P/1 – Bom. Sr. Marcelo, primeiramente muito obrigado por aceitar o nosso convite em participar desse projeto. Pra gente começar nossa entrevista eu gostaria que o senhor falasse pra gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Marcelo Dias de Moraes, nasci em ...Continuar leitura
P/1 – Bom. Sr. Marcelo, primeiramente muito obrigado por aceitar o nosso convite em participar desse projeto. Pra gente começar nossa entrevista eu gostaria que o senhor falasse pra gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Marcelo Dias de Moraes, nasci em 24 de julho de 1967 em Perus, aqui no bairro de São Paulo.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Dionísio Dias de Moraes e Josefa Almerinda Jacinto de Moraes.
P/1 – E o senhor tem irmãos ou irmãs?
R – Tenho. Tenho quatro irmãos, dois falecidos e dois ainda...
P/1 – E o senhor ainda era o mais velho ou o mais novo?
R – Eu sou o do meio, praticamente, né, porque a minha irmã mais velha foi a primeira filha, mas morreu com três meses de idade. Aí eu tenho um irmão mais velho, que ainda é vivo né, está com 54 anos. Tenho um irmão acima de mim, o Adilson, que faleceu há quatro anos, morreu de câncer, né, e tenho um caçula, que é o Márcio.
P/1 – E, bom o senhor é de Perus. Tem como o senhor contar pra gente como é que era a sua infância lá no bairro de Perus?
R – Lá ainda eram tempos áureos né, do dia-a-dia de hoje. Como Perus é o último bairro de São Paulo, então está coberto de muito verde e tudo. Então era bem... Ainda tinham as brincadeiras de rua, que hoje em dia a gente não tem mais, né, brincar de bicicleta, taco, toda essa parte, bolinha de gude, carrinho, e hoje já perdeu essa essência.
P/1 – E por ser o último bairro de São Paulo era um local com bastante gente ou era pouco habitado?
R – Não, até que um local assim; a população é meio difícil dizer, porque cresceu na época. Não tenho uma base muito sólida de quantas pessoas, mas é um bairro que tinha uma ascendência, né, por ser o último bairro de São Paulo perto do interior, Caieiras, Franco da Rocha. Então teve um crescimento muito grande.
P/1 – E o senhor sabe dizer por qual motivo os seus pais foram pra Perus ou se já nasceram lá também?
R – Minha mãe nasceu em Perus. Nasceu até na antiga fábrica de Perus, a Portland né? Meu pai nasceu em Bragança né, veio ainda criança para Caieiras, trabalhou na Melhoramentos, fábrica de papéis Melhoramentos. Até se aposentou na fábrica de cimentos, na fábrica de papel né, então era tudo da região ali.
P/1 – E essa Perus da sua infância era um bairro já bem equipado com investimentos públicos tipo encanamento, luz ou como é que era?
R – Não, não. No começo, acho que em 1974, pelo que ele fala, que chegou a parte de água, esgoto. Então, mas dos bairros em São Paulo, não era tão precário como muitos bairros de hoje em dia, em 2012.
P/1 – E em termos de escola, havia uma escola próxima onde era a sua casa?
R – Sim, tinha onde que eu comecei a estudar a Dona Suzana de Campos bem no centro; outro colégio maior que era o Gavião Peixoto, que até hoje existem essas duas escolas. E escolas particulares na época não existiam. Depois que começou a ter as escolas particulares pra fora, Lapa, Luz, que nem o Campos Sales ou na Luz o Dom Bosco, né? Então particulares não tinham, só estadual mesmo, estadual e municipal.
P/1 – E o senhor tem alguma lembrança do período da escola, o senhor gostava de frequentar as aulas, alguma matéria favorita?
R – Assim, escola é a base, né, é a liberdade que a gente tem dos pais e começa a se formar na vida, né? Eu tenho boas recordações da escola.
P/1 – E nessa sua infância o senhor já tinha uma ideia do que o senhor gostaria de fazer quando crescesse ou...?
R – Olha, eu vou ser sincero. Eu comecei a trabalhar com doze anos e, coincidentemente, foi numa lojinha de doces na frente da Escola. Meus pais conheciam os donos. Antes de entrar pra Escola eu estava sempre ali, né, então conhecia a dona da loja. Então, o que acontecia? Às vezes, a molecada toda na hora queria comprar antes de entrar e tal. E nisso um dia comecei a: “Quer ajuda?” comecei a ajudar ela, tal e começou, daí que começou a parte do comércio, com 12 anos.
P/1 – E no seu primeiro quais eram suas atribuições?
R – Olha, como todos, tudo, né? Ali a gente tinha que fazer armazenamento, vender, cobrar. Depois fui aprendendo, depois cresceu um pouquinho. Começou com frios, laticínios, tal; então aprender a cortar, pesar, então tudo. Você acaba fazendo um pouquinho de cada, de tudo, né?
P/1 – E essa experiência no seu primeiro emprego foi até que idade?
R – Foi acho que até os... Na época, a gente começava a trabalhar –por que agora mudou tudo – com 14 anos você já podia entrar, trabalhar registrado com carteira e tal. E com 14 anos eu fui trabalhar numa indústria de reciclagem de metais, né, ali em Perus mesmo, como office-boy. Então, acho que dos 14 até aos 16, 17 eu trabalhei nessa empresa.
P/1 – Tem alguma habilidade ou algum conhecimento que o senhor adquiriu nesse período da primeira lojinha que o senhor carrega até hoje, que o senhor utiliza até hoje?
R – Ah, eu, acho que posso dizer o trato com o público. O público é... O cliente é aquele negócio, cada um tem uma forma, né? Acho que é você aprender a escutar o que o cliente precisa, né, antes de estar oferecendo. Porque são distintos, né? A parte que ali a gente atendia o quê? Os meus próprios colegas, vamos assim dizer, comprando balas, comprando doces. Depois já na parte de, quando cresceu um pouquinho, na parte de frios a pessoa comprar, né, o pai do meu amigo, a mãe do meu amigo ia lá comprar. Então, é escutar, ver, né, e tentar ser um complemento do que a pessoa está necessitando no momento.
P/1 – E o senhor se lembra do que o senhor fez com o seu primeiro salário, com o seu primeiro ordenado?
R – Lembro, lembro. Eu comprei, na época, um LP; era uma, eu não lembro que novela, também já tem um pouquinho de tempo. E foi um, tinha uma música que estava tocando muito e tal, e eu comprei aquele LP, aquela coisa. O primeiro salário foi isso daí.
P/1 – E o senhor lembra que música era?
R – Ah, agora forçou. (risos)
P/1 – (risos) Falando nesse comércio ali do bairro, além dessa lojinha de doces ali, o senhor lembra como é que se estabeleceu o comércio ali em Perus? Tinha um centro, tinha uma rua principal, como é que era?
R – Sim, sim, a Doutor Sílvio de Campos, até hoje é muito forte o comércio ali, né, uma das principais. E tem vários comércios que até hoje... Tem uma loja de roupas né, que é a Loja Aquário também né, que começou pequeninha, uma pessoa do bairro mesmo e hoje tem três lojas. Então, daquela época pra cá o comércio de Perus cresceu muito, cresceu muito. Hoje já tem, vamos dizer, Boticário, Cacau Show, Magazine Luiza; então é um bairro que tem uma prosperação muito boa.
P/1 – E Perus, por ser um bairro relativamente recente; vocês tinham o hábito de ir até um outro bairro quando precisavam de algum produto específico? E onde que era esse bairro?
R – Sim, Lapa.
P/1 – Lapa?
R – Bairro da Lapa, Doze de Outubro. Até eu..., hoje eu tenho dois filhos, né, uma de oito e um de quatro. E, às vezes, colegas mesmo a gente fala que o grande dia era o dia de pagamento – depois meu pai se aposentou e recebeu a aposentadoria – então a gente ia até à Lapa pra comer pastel numa Pastelaria tradicional ali, a Brasileira; ou com a minha mãe, eu lembro muito das Lojas Americanas que, posso dizer, pra nós naquela época era um shopping, né? E a gente ia até lá e tinha um sanduíche, que era coisa simples; hoje a gente fala que é coisa simples. Mas naquele tempo era deslumbrante. Era um, posso dizer, um tipo de misto quente cortado em quatro; eles montavam o prato com batata chips, né, do lado. Putz, aquilo lá, cara, era um... E tinha também, no calor, tinha um sundae, sundae havaiano, era um abacaxi cortado com bolas de sorvete e tal, aquilo lá era deslumbrante. Cada vez que a gente tinha, né, poderia comer aquilo lá, era maravilhoso.
P/1 – E até hoje o senhor julga que a Lapa é um centro de influência naquela região?
R – Sim, sim, até hoje é o grande polo comercial… lógico, os bairros cresceram muito, o comércio dos bairros da Lapa é um ponto forte ali.
P/1 – E a que se deve isso? À proximidade, ou a transporte...? Ou a que se deve?
R – Eu acho que a proximidade, acho que é um pouquinho também... Nós... Hoje, eu estou com 44 anos e desde a minha infância a gente vai até a Lapa, ao Mercado Central, Mercado da Lapa. E você acaba sempre voltando, né, você sempre voltando, sendo um ponto de… Às vezes tem do lado de casa, mas você acaba indo até o…
P/1 – Estabeleceu-se uma tradição?
R – Tradição, acho que sim.
P/1 – Qual é o papel da linha de trem nesse eixo que se formou?
R – Ah, é muito importante; acho que o crescimento do... Acho que o comercial, a parte de migração de pessoas, né, o trem, né, a companhia ferroviária é muito importante. É que nem, a gente falava que aonde o trem chega, condução barata, sempre vai popularizando. Hoje chega até Francisco Morato, faz tempo que eu não pego. E com o valor, né, depois de Francisco Morato, acho que é Campo Limpo Paulista, Várzea Paulista, Jundiaí, já tem outro valor; então, ali já... O pessoal pára até Francisco Morato, que ali cresceu muito também. Então, é a questão de valores hoje, de condução, de tudo.
P/1 – Vamos voltar agora um pouquinho pros seus pais. Os seus pais, eles eram da região também, e o seu pai trabalhava numa fábrica próxima.
R – Sim.
P/1 – Ele tinha algum desejo que o senhor também se encaminhasse pra essa área dele, ele falava alguma coisa nesse sentido?
R – Olha, meu pai ele entrou muito cedo pra Companhia Melhoramentos, né, ele começou... Ele se aposentou com 27 anos de trabalho. É praticamente... Ele começou acho que com 16 anos ou alguma coisa assim. A gente sempre acompanhou ele na jornada; ele trabalhava muito à noite, fazia o turno da noite. E até uma coisa interessante, o meu pai era tipográfico. A primeira Barsa que foi, né, o livro Barsa que foi editado aqui no Brasil foi na máquina dele, que ele trabalhava. Então, ele tem aquela coisa de falar isso, de contar. O meu pai fez, na semana passada, fez 78 anos, né? Então, ele conta essa parte da Barsa; ele conta a parte do tempo que teve, não sei se foi uma revolução ou o que foi, e teve de ser impresso na Melhoramentos o dinheiro;então, era um esquema de segurança naquele tempo, total. Então tem várias histórias. A questão do, tanto minha como dos meus irmãos de trabalhar no ramo, assim de seguir a carreira dele, nunca teve assim tanta influência. Ele deixou assim meio livre pra cada um, né? Porém, todos nós trabalhamos no comércio. Trabalhamos em empresas, chegamos a trabalhar em empresas, mas tanto eu como meus outros dois irmãos, três irmãos, trabalhamos no comércio.
P/1 – Historicamente, Perus é um bairro formado por uma classe operária, de pessoas que trabalhavam em fábricas.
R – Sim.
P/1 – O local onde o senhor morava era uma vila operária? O senhor descreveria dessa forma?
R – Não, não. Próximo de onde eu morava, né, a rua tem...Onde minha mãe e meu pai moram é de frente com a linha ferroviária, né, então próximo à Estação Ferroviária, tudo. Mas já era um bairro que, começou com a parte de cimento, né, a Perus que a gente normalmente fala. Mas teve outras empresas, outras fábricas na região, a Voight, que é em Jaraguá, que muitas pessoas vieram trabalhar nessa empresa e acabaram ficando no bairro de Perus e crescendo ali, né? Então eu acho que é meio a meio, né, não dá pra falar que é totalmente operário hoje. Sempre teve os dois lados, né?
P/1 – E voltando pra escola agora; aliás, pra época que o senhor começou a trabalhar naquela lojinha, de lá o senhor foi pra uma indústria de reciclagem?
R – Sim.
P/1 – Como é que foi esse contato, como é que foi essa passagem?
R – Foi uma prima que trabalhou nessa Empresa e precisava de um garoto pra fazer a parte de banco, né, office-boy, e ela me indicou, né? Então ali que a gente fala hoje, que comenta muito de reciclagem e tudo. Só que naquela época eu trabalhei com isso, né, e nem imaginava o que é que seria, o que viria a crescer e a falar direto em reciclagem. Lá era uma reciclagem de metais; eles tiravam aquela sucata e extraíam o chumbo, a parte de, essa parte de material. Então, desde aquela época já tinha isso daí e a gente não se dava conta, né?
P/1 – E onde era essa indústria?
R – Era paralela à Rodovia Anhanguera ali, na entrada mesmo de Perus. Perus tem duas entradas: uma pela Anhanguera, Rodovia Anhanguera, e outra pela Raimundo Pereira de Magalhães, né, que é a famosa Estrada Velha de Campinas. Então, eu ficava na Anhanguera ali.
P/1 – Bom, e como é que foi a sua trajetória dentro dessa fábrica? O senhor começou, entrou como office-boy...
R – Trabalhei como office-boy; depois comecei a ter contato mais com a parte de administração, de, era o faz tudo, né? Eu ficava meio período dentro do escritório ajudando na parte de – naquela época não tinha xérox – então era tudo mimeógrafo, né, e eu ajudava a fazer essa parte. E alguma coisa ali na parte de escritório mesmo, RH, e à tarde ia pros bancos, daí eu pegava e vinha pro centro de São Paulo.
P/1 – Foi nesse período que o seu horizonte se expandiu de uma certa forma, dessa necessidade de viajar, de andar por São Paulo?
R – Ah, sim.
P/1 – Tem alguma lembrança especial desse período?
R – Tenho, tenho uma coisa assim de que eu era o único office-boy assim que, vendo né, que andava de roupa social por um simples motivo: uma vez eu fui a um banco, e cheguei no Banco e eu precisava falar com o gerente por causa da Empresa. O cara olhou: “Ah, espera um pouquinho.” Eu estava com calça jeans, tal e tênis e tal. E eu vi que chegou um outro rapaz que trabalhava numa empresa e era uniforme social. Ele chegou e tal e tal, o cara mandou sentar, ofereceu uma água. Aí eu vi a desigualdade de você estar na sociedade bem vestido, né, ou mais simples. E daquilo ali eu já comecei a perceber como era a vida, as diferenças. No outro dia eu fui e falei pra minha mãe: “Eu preciso comprar uma calça social.” E aí eu comecei a trabalhar assim. E era batata, eu cheguei no mesmo banco, mesmo período, mesmo gerente, “Quero ver isso aí.” Ele chegou: “Ah, senta aí um pouquinho.” Então, sempre essa desigualdade.
P/1 – Faz a diferença.
R – Faz a diferença. São coisas que vão marcando a gente, na vida da gente, né?
P/1 – E esses caminhos que você percorria pela cidade, como é que eles eram feitos, de ônibus, de trem – metrô não existia na época?
R – Ah, de ônibus ou a pé mesmo. Aquele Viaduto do Chá ali você atravessava umas 20 vezes; você deixava os borderôs, as coisas num banco, aí tinha um outro banco do outro lado e você deixava, né, ia demorar você já deixava com uma pessoa você vai conhecendo. Ia pro outro lado, ia fazer alguma parte do público né, do Ministério. Então ali era correria mesmo.
P/1 – Por que era necessário se deslocar de Perus pro centro da cidade? O que não tinha lá em Perus que só tinha no centro?
R – Banco né, na época acho que tinha um banco só, que era o Bamerindus e tal. E como não tinha a área de informática – que hoje você faz tudo n鬖 então os títulos você teria que pagar pra cada banco, ir em cada caixa. Então você rodava no período da tarde ali uns dez bancos e cartórios, era tudo uma correria mesmo.
P/1 – Esse período na fábrica de reciclagem durou quanto tempo?
R – Eu fiquei lá três anos, três anos; acho que até os 17 eu fiquei lá. Aí aos 17 eu acabei saindo dessa fábrica e voltei pro comércio. E foi um colega que estava montando uma lanchonete e eu fui ajudar ele também na lanchonete. Aí voltei novamente pra parte do público né?
P/1 – E o senhor sabe me dizer por que o senhor resolveu voltar pro comércio, o que te atraiu de volta pra isso?
R – Ah, na época eu fiquei desempregado assim né, e foi uma oportunidade também, uma coisa que eu gosto, o outro lado, que é a parte de alimentação. Eu gosto, gosto de cozinhar, gosto de fazer. E ali foi um... A lanchonete era à noite, deixava aberta à noite, ia até madrugada, e durante o dia precisava de alguém. Então eu abria a lanchonete, fazia limpeza e tal e ia atender o pessoal na hora do almoço até a tarde.
P/1 – E onde era essa lanchonete?
R – Em Perus mesmo, Perus mesmo.
P/1 – E essas atribuições lá eram quais?
R – Todas também.
P/1 – Inclusive cozinhar?
R – Cozinhar, fazer lanches, que era mais lanche, né? Então já tinha um gostinho por fazer e era muito bom.
P/1 – E foi difícil pra você aprender esse serviço ou já tinha...?
R – Não, não, até quem me ensinou foi a, na época a noiva dele, que hoje é casada com ele, são casados e tudo. Estão no comércio de Perus ainda e me ensinou, sabe, foi fácil, se você gosta. É uma coisa que eu me realizei também, nessa parte, né? Daí eu fiquei, a gente ficou lá por uns dois anos, daí eu fiz 18 anos e saí da fase de exército né, que o grande vilão na época era a questão de exército e tudo. Não servi, e daí eu voltei e fui procurar emprego de novo.
P/1 – Bom, vamos falar um pouquinho ainda desse período. Como é que foi pro senhor conciliar trabalho e a escola? O senhor lembra de alguma dificuldade maior? Chegou a querer ficar só em um ou só em outra?
R – Olha, tem horas que sim; tem horas que você fala: “Putz, ralar o dia inteiro, depois estudar à noite?” Se bem que ali era fácil porque eu estava perto de tudo. Como eu morava ali, estudava no próprio local, então se conciliava mais fácil, né? Depois de um período eu comecei a estudar fora. Daí vim pra Lapa, estudei em Pirituba também, né, mas assim, dificuldades sempre há, sempre tem. O cansaço acaba tirando você um pouquinho do conforto: “Puxa, eu podia estar descansando agora, e vou estudar.” Mas o estudo é a base de tudo.
P/1 – Ter um aluno que estudava e trabalhava era corriqueiro na época ou era o senhor que era mais diferente, que trabalhava também?
R – Não, não.
P/1 – Os colegas também trabalhavam?
R – Todos, todos. E ainda não tinham o privilégio, que nem no meu caso, de estudar e trabalhar no mesmo local, no mesmo bairro. Então o pessoal tinha que pegar o trem de manhã, cinco e meia, seis horas até chegar no trabalho. Muitos trabalhavam em banco ou indústria fora e depois tinham que estudar à noite. Então, isso eu digo que tive um pouco de privilégio.
P/1 – E pelo fato de já ter essas experiências com trabalho o senhor pensou também em encaminhar seus estudos focando alguma atividade específica ou nunca pensou em...?
R – Olha, nunca assim... Não digo meio frustrado, mas assim, eu tinha uma...Gostava da área médica, sempre tinha um deslumbramento, alguma coisa assim. Mas vi que era muito difícil; era muito difícil, e aí você teria que optar: ou trabalhar ou estudar porque teria que ralar muito pra você passar numa faculdade, uma FUVEST ou alguma coisa. Aí que deu uma balançada e aí... O que faz? Mas eu sempre gostei de ser independente, sabe, de ter meu dinheiro, de não ficar dependendo muito dos meus pais. Então acho que isso que foi trilhando essa questão, deixei isso daí de lado. Terminei meu segundo grau normal e fui trilhando a questão de profissão mesmo, né, de trabalho no comércio, na indústria.
P/1 – Então o senhor estava com aquela experiência na lanchonete, fez 18 anos e saiu da lanchonete?
R – Sim.
P/1 – Já com toda essa bagagem que era grande na época, pra um garoto de 18 anos. E aí como é que eram, quais eram as suas perspectivas nesse momento?
R – Daí surgiu uma empresa multinacional que ficava próximo né, no bairro do Jordanésia ali, que é Cajamar, Jordanésia. Uma multinacional alemã. E eu fiz uma entrevista e fui trabalhar, na época, era Departamento Pessoal, RH, nessa empresa. E ali que foi o começo assim, dessa parte, já com 18 anos, dirigia e fui trabalhar nessa empresa, né, fiquei lá por dois anos. Então, ali foi um alicerce, vamos dizer, da parte administrativa mesmo. Era uma metalúrgica e tinha muitos funcionários; era subsidiária da Mercedes Benz. Então, eles tinham dois segmentos: um segmento era a parte agropecuária, pivôs de irrigação e o outro segmento de motores de navios, barcos, corvetas. Então eram os dois extremos, você via que um cuidava da parte de plantações e tal e o outro com barcos luxuosos. Então, aí que eu fui conhecer uma outra parte, que é essa parte metalúrgica, né? Operários de greve, eu peguei uma greve lá, então é tudo, você vai sugando lá, aprendendo.
P/1 – Era em Perus também essa metalúrgica?
R – Não, ela ficava próximo, ficava... Não sei seJordanésia é considerado um bairro ou uma cidade. Cidade é Cajamar e Jordanésia seria um bairro.
P/1 – A gente sente, pelo que o senhor falou dessa lembrança, que foi um grande aprendizado pra você.
R – Sim.
P/1 – Em quais sentidos, o que o senhor aprendeu que carrega até hoje, que consegue elencar?
R – Dessa segunda fase, vamos assim dizer?
P/1 – É.
R – Aí que você vai conhecer a indústria, né, você vai conhecer... Você ter limitações, você ter horários, você ter disciplina, né, por trás. Aí que eu falo – porque eu sempre trabalhei com o público¬– no Departamento Pessoal, no RH, você está ainda trabalhando com o público, você está trabalhando com os funcionários, na época eram duzentos e poucos funcionários; então sempre está ali dentro. Nessa mesma empresa depois eu saí do RH e fui trabalhar com compras, ajudar no Departamento de Compras. Então você já começa a fazer uma outra função, né, externa também, você nunca sai. O comércio – eu penso assim –o comércio, independente do que você está fazendo, você está vendendo alguma coisa. Você está vendendo a sua imagem, você está vendendo uma melhora, é uma parte diferente de estar trabalhando, sempre trabalhando com o público.
P/1 – E na sua profissão, assim, essa sua trajetória é comum ou aconteceu com o senhor, especificamente?
R – Olha, eu vejo assim, não é muito comum porque as pessoas trilham, focam numa coisa: “Olha, eu vou ser isso e vou fazer essa trajetória a isso.” Não fica olhando nas laterais. E eu nunca pensei assim em objetivo, uma coisa. A vida vai nos levando. Então vão aparecendo oportunidades e vai trilhando, vai tropeçando, porque não é só louros, tudo tem as suas fases, é muito difícil. Então é muito difícil hoje em dia. Mas hoje em dia você percebe que as pessoas são bem focadas: “Não, eu vou ser isso e vou fazer isso.” E aí que entra uma parte que eu falo que não tenho muita frustração e as pessoas têm, põem um objetivo naquilo e não conseguem e acabam se frustrando.
P/1 – Qual é o resultado dessa formação diferente que o senhor teve? Foi benéfico? O senhor olha hoje pro passado e o que o senhor sente? Foi benéfico, foi bom ter passado por várias áreas, ou o senhor preferia ter evitado certas coisas?O que o senhor pensa disso tudo?
R – Eu acho que foi, acho que você acaba assimilando várias funções, vários conhecimentos, e eu acho que foi bem, né? Hoje eu tenho jogo de cintura, pode-se dizer assim, eu tenho mais jogo de cintura.
P/1 – E essa preparação toda lá na metalúrgica, depois que o senhor saiu da metalúrgica, aliás quando o senhor saiu da metalúrgica como é que o senhor utilizou essa preparação que o senhor aprendeu lá?
R – Olha, dessa empresa eu fui trabalhar – deixa eu tentar lembrar um pouquinho – aí eu fui pra parte comercial. Então, eu fui trabalhar numa empresa na Hermes Macedo, que era pneus e essas coisas. E aí voltei pro balcão novamente; fiquei um período lá, tipo um ano ou alguma coisa assim. E aí eu saí e acabei indo trabalhar numa outra, aí que eu entrei no ramo que eu estou até hoje, no ramo médico. Eu fui trabalhar em Alphaville, em Tamboré ali, numa empresa, a Dräger, uma multinacional, e ela tinha dois segmentos; o segmento de proteção respiratória, a parte de máscaras,EPIs, e tinha o segmento médico, que era a parte de respiradores e aparelhos de anestesia. Então ali que foi... Era uma vaga, mas não estava definido; era a parte de vendas internas, mas o segmento não estava definido. Aí, na primeira semana definiram, que nós éramos no setor quatro vendedores e ficou três pra área de respiradores, a parte industrial e eu fiquei na parte médica, né, equipamentos e alguns produtos assim, dando, vamos auxílio aos vendedores externos.
P/1 – Deixa eu entrar, então, na parte hospitalar. Então, lá na loja de pneus o senhor voltou pro balcão. Qual foi...O que essa experiência da volta te trouxe?
R – É, foi um outro segmento que, a gente tratava muito com pessoas, né? Ali ainda na região, era na Santa Marina; então tinha várias empresas, pneus voltados para caminhões, né? Então o forte deles nem era pra automóveis e utilitários, e, sim, caminhões. Então aí entrou a parte de caminhoneiros e depois o pessoal que vinha de outras regiões, né, então foi isso daí. Foi legal, tudo é uma experiência, cultura diferentes, pessoas diferentes.
P/1 – Foi a partir desse emprego que o senhor conseguiu entrar nessa área hospitalar? Como é que se deu esse contato, foi uma escolha sua ou foi uma oportunidade que apareceu?
R – Não, foi por um acaso. Eu acho que eu fui numa agência de empregos, acho que na Lapa. E eu tinha saído da Hermes Macedo; e eu fui fazer uma entrevista e aí falaram que tinha essa vaga em Tamboré; Tamboré, Alphaville.
P/1 – E aquela admiração que o senhor tinha pelo mundo, principalmente pelo mundo da Medicina, isso influiu na sua escolha? O senhor chegou a pensar nisso naquele momento?
R – Não, aí é que tá, foi um acaso porque eu nem sabia o que a empresa fazia. Depois que eu fiz a entrevista, tal e aí ela falou: essa empresa é disso e disso, né, e tem duas vagas, só que não sei qual que é o setor que você vai ficar. E depois de uma semana acabei ficando na área médica e foi um acaso mesmo e nessa parte eu fiquei bem contente.
P/1 – E o senhor já conhecia um pouquinho desse comércio, o senhor já sabia por exemploda existência da Rua Borges Lagoa que era voltada pra isso, ou naquela época ainda não existia?
R – Existia, a Borges Lagoa mesmo,essa parte é bem antiga e... Só que eu não conhecia, né? Eu fiquei, por dois anos eu fiquei na parte interna e depois eu fui promovido e fui pra parte externa, né, aí é visitação em hospitais, clínicas. E daí que fui conhecer a Borges Lagoa, era muito famosa naquela época e tudo. E daí como tinha que atender hospitais dali da região, que era o Hospital São Paulo, Hospital Edmundo Vasconcelos que na época era do Bradesco e hoje ainda é, mas é um hospital de referência do Bradesco. E dessas andanças aí fui conhecer as cirúrgicas ali.
P/1 – Quais foram as principais dificuldades nesse início? Era necessário o senhor aprender o nome dos equipamentos e saber a serventia, ou nesse início não era necessário, como é que era?
R – Não, era, era. Uma era a questão de ser uma multinacional e a maioria dos catálogos e tudo, vinha em inglês, então aí que já... E eu nunca fui muito bom nessa parte de inglês e tal. Então era uma dificuldade você aprender, você fazer uma tradução ali, você pegar um dicionário e ir fazendo. Nós tínhamos... Tinham os gerentes que faziam a tradução total e nós íamos vendendo. E o dia-a-dia do hospital, você vai aprendendo, porque o médico – na época – ou o fisioterapeuta, a parte respiratória, tinha que fazer regulagem no equipamento. Então você vai aprendendo, vai assimilando, vai acompanhando. Então, o trabalho, a literatura te traz ali, o papel tudo aceita. Só que o negócio é manusear, é você pegar o produto e manusear. Então essa é a diferença, essa daí que você começa a aprender mais.
P/1 – Vamos trocar a fita? Vamos fazer a primeira pausa.
TROCA DE FITA
P/1 – Então a gente estava falando dessa sua entrada no mundo do comércio de material hospitalar.
R – É, mais na indústria, né?
P/1 – Na indústria. Tem como o senhor descrever pra gente como é que foi essa trajetória, dos postos que o senhor foi ocupando nessa entrada?
R – Certo. Eu comecei com venda interna, daí eu fui conhecer os produtos, tudo. Depois de dois anos fui pra área externa, daí que eu fui conhecer o mundo de hospitais, clínicas, né, e disso também fui conhecer o comércio, né?
P/1 – O que é essa venda interna, exatamente, como é que funciona?
R – A venda interna são os hospitais, compradores. O pessoal ligava para nós, e de repente... Um exemplo, a gente fabricava fluxômetro, que é aquele pra você pôr oxigênio, pra regular o oxigênio. A gente fazia essa venda por telefone. A gente tinha, essa empresa, ela tinha um produto chamado cal sodada, que é um sistema de granulados que fazia filtração, o filtro ia dentro do aparelho de anestesia. Então a pessoa que estava no centro cirúrgico, ela eliminava o CO2 e passava pro processo de fazer a filtração. Então aí já entrava a compra dos hospitais.
P/1 – E o senhor se recorda quais eram os hospitais que faziam as compras ali ou se eram hospitais da cidade toda?
R – Ah, toda, toda. A gente trabalhava muito com particulares né, o Einstein, Sírio, Nossa Senhora de Lourdes, né, Santa Casa. Então, geral.
P/1 – Tinha cotações de hospitais de outras cidades, outros estados?
R – Sim, o Brasil inteiro.
P/1 – E como é que era: eles ligavam e faziam uma encomenda de dez caixas de um produto x, era mais ou menos assim, como é que era?
R – Isso, isso, a necessidade dependendo do produto e se fazia a venda, ou pode-se dizer mais um atacado, em geral. Normalmente, tinham vários itens, tanto essa parte de produto cal sodadacomo a parte de pode-se dizer acessórios:traquéias, respiradores, fluxômetro. A gente tinha outros produtos que você... Onde vai o anestésico... Tem o filtro que você faz a parte de... Fugiu o nome, realmente fugiu o nome. Um que você tem que administrar, dosar o anestésico na hora da cirurgia. Então esses produtos vendiam bastante.
P/1 – E a gente está falando de qual ano exatamente, de que época?
R – 1992, 1994.
P/1 – E numa época pré-internet ainda, né?
R – Sim.
P/1 – Como é que era o contato, ainda, vamos supor mais parte de...?
R – Telefone, fax, acho que ainda naquele tempo era o telex, né? Então era bem o começo mesmo de computador. Computador quem tinha era o gerente. A gente começou a trabalhar com essa parte de computador naquelas telas verdes ainda, era bem remoto ainda.
P/1 – E as entregas, como é que eram feitas? Eles iam buscar ali na fábrica ou a fábrica despachava pra eles?
R – Não, despachava, né? A gente tinha um carro próprio que fazia as entregas, mas normalmente eram as transportadoras que vinham coletar ou o correio, iam pelo correio.
P/1 – E disso o senhor passou pra venda externa?
R – Isso.
P/1 – Pode explicar pra gente o que exatamente é a venda externa, como é que funciona?
R – A venda externa você começa a visitar o centro cirúrgico, na parte de anestesia que tinha carros de anestesia e UTIs, que era a parte de respiradores. Então aí você começa a confrontar, começa a conviver com essa parte. E tem várias histórias disso daí, sabe? Até na época eu estava visitando com um gerente de produtos o Hospital HC. E no HC tinha uma ala que era a PI, que era a Paralisia Infantil. E quem estava reequipando essa ala era o corredor Ayrton Senna. E tinha o Paulinho, que se eu não me engano até hoje está lá ainda. E na época ele tinha uns 20 e poucos anos, praticamente ele nasceu com paralisia e ficou no Hospital. Então, foi uma coisa assim que marca a minha trajetória. Eu cheguei: “Ah, vocês vão colocar um respirador na PI.”, né? “Ah, tudo bem.” Cheguei lá era um quarto que tinha uns cinco pacientes, o Paulinho e mais quatro, tinha uma menina e tal. E ele com um respirador muito antigo. E respirador, os antigos é só ar, que fica funcionando, e ele depende do respirador 24 horas. E o da empresa que a gente trabalhava, da Dräger, ele tinha um aquecedor. E daí a gente, putz, quando a gente chegou ali a pessoa imóvel e tal, ter que pôr ali, ter que fazer uma troca e tal de respiradores a gente já fica meio apreensivo. E pras enfermeiras e pros médicos é uma coisa normal. Aí a hora que a gente colocou o respirador nele, ele virou assim: “Nossa, tio, que gostoso; agora o ar é quentinho.” E mais que isso, ele mesmo já tinha uma vivência com aquilo ali, ele pegou... Ao invés do médico regular o fluxo e tal, ele que começou a regular. “Ô tio, põe um pouquinho mais de pressão.” E a gente foi pra mostrar o produto e ele acabou dando a aula pra nós de como o nosso produto funcionava, sabe, ele sentindo o que era melhor pra ele. Isso daí levo pra vida inteira. Porque que a gente reclama, né, da vida? E foi justamente na época que o Ayrton morreu, o Ayrton Senna, e ele tinha acabado de ganhar o computador notebook do Ayrton Senna. Então, ele era, ele acabou virando um desenhista de web, naquela época estava começando tudo e ele estava ali e muito contente, muito feliz. Incrível que a gente ficou assim, a gente fazia demonstração e ficava uns 15, 20 dias lá. Naquele caso a gente acabou deixando quase seis meses porque cada vez que a gente falava: “Putz, precisamos retirar o respirador.” A gente pensava assim: “E aí a gente vai retirar o respirador e pôr aquele antigo dele sem recurso nenhum?” E o cara estava se dando muito bem com o respirador e tudo. Então entra essa parte que você, você tem como dar um Mercedes pra pessoa, né, e tem que voltar no Fusquinha? Coisas que a gente vai... Gratificante, né?
P/1 – E nessa parte da venda externa então era corriqueiro você apresentar um produto pro cliente, instalar o produto e depois ver se ele comprava ou não, era assim que funcionava?
R – Sim, porque o que acontecia,nessa parte de... Nessa parte de produto você ia, apresentava, eles testavam, ficava um período no hospital, e disso se formava a opinião para o médico passar pro Departamento de Compras pra entrar numa... Abria uma licitação, se era um órgão público, ou numa compra, que daí já envolvia valores grandes agregados para o hospital adquirir o produto. Então você sempre tinha que mostrar pra eles, eles pegarem confiança e verem a diferença no mercado pra depois acontecer. Até teve um caso também de um – que eu me lembro agora – de um berço, era importado, era alemão, e teve uma criança, um recém-nascido, que parece que ela nasceu com duzentas ou trezentas gramas; era muito pequena, era alguma coisa assim, ou um quilo e duzentas gramas. Era alguma coisa assim, prematuro mesmo. E o que tinha no mercado não supria a necessidade dela. Aí ligaram pra nós pra ver se a gente emprestava o que a gente tinha, porque tinha outros recursos e tudo, não lembro o hospital. E aí a gente acabou levando esse berço e a criança com dois meses, três meses, ali dentro ela ganhou peso e conseguiu sair do berço, aquecido e tudo e começar... Então a gente sempre tá ali, essa parte me mostrou que eu estava sempre próximo entre a vida e a morte de uma pessoa. Então é aí que você vê a excelência, a questão do produto de qualidade, de primeira linha mesmo.
P/1 – O senhor julga que esses casos que o senhor enfrentou é uma coisa que te traz uma coisa a mais no seu trabalho, é uma coisa que faz você querer continuar na área?
R – Sim.
P/1 – De material hospitalar?
R – É que nem um médico. Poxa, o médico ele passa anos estudando, anos. Mas o que vai apresentar pra ele mesmo o grande conhecimento é no dia-a-dia, ali essa satisfação de ter conseguido você transcrever o que ele aprendeu na parte de estudo, na parte teórica e depois na prática, é ali que mostra mesmo.É uma satisfação, né? A gente se depara com muitas coisas assim, tenho colegas médicos e, putz, a realização ali, dele salvar uma vida ou prolongar uma vida, acho que ali, a primeira vez que consegue aquilo ali já paga tudo que passou no estudo, no dia-a-dia, de madrugadas estudando. E a gente, do outro lado, você trabalhacom equipamentos, você trabalha com produtos pra melhora. Isso daí é uma satisfação.
P/1 – Então, o trabalho de apresentar os produtos exigia que o senhor tivesse um conhecimento técnico do equipamento pra poder instalar ou tinha uma equipe que fazia essa instalação?
R – Tinha uma equipe. A gente vai adquirindo conhecimento, mas tinha o gerente de produtos, que normalmente era biomédico. Porque aí tem a parte funcional, tem a parte de regulagem do aparelho, né, então tudo isso daí. Nós acompanhamos; você como vendedor, você tem que ser praticamente um técnico. Pra você dar as informações preliminares do que aquele aparelho provém. Mas sempre com base, com o gerente de produtos e com o pessoal técnico.
P/1 – A sua área comercial era muito articulada com a área de desenvolvimento de produtos?Existia esse setor ou como é que era?
R – Existia, mas como nós éramos... A empresa era subsidiária, uma filial da Alemanha, então essa parte de desenvolvimento ficava mais lá, né? Então quando tinha algum, uma diferença, uma modificação, daí o gerente que pegava, coletava esses dados e mandava pra nós porque se de repente tinha algum outro aparelho, algum outro produto que se encaixaria pra isso.
P/1 – O senhor sabe se na época tinha alguma empresa brasileira que produzisse aqui esse tipo de material com uma tecnologia semelhante à de lá?
R – Olha, não. Tinha...Tem vários concorrentes nacionais, Takaoka, Dix, tal. Mas o que a gente trazia de fora, que vinha pra empresa era uma coisa assim que quando os médicos olhavam, deslumbravam, que estava muito à frente do que teria no Brasil.
P/1 – Tem como mensurar diferenças no nível de tecnologia?
R – Não, não é bem... Porque na verdade já tinha outras; Siemens, que era concorrente. Tinham outras empresas que traziam essa parte de importados, né, então nacional mesmo era... A disparidade, posso dizer, era muito grande na questão de recursos, e avanços que tinham, que vinham nos produtos importados.
P/1 – E falando de indústria ainda, essa situação persiste ainda hoje ou o Brasil consegue equiparar um pouquinho já? Como é que está hoje essa situação?
R – Olha, eu acho que ainda tem, porque o Brasil é mão-de-obra nessa parte de equipamentos,ainda supre. A gente vê constantemente os países, a Alemanha, os Estados Unidos, trazendo produtos. Hoje, uma infiltração muito grande da China, Coréia, até essa semana tive uma reunião com um distribuidor aqui e a Coréia está vindo com produtos com uma qualidade superior batendo com a indústria americana, a indústria alemã, que já tem um know-how disso daí e deixaram um pouquinho a China de lado, então muita coisa. O que acontece muito é a nacionalização dos produtos, traz de fora tudo, vamos dizer, tudo picado, tudo desmontado, e monta-se no Brasil e faz a nacionalização aqui no Brasil.
P/1 – Mas é comum que venham peças de diferentes países e que aqui seja montada uma máquina diferente com várias tecnologias?
R – Sim, acho que sim.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho a falar do seu emprego lá nessa indústria de produtos hospitalares. O senhor era o contato entre a indústria e o comércio e os clientes que utilizariam nesse caso, né?
R – É, nesse caso é uma ponte entre...
P/1 – Indústria e hospital?
R – Indústria e hospital.
P/1 – E era como, o senhor tinha uma carta de hospitais que só o senhor atendia?
R – Sim, sim.
P/1 – Cada vendedor tinha uma?
R – Cada vendedor tinha uma região e tinham uns hospitais, né? Normalmente você tinha um top, um hospital top e depois outras classificações: um A, um B e um C.
P/1 – Qual que era a sua região?
R – A minha região, na época eu atendia o Edmundo Vasconcelos. Aí que está, pela classificação, às vezes eu atendia um na zona sul, mas também atendia o Geral de Taipas, aqui na região oeste. Então, não tinha uma região fechada mesmo, mais por hospitais.
P/1 – E essa passagem da indústria pro comércio como é que foi? Em que ano que se deu?
R – Então, teve uma reestruturação da empresainterna, com gerência, tudo e daí a gente optou por sair, até praticamente sair a equipe toda. E aí eu fiqueidois anos trabalhando com um pessoal que montou uma empresa de resgate, de material de resgate em espaço confinado, né, com uma parte... Como explicar...? Voltada pra indústria. Então, a gente montava... As indústrias; teve uma época que tinham ambulatório médico. Aí vieram os planos de saúde e tal, e começou a tirar um pouquinho. A indústria fechava o ambulatório médico e passava tudo pra ser atendido no pronto socorro da cidade ou no hospital da cidade. E desativaram, né? E nessa época que a gente saiu,a gente viu que a indústria estava retomando a parte de montar o ambulatório médico, junto com o pessoal de segurança do trabalho. Então era ter um médico ali... Porque tinha coisas que a pessoa tinha se deslocar do local de trabalho, ir até uma cidade, ser atendido pelo médico tal e começou... Então viram que para a indústria era mais fácil ter um médico ali e fazer as consultas ali mesmo, questão de jornadas de trabalho e tudo. Daí nós pegamos e começamos a trabalhar, montar esse ambulatório médico novamente, começar a vender produtos. Daí que eu voltei pra comercial nessa parte de indústria. Nisso fiquei dois anos. Daí como você vai fazer o bolso né?Vôo solo, com sociedades...? Daí não deu muito certo e eu disse: “Não, não é por aí.” Foi aí que eu procurei novamente no segmento e eu entrei no ramo de material de consumo, material médico de consumo na Rua Borges Lagoa. E chegamos lá na famosa Borges Lagoa.
P/1 – Então vamos lá. Como é que foi feito? Foi um convite que foi feito, ou o senhor que bateu na porta?
R – Não, foi uma agência, uma agência de emprego, e eu vinha da área médica e tinha um... Eles estavam procurando um gerente de loja, para uma empresa também bem conhecida no mercado, a Rimed. E aí eu fui fazer uma entrevista, ainda era a sede deles na Cayowaá, e então tudo bem. E aí eu fui, fui aprovado e tal e fui trabalhar. Daí ele falou: “Só que não é aqui, é numa loja que nós montamos agora, faz um mês, na Rua Borges Lagoa.” Daí eu fui pra lá. Aí é que foi uma outra parte... O segmento médico tem vários nichos, vários, e tal. E daí que eu fui trabalhar com consumo, era uma loja que era mais de consumo mesmo, tanto para o paciente, como para o médico, pra clínicas, hospitais. Daí eu entrei na parte do consumo.
P/1 – O que é esse nicho do consumo, que tipos de materiais são comercializados?
R – De tudo, gaze, curativos, vamos dizer, a parte de instrumentos cirúrgicos, parte de cadeira de rodas, então, luvas de procedimentos, aparelhos, estetoscópio, otoscópio, daí você já pega tudo, é o geral mesmo.
P/1 – E agora vamos falar um pouquinho sobre a Borges Lagoa, vamos fazer um parêntese pra falar sobre a Borges Lagoa.O senhor já tinha ouvido falar da importância da Borges Lagoa nesse comércio hospitalar mesmo antes de trabalhar lá?
R – Sim, na indústria.
P/1 – Por que se deve isso, por que as lojas se concentram lá, na sua opinião? O que aconteceu ali pra ter esse processo?
R – Olha, eu não sei. Acho que primeira loja que teve na Borges Lagoa, se não me engano, tem a Cirúrgica São Paulo, que hoje, até hoje existe, lá a Universal. E tem a Cirúrgica Fernandes, né? A Cirúrgica Fernandes é uma tradicional empresa, tem acho que mais de cem anos no mercado, e começou com... Não sei se eles começaram com uma loja lá na Borges Lagoa e depois eles foram e montaram uma parte de distribuição. Hoje eles são um dos maiores distribuidores de produtos médicos, de consumo, hospitalar... A Cirúrgica Fernandes que é uma tradição. E eu acho que começou essas duas lojas, né? A Cirúrgica Fernandes e a Cirúrgica São Paulo ali.
P/1 – Ambas existem até hoje?
R – Não, a Cirúrgica Fernandes não. A Fernandes ela fechou a loja, não sei quando foi, né, e se dedica hoje à distribuição pro Brasil inteiro.
P/1 – O senhor sabe me dizer se essas lojas abriram na região por causa da existência de hospitais na região ou elas chegaram antes dos hospitais, como é que foi?
R – Eu acho que por causa dos hospitais. Eu não sei o Hospital São Paulo quantos anos tem, é bem antigo ali por ser um Hospital Escola, né, então... Mas eu acredito que foi por causa dos hospitais.
P/1 – E a gente estava até conversando fora das câmeras que não existem outros redutos de comércio de... Fortes redutos de comércio de equipamentos médicos, hospitalares, tirando a Borges Lagoa. Por que? Já houve movimentos pra formar outros centros de comércio assim? Por que não deu certo? O que aconteceu?
R – Olha, aí que tá. A Borges Lagoa é bem conhecida, acho que é por causa...Uma é por causa de ser a Faculdade ali. Muitos médicos se formam ali, compram o primeiro aparelho ali e acabam indicando. Só que a gente está esquecendo, é até uma falha minha, da Casa Fretin, que começou no centro de São Paulo, na São Bento ali e foi, acredito, que a primeira casa. Falam que foi cutelaria e tal, e começaram a vender produtos médicos ali. Então é uma tradição que acabou fechando há uns dez anos atrás, um pouco menos, mas acho que começou a Casa Fretin. E a Borges Lagoa acho que surgiu provavelmente com a Cirúrgica Fernandes, a primeira, depois veio a Cirúrgica São Paulo. Depois foi agregando, hoje temos lá acho que... Na rua são seis lojas de comércio de material hospitalar, né? Então acho que começou a abrir concorrências, e fortaleceu a rua ali.
P/1 – Então falando na concorrência, na sua opinião, o senhor que trabalhou no comércio, a concorrência é um fator que ajuda a dizer que aquela rua é voltada somente pra isso? Mas o fato também de ter vários concorrentes tão próximos também não prejudica o seu comércio? Como é que é lidar com essa concorrência, ajuda ou atrapalha no final das contas?
R – Olha, vamos voltar um pouquinho na história. Eu estava na Rimed, eu fui gerente da Rimed, fiquei por dois anos e saí da Rimed e fui trabalhar numa loja totalmente o contrário – contrário, não, mesmo segmento mas de um outro lado – eu fui trabalhar numa loja de ortopedia. Fiquei até bem impressionado, uma loja chamada Ortonil, uma loja depodologia, ortopedia e tal num shopping e ali eu fui conhecer, né? Na Rimed eu conheci a parte de consumo, depois fui conhecer a parte de ortopedia com a Ortonil. Fiquei um ano e pouco lá e daí fui trabalhar com propaganda médica, propaganda de uns produtos e acabei vindo pra uma outra empresa tradicional de São Paulo de ortopedia, que é a Palmipé, né? Então a gente, vamos sair um pouquinho da Borges Lagoa, depois a gente volta pra Borges Lagoa.
P/1 – Claro.
R – A Palmipé, hoje, está com 28 anos de mercado, e começou no Largo do Arouche. Eles são fabricantes de palmilhas ortopédicas em couro, uma coisa tradicional, e por oito, sete anos eu trabalhei na Palmipé. Daí eu fui gerenciar lojas de rua e loja de shopping da Ortopedia Palmipé. Daí eu fui conhecer outro segmento, no ramo médico, mas de ortopedia. E agora, em dois mil e... Final de 2008, o mundo dá voltas, e eu voltei pra Borges Lagoa. A Borges Lagoa tem uma loja que a gente reabriu, que chamava MedTec, que também já ficou 18 anos ali. É uma loja que era de chineses. Então aí que foi uma revolução, que contam pra mim, uma revolução do mercado, né, tinha a Fernandes, tinha a Cirúrgica São Paulo, e se não me engano tinha uma outra, Cirucam, uma outra loja do segmento. E vieram esses chineses e montaram uma loja e começaram a trabalhar com produtos médicos, hospitalar, porém com uma diferença: com um custo, um markup mais baixo que os concorrentes. E eles começaram a pegar toda essa, vamos dizer, esse nicho. E um atendimento diferenciado, assim, bem modo chinês, tem de tudo e tal. Foi aí que...Quando eu vim pra Rimed eu conheci um concorrente direto ali, né? E eu acho que o mercado tem pra todos, depende do... Aí que está, que eu volto a quando eu comecei; que depende do seu tato, do seu jeito de você atender um cliente, de você ajudar o cliente, né? Eu acho que o comércio é assim: se você pensar que você só vai ter aquele cliente se você vender, você está enganado! Se você não tiver o produto, indica um concorrente, indica uma outra empresa, né? Eu costumo falar com o meu pessoal que se a gente não tem, indica outra pessoa.Porque você está fazendo uma prestação de serviços, está ajudando a pessoa. E mais nessa área nossa que é complicado. Depois a gente vai voltar antes de... Então eu vim pra Rimed, tinha esse concorrente. Em 2008... Aí eu fiquei na Rimed, saí e fui pra Palmipé, totalmente fora,não tinha nenhuma loja na Borges Lagoa, fui pra outras regiões e tal. E em 2008 fechou a MedTec, fechou literalmente, eles tiveram vários problemas e tal e acabou fechando. E por um amigo em comum foi oferecido ao dono da minha empresa, da Palmipé, o ponto pra se montar alguma coisa. Aí fomos conversar e montamos a Nova MedTec, que é uma empresa que eu estou, que eu gerencio hoje, há três anos.Agora em março, no dia 24 de março faz três anos. E daí veio aquele filminho de dez anos atrás, 12 anos atrás, eu estava do outro lado da rua. Agora estou, onde que era o meu concorrente agora estou reabrindo uma loja do antigo concorrente, mas montando a Nova Med Tec. E aí que entra a parte do comércio ali da região, né, eu acho que o que fortalece muito é essa parte tradicional das lojas estarem ali, de os estudantes, os médicos, se formando. A cada ano se forma um pessoal e as pessoas compram. Compram o primeiro otoscópio; o primeiro, vamos dizer, instrumental cirúrgico. Então acaba pegando esse vínculo. Eu até, vira e mexe, encontro algum médico que comprou comigo, tanto na Rimed, comprou na MedTec produtos, que foi o primeiro produto,ele foi lá como estudante e tudo. Então acho que isso daí acaba dando essa raiz ali e tal. E o próprio médico, ele está ali, ele está comprando e ele vai indicar. O paciente precisa de um produto, ou um aparelho de pressão, ou alguma coisa, o médico fala: “Pô, vai na Borges Lagoa...” Hoje a MedTec tem outras lojas, temos uma do lado da Santa Casa, temos uma agora recente perto do HC, Hospital das Clínicas, né? E uma coisa que é interessante, têm médicos que compram ali pro consultório dele, pra clínica dele e está do lado das outras lojas. E nós indicamos: “Tem outra loja.” e tal”. “Ah, não, mas eu prefiro vir aqui”. Então acho que tem também essa questão de raiz, de estar ali, o atendimento. Tem funcionários de hoje que são da antiga MedTec e está já há oito, dez anos ali, e o médico vem comprar com aquela pessoa. Então, já sabe o que precisa, indica, “Procura tal pessoa.” Eu tenho uma funcionária, a Rosa, que é um espetáculo. Ela começou do zero, não sabia nada. Ela conta hoje a história dela, assim ela era empregada do médico, e veio, surgiu essa oportunidade e ela... E hoje, da parte de curativos, ela conhece muito. O médico às vezes vem e pergunta pra ela o que tem de novidade, o que tem, sabe? Indica aos pacientes ela antes dele. Ou ele ou a enfermeira,
pra explicar um... O estômago, vamos dizer, uma placa de ostomia e tal: “Ó, vai ali na MedTece procura a Rosa. Ela vai ensinar pra senhora.” Então tem essa parte da confiança, né, porque esse lado, vamos dizer, da parte médica é complicado por causa disso: o médico tem que atender, ele tem mais não sei quantas pessoas na correria ali. Então ele, às vezes, prescreve um produto, um curativo ou uma coisa, mas ele: “Ó, vai procurar...” Mas não explica como funciona, não explica como vai ser utilizado. Então chega ali no balcão e o atendente tem que explicar, tem que... Então, uma coisa que a gente faz muito é a reciclagem. Isso daí das fábricas, dos fornecedores estar dando aulas e explicando a diferença dos curativos, diferença de aparelhos. É constante a evolução, há uma reciclagem.
P/1 – Por reciclagem eu entendo que vocês oferecem cursos pros funcionários. Tem um treinamento todo voltado pra isso?
R – Tem, tem.
P/1 – E isso é a tônica no mercado hoje em dia, todo mundo oferece esses cursos pros funcionários?
R – Sim, sim, tem que ter. Isso daí é diariamente a gente se depara porque o organismo sempre é diferente um do outro. Às vezes você tem uma irritação que está acontecendo porque você está usando um curativo ou alguma coisa, então você tem que ter conhecimento porque que está acontecendo aquilo lá. E até pra chegar pro paciente e falar: “Olha, procura o seu médico porque isso aí não está certo...”. Então, tem esse outro lado.
P/1 – Onde é que são feitos esses cursos e com que periodicidade?
R – Olha, normalmente faz na própria sede da empresa. A gente pega os fornecedores e eles vêm, tem a sua sala de reunião e acaba fazendo ali o treinamento. Quando tem vendedores novos, então sempre chama esse pessoal pra dar um treinamento. Aprendem com os antigos, que são os professores ali e... Mas sempre tem uma parte mais técnica de trabalhar.
P/1 – Andando ali pela Borges Lagoa a gente vê que além das lojas de material hospitalar, até mesmo materiais ortopédicos, as de roupas pra médicos, né, enfim. Existe algum plano, ou já existiu, ali na região; vocês pensam em fazer alguma coisa que reúna isso tudo numa loja só?
R – Olha, eu acho que é assim, você tem que focar o que é de melhor; se você começa a picar muito fica difícil. Nós temos uma lojade produtos cirúrgicos e tal e equipamentos, e ao lado, na Botucatu a gente tem numa esquina a área só de cadeiras de rodas, só de acessibilidade. Ali eu acho que é a pior parte que tem do nosso segmento, no sentido assim, pior parte não é que eu estou falando... Eu tenho um funcionário muito dedicado a isso, já está há oito anos ali, e ali você se depara com uma outra realidade, que é, a pessoa precisa usar uma cadeira de rodas. Então ele tem toda aquela rejeição, aquela coisa: “Putz,vou ter que ficar sentado ali na cadeira de rodas.” Então, tem a parte do estresse da família, que ocorreu um acidente, alguma coisa, a pessoa estánecessitando. Então ali, eu falo, ali é a parte mais complicada. Quando se juntam três pessoas pra comprar uma cadeira de rodas, eu falo que o meu funcionário fica louco porque cada uma dá uma opinião diferente e ele tem que apresentar tudo, ver o que melhor encaixa com a pessoa, pra necessidade da pessoa, e vem a questão de valores, né? Cadeira de rodas é assim, uma cadeira que custa duzentos reais e uma cadeira que custa 6 mil reais. Então, tem um leque muito grande de opções, então tem esse outro lado, né? A gente infelizmente se depara, é aí que entra a vida e a morte, pode-se dizer. A gente vende camas hospitalares; até às vezes a pessoa vai comprar uma cadeira de rodas, vai comprar uma cama, contente porque a pessoa está saindo do hospital, está indo pra casa. Porém, passam-se dez dias, um mês, e a pessoa vem a falecer. Aí é aquela ligação que você atende, que a pessoa está naquela coisa da perda do familiar, marido, filho ou irmão, e a pessoa fala: “Putz, o que você pode fazer pra mim? A pessoa nem usou.” Então, tem esse lado que, às vezes, trava você. Aí você tem que, é uma outra situação, é uma outra, você tem que tentar ajudar a pessoa. Então a gente tem que ser frio com tudo isso, mas tentando ajudar as pessoas.
P/1 – Então, sobre essa questão da concorrência, tem uma outra pergunta que eu queria fazer. Hoje em dia existem drogarias que são verdadeiras megastoresde produtos.
R – Sim.
P/1 – Elas chegam a ser concorrentes pra vocês, como é que é?Está muito longe ainda?
R – Olha, é concorrente porque tem o mesmo produto, vendem os mesmos produtos. Elas acabam atrapalhando. Drogarias e e-commerces que já tem produtos do nosso ramo, do nosso segmento, acabam atrapalhando. Uma porque é mais um produto que ele coloca ali pra vitrine dele na internet. A drogaria é mais um produto que ele coloca ali na prateleira pra pessoa num desespero ou está passando pegar tal e procurar. Só que não dá, você vai comprar um aparelho de pressão numa drogaria, é raro aquela pessoa que pega, tira o aparelhoda caixa, e explica o funcionamento, como vai ser. Diferente de nós que a gente tem três produtos, vamos assim dizer, que acabam coincidindo de venda, tanto na drogaria como no e-commerce e nas nossas lojas ou nas lojas do nosso segmento. O aparelho de pressão, meia medicinal e hoje, pode-se dizer, a parte ortopédica as botas de imobilização. Aparelho de pressão: a pessoa está indo comprar, você tem que explicar, normalmente são pessoas de idade. Então você tem que posicionar, colocar, mostrar como é, porque senão a pessoa, no desespero ou toma remédio a mais ou no desespero fica com a pressão mais elevada porque não está... Meia medicinal: você tem que tirar as medidas. Então tem que estar as medidas certas senão não vai ter eficácia nenhuma, né? E botas imobilizadoras, legal, você está com uma fratura no pé, o médico fala: “Vou engessar.” “Putz, engessar, tal, põe gesso, não vou poder tomar banho e tal.” Então o médico dá a opção de você colocar uma bota imobilizadora, né? Na internet tem, só que eles não explicam como você tem que calçar, como você tem que ajustar ela. Então a gente tem se deparado muito com clientes que acabam vindo na loja pra gente explicar como é que funciona. Pra ver: “Olha, está errado; comprei essa meia ela está larga ou está muito apertada, não consigo vestir.” Então a gente acaba ensinando, acaba mostrando porque, poxa, é ser muito radical e chegar: “Não, o senhor não comprou aqui e pronto.” Às vezes se depara com alguns lugares assim. Então a gente prefere explicar, prefere mostrar, né, então isso acaba atrapalhando um pouquinho,né? Porque a drogaria, o intuito dela é vender medicamento, o ganho deles é absurdo em cima disso daí. Então é mais um produto que está na prateleira pra pessoa pegar e levar. Só que é um produto que a pessoa não chega ali e pega um colete, vamos dizer, de imobilização, ou de alguma coisa: “Putz, é bonito; vou levar pra casa”.
P/1 – (risos)
R – Então, acaba... E internet, a pessoa acaba fazendo pesquisa de preço. Só que é mais um produto que ele tem lá e compra. A pessoa vai lá, vê aquele produto, compra; demora às vezes pra receber e quando recebe: “Putz, como faço, como visto isso daqui?” Então, tem esse lado que acaba atrapalhando, né?
P/1 – Agora eu queria que o senhor dissesse, do ponto de vista comercial, de lucros, qual é a diferença de ter uma loja de rua e de ter uma loja no shopping, como o senhor já trabalhou!? E qual é a diferença de ter uma loja na Borges Lagoa e uma loja que não é na Borges Lagoa? Desse ponto de vista, existe muita diferença?
R – Olha, diferenças não existem, assim. Uma que você trabalha com um produto que ele tem que estar numa margem coerente com o mercado pra você conseguir vender. É bem reduzida, não é nada assim absurdo o que você ganha. Shopping é mais complicado porque você tem os custos operacionais de um shopping. Você trabalha com funcionários em dois, três períodos. Normalmente, shopping chega no final do ano ou dia das mães, você tem um... O aluguel de um shopping no final do ano, em dezembro, é em dobro. Você paga o 14º aluguel, não, 13º aluguel; 14º, não. Décimo terceiro aluguel. As lojas, vamos dizer, que não é no nosso segmento, de roupas, de vestuário, conseguem. Tá na cara, é coisa patética. Você chega no final do ano, você vai comprar uma calça ela custa duzentos reais. Chega em janeiro, passou as festas, aquela calça está oitenta, cem reais. Então, está nítido ali onde é que ele tira o seu 13º aluguel. No nosso segmento, né, no nosso ramo, não tem como. Eu não vou pôr um aparelho de pressão, que chega no final do ano eu vou pôr ele a trezentos reais e chega... Não, por quê? O produto que você está vendo ali, a loja de shopping e a loja de rua tem que estar no mesmo preço. É concorrência, então você não tem um ganho, você tem... É complicado isso. Quem tem loja de shopping, uma empresa, no nosso segmento, no ramo médico ou da saúde, sabe, é complicado.
P/1 – É um segmento que favorece a loja de rua?
R – É, favorece porque... Uma porque você tem um nível só. Você não tem que fazer... Você faz uma promoção, às vezes, um desconto dependendo do produto pra chamar. Mas a questão de você ter preços diferenciados, é... E hoje em dia o cliente ele procura, ele pesquisa.
P/1 – E a diferença de uma loja na Borges Lagoa e de uma loja em outra rua, ou em uma rua que não é tão marcadamente desse tipo de comércio?
R – Olha, é, eu vejo assim, é questão de tradição. De as pessoas chegarem: “Onde que eu encontro tal produto?” “Olha, vai na Vila Mariana – é Vila Clementino mas todo mundo conhece como Vila Mariana ¬– e você vai encontrar.” Os médicos, eles já pegaram essa questão de ter uma certeza que a pessoa vai encontrar ali; vai numa rua ou nas outras lojas e vai acabar encontrando. É uma segurança para o médico indicar. Eu vejo assim, está ali o polo, questão da Faculdade, questão disso daí. Nós temos outras lojas, eu já comentei, ao lado da Santa Casa, próximo ao HC, agora tem loja em Jundiaí, também. Mas ainda têm pessoas que saem dali próximo pra comprar na Borges Lagoa. Então é muito tradição.
P/1 – Falando um pouquinho da loja em si, agora, gostaria que o senhor descrevesse pra gente, fisicamente como é a Nova MedTec? Como é que ela é, como está a disposição da vitrine, dos produtos? Essa da Vila Clementino?
R – É, a gente tenta setorizar, vamos assim dizer. O balcão, por quê? Hoje nós trabalhamos com quase dez mil itens, então vai de uma agulha ou um equipamento ou alguma coisa assim. Então a gente tenta ser uma coisa fácil para o próprio vendedor, né, o balconista está ali, o acesso prático do produto. Hoje a minha loja é do tipo de um “L”, nossa loja lá é tipo de um “L”. Então a gente tentou, logo que a pessoa entra é a parte de consumo; um pouco retirado tem a parte de equipamentos, os otoscópios, a parte de instrumentais, de cirúrgico e tudo. E a questão de meias medicinais, que hoje tem sido muito e tal, deixamos no fundo da loja porque é uma coisa assim, que você tem que pegar o cliente e tirar a medida da perna, tirar a medida da panturrilha. Então depende da forma, tem que pegar a adequada, porque tem a meia de compressão, tem a média, a longa, a curta, 3/4, 7/8, então tem isso daí. E junto com isso a gente tem o setor de próteses mamárias, pra pessoas que... Pra mulheres que acabam fazendo a operação, e tal.E o setor também que a gente deixa as malhas de compressão, pras pessoas que fazem pós-cirurgia estética e tal. Então a gente já tira ali um pouquinho, uma coisa mais privada pra pessoa.
P/1 – E a MedTec, a Nova MedTec aliás, quais são os horários que ela trabalha? Finais de semana? É importante ter uma loja aberta finais de semana também?
R – É a gente costuma brincar que se deixar 24 horas ligam... Que o chefe não nos escute.
P/1 – (risos)
R – Se deixar 24 horas você vai ter paciente, vai ter cliente porque... E nós hoje abrimos durante a semana das oito até as 18h30, às vezes passa um pouco e de sábado das oito até as 15 horas. Então o movimento é a pessoa que só tem o final de semana pra vir, ou um médico. Tinha um tempo que a gente abria às sete horas da manhã, né? Só que começou a ficar perigoso assim, porque eu tinha dois funcionários só que abriam... E tinha movimento? Tinha, mas aqueles médicos que estavam saindo do plantão acabavam comprando. Só que eu percebi que estava um risco de horário, só nós abertos ali na rua e tal. Então a gente tem que ver essa parte, de repente elementos entram lá pra assaltar, alguma coisa, tanto funcionário como cliente podem se machucar, então falei: “É melhor oito horas.” Oito horas está todo mundo, todos os comércios estão abrindo; então decidi deixar aberto às oito horas. Mas é aquele negócio, mais de sábado ou semana você está fechando a porta e tem uma pessoa que fica parada no trânsito ou está passando então se deixar aberto 24 horas, têm pessoas pras 24 horas.
P/1 – Tem algum horário que tem mais público que as pessoas vão lá: “Ó, esse horário enche...”?
R – Olha, é complicado na hora do almoço. Dá meio-dia até umas duas, duas e pouco é a hora que pega. Porque o enfermeiro sai pra almoçar, o médico sai, os pacientes vão ser, né? Tem aquele horário que às vezes sai do serviço ali próximo. Então é a hora de pico ali, nossa. Até eu tenho uma escala assim o pessoal que sai logo meio-dia pra almoçar e a maioria sai depois das duas, como entra mais tarde também, sai mais tarde pro almoço, principalmente pra suprir isso daí.
P/1 – E tem um dia que é o dia de maior movimento, sábado, por exemplo?
R – Não tem, não tem. Eu costumo dizer que comércio, o varejo é uma incógnita de como vai ser seu dia. E você trabalha com atacado ou você trabalha na indústria você tem “n” produtos no seu estoque. E você põe o seu pessoal de vendas pra telefonar ou pra oferecer, né, ou pra receber ligações, você tem aquilo lá no seu estoque, sabendo que você tem. Comércio, você abre as portas; o que vai acontecer durante o dia, o total, você não sabe. Você fecha no final do dia, você fecha as portas, daí você vai ver como foi o seu dia. É uma oscilação. Tem dia que enche de manhã:“Esse dia vai ser legal”, chega à tarde não tem movimento.
P/1 – E assim, têm períodos que, por exemplo, próximo ou depois do feriado que as pessoas vão fazer alguma coisa e quebram a perna. Existem esses períodos assim, de maior atendimento?
R – Tem, tem. Começo do ano já entra a parte de imobilização, a parte de ortopedia, o pessoal vem e... Segunda-feira também, é os atletas de final de semana, né? (risos)
P/1 – (risos)
R – Que vão jogar bola e tal. Então, normalmente segunda-feira é o dia que chega o pessoal lá pulando, então é uma muleta ou um imobilizador. Tem isso.
P/1 – E pensando nisso vocês fazem promoções, por exemplo, nesses períodos assim?
R – Não dá, é difícil né? (risos) É o que eu falo; a gente estava nos bastidores agora falando: “Putz, eu nunca posso falar pro meu cliente: volte sempre”. Pô, tem conotação de… Então é a mesma coisa que você fazer uma promoção pro...Putz, fazer uma promoção de muletas. (risos)
P/1 – (risos)
R – É meio… Então a gente tem alguns produtos...A gente atende muito estudante também, né? Então a gente faz promoção de algum produto. Mas na parte de – como o calor que tá – umidificadores, que já, né... Pro ambiente. Então a gente tenta fazer uma promoção de produtos nesse sentido.
P/1 – Talvez seja difícil pro senhor dizer, mas tem algum produto que se destaca ali como o mais vendido, o mais procurado ou não dá pra dizer que tem um ou alguns que se destacam?
R – Não dá, sabe. É o que eu falo, a gente tem uma linha de dez mil itens pra vários segmentos, né? Então aquele produto que é o carro-chefe... Não, eu tenho, a gente vai mensurando, a gente tem uma curva A, B, C e tal. Então têm alguns fabricantes, alguma linha que é o consumo diário e tal e de venda. Mas um produto mesmo que se destaca é meio difícil.
P/1 – Pensando nisso como é que é feita a reposição do estoque? É uma coisa semanal, diária?
R – Depende. Depende do produto. Porque tem produto que sai diariamente, porém ele supre um espaço maior. Que nem fralda geriátrica, um produto que sai todo dia e tal, mas é um produto que o ganho é baixo, e ele acaba tendo volume. Então você tem que comprar praticamente toda semana, você tem que fazer a reposição. Então é muito relativo. Tem produto que você a cada dois meses faz uma reposição. Tem produto que é 15 dias. A gente sempre está, eu falo, correndo de um lado pro outro. O pessoal ali do balcão, como nós na retaguarda, a parte de compras que precisam ser feitas, tem que estar em sintonia ali.
P/1 – Então existe uma equipe específica pra cuidar de reposição de estoque, de armazenagem na loja?
R – Sim.
P/1 – É um funcionário contratado somente pra isso ou é uma coisa multi...?
R – É, ali são meio polivalentes, então a hora que aperta... O balcão é o coração da empresa. Então eu falo: “Pode faltar qualquer coisa dentro da loja, menos o balcão parar”.
P/1 – (risos)
R – Porque você está atendendo, tem que ser uma coisa constante. Mesmo quando dá um pico na loja a gente tem que... Descem os vendedores, descem os compradores, descem pra ajudar, pra não deixar... Porque normalmente a pessoa... A gente tem que ter uma agilidade no atendimento. Então, tem... Chegam cinco pessoas; um é o médico com um produto especial, que vai comprar equipamento, então demora um período. Aí chega um outro que está comprando material de consumo, que ele já tem que ir pra um outro consultório. Chega uma pessoa que tem que comprar, vamos dizer, um curativo ou que está com um acamado dentro de casa. Então é uma dinâmica assim que é muito;... Hoje a gente tem um sistema de senha lá, pra organizar mais o atendimento, não é nada...E teve questionamento assim de: “Poxa, tinha que ter uma senha especial pra idoso.” Tá, pela lei tudo bem... Só que aí, teve o caso de uma pessoa de: “Poxa, está demorando, eu estou com a minha mãe e tal.” E eu desci lá pra conversar com a pessoa. Ele falou: “É, tem que ter uma senha especial pra idoso. Você tem que...” Eu falei: “Olha, é complicado. Se você achar uma solução pra mim você me fala. Imagina se eu colocar uma senha pra idoso aqui. Dá uma olhada na sua volta.” Só tinham pessoas idosas. (risos)
P/1 – (risos)
R – Eu falei: “Você vai ser o último a ser atendido, né?” Ou uma pessoa doente? Então é uma coisa ali que eu recebo de todo tipo de, vamos dizer, de cliente. Então não dá pra selecionar ou pra distinguir quem vai ser atendido primeiro. Então a gente, lógico, a gente tem bom senso, os vendedores têm bom senso. Às vezes a pessoa acabou de sair do hospital, está meio debilitada, então tem que estar ali, tem que comprar, tem que vestir, né? Então a gente faz... A pessoa... Uma gestante... Então a gente tem isso daí.
P/1 – E a relação... Você que já foi da indústria, como é a relação com os fornecedores hoje? Quem faz esse contato? Vocês tem uma preocupação de oferecer um maior número de marcas possíveis pra cada produto? Como é que é feito?
R –Olha, no nosso caso ali, a gente é uma referência ali na região, na rua. Então, tudo que normalmente é novidade na indústria, na parte de consumo, eles vêm nos oferecer, vêm nos procurar. Então, fica até mais fácil. Lógico, sempre tem alguma novidade ou o paciente vem na região procurando uma outra coisa, a gente acaba indo atrás, pesquisando e vendo a probabilidade de estar ali com o produto. Então a gente sempre está... Não dá pra parar. Sabe, inovação, coisas modificando, né, tecnologia, tudo, então você tem que estar com uma coisa de ponta mesmo.
P/1 – E essa compra é feita, eles entregam na sua loja? Vocês tem um veículo que vai buscar esse produto na fábrica?
R – Não, normalmente entregam.
P/1 – E pensando também no outro lado. Vocês também entregam produtos nas casas dos clientes, algum que esteja muito debilitado... Existem esses tipos de serviços que vocês entregam?
R – Existe, sim. Porque depende se a pessoa já está acostumada a comprar aquele produto. Então, às vezes, eu... Nós preferimos que a pessoa venha até a loja porque ela normalmente dá a explicação, porque que está comprando. Mas têm casos que eu faço entrega na casa da pessoa.
P/1 – E vocês têm um veículo próprio?
R – Normalmente, eu contrato, porque uma outra coisa é que o nosso segmento é regularizado pela ANVISA, e eles são bem criteriosos nisso aí. Então pra você fazer um transporte de um produto, por mais que seja dentro de uma caixa, condicionado... E outra, tem que estar regularizado o veículo, tem que ser inspecionado pela ANVISA e tudo o mais. Então têm transportadoras especializadas pra isso, credenciadas e tudo o mais.
P/1 – E vocês costumam trabalhar com as estrangeiras também? Tem um fornecedor que produz importados ou não tem essa linha?
R – Não, eu não faço importação direta, normalmente eu compro das empresas. É uma outra coisa que tem regularização, regulamentação e tal, né? Pra ter o produto tem que ter o cadastro no Ministério da Saúde. Muitos produtos têm que ter INMETRO. Então é uma coisa que a gente deixa mais pros distribuidores.
P/1 – Por ser uma loja na Borges Lagoa, como a gente já falou no começo, várias pessoas se deslocam pra ir até lá comprar, por ser uma referência.Agora, têm pessoas também que são de outras cidades que compram ali, chega a ser esse nível de referência nacional?
R – Têm.
P/1 – Ou estadual?
R – É, aí que está, vamos assim dizer, o maior marketing é o de boca a boca. Então,como ali é um hospital-escola, vêm pessoas do Brasil inteiro, sabe, estudar, se formam ali e acabam indo pra sua cidade, pro seu estado, mas levam aquela questão da primeira compra. Ou os sete anos que passam ali fazendo a residência e tudo e acabam levando. Então, normalmente a gente recebe ligação, tem e-mails de pessoas que estudaram ali e compraram equipamento e a gente acaba fazendo a venda e mandando pra eles.
P/1 – Então é possível, vocês também trabalham com e-commerce?
R – É, não sei o e-commerce. Na nossa página na internet eu não coloco preço, justamente pra não ser o e-commerce, não tirar essa essência da pessoa vir até à loja. Então, entra no site faz a cotação, a gente responde por e-mail mesmo e acaba enviando o produto.
P/1 – E hoje é uma parte importante do comércio ou continua sendo o varejo ali, o espaço físico é o mais importante?
R – Ah, o espaço físico é importantíssimo. Acho que é aí que está a essência, a pessoa está ali comprando e tendo a explicação.
P/1 – Mas o senhor acha que é uma tendência aumentar essa parte do comércio pelo site, é uma tendência, é inevitável?
R – Tendência é, mas chega uma hora que acaba. Você hoje vai comprar uma televisão, putz, você tem “n” sites que você pode fazer o preço. Só que você ali, você vê na descrição. Você acaba indo numa loja pra ver o produto, pra você ver. Aí tudo bem, você acaba comprando no site. Mas que você quer pegar, você quer ver aquele produto, se é aquilo lá mesmo.
P/1 – E falando um pouquinho agora sobre os pagamentos. Qual é a forma mais comum de pagamento, com o passar dos anos como é que foi evoluindo isso aí?
R – É o cartão, o cartão de crédito. Eu acho que é uma segurança tanto pro – tem todas as suas taxas, tudo – mas é uma segurançapra parte do comércio de receber e uma garantia, uma facilidade pra pessoa que está comprando também. Infelizmente, olhando pelo meu lado, a parte comercial, é complicado porque você acaba parcelando e tal, demora pra receber e tal. E a parte da indústria que você não compra com prazos e você acaba tendo que dar pro cartão de crédito, parcelar. A compra você não compra tão parcelado. Então, tem os dois lados, uma garantia de recebimento.Porque cheque, infelizmente ainda... Tem ainda uma inadimplência muito grande e então você acaba optando por vender pelo cartão.
P/1 – E tem algum cliente que seja assim, fiel, amigo da casa, que tem a caderneta ali, vocês trabalham com isso?
R – Não, não.
P/1 – Já chegaram a fazer isso?
R – Você tem clientes fiéis, tem muitos, mas acabam comprando com cartão de crédito, parcelando. Essa modalidade de caderneta já saiu um pouco de circulação.
P/1 – E como é que o senhor avalia o potencial de venda ali da Borges Lagoa; uma coisa que vai persistir por muitos anos ainda? A tradição está estabelecida, nada indica que mesmo com oe-commerce...? Como é que o senhor avalia ali o futuro daquele centro comercial?
R – Espero que por muitos anos isso persista assim, continue. Acho que o e-commerce tem sim, mas... Senão, não vai haver mais loja de shopping, de magazines, né, também. Acho que vai por muitos anos ainda.
P/1 – As outras lojas da MedTec surgiram depois da Vila Clementino ou...?
R – Sim, sim.
P/1 – E qual foi plano, qual foi o intuito de abrir essas novas lojas, como é que está indo?
R – Olha o plano é assim, estarmos... Facilitar tanto para o cliente, o consumidor, como o médico também. Normalmente a gente abre as lojas próximo aos hospitais grandes, mas é outra coisa que... Quando a gente começou a abrir as outras lojas a gente pensou por outro lado que ia tirar fluxo da Borges Lagoa, dar uma.... E não aconteceu. Então a gente começou, a primeira loja que nós abrimos fora dali da Borges Lagoa foi na Rua Jaguaribe, que é da Santa Casa, e se passaram uns meses e eu fui: “Putz, vai começar a tirar alguns clientes daqui.” E não aconteceu isso, permaneceu o mesmo faturamento e tudo, e começou a crescer aquela loja que estava num bairro. Então não tem isso, eu acho que ainda a Borges Lagoa ainda é bem forte.
P/1 – Isso tudo indica que há um processo de expansão que vai continuar então, que não tem nenhum motivo pra parar?
R – Olha, é outra coisa também que você começa a migrar muito você começa a tirar o foco, né? Então tem os pontos que têm uma certa necessidade, alguns bairros, mas está em estudo ainda. Hoje em dia pra você montar uma loja, tem que pensar, avaliar bem.
P/1 – Nos últimos anos, nas últimas décadas a gente observa um... Que as pessoas vivem mais, as pessoas estão ficando mais velhas e logo precisando de mais tratamento, principalmente hospitalar. Isso tem se refletido no desenvolvimento das lojas de material hospitalar, cada vez mais pessoas compram?
R – Olha, é muito relativo. Eu acho que as pessoas hoje estão se cuidando mais, estão procurando na alimentação e equipamentos, isso tudo. Hoje a gente tem uma linha de fisio né, e é justamente pra condicionamento físico em casa e isso tem crescido legal. Agora, infelizmente doença, ela aparece de uma hora pra outra, independente se a pessoa é novo ou velho. Então a gente não… é a realidade nossa. Então, hoje o produto que alguns anos atrás eu vendia só pra pessoas idosas, hoje eu vendo pra adolescentes, pessoas de meia idade, então é muito relativo.
P/1 – O senhor, analisando o tempo que o senhor está nessa área, teve algum período que foi pior pra vendas, que foi difícil manter um negócio?E outra, teve algum período que foi o auge assim? Como é que o senhor analisa esses últimos anos?
R – Não, não tem, não teve.
P/1 – Inclusive em empresas de depressão econômica, de crise?
R – Não tem, porque são produtos de que você necessita. A pessoaestá doente ou o médico precisa comprar pra ter na clínica. Então, é uma coisa assim bem estável, não tem uns picos. Tem. Teve, teve, no ano passado. No ano passado? No ano retrasado que teve a influenza, né, o H1N1? Então, naquele mês teve uma coisa louca que foi a questão das máscaras, do álcool em gel. Então, teve, teve um pico assim num mês que foi uma loucura, todo mundo... Passou, acabou e tal, normalizou. Então, acho que é mais a questão assim do que está acontecendo. Lógico, ultimamente com o calor excessivo, a parte de umidificadores, a parte de respiração tem se vendido mais. Mas teve também aquilo e depois também parou.
P/1 – Mas essas oscilações elas estão mais vinculadas ao aparecimento de novas doenças ou às condições climáticas do que à condição financeira do país?
R – Sim.
P/1 –Falando um pouquinho agora; a gente vai entrar numa parte mais pessoal. Como é que o senhor analisa as mudanças que ocorreram na sua área de quando o senhor entrou, na década de 1990, pra hoje?
R – Hum, hum.
P/1 – O que mudou, o que o senhor teve de fazer de diferente pra se adaptar ao mercado?
R – Olha, teve várias inovações, em tudo. Acho que a tecnologia está cada vez mais avançada e tudo.O que modificou... acho que é mais essa parte tecnológica. De resto...
P/1 – O senhor está sempre por dentro das novas tecnologias?
R – Sim. Sempre, sempre está aparecendo uma coisa nova ou até melhorando, pode-se dizer, melhorando os produtos antigos. Hoje, aparelho de pressão cada vez mais leve, mais prático, com memória, com tudo ali. Então acho que tem isso aí.
P/1 – E o senhor vê a necessidade de trabalhar com publicidade pra se manter no mercado? Já trabalhou com isso ou na sua área não é necessário?
R – Nós fizemos umas inserções na Revista Veja, com algum produto novo e tal, mas não dá uma eficácia, assim, não te mostra um resultado, aquela lá, você anuncia, faz e tal. Acho que ainda o forte mesmo é o boca a boca, o atendimento porque se você é bem atendido você acaba comentando com o seu amigo ou parente, ou então o próprio médico de saber que tem o produto, ter certeza de que tem o produto que ele indicar. Então eu acho que o forte mesmo é o boca a boca.
P/1 – Quando o senhor trabalhou, lá atrás, quando o senhor trabalhou na metalúrgica o senhor falou que vivenciou greves. Pensando nisso o senhor participa de alguma atividade sindical?
R – Não, não.
P/1 – Não? Nunca pensou nessa área específica assim?
R – Não.
P/1 – Nunca sentiu necessidade?
R – Não, isso daí eu acho que é pra quem... O sindicato hoje em dia é pra quem não quer trabalhar. Ele só quer por o pitaco no... Em quem está fazendo.
P/1 – Agora uma pergunta que é bem ampla. Na verdade, então, o senhor pode responder como se sentir à vontade. Como o senhor acha que a sociedade vê o comerciante, hoje em dia?
R – A pessoa que sempre ganha dinheiro.
P/1 – (risos)
R – E não é isso, né? Tem o exemplo que eu dou: você comprar, no meu segmento, segmento médico, hospitalar. Se você comprar uma roupa você está pagando uma marca, você está comprando uma tendência. Então, a lucratividade é... Na área da saúde é diferente. Na área da saúde você tem que... São exemplos assim, chega uma pessoa e vai comprar um curativo, uma bolsa de colostomia, ou coisa assim. O mesmo produto que uma pessoa de poder aquisitivo baixo e pega o seu dinheiro ali da aposentadoria pra comprar é o mesmo valor de uma pessoa que chega e compra duas, três, quatro caixas, tá? Então não difere. Se eu tivesse... Um exemplo, nessa parte de ostomia e tal, às vezes a pessoa usa aquilo ali uma semana, vai trocando, vai lavando, por quê? Pra durar mais. Tem pessoas que chega lá, compra cinco, dez caixas, por quê? Usa um dia e joga fora, e não precisava. Então tem essa disparidade de poder, de ganho, né? A pessoa que tem dinheiro e a que não tem dinheiro. Então a gente tem que ser coerente nessa questão.
P/1 – Agora, pra finalizar a entrevista a gente vai entrar numa parte mais de informações pessoais. Como é que é o seu dia-a-dia hoje? Por exemplo, que hora que o senhor acorda, que hora que o senhor abre a loja, fecha a loja, como é que é?
R – Olha, eu moro bem... Praticamente a 30 quilômetros da Borges Lagoa, moro na região da Freguesia do Ó. Então, eu tenho pessoas que abrem a loja, eu chego um pouco mais tarde, mas acabo fechando. Então, acordo seis e meia e tal. Oito horas eu já consigo ver a loja, eu tenho um sistema que eu consigo visualizar a loja. Por exemplo, se está aberta, se não está, se tem funcionários. Então é assim, a gente já começa... A hora que a loja abre eu estou me...Estou ali junto, né, vendo e tal. E o trajeto da minha casa até lá é praticamente uma hora no trânsito, uma hora e pouco. A gente vai, o celular hoje é o grande instrumento de trabalho. Então, a gente já vai se monitorando, vai fazendo, vai conversando, assistindo alguma coisa. Dependendo às vezes eu não vou direto pra loja, vou pra uma outra loja. Então fica uma coisa assim. A gente acorda e vai dormir já pensando no dia seguinte.
ÁUDIO 2
P/1 – O senhor falou do seu dia-a-dia e eu gostaria de saber o que o senhor gostaria de fazer nas suas horas de lazer, se é que dá tempo ainda?
R – (risos)
P/1 – Nessa rotina.
R – Meu, meu lazer acho que maior é os filhos, né? Estar ali, chegar em casa, estar com as crianças, final de semana, de sábado ainda sou meio cobrado porque trabalho até às três, né? Fico aí então. É um barato porque eu tenho uma de oito, um pequenininho de quatro, vai fazer quatro na semana que vem. E o dia que eu... sábado,quando é feriado ou alguma coisa, de manhã ele pega: “Papai, você vai trabalhar?” Tem ocorrido o dia que: “Ah, hoje você vai trabalhar?” “Não, hoje o papai não vai trabalhar.” “Não vai? Oba!” Então aí que você tem que, (risos) você tem que ter uma disposição porque aí é brincadeira o dia inteiro, passear, tudo, né?
P/1 – E quais são os nomes deles?
R – É a Marcela, com oito anos e o Murilo, que vai fazer quatro agora no dia oito, o Dia Internacional das Mulheres.
P/1 – E nessas brincadeiras quais são as coisas que vocês gostam de fazer, visitar um cinema ou visitar um parque?
R –Ah, tem que ter pique, né? (risos)
P/1 – (risos)
R – Parque o pai não aguenta. A gente vai muito, né, passeio no parque ou shopping, ele adora passear, adora cinema. Então, uns filminhos ele adora, vai e come pipoca a sessão inteira. Eu tento sair um pouquinho, eu gosto muito da região deJundiaí, Itu, dali de toda aquela parte. Então, normalmente eu pego eles de domingo e saio um pouquinho pra curtir um pouquinho da natureza e tudo. Faz isso.
P/1 – E de fazer compras, o senhor gosta?
R – Olha, em shopping não. Não tenho muita... (risos)
P/1 – (risos)
R – É o cúmulo não ficar em casa, curtir a casa. Eu sou meio caseiro pra isso, desde...
P/1 – E pensando nessa sua trajetória toda, é uma trajetória que você gostaria que seus filhos também tivessem? Gostaria que um dia eles se encaminhassem pra essa área do comércio ou no seu desejo pensa outra coisa?
R – Olha, eu vou ser sincero. Que o destino da gente é uma coisa que está traçada e a gente não sabe o que vai ser. Então... É que nem minha filha, no começo ela falava que ia ser dentista; agora fala que vai ser veterinária e daqui a pouco fala que vai ser professora. Então acho que deixa crescer, a gente não tem muito... A gente sempre fala: “Espero que não siga o (risos) os passos do pai pra não trabalhar tanto.” Mas, dependendo, é meio difícil. Meu pai não era do comércio e tanto eu como meus irmãos trabalhamos no comércio. Então, é meio... Acho que o destino é pra frente, não sei o que vai acontecer.
P/1 – E nessa vida de bastante tempo no comércio, o queo senhor aprendeu? Pra sua vida pessoal, o que o senhor aprendeu do seu trabalho, a partir da sua atividade?
R –Olha, cara, a gente não... Nessa vida aí a gente nunca pode menosprezar ninguém. Que nem no nosso ramo hoje a gente nunca sabe se estáfalando com um médico, se está falando com um paciente normal ou com... Então, você tem que ter a mesma conduta pra todos. Eu acho que é nunca subestimar. Eu tenho um compadre meu, que ele é do comércio, ele começou como ajudante de açougueiro. Com o tempo – ele não tem estudo nenhum –com o tempo ele virou sócio, da hora que ele começou a trabalhar nesse açougue. Passou-se o tempo ele acabou sendo o dono desse açougue; hoje ele tem 12 ou 15 açougues e uma fazenda de gado que ele supre os próprios açougues dele, e sem nenhum estudo, sem. Foi ali trabalhando e tal. Então, o caso assim é uma pessoa super humilde, super simples; você olha pra pessoa e você fala: “Poxa, esse cara, né, é um trabalhador comum.” E o cara conseguiu construir uma coisa assim, um patrimônio que, sabe? Mas tudo trabalhando. Então eu vou falar disso daí é um exemplo, você não pode menosprezar. Você sempre tem que atender tanto uma pessoa simples como uma pessoa que está bem vestida, normal.
P/1 – O que o senhor achou de ter dado essa entrevista e participar do projeto e relembrar a sua história de vida?
R – Cara, eu acho que é uma coisa que você tem interno, que você vivenciou, você tá... Espero que disso, as pessoas que virem essa entrevista e tal consigam absorver um, 10%, sei lá, um pouquinho pra sua vida. Foi mais um bate papo, né, uma coisa assim natural. Eu tento ser o mais prático, o mais simples possível. Não gosto de ficar pondo, procurar palavras. Não, acho que é o dia-a-dia.
P/1 – E tem alguma pergunta, algum assunto que a gente não abordou aqui, mas o senhor acha que é importante registrar, que o senhor acha que está faltando?
R – Não, eu acho que a gente, foi uma conversa, um bate papo. Só faltou a cerveja. (risos)
P/1 – (risos) Bem, então, em nome do SESC São Paulo e do Museu da Pessoa nós agradecemos muito a sua participação. Muito obrigado.
R – Obrigado vocês também.Recolher