aumentado no período mais recente.
P/1 – Como se dá essa aproximação?
R – Com os investidores? Como é que funciona? Como é que são os canais de comunicação com os investidores? Basicamente você tem que pensar nas empresas, que são as emissoras, as empresas que emitiram ações, depois você tem os investidores, e você tem as grandes corretoras. Merrill Lynch, Goldman Sachs etc. Essas corretoras, elas tentam ficar o tempo inteiro criando canais de comunicação entre os emissores e os investidores. Quais são esses canais? Primeiro são as conferências. Como são feitas as conferências? Eles pegam um hotel, geralmente quando é em São Paulo é no Hyatt, mas a maioria das vezes na verdade é Nova York, Londres. O que eles fazem? Eles pegam um hotel, fecham o hotel, quando você está andando no corredor, cada quarto é uma empresa. Santander Brasil, Itaú, Bradesco, Vale, (Pétrus?), depois empresa russa, quer dizer, quando é aqui no Brasil são empresas brasileiras. Nova York, Londres têm empresas do mundo inteiro. Basicamente como funciona é: você tem reuniões de uma hora onde vem um investidor ou um grupo de investidores, e eles ficam durante uma hora no Q&A [Questions and Answers], questões e respostas. Eles têm o direito de trazer o assunto que eles quiserem. Essa é a primeira grande modalidade de forma de encontro. A outra grande modalidade são os chamados roadshows, como são os roadshows? Na verdade você vira um caixeiro-viajante, você vai ao escritório dos investidores. Qual a vantagem disso? É porque quando você vai naquelas conferências geralmente eles mandam uns analistas, você não fala com o portfolio management, que no final das contas toma a decisão. Quando você vai no roadshow, você fala com o portfolio management. A grande vantagem da conferência é que você consegue ver, você faz oito, dez reuniões num dia. Vê muito mais gente. Quando você faz um roadshow, várias vezes é assim, roadshow por exemplo, na Europa, um dia cada país. Um dia você faz Alemanha, um dia você faz Holanda, faz Escócia, faz Inglaterra. Avião, aeroporto etc. A produtividade cai muito. Essa segunda grande categoria. Depois tem o que eles chamam de __________, o que são os ________? Esses brokers, corretores, eles pegam um grupo de quarenta, cinquenta investidores, gringos geralmente, eles trazem esse grupo para o Brasil e eles vão às empresas. Você organiza, por exemplo, uma tarde inteira aqui na Santander, onde várias das pessoas vão entrevistar, eles participam também disso, contando o que é o Santander, as atividades específicas que eles fazem. O cara de crédito imobiliário, dá uma palestra: o que é o crédito imobiliário no Brasil, o crédito imobiliário no Santander. O (José Roberto?). Vão várias pessoas de diferentes áreas de negócio. Essas são as coisas mais estruturadas e organizadas. Além disso, o que tem é um monte de telefonemas, e tem um monte de reuniões. Investidores que ligam e falam: “Quero ter uma reunião com vocês.” Eles vêm aqui, eu fico o tempo inteiro nessa sala de reunião encontrando os investidores que estão passando aqui por São Paulo e querem conversar com a empresa. Basicamente essas são as formas de conversar. Nós não fazemos só a parte de equity, que são as ações do banco. Toda a vez que o banco quer emitir títulos no mercado, nós também fazemos roadshows para essa emissão dos títulos, só que é mais associada a uma transação específica. Você não está indo falar sobre o Santander, você vai falar sobre o Santander, mas com um objetivo específico, que é uma transação específica que está sendo trabalhada.
P/1 – Eu queria só, antes de nós seguirmos, saber se dessa primeira forma que vocês ficam em reunião de uma hora com os investidores, são vários, houve alguma vez que teve alguma pergunta inusitada sobre o Santander, ou que ficou marcada?
R – Várias. Você tem de tudo. Você tem desde o cara que pode ser um cara extremamente grosso. Tem que lembrar que o preço da ação do banco caiu, algumas pessoas estão frustradas e eles vão fundo. Dado algumas frustrações, eles pode ser extremamente agressivos com você pessoa física, e por outro lado, por exemplo, eu fiz, há uns dois meses atrás eu fiz um roadshow na Ásia. Por exemplo, Taiwan, você tinha que mostrar onde que o Brasil está no mapa, quase. Depois eu estava em Singapura, por exemplo, você pegava desde o cara você tem que mostrar onde o Brasil está no mapa até o cara que fazia perguntas. Teve um cara, em Singapura, que ele fez duas perguntas sobre coisas que eu vi no jornal brasileiro. Não era sobre o banco. Eram assuntos do Brasil que eu vi no jornal brasileiro um mês depois que eu voltei para o Brasil, e o cara estava tão bem informado que ele sabia de coisas sobre o Brasil que apareceram no jornal um mês depois. É muito assimétrico. É por isso que, às vezes, é, agora depois de dois anos, o grau de novidade por reunião diminuiu muito, porque durante todo esse tempo, num escopo tão grande de perguntas, você acostuma um pouco com o que pode vir, mas às vezes acontece, esses reuniões que os caras vêm com uma pergunta muito diferente. Outra coisa engraçada, na hora que você faz o roadshow, porque, às vezes, você está com, uma das coisas que explica porque a rentabilidade do Santander está um pouco menor do que a de concorrentes é que nós temos uma alavancagem menor. O banco quando levantou dinheiro no IPO falou: “Eu vou usar esse capital e a minha alavancagem no balanço vai aumentar ao longo do tempo.” Nós crescemos menos, então a alavancagem cresceu mais devagar do que nós imaginávamos que ele iria crescer. Isso deprime a rentabilidade para o acionista, por outro lado, para quem tem um título do Santander isso deixa o balanço do banco mais robusto. O que é ruim para um tipo de investidor é bom para outro tipo de investidor. Eu faço roadshow, eu tenho uma reunião de Bonds, que vai super bem. Depois a de equity, é mais dura a reunião. Às vezes, é engraçado porque você coloca, às vezes alguns investidores que fecham com os dois têm alguém do time de Bonds e alguém do time de equity na mesma sala, com impressões muito diferentes sobre o banco. É engraçado.
P/2 – Antes de nós continuarmos eu queria que você falasse um pouquinho o porquê essa predominância de investidores estrangeiros no Santander Brasil. Se ele está tão forte aqui no Brasil, é uma coisa de bolsa em geral ou tem algum porquê?
R – Como é um nome forte internacional muito grande, o nome Santander é muito conhecido no mundo inteiro. Na hora que você vai ao mercado, quando vai uma empresa brasileira à mercado, ele pega só um público mais específico. A placa Santander chega a um público muito mais amplo. Isso explica o porquê.
P/1 – Para nós retomarmos, conta um pouquinho quais são as razões pelas quais os investidores optam pelo negócio banco, além do ganho?
R – A indústria financeira tem uma representatividade no mundo, em bolsa, muito grande no mundo inteiro. Diminuiu muito depois da crise, de 2008 em diante, mas os bancos sempre tiveram rentabilidades boas e isso é que dá um atrativo para os acionistas.
P/1 – Como é que você vê a participação dos investidores para a estrutura do Santander?
R – Você fala da área de relações com investidores?
P/1 – Da área de relações com investidores dentro do Santander. O que isso representa, como é que isso está estruturado dentro do negócio?
R – Qual o papel de uma área de relação com investidores? São dois papéis. Primeiro, por um lado é ir falar com o mercado e explicar o que está acontecendo com o banco. Esse mecanismo que você explica e dá transparência para as coisas do banco para o mercado. Mas por outro lado tem um papel muito importante que é no sentido ao contrário, que é o que? Você ouvir os investidores e trazer a mensagem para dentro de casa. As grandes preocupações dos investidores sobre ou a indústria no Brasil ou sobre o Santander em específico. É você trazer de volta essa mensagem para dentro e passar para o CEO [Chief Executive Officer], CFO [Chief Financial Officer]. Basicamente é esse o papel da área.
P/1 – Como é a construção da marca para o investidor? Qual a importância da marca Santander para o investidor, o que ele vê?
R – Aqui eu acho que tem até, existe uma certa assimetria de percepção de marca no Santander no mundo e no Santander no Brasil. O Santander tem uma trajetória mais difícil no Brasil. Porque o Santander comprou, a trajetória de um banco de varejo no Brasil começou em 1997. Ele comprou quatro bancos pequenos, médios, e no final de 2000 ele comprou o Banespa. Ele não tinha uma infraestrutura para poder absorver esses bancos. Ele trouxe essa infraestrutura para absorver esses bancos depois de 2000. É como se o banco tivesse comprado um monte de bancos, e depois ficasse trabalhando quase que cinco anos em absorver esses bancos. Isso por um lado. Por outro lado, o Santander no mundo, você tem alguns lugares que o Santander é considerado a excelência de banking, de como fazer banco. Por exemplo, tem muito investidor que fala assim: “Ah, o paradigma do que é fazer banco na América Latina não é o Itaú, é o Santander Chile.” Isso até ajuda a explicar o porquê estrangeiro participou mais. O que existe é uma assimetria entre a percepção da marca Santander fora do Brasil para a percepção da marca aqui no Brasil. A marca Santander fora do Brasil tem uma percepção muito melhor do que a marca Santander no Brasil por todo esse histórico mais difícil que teve, de construção. Eu acho que é questão de tempo, questão de começar a mostrar resultado para que o banco possa fazer com que a percepção comece a convergir para níveis de percepção em outros lugares.
P/1 – Como se dá a governança corporativa aqui no Santander?
R – Têm vários mecanismos. O banco na verdade, se você for olhar entre os grandes bancos, é o único banco que aderiu ao nível II de governança da BM&FBovespa. Significa que o banco tem um nível de governança mais exigente do que os pares locais, Bradesco e Itaú. O principal tem a ver com o fato de que o banco, por exemplo, dá tag along para os investidores preferencialistas. O banco na verdade está vindo num processo evolutivo. Não dá para falar de governança como um processo acabado. Ele está evoluindo. Você vê que o número de comitês reportando ao Conselho tem aumentado, ou tem se tornado mais robusto ao longo do tempo. Eu diria que o banco já está muito bem, e tem melhorado ao longo do tempo.
P/1 – O que representam as inovações e as novas tecnologias para a sua área?
R – Para a minha área, especificamente, não tem. Acho que para o banco acho que o que diferencia o Santander dos outros bancos é que o Santander, se você pegar os cinco grandes bancos no Brasil, o único banco que é estrangeiro é o Santander. Isso traz uma série de vantagens. A principal vantagem é que o banco trabalha com uma plataforma corporativa, e isso permite que ele traga expertise, que ele traga produtos de outros lugares. Além disso, como você tem um ganho de escala porque trabalha com uma plataforma única para o mundo inteiro, isso permite que o banco tenha índice de eficiência melhor do que o da concorrência. Se você pegar nos principais mercados, o Santander sempre tende a ser ou o banco mais eficiente, ou o segundo banco mais eficiente, que ainda não é uma realidade no Brasil, mas eu acho que em questão de tempo será. Você sabe que no jogo de varejo, o DNA do banco é varejo, no jogo de varejo a plataforma de sistemas para realmente garantir que você tenha um bom time to market para o cliente, você responder rápido para o cliente é importantíssimo. O banco, por ter essa plataforma diferenciada eu acho que é o grande, vai ser o grande diferenciador do banco vis-à-vis a concorrência pensando no médio prazo.
P/1 – Quais são seus desafios atuais? Como estão divididas as suas atribuições hoje, seu cotidiano?
R – O meu cotidiano é bastante incerto. Porque eu fico na dependência, você sabe que eu quase tive que desmarcar com você porque hoje, talvez, ia sair uma coisa no mercado, que se tivesse saído, quando saem essas informações novas, às vezes eu tenho trinta calls num dia. A minha capacidade de prever uma rotina de trabalho é muito baixa. Eu fui informado que talvez ia sair alguma coisa na sexta-feira à noite. Eu acho que o grande desafio é o seguinte: a área, realmente a grande ambição da área é ser reconhecida como a melhor área de relações com investidores do mercado brasileiro. Nós, desde que fizemos o IPO, temos melhorado bastante. Ainda tem passo para poder chegar lá. É natural. Nossos concorrentes estão fazendo isso há décadas, e nós temos dois anos fazendo isso. Por sinal até o banco acabou de ganhar o prêmio da Abrasca [Associação Brasileira de Companhias Abertas]. Parte do processo tem um envolvimento forte da minha área. Para fazer esse relatório.
P/1 – Indo para uma perspectiva a longo prazo, pensando-se no futuro como você vê a função do banco daqui a uns dez, quinze anos?
R – Eu acho que o mercado vai mudar muito. Você sabe que está mudando muito essa parte regulatória, isso vai ter implicações muito sérias em termos de que vai ser o formato dos bancos do futuro. É capaz de essa autorregulamentação do sistema bancário, é capaz de criar alguns incentivos para desintermediação financeira, ou seja, criar outros agentes que fazem papel de banco, mas fora do figurino banco. Além disso, algumas áreas que usam mais capital vão perder atratividade. Eu imagino que algumas atividades, o que os reguladores têm sinalizado, vão mudar os incentivos no sentido de cada vez, que esse componente de atividade dentro do banco deve diminuir, nos bancos deve diminuir ao longo do tempo. Mas acho que ainda está, o processo de revisão dessas novas normas ainda não acabou. Acho que ia ter que esperar acabar esse processo para nós entendermos como vai ficar o sistema de incentivo final do processo.
P/1 – Quais são os pilares para uma instituição bancária, o Santander, por exemplo, ser uma instituição perene, perdurar frente a essas novas possibilidades, frente à crise?
R – Primeiro eu acho que você tem que ter um modelo de negócio rentável, você tem que ter disciplina de capital e de risco. Com essa combinação, e nesse sentido o banco está muito bem posicionado. Se você olhar, por exemplo, entre os bancos europeus no acumulado dos últimos três anos o Santander foi o terceiro banco em resultado gerado num horizonte de três anos. Enquanto que em capitalização o banco foi o décimo primeiro banco. Isso mostra que o banco conseguiu trafegar esses primeiros três anos de crise de uma forma bastante boa, apesar de que a casa matriz está hoje em dia numa área que está dentro da crise. Basicamente, o que é isso? É um modelo de risco, e o modelo que o banco chama de fortaleza de balanço que garantem, e o modelo de negócio mais voltado a varejo que é de atividades mais simples, sem grandes sofisticações, que tem dado essa estabilidade de resultado ao longo do tempo e que posicionou o banco de uma forma boa para algumas dessas mudanças regulatórias. Se você pegar entre os grandes bancos europeus, o Santander é um dos bancos que têm a maior participação de negócio de varejo dentro do portfólio total de atividades. Os bancos que vão apanhar mais são os bancos que têm mais atividade de sale dentro do seu portfólio de atividades. O banco está relativamente bem posicionado para essas mudanças que estão acontecendo.
P/1 – Para nós irmos encaminhando para o final, eu queria que você falasse, você contou que é casado, do nascimento da sua primeira filha. Tem mais?
R – Tenho mais uma filha.
P/1 – Qual o nome das duas?
R – Camila e Helena.
P/1 – O que é para você ser pai? Como foi para você ser pai?
R – Eu diria que a coisa que eu mais gosto é de estar com a minha esposa e com as minhas duas filhas. Tanto é que hoje em dia eu gosto de viajar, hoje em dia nós viajamos duas vezes por ano. É quando você faz o clique. A primeira filha foi engraçado porque foi um processo mais complicado, com todo aquele problema no nascimento. Depois, a segunda, é até engraçado isso porque, na verdade, o que causou todo o problema, minha esposa teve uma doença autoimune. O corpo da mulher reconhece o feto como um corpo estranho, e rejeita o feto. Ter uma segunda gravidez é complicado. Nós ficamos com um monte de médicos: tem, não tem. Um médico falou: “Se eu fosse vocês eu tentaria, porque eu acho que seria muito importante para vocês dois terem um processo de maternidade e paternidade mais tranquilo.” Fomos ter a segunda filha em 2002, quatro anos e meio depois. É o período também que eu te falei que eu estava já fazendo outras coisas. É muito legal. Fim de semana é com elas.
P/1 – O que você gosta de fazer junto com elas?
R – Mais fácil definir pelo que eu não gosto. Quando elas querem ir no shopping eu não vou com elas. Eu sempre sou o que trago as coisas mais, fazer coisas diferentes, mais de esporte, de natureza. A minha esposa é mais urbana. Desde andar a cavalo, jogar tênis, andar de bicicleta, ficar fazendo esse tipo de coisa, Geralmente no fim de semana o que nós acabamos fazendo são, mais ou menos, essas coisas.
P/1 – Indo para uma parte avaliativa, quais são os que você considera os seus maiores aprendizados nessa sua carreira?
R – Várias vezes eu fico pensando assim: se eu tivesse sido um professor acadêmico como é que eu me compararia com hoje? Eu acho que aqui você aprende muita coisa da vida, porque é um ambiente muito menos protegido. Depois essa coisa da exposição internacional que o banco me deu, que a minha carreira em banco me deu, e que se eu tivesse trabalhando em universidade não teria acesso à metade das coisas. São as duas coisas. Você aprender a ser gestor, você aprender a lidar melhor com o conflito, são todas as coisas que uma vida mais acadêmica não sei se você tem espaço para essas aprendizagens.
P/1 – Qual foi uma que você considera sua principal realização de trabalho no banco?
R – Eu acho que tem várias etapas, nas várias etapas eu acho que eu fiz coisas que eu fico feliz como realização. Eu até brinquei, talvez a minha maior realização, ou o maior sinal, sabe que todos os meus ex-gestores tentaram me recontratar ao longo da vida. Isso mostra que a qualidade do teu trabalho, e não é só a qualidade do trabalho, é você saber trabalhar em equipe. O fato dos meus ex-gestores terem, mais de uma vez, tentado me recontratar eu acho que é uma coisa que mostra a qualidade do trabalho, porque isso mostra que também se você entregou coisas diferenciadas ao longo de vários anos.
P/1 – E em termos de valores? Você aqui essa tarde contou um pouco da sua trajetória de vida, quais são os valores seus, enquanto pessoa, que você consegue alinhar aos do banco, e que faz você vestir a camisa do Santander e vir para cá todos os dias?
R – Primeiro, eu sou um cara muito transparente, é difícil falar ético, às vezes, é difícil falar de valores, estar se autorreferenciando, mas eu acho que basicamente, essa coisa de você querer, é difícil colocar em termos de valores. Você está numa empresa séria, o meu primeiro critério para trabalhar numa empresa é se você está numa empresa séria ou não. Acho que é uma coisa fundamental. Depois você acaba se identificando com o projeto e com a oportunidade. Acho que tem poucas oportunidades que nem o Santander hoje no Brasil. É o único banco estrangeiro entre os grandes bancos de varejo no Brasil. Essa combinação que eu acho que traz uma série de oportunidades, é única no Brasil. Eu não estou falando em termos de valores, eu acho quais são os (drives?) de eu trabalhar no Santander. Eu gosto das pessoas, acho que também isso é uma coisa que se você não se identifica nada com as pessoas também deve ser muito difícil você trabalhar em algum lugar. Acho que são esses os principais.
P/1 – Para encerrar mesmo, o que você acha dessa iniciativa do banco de registrar a sua trajetória, a sua identidade, através das pessoas?
R – Eu acho que o banco está precisando, eu não sei se é definir ou dentro desse processo de construção de marca, está precisando reafirmar uma marca, uma identidade. Fazer desse jeito, como eu te falei, eu detesto ficar falando sobre mim, mas, por pouco que eu… Não conversei com ninguém etc., mas eu tava com uma vontade de fugir daqui que você não imagina. Eu só não consigo ver muito bem como é que isso tudo vai estar sendo usado dentro desse projeto de construção da marca. Acho que é ver para crer.
P/1 – Como foi para você estar aí contando um pouco da sua história? Ter vindo para cá?
R – É engraçado. Você sabe que eu não gosto de, apesar de estar nessa função, ter que falar muito com as pessoas, eu não gosto de, toda hora ficam pedindo para eu dar entrevista para a imprensa, eu dei uma vez, depois me arrependi profundamente, porque mudou um pedaço. Eu morro de medo e morro de receio. Por isso que eu te perguntei: “Ah, e se ficar ruim? O que acontece?” Sobrevivi. Não sei se foi aceitável.
P/1 – Tem alguma coisa que nós não perguntamos que você gostaria de falar? Algum recado, ou deixar registrado?
R – Como vai ser o formato final? O que está meio difícil para mim é entender o que vai, ah, não se é uma coisa, vai sair um vídeo, você está falando para as pessoas, como é que vai ser isso?
P/1 – Nesse primeiro momento nós estamos construindo o acervo do banco de dados. Depois, conforme for amadurecendo a ideia de se fazer um produto, nós depois entramos em contato, mostrar o seu trecho que foi selecionado. Mas foi ótimo. É isso mesmo. Nós, em nome da vice-presidência de marca, marketing, comunicação e interatividade e também em nome do Museu da Pessoa, nós agradecemos a sua entrevista.
R – Agradeço, obrigado. É a primeira vez que eu faço uma coisa dessa natureza. Obrigado.
--- FIM DA ENTREVISTA ---
Dúvidas
MNA
Brayds
Vicky Blog
Pétrus
José Roberto
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