Projeto Identidade Santander
Depoimento de Aquiles Mosca
Entrevistado por Fernanda Prado e Ana Maria Lorza
São Paulo, 31/10/2011
Realização Museu da Pessoa
Entrevista BST_HV005
Transcrito por Mariana Wolff
Revisado por Ana Calderaro
P/1 – Aquiles, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Primeir...Continuar leitura
Projeto Identidade Santander
Depoimento de Aquiles Mosca
Entrevistado por Fernanda Prado e Ana Maria Lorza
São Paulo, 31/10/2011
Realização Museu da Pessoa
Entrevista BST_HV005
Transcrito por Mariana Wolff
Revisado por Ana Calderaro
P/1 – Aquiles, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Primeiro eu gostaria de agradecer a sua presença aqui para essa entrevista e, para começar, eu gostaria que você nos falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Aquiles do Lago Salvador Mosca, eu nasci em São Paulo, em 25 de outubro de 1974.
P/1 – Tá certo. E qual que é o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Domingos Mosca e minha mãe Lineide do Lago Salvador Mosca.
P/1 – E você sabe um pouquinho da origem deles, seus avós?
R – Sei sim. Do lado do meu pai, meus avós são imigrantes, meu avô era italiano e minha avó era espanhola, ambos vieram para o Brasil pouco antes da Segunda Guerra Mundial, já fugindo da confusão na Europa. Minha avó trabalhava na indústria têxtil, como operadora de tear; meu avô era relojoeiro e, no tempo de folga, tinha uma loja de fogos de artifício também. Esta é um pouco da origem dos meus avós. Meu pai é filho único e economista. Minha mãe, o pai dela, meu avô, é português, de origem portuguesa; já minha avó é de origem brasileira, pelo menos é o que ela dizia, mas ela não tem nenhum traço indígena, nem nada, ela tem uma cara de europeia. Então, ela deve ser de origem portuguesa, espanhola também, daí veio a minha mãe, que é professora universitária e até hoje dá aula na USP, em Letras.
P/1 – E seus avós, os pais do seu pai, vieram para São Paulo, como é que foi que eles se conheceram, você sabe um pouquinho dessa história?
R – Os do meu pai, meus avós paternos vieram ambos para São Paulo. Outro dia nós fomos ao Museu do Imigrante ver os documentos de imigração de ambos, você consegue consultar lá, sempre estiveram baseados aqui. Do meu lado materno, eles foram primeiro para o interior de São Paulo, para a região de Lins, região Oeste, Bauru, Marília, aquela região, e estavam mais dedicados à agricultura inicialmente, antes de virem para São Paulo.
P/1 – Você sabe como é que seus pais se conheceram?
R – Sei. Eles se conheceram no que era para nós o ginásio. Eles começaram a namorar na escola, lá para trás. Agora mudaram todos os nomes, não tem mais ginásio, colegial é médio, básico... Mas era o equivalente ao nosso ginásio, mais ou menos lá perto da quinta, sexta série. Então, eles começaram a namorar lá. Depois, quando eles ficaram mais velhos, na idade do colegial, começo da faculdade, pararam de namorar, mas depois voltaram. Eu sei que eles se conheciam há muito tempo quando se casaram.
P/1 – E qual é a atividade deles? Você falou que seu pai é economista, o que ele exercia de atividade?
R – Exerce ainda, ele é economista e trabalha na Diretoria da FIESP [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] com comércio exterior, ele tem uma empresa de comércio exterior também e participa do Conselho de Administração de algumas empresas. Minha mãe é professora universitária até hoje, trabalha com Letras, com Retórica e Argumentação, a carreira dela sempre foi universitária. Recentemente ela defendeu a Livre Docência na USP [Universidade de São Paulo] e deve estar para se aposentar, só que ela não quer parar, nem ele, (risos) então os dois continuam trabalhando apaixonadamente.
P/1 – Certo. Você tem irmãos?
R – Tenho, tenho dois irmãos. Um mais novo, que é o Péricles, e um irmão mais velho, que é o Ulisses. (risos) Então, você já viu que é Aquiles, Ulisses e Péricles. Minha mãe é professora de Retórica e Argumentação, mas também dá aulas de Literatura Clássica, e meu avô era historiador. Então, isso explica um pouco a origem dos nomes gregos históricos e mitológicos. (risos)
P/1 – Aquiles, conta pra gente como é que era ser o filho do meio? Você nasceu aqui em São Paulo, em que bairro que era a sua casa?
R – Eu sempre morei e ainda moro na Aclimação. E ser o filho do meio é interessante porque você acaba virando um negociador, porque o irmão mais velho é mais independente, o irmão mais novinho é o queridinho, então você fica ali no meio, literalmente, precisa ter muita flexibilidade. Mas eu me dou bem com os meus irmãos, adoro meus irmãos, nunca teve nenhuma desavença maior do que você espera que haja com três meninos bastante competitivos em casa.
P/1 – E do que vocês gostavam de brincar na sua meninice, como é que era o cotidiano de vocês?
R – Brincava mais e até hoje interajo mais com o meu irmão mais novo, que é mais próximo de mim em idade, temos um ano e um mês de separação. O meu irmão mais velho é três anos mais velho do que eu, então não brincávamos tanto com o irmão mais velho. Sempre brincamos muito. Estávamos falando de aviação aqui no começo, de avião e tal, e eu e meu irmão éramos apaixonados por aviação, a ponto de que os dois queriam ser pilotos também. Sempre mexemos com aeromodelo, seja aviãozinho de montar até de controle remoto, de pilotar mesmo, e fizemos o curso de piloto juntos, tiramos o brevê juntos. Eu e o meu irmão mais novo, o Péricles, queríamos ser pilotos de linha aérea, inclusive, só que na véspera do vestibular, nós decidimos que iríamos fazer o vestibular mesmo porque meus pais falaram: “Tem que fazer um curso superior, não adianta querer ser só piloto.” Acabamos fazendo Economia juntos na USP e gostando muito, e a aviação virou um hobbie. Nós sempre brincamos muito de coisas relacionadas à aviação, bastante. (risos)
P/2 – E foi um incentivo de família essa coisa com a aviação ou foi um gosto próprio de vocês, vocês se envolveram por alguma razão, lembra como começou?
R – Até então, não tinha ninguém da família relacionado a isso diretamente. Meu pai por lidar com comércio exterior, vivia viajando para fora, então vivíamos levando meu pai ao aeroporto para viajar e para recebê-lo. Acho que isso, esse contato com aviação através de um passageiro frequente, despertou esse interesse, mas acho que tem um fascínio que é inato, é difícil de explicar. É como você perguntar para alguém “por que você gosta do quadro do Picasso”, não tem muita explicação, você gosta porque você gosta, porque te atrai, porque tem um apelo para você. Acho que com a aviação, eu e o meu irmão mais novo somos assim, meu irmão mais velho não tem essa atração toda por aviação, é difícil de explicar a origem (risos), é paixão mesmo.
P/1 – E como é que era essa sua casa na Aclimação? Do que você se lembra?
R – Essa casa foi destruída recentemente para construírem um predião residencial enorme. Era um sobrado, ficava no alto de um morro, ela tinha oitenta degraus da rua até chegar à casa, de fato, uma casa antiga. Ela tinha vaga para um único carro, tínhamos que alugar vagas com os vizinhos para deixar o carro, ou estacionamento na rua, pois tínhamos mais que um carro. Mas era uma casa bem tradicional, um sobrado bem tradicional e com destaque muito grande para o quintal, que tinha trinta pinheiros. Tinha um jardim bem bacana. Uma das nossas funções quando pequenininhos era revezar para regar as plantas do quintal, onde tínhamos um cachorro também, uma cachorra, na verdade, a Dina, que era um Setter Irlandês, que era um cachorro meio perturbado porque nosso vizinho tinha um gatil, tinha uma criação de gatos que viviam invadindo a nossa casa e minha cachorra vivia brigando com eles. Não era raro ela aparecer arranhada, com o nariz sangrando e tal. (risos) Então, foi muito viva essa memória, o lidar com os gatos. Até hoje eu não gosto muito de gatos por conta dessa desavença da cachorra com o gato, mas era uma casa muito gostosa, bem tradicional, com uma arquitetura portuguesa, bastante azulejo para tudo que é lado, mas era uma casa bastante gostosa.
P/2 – E era a casa dos seus avós ou dos seus pais?
R – Não, não, meus pais compraram acho que mais ou menos depois que o meu irmão mais velho nasceu, eles já moravam na Aclimação, na mesma rua, compraram um pouco mais para frente quando perceberam que a família seria maior. (risos) Então, foi nessa preparação para receber mais dois filhos que a casa veio.
P/1 – E em termos de relacionamento familiar, o que vocês celebravam juntos, como é que era, por exemplo, a hora de comer?
R – A hora de comer era todo mundo junto em volta da mesa para conversar e sempre com a televisão desligada, nunca com a televisão ligada na mesa, esse tipo de coisa. Acho que nesse aspecto é bem tradicional, a hora do jantar é para comer, para contar do seu dia, o que aconteceu, o que não aconteceu, para discutir os problemas, então sempre foi um momento bastante vivo. É uma família basicamente de intelectuais, meu avô era historiador, minha mãe é professora, meu pai é economista, os assuntos sempre foram muito vivos, de discutir política, de discutir cinema, literatura, qualquer coisa que estivesse em voga no momento. Então, a memória que eu tenho até hoje são assim, as refeições em família, são sempre momentos de... Às vezes descamba para alguma discussão intensa, (risos) até vira briga de vez em quando, dependendo se o assunto é mais polêmico ou não.
P/1 – E falando do trabalho do seu pai, de ser economista, como é que você vê o trabalho dele? Você chegou a acompanhá-lo nessa firma que ele tinha? Como é que era a sua relação com o seu pai?
R – Sim, a gente até se revezava para ir com o meu pai para o trabalho, quando se podia ir. Toda empresa... Fazemos isso até hoje, chega lá pelo Natal e você passa o dia com o seu pai no trabalho. E em outra época, eu lembro que meu pai era o diretor de exportação da Santista Têxtil, uma empresa que existe até hoje, ele tinha uma sala enorme com sala de estar, isso não acontece hoje, cada executivo tinha uma secretária. Mas o contato em si com o trabalho dele era de um trabalho muito dinâmico, ele vivia viajando em negociações internacionais, sempre recebendo estrangeiros aqui ou lá, então sempre teve bastante gente de fora frequentando inclusive a nossa casa, apesar de serem clientes ou amigos, que acabavam tornando-se amigos, parceiros de trabalho. Tinha um ambiente internacional também muito interessante de conhecer outras culturas, outros povos, outras experiências. Acho que essa era uma coisa que vinha muito à minha mente, ausências, às vezes longas, do meu pai em viagens de trabalho, ele ficava duas, três semanas fora. Ele nos mandava cartão postal, um para cada um de onde ele estava, o que estava acontecendo. Era uma forma de manter o contato, não tinha celular para se falar toda hora, ligação internacional era algo caro, ele ligava, sei lá, uma vez a cada dois, três dias. E minha mãe com três crianças dando aula, os avós sempre ajudaram muito a cuidar da gente enquanto minha mãe estava na aula e meu pai estava viajando. É uma lembrança, particularmente, do trabalho do meu pai de muito dinamismo, de muitas idas e vindas, mas sempre muito bem mantido, nunca senti meu pai ausente por conta disso, muito pelo contrário, ele era um cara que, apesar de distante fisicamente, sempre esteve muito perto.
P/1 – E falando dessa sua meninice ainda, qual é a sua primeira lembrança da escola, o que você se lembra quando pensa de lá, desse período escolar?
R – Eu me lembro direitinho do meu primeiro dia de aula, na escola Tio Patinhas, aqui, acho que ali é Paraíso ainda. Eu lembro (risos) do meu pai me levando e eu não queria ficar na escola, eu queria voltar para casa e aí tem aquela velha história do “seu pai está aí na sala do lado, pode ficar na boa que daqui a pouco você vai para casa ele te leva de volta” e, depois, não estava nada. Mas você acabava se acostumando, acho que tem a arte dos professores de te entreterem com as atividades e você interagir com outras crianças, que são é nem o seu irmão, com que você não tinha contato até então, eu descobri que essas pessoas são interessantes também, têm vida fora de casa, eu acho que eu tinha quatro anos quando eu fui. Eu estou encarando essa decisão um pouco agora, meu filho está com um ano e quatro meses e ele vai começar a escolinha em fevereiro, vai passar antes por isso, com menos da metade da idade que eu tinha de ir para escola e começar a interagir com outras crianças. Ele já começa a procurar, fomos ao parque nesse final de semana, ele quer ficar perto de onde tem criança, não quer ficar sozinho. Então, a minha lembrança de escola no começo foi de um pouco de resistência, mas depois eu descobri que é muito mais interessante do que ficar em casa, é muito mais rico do que ficar em casa.
P/1 – E como é que foi esse seu processo de escolarização ao passar das séries, teve alguma professora que marcou esse seu período de escola?
R – De escola? Eu acho que a professora do pré, eu tinha uma professora, a Cida, que foi quando eu comecei a ler realmente e isso dá uma sensação de autonomia muito grande. Eu lembro que eu fazia um esforço muito grande para ler e perceber que aos pouquinhos eu entendia, mas não entendia muita coisa, algumas coisas eu conseguia ler, algumas coisas eu não conseguia. Eu me lembro que era uma frustração que via alguma palavra com ‘ch’ ou com ‘lh’, eu não tinha visto na escola isso ainda, eu não conseguia ler, aquilo era muito ruim e eu lembro que quando comecei a conseguir ler com tudo que eu queria, deu uma sensação de autonomia muito grande, e sempre tive muito gosto por ler, talvez por minha mãe ser professora de Letras. Eu comecei a trabalhar muito cedo avaliando livros infanto-juvenis, então, antes de sair, de o livro ser publicado... Vocês devem ter lido alguns desses livros daquela Coleção Vagalume, Um cadáver ouve rádio e aquela série toda, eu era uma das pessoas que lia e avaliava o livro, então, para mim, essa sensação de poder ler foi muito gostosa, até acho que foi por isso o gosto por leitura.
P/1 – Você se lembra de alguma matéria que você gostava mais, já mais para o final?
R – História. (risos) Acho que por ter avô historiador e tudo, de História eu sempre gostei muito e foi no que eu fui melhor no vestibular. De dependesse das matérias de exatas, eu não teria entrado em Economia, as matérias de humanas puxaram bastante a nota, mas com certeza era História. Eu sou contador de histórias também, tenho dois livros publicados já.
P/1 – A gente já fala deles. Em relação, então, a você crescendo e tal, como é que foi formando seu grupo de amigos? As primeiras atividades que você começou a fazer fora, de sair pra cinema, como é que foi esse seu período de juventude?
R – Acho que sempre teve um grupinho muito fechado de amigos do ginásio em diante, do qual meu irmão mais novo participava também. Tínhamos um círculo muito próximo de amigos da mesma escola, eram cinco, seis amigos que eram mais próximos uns do outros, e frequentávamos a casa um do outro com interesses muito difusos, gente que gostava mais de esporte, gente que gostava mais de televisão e cinema, gente que gostava de passear, gente que gostava mais de namorar. (risos) Acho que era um grupo que tinha uma identidade muito própria, muito parecida, muito similar de valores, de ter prazer em estar na companhia dos demais. A gente tinha que se reunir para almoçar, tinha que se reunir para tomar o lanche na escola, ninguém gostava de fazer isso sozinho, acho que tinha isso em comum, de querer estar junto. Eram basicamente meninos nessa época de começo de ginásio e esse grupo se manteve bastante junto até a oitava série, até o colegial, em que cada um foi para uma escola e acabou separando um pouco. Por uns dois anos ainda mantivemos um pouco o contato, mas agora ficou muito mais esporádico.
P/1 – E como é que foi então essa mudança do ginásio pro colegial? Você sentiu mudar de escola, como é que foi esse processo?
R – Senti. Acho que eu e o meu irmão mais novo juntos, porque fizemos a mudança juntos, fomos lá para o Bandeirantes, estudávamos já em uma escola que era do mesmo dono do Bandeirantes, do Jorge Barifaldi, e tínhamos aula basicamente com os mesmos professores, só que de manhã cedo. O ginásio do Bandeirantes era à tarde, então, todos os professores estavam nos dando aula de manhã cedo no Barifaldi. Quando fomos pro Bandeirantes, onde era um ambiente extremamente competitivo, saía ranking dos alunos, o primeiro, segundo, o último da turma. Lembro que aquilo nos incomodou muito, caímos na primeira turma de exatas ainda “nossa”. (risos) Então, aquele ambiente não agradou muito, tanto é que mudamos de escola, no meio do colegial saímos, tanto eu como meu irmão. “A gente não quer isso, é um ambiente desagradável, uma competição, é cada um por si aqui para estar melhor no ranking. A gente não se identificou nem um pouco.” Fomos para o Anglo, que foi onde no, final das contas, eu conheci minha esposa e ele conheceu a esposa dele. (risos) Outra história mais para frente. Acho que foi uma decisão muito acertada naquele instante de perceber que a Instituição não combinava com a gente de forma nenhuma.
P/2 – E por que houve essa mudança do ginásio para o colegial para o Bandeirantes, uma decisão dos seus pais?
R – Não, a outra escola não tinha colegial, ela parava na oitava série infelizmente. (risos)
P/2 – Ah, não tinha. Entendi.
R – Dai teve essa mudança. Como a escola era do mesmo dono, não tínhamos nem que fazer o tal do teste para entrar na outra escola, você já tinha a sua matrícula assegurada, então era o caminho natural, só que chegou num ambiente muito mais competitivo do que estávamos acostumados, até o familiar mesmo era mais de colaboração, de ajudar e não de ranquear, embora venha a ter muito disso, ser ranqueado e ver se está melhor, tá bem no mercado, aquilo, daquela forma, não nos agradou naquele instante, decidimos sair. Você ficava pensando naquela época: “Nossa, será que eu estou fazendo a coisa certa? Estou saindo de uma escola excelente, referência, pá, pá, pá.” Mas deu tudo certo, ninguém deixou de entrar na USP por causa disso, os dois, tanto eu quanto meu irmão, entramos na USP depois. (risos)
P/1 – Como é que foi então esse momento da escolha da faculdade a ser feita, nesse período mais perto da prova do vestibular?
R – Acho que tenho dois personagens importantes nessa escolha, o meu pai, que é economista de formação, por sempre nos ter estimulado a ler jornal, esse tipo de coisa, procurar se manter informado, e um professor de História, que está vivo até hoje. Até o vi no Parque da Aclimação esse final de semana, que é o senhor Morivaldo, professor de História. Acho que por aí vem também um pouquinho o meu gosto por História, mais do que tudo sempre foi um cult para os alunos. Ele dava aula, primeiro, apaixonadamente, ele falava de história, ele interpretava. A primeira aula que eu vi dele FOI quando eu entrei no Anglo Latino, ele interpretou a morte do César, eu fiquei maravilhado com o professor, ele levando as facadas, contando toda história, mas principalmente o que estava acontecendo na época, politicamente, economicamente, tal. Ele sempre se preocupava em saber o que os alunos dele iam fazer no futuro e estava na época em que eu e meu irmão queríamos ser pilotos, queríamos ser pilotos de linha aérea de qualquer jeito, meus pais falando: “Vocês precisam fazer um curso superior, pode querer ser piloto, mas tem que fazer um curso superior.” E ele foi nos ajudando a encontrar algo que já tínhamos, uma veia pra Economia. Fizemos a decisão de prestar Economia na época do vestibular bem em parte balizado pelas opiniões dele, e no final foi acertado, porque os dois gostaram muito do curso e acabaram seguindo carreira em Economia. Eu estou aqui no Santander e meu irmão está na General Electric, os dois trabalham com Finanças, Economia e a aviação virou hobby depois. (risos)
P/1 – E como é que foi passar na faculdade, os primeiros momentos do curso?
R – Passar na faculdade foi interessante porque até o dia de fazer o vestibular não estávamos muito convictos. Você vê que eu falo “a gente” muito com o meu irmão porque decidimos sempre as coisas muito juntos, (risos) fizemos juntos o vestibular. Até o dia de fazer a USP a gente estava pensando: “Olha, quer saber? Vamos escrever alguma bobagem na redação, porque a redação é eliminatória. Fazemos uma faculdade mais fácil e continuamos voando, porque vamos precisar dar instrução, vai ter que voar em táxi aéreo para acumular horas de vôo.” O início da carreira de piloto é muito puxado, se você tiver que levar uma faculdade puxada junto, é difícil. No dia de fazer a FUVEST [Fundação Universitária para o Vestibular], a gente falou: “Quer saber, bicho, faz a redação direitinho.” (risos) E acabamos entrando na USP, isso que fez a aviação virar um hobby. O começo da faculdade foi um pouco de: “Bom, entramos, vamos fazer, vamos ver como é que é.” Os dois acabaram gostando muito, foi uma surpresa muito agradável o início da faculdade, as pessoas que encontramos lá também foram muito interessantes, gente do Brasil inteiro, de outros países, isso acho que tornou o curso mais interessante, esse contato com todo mundo e com algo que a gente estava começando a ver, que você consegue ver funcionando na sua frente quando vê, está lendo jornal todos os dias. Então, você começa a entender o porquê das coisas que estão acontecendo. Foi no meio do Plano Real que entramos na faculdade, então tínhamos professores muito descrentes, outros muito crentes no Plano Real, acabou dando certo, então, passamos do nível de 1000% ao ano para 5%, 6% de inflação ao ano. Nós pegamos aquilo, aquele debate todo acontecendo e sendo implementado, então foi muito bacana também, foi uma surpresa agradável, muito agradável fazer o curso de Economia e descobrir que tinha a ver, que tinha uma vocação escondida que eu não sabia.
P/2 – E vocês se prepararam juntos, porque tem uma diferença de um ano e pouco. Um fez cursinho e outro não, como é que foi isso?
R – Como tem aquela decisão, aliás os dois fizeram juntos, como… Deixa eu explicar primeiro porque estudamos juntos. Como temos um ano e um mês de diferença e eu faço aniversário no final do ano, sempre tem aquela decisão, coloca para estudar um ano depois ou coloca para estudar um ano antes, e até foi um pedido nosso, pedimos para estudar juntos eu e meu irmão, desde sempre. Então, estudamos sempre na mesma classe, apesar de termos um ano de diferença, sempre estudamos juntos. E quando chegou a época de fazer a faculdade, fazíamos o colegial de manhã cedo e o cursinho, aquele intensivão dos últimos quatro meses do ano, fizemos juntos à tarde, estudávamos o dia inteiro naquela época.
P/1 – E ainda falando dos seus estudos, dessa experiência acadêmica, quais são as lembranças marcantes que você tem desse período da faculdade, também falando do Plano Real? Como é que foi estar lá nesse rebuliço e vendo essas mudanças?
R – Então, acho que foi muito interessante, porque pegamos a implementação do Plano Real no começo da faculdade, então foi um período áureo em que as coisas só deram certo em economia, e foi bacana ver isso acontecendo, mas nos formamos em 1997, no meio da Crise da Ásia. Então nos formamos com o mundo derretendo, em um momento muito difícil para você, inclusive, conseguir emprego, porque estava uma crise brava, e no Brasil, a nossa crise ia acontecer dois anos depois, em 1999. Então, pegamos um período muito favorável de economia e um muito desfavorável, mas acho que o importante ali, nesse período todo, foi entender o que estava acontecendo e como conseguir se posicionar. Eu tinha uma preocupação que acho que muitos alunos tiveram durante a faculdade, que não tivemos tanto assim, só fui ter mais para o final, a de arranjar um emprego, de começar a trabalhar. Eu tinha amigo que no primeiro ano da faculdade já estava fazendo estágio e eu falei: “Mas como assim? Você vai trabalhar a vida inteira, você precisa começar a trabalhar agora? Aproveita para ir estudando, fazendo mais cursos, fazendo um intercâmbio, alguma coisa para fora para a gente enriquecer e vai trabalhar mais pro final.” Eu fui fazer estágio nos últimos seis meses da faculdade e fui demitido do meu primeiro estágio. (risos) Entrei em uma empresa de consultoria e percebi que eu não tinha a menor vocação para ser consultor e assim que eu saí da consultoria, eu fiz o processo de trainee do ABN AMRO, que era um banco holandês aqui no Brasil, que depois acabou comprando o Banco Real, e entrei. Desde então, estou no mesmo emprego, foi a única entrevista de emprego que fiz na minha vida até hoje, essa no ABN AMRO; depois o ABN AMRO comprou o Real e o Real foi comprado pelo Santander e cá estou desde então, há catorze anos. Mas eu me lembro dessa preocupação muito grande de todo mundo na faculdade de conseguir, desde o começo, o melhor emprego sem nem saber direito o que era economia, finanças, para que lado você iria e acho que deu certo essa escolha assim de falar: “Poxa, é para cá que eu quero ir, é para lá que eu vou.” A gente fez tudo com muita paciência de ir olhando, apesar de ter dado essa ansiedade de “ok, você deixou para o final e agora está essa crise brava”, em 1997, quando eu me formei, mas no final deu tudo certo e em dezembro de 1997 eu já estava no ABN.
P/2 – E por que você acha que não deu certo essa experiência na consultoria? Como você não se identificava?
R – Me colocaram num projeto de informática, então eu ficava... Naquela época não tinha celular direito, seis anos antes de eu me formar, era no ano da formatura, 1997 já, eu tinha um BIP e se o sistema desse um problema, eu tinha que sair correndo da minha casa e o servidor... “Espera aí, eu faço Economia, não entendo nada disso aqui.” Na verdade, eu tinha que ir para lá e esperar o técnico chegar para consertar o negócio, mas era um projeto de informática e eu falei: “Vocês não querem me colocar num projeto de finanças, de gestão? Eu faço Economia, Administração.” Então teve uma incompatibilidade do que eles precisavam com o que eu queria fazer e chegamos à conclusão de que o melhor. Eles chegaram à conclusão mais do que eu, que “então não é aqui, o consultor tem que ter essa flexibilidade de um dia estar numa indústria automotiva, no dia seguinte estar num banco, depois estar numa empresa de varejo” e, pelo que a gente conversou na época, foi muito certa a decisão deles, que acabaram me chamando: “Acho que você não tem o perfil.” E eu não tinha mesmo! E foi muito acertado, pois foi aí que eu fui procurar o ABN para entrar no programa de trainee, onde estou até hoje na mesma empresa, fui sendo adquirido. (risos) Mas é a mesma empresa.
P/1 – Então, antes da gente falar da sua carreira aqui, eu queria saber, você chegou a comentar com a gente aqui há um tempo, nessa nossa conversa sobre o seu trabalho de leitura dos livros, de avaliação, como se fosse o seu primeiro trabalho?
R – Foi o primeiro trabalho. O convite veio pela minha mãe, que é professora de Letras, e eu adorei na hora que chegou, porque chegava um livrinho para você, piloto de um livro, na verdade, e conforme você ia lendo cada capítulo, você ia avaliando aquele capítulo, tanto do ponto de vista do conteúdo da historinha que estava sendo contada quanto dos valores que ele vai passando para as crianças, esse tipo de orientação que ela dá. Então, geralmente era assim, sei lá, eu estava com oito anos e estava avaliando livros que as crianças de seis anos iam ler; depois com dez, as de oito; com doze, as de dez, que já tem uma visão mais introspectiva. Então, isso foi muito bacana porque, primeiro, tinha aquele primeiro contato com o seu dinheiro, não era mesada, não era nada, era o dinheiro que você ganhou trabalhando; e, segundo, porque você está fazendo algo por alguém, sabe que alguém vai ler aquele livro depois, que você teve uma influência nisso, que tem um pouquinho do seu dedo lá. Então, na hora que você vê o livro publicado, finalmente saindo, tem o lançamento, você pensa: “Puxa, eu ajudei a avaliar isso.” Dá um orgulho muito grande.
P/2 – E você se lembra o que você fez com o seu primeiro salário?
R – Eu comprei aeromodelo, (risos) aqueles aviõezinhos de montar, de plástico, modelismo, nós gastamos nisso, eu gastei nisso.
P/1 – E aí então, depois disso, a sequência foi o estágio na faculdade?
R – A sequência foi o estágio na faculdade, de trabalho remunerado, foi só o estágio na faculdade.
P/1 – E como é que foi então a decisão de entrar para o processo seletivo do ABN, como é que foi esse processo para você?
R – Então, já tendo a base de que a consultoria não era o negócio e que eu gostaria de algo mais focado naquilo que eu vinha me preparando, eu vi na sessão de estágios da faculdade da FEA [Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo] o anúncio do ABN AMRO fazendo seu processo de seleção de trainees. Saí para me informar o que era o ABN AMRO, quais eram as áreas onde teriam vagas, para ter uma noção de que isso tem muito mais a ver com que estou estudando, com o que eu estou fazendo, principalmente com as matérias que eu mais gosto, que eram Macroeconomia, Mercados Financeiros e tal. Então acabou vindo um pouco por aí. Eu lembro que foi um processo de seleção muito inteligente, eu me identifiquei muito com eles. Cheguei a alguns processos de seleção em que você chegava lá e tinha um teste de QI para você fazer: “Teste de QI, pra quê isso aqui?” Daí você faz, daí chega: “Aqui tem uma redação pra você fazer, tema livre e você, por favor, escreva com letra corrida, não pode ser em letra de forma.” A pessoa falava: “Porque a letra corrida me transmite mais sobre a sua personalidade, é um teste grafotécnico.” E eu falei: “Olha, mas a minha personalidade é com letra de forma, eu não escrevo com letra corrida.” “Não, mas você precisa escrever com letra corrida, que é ela que me passa a sua personalidade.” Eu levantei e fui embora, pensei: “Esse banco faliu.” (risos) E o processo do ABN não, ele foi muito inteligente, com dinâmicas interessantes, era apresentação de estudos de casos, teve uma apresentação de um tema para um grupo de executivos do banco que você escolhia o que ia falar, eu me lembro que falei de acidentes aeronáuticos, acidentes aéreos, as causas e tal. Então, foi um processo de seleção com o qual eu me identifiquei muito, eu falava: “Nossa, eu tenho que ter passado pra próxima fase.” Quando acabava, e em algumas outras seleções que eu estava fazendo na época eu falava: “Nossa, será que eu quero trabalhar numa empresa que me escolhe pela minha letra, se o ‘a’ é redondo ou é quadrado?” E com o ABN eu me identifiquei muito, quando veio a resposta, dia 31 de dezembro de 1997: “Você entrou e você entrou em duas áreas, você pode escolher. Você entrou em Controladoria e na Gestão de Fundos.” E eu escolhi Gestão de Fundos, onde estou até hoje, então, acho que essa identificação, esse acerto que teve de mim com a empresa e da empresa comigo deu muito certo e virou uma carreira mesmo, não virou um emprego, virou uma carreira.
P/1 – E quando você viu essas duas possibilidades, como é que foi o processo de escolha?
R – É difícil, porque você não sabe direito o que é. Eu lembro que eu tinha conversado com um diretor de uma dessas áreas, o Luiz Maia, que já não está mais no banco, e eu tinha conversado com um diretor de outra área, a área de Controladoria, e o Luiz, que hoje virou um amigo. Tenho contato com ele até hoje, fez meu olho brilhar, ele é aquele cara que você conversava com ele, você percebia não que ele era capaz de fazer qualquer coisa, ele te faz sentir capaz de qualquer coisa, então, acho que esse estilo de liderança que ele tem me seduziu muito para procurar uma carreira na área dele, mais do que a área em si. Foi a pessoa naquele instante, você está recém formado, você tem uma noção do que você gosta, mas você não sabe exatamente o que cada área especificamente faz no banco, o que acabou me levando para a área de Gestão de Fundos de Investimentos, que é a área em que eu estou até hoje.
P/1 – E você lembra como é que foi o seu primeiro dia de trabalho?
R – Lembro, é meio sui generis o primeiro dia de trabalho de um trainee. Naquela época, você começava fazendo seis meses de curso, chegava para trabalhar, não trabalhava, sentava em uma aula, parecia que você estava continuando a faculdade, e eram treze outros trainees naquela época. Me lembro que duas mil pessoas se inscreveram, entramos treze e ficamos seis meses em curso. Acabavam os seis meses de curso, você começava uma rotação entre as áreas do banco para você conhecer tudinho, desde o banco mais de varejo, na época, que o ABN tinha, que era a Aymoré Financeira, até a área final em que você vai trabalhar. Então, acho que não foi um primeiro dia usual de trabalho da maioria das pessoas por ser um programa estruturado daquela forma. Ficamos seis meses em curso e depois rodando, conhecendo pessoas e áreas, vendo quem faz o quê, de que forma e lugar, então, foi uma introdução muito suave ao trabalho, quase uma continuação da faculdade.
P/2 – Foi depois desse processo de treinamento que você escolheu pela área de Fundos, ou antes de entrar?
R – Não, no começo, antes. Até foi um problema grande para algumas pessoas, porque as pessoas percebiam que a área que elas tinham optado trabalhar no comecinho, antes de começar, não era, não dava. Eu tive muita sorte, um pouco de sorte, um pouco da abertura com as pessoas que me entrevistaram na época, de falarem: “Puxa, essa aqui parece que tem a ver, vem pra cá, você vai gostar.” Acho que foi acertado desde o começo, mas várias pessoas tiveram que trocar de área depois de fazer a rotação pelos diversos departamentos e descobrir onde realmente tinha vocação despertando.
P/1 – E como é que foi e qual é a importância desse processo de conhecer o banco, o que isso significou para você, como é que foi esse processo?
R – Achei muito importante, ele é importante até hoje e acho que eu passei a dar valor para isso mais recentemente, que passei a ter uma função mais executiva, que exige uma interação com outras áreas do banco. Tem muita gente que eu conheci naquela época, lá no ABN AMRO, a que, hoje eu preciso recorrer aqui em outras áreas, seja na Custódia, seja em Banco de Investimentos, seja na Corretora. Foram pessoas que eu conheci naquela época em áreas diferentes, mas que estão no banco, estão há tanto tempo. Você não só precisa saber o que faz cada área, mas quem faz o quê, mesmo as pessoas que já mudaram de área, mas você sabe para onde ela foi, o que ela está fazendo. Então, foi essencial naquela época, não tive toda essa noção na época, mas hoje mostrou ser valioso isso.
P/1 – E quando acabou o processo de treinamento e de conhecer as áreas, qual foi a sua atividade então, como é que foi passar de fato para prática no trabalho?
R – É, tem aquele belo dia que acaba o programa e você bumba, senta ali, e acho que esse é o verdadeiro primeiro dia de trabalho. No final de 1998, eu cheguei, “e agora, acabou o treinamento, acabou a rotação de área, estou sentado aqui do lado da pessoa que vai ser meu chefe”, que hoje é o economista chefe do nosso Asset, o Hugo Penteado, que era o meu chefe nessa época. Nós trabalhávamos em Produtos, estruturávamos Fundo de Investimentos, praticamente capitais protegidos naquela época, e começamos a trabalhar, ele é economista também de formação e a gente se identificou muito desde o primeiro dia, trabalhamos juntos até hoje na mesma área, não mais juntos, mas estamos no mesmo departamento. Logo percebemos que estávamos dentro do Asset e não estávamos fazendo a coisa que tínhamos mais vocação para fazer, estávamos na área de Produtos. Os dois eram economistas e queríamos ser economistas, mas não tinha uma área de Economia no Asset, a área de Gestão de Fundos do ABN, era muito pequenininha na época, o ABN era um banco de investimentos pequeno e nós, no finalzinho de 1998, começo de 1999, pedimos para o Luiz Maia, que era o diretor da área naquela época, para criar a área de Economia do ABN Amro Asset Management, que era o nome da empresa na época e ele decidiu apostar na gente, falou: “Ok, então vou passar as atividades que vocês têm em Produtos para alguém e vocês vão montar uma área de Economia, pois realmente está fazendo falta ter economistas aqui para pensar em Macroeconomia, como é que isso vai pegar lá as posições do mercado e tudo mais.” Então, à partir dali, desenvolvemos uma coisa do nada, que era uma área econômica que hoje é referência no mercado, está sempre dando entrevista na televisão, para jornal, é ouvida pelo Banco Central, o Hugo até hoje é economista chefe dessa área e nós desenvolvemos essa área de 1999 até 2003, tanto do ponto de vista de montar uma base de dados para sabermos, conseguirmos ter as planilhas para analisar os dados, até desenvolver formas de entrar em contato com os clientes, passar a nossa visão para os clientes, dar confiança para eles investirem com a gente. Então, participar dessa construção, depois de um ano ali trabalhando numa função que sabíamos que não era muito o que queríamos, me deu muito prazer até 2003, porque neste ano eu fui fazer mestrado no exterior.
P/2 – Essa área que vocês montaram, mais voltada para economia, de fazer análise de cenário, o que era exatamente?
P/1 – E qual era a importância disso em termos de perspectiva, por que é importante ter uma área assim?
R – Então, acho que nós estamos numa área, o Asset, Gestão de Fundos, estamos gerindo dinheiro dos nossos clientes, então são fundos de investimentos e as pessoas estão, basicamente, pessoas e empresas estão poupando para realizar seus sonhos, seja para se aposentar lá na frente, seja montar um negócio, uma empresa que está sempre investindo. Então, para sabermos onde aplicar esses recursos, a visão que temos de macroeconomia para esse ano e para os próximos é importantíssima para assumir o risco, se vale a pena ir pra Bolsa, tem que sair da Bolsa, compra dólar, vende dólar, aposta que os juros vão subir, que os juros vão cair, essa orientação, não toda ela, mas o pano de fundo para essa tomada decisões é a análise que o economista faz, então, a importância de não ter essa área, passar a criá-la e ver que ela tem um impacto importante nas decisões que são tomadas no dia-a-dia do investimento, vai impactar direto o bolso das pessoas e, consequentemente, no nosso. É muito realizador, é muito importante, tanto é que toda área de Gestão de Fundos tem essa figura, na área econômica, o economista chefe que é um formador de opinião nesse grupo. O nosso processo de decisão no ABN e no Santander não é diferente, é em colegiado, então é sentar, expor, persuadir os demais da sua visão, do seu cenário, do porquê ele é mais provável e por que você deve investir com base nele é importante. Além de ser importante para posição dos fundos em si, acho que acabou desenvolvendo uma veia que eu nem sabia que eu tinha, que era mais comercial, hoje eu sou responsável por uma área comercial, fazer esse trabalho todo de analisar, fundamentar a sua argumentação do porquê investir, não investir, acabou desenvolvendo um perfil que eu nunca me imaginei tendo, ser alguém de vendas, um comercial, hoje eu sou, acabou vindo desse trabalho, muito desse trabalho.
P/1 – Então, para retomar, agora, o que eu queria saber mesmo um pouquinho é sobre a chegada do Real para o ABN, qual foi o impacto, quais foram as ações primeiras a serem feitas.
R – Então, acho que a chegada do Real para o ABN mudou a escala de tudo, passa de um banco de investimentos pequeno para um banco de varejo enorme, espalhado pelo país inteiro. Então, trouxe uma perspectiva muito boa para todo mundo e tinha uma complementaridade fantástica, ninguém foi demitido em nenhum dos lados, porque um era só banco de atacado, outro era basicamente banco de varejo, o banco de varejo que ficou no Real, então, agora que chegou, encaixou. Então ficou todo mundo de lá e de cá, eu lembro que foi um momento muito alegre, tanto para quem estava no Real, quanto para quem estava no ABN, que é um caso raro numa aquisição. Geralmente você tem sobreposições, gera-se redundância, você tem desligamentos. Foi uma fusão que passou de maneira tão tranquila, nesse aspecto, que todo mundo só viu, de fato, coisa boa. Nós, da área de Fundos de Investimentos, fomos os primeiros a mudar lá para o prédio do Real em si. A gente chegou, tinha toda carinha ainda do antigo dono, era um prédio bem antigo que foi sendo modernizado. Chegamos lá, tinham alguns hábitos meio estranhos ainda no Real, de você, se o presidente do banco está no elevador, ninguém fica junto, tem que sair, tínhamos que sair na época, o antigo dono, o Fábio Barbosa, que era presidente na época, não precisava.
Às vezes, os seguranças do Banco Real pediam: “Senhora, deixa eu ver a sua bolsa antes de você ir embora para casa.” As pessoas estavam acostumadas a mostrar que não estavam levando nada para casa, mouse, sei lá, telefone. (risos) Era algo muito estranho para quem era do ABN, até que a cultura do ABN imperou e não tinha mais esse tipo de coisa, tinha gente que abria o porta malas do carro saindo da garagem para o segurança olhar. O impacto inicial foi bem: “Puts, olha só o que está acontecendo aqui, será que é assim mesmo que é trabalhar em banco de varejo?” E era nada, era uma cultura do antigo dono que acabou não prevalecendo, mas foi algo que deu para nós, da área de Fundos de Investimentos, muito destaque, porque éramos uma área pequena que passou a ser uma área muito grande, passamos a ter um tamanho que impactava já o mercado, nossas movimentações, nossas decisões de investimentos, os produtos que lançávamos eram percebidos pelo mercado, viravam matérias em jornal, entrevista para dar, queriam saber a nossa opinião, o que o ABN estava pensando. Era a sexta, sétima maior área de Gestão de Fundos no Brasil, na época, hoje somos a quarta. Então, acho que deu autonomia, deu relevância, foi muito bacana participar de todo esse processo por conta disso, e deu crescimento para todo mundo, começou a dar oportunidade para todo mundo, não só de aparecer, mas de você desenvolver carreiras. Teve muita gente mudando de área, porque apareciam áreas novas que podiam aproveitar as suas habilidades, que você já tinha desenvolvido num banco menor, mas agora numa escala muito maior. Um pouco dentro dessa discussão de “o que fazer com a carreira”, dado que aumentamos muito, é que veio a possibilidade de fazer mestrado fora para mim, que era uma coisa que nem o ABN tinha e nem o Real tinham, mas que ambos juntos conseguiram criar, um programa de MBA Internacional administrado no exterior. Então, isso mostra o impacto direto no indivíduo de que uma escala maior começou a propiciar a partir daquele instante, mas foi muito gratificante de ver o negócio, ambos se encaixarem sem perder muitas pessoas, ganhando muita escala, ganhando muita relevância, ganhando muita visibilidade.
P/1 – E como é que foi para sua área? porque nesse momento vocês estavam criando a área de Economia, então como é que foi? Vocês estavam criando para um pequeno e já estava vendo um banco que impactava todo o país.
R – Até aí teve complementaridade porque a área de Economia que existia no Real foi levada pelo antigo dono para o Alfa, que foi o banco que ele constituiu depois. Então, chegamos lá e também não tinha, a sobreposição não existiu e o desafio do trabalho continuou o mesmo, de traçar os cenários e tal, e ficou muito parecido, ele passava a ter uma escala muito maior de abrangência. Então, antes geríamos dez bilhões de reais, estava gerindo quarenta depois, de um dia para o outro, você quadruplicou o seu tamanho depois da fusão, então isso deu uma relevância muito grande para escala do trabalho, a natureza dele não mudou tanto. Ele passou a ter o quê? Necessidade de mais gente. Passamos de uma área econômica que tinha duas pessoas para três, depois para quatro e depois cinco, então foi aumentando porque tínhamos que gerar mais relatórios, visitar mais clientes, fazer mais apresentações, palestras para os clientes, então aumentou a escala, mas a natureza do trabalho continuou a mesma, o intelectual de sentar, pensar a economia, analisar os dados, ficou muito parecido como é até hoje.
P/2 – E em termos de produtos, como foi a junção? Os produtos do ABN e os produtos do Real, foi criado um terceiro grupo de produtos para esse banco novo, como foi?
R – Tem um processo grande de fusão nas matrizes de produtos, mas como eu tinha mencionado, era um banco de atacado e outro de varejo, elas meio que se complementaram também. Teve muita complementaridade mesmo, se você conversar com outras pessoas que trabalharam no Real em diferentes áreas, seja Crédito, sei lá, seja num Banco de Investimento, eles vão te contar histórias. Claro que tem exceções, mas, no geral, de muita complementaridade. Então, não foi um processo muito desgastante ou que gerou conflito, não, muito pelo contrário, teve muita complementaridade, a gente começou a fazer coisas no ABN que a gente não fazia por causa do Real e vice versa. Teve muito mais sobreposição, por exemplo, quando o Real comprou o Sudameris, eram dois bancos de varejo se juntando, ali foi um processo bem mais desgastante de ter sobreposição, ter que mandar gente embora, ter que fechar alguns produtos, ter que fazer escolhas bem mais duras do que foi aquela no instante entre ABN e Real, foi uma fusão muito feliz.
P/1 – E como é que foi então o processo de você participar desse mestrado fora? Como é que foi escolhido o lugar em que você fez e a área do mestrado?
R – Então, mais ou menos lá pra 1999, 2000, eu já começava a falar com o meu diretor na época, que era o Luiz Maia, de caminhos de carreira. Eu tinha muito clara a noção de que eu não gostaria de ser só um economista técnico, só fazendo aquilo ali sempre, eu gostaria de ter uma carreira executiva, de mexer com o negócio em si também, não só na geração de conteúdos e cenários. E em 2002, o ABN na época tomou a decisão de formar um programa internacional de MBA, de mestrado no exterior, formalmente. Até então, havia casos de gente que ia estudar fora, muito no caso a caso, muito na indicação, e formalizou. É um processo assim, você tem que ser indicado, passar nessa prova, entrar em tais faculdades, tinha uma lista de faculdades nos Estados Unidos, uma lista de faculdades na Europa onde o banco poderia dar o suporte, patrocínio. Na época, tanto eu como outro colega também do Asset, eram umas vinte pessoas mais ou menos que estavam buscando estudar no exterior. Entramos eu e ele. Eu entrei em INSEAD, na França, e esse colega foi para a Business School, em Londres. Tanto eu quanto ele entramos em mais escolas do que essas, mas nós acabamos optando por essas. Eu escolhi INSEAD por ser a mais generalista de todas, assim, ser a mais voltada para gestão de empresas, até então, economista calculando inflação, projeção de PIB, então eu queria realmente abrir leque, não tinha nunca estudado estratégia, marketing, esse tipo de coisa, então, isso acabou me levando para o INSEAD. Ajudou muito o fato de meu pai ter estudado no INSEAD na década de 1970 e ter tido esse contato. Eu já tinha visto a forma como ele trabalhava, já tinha visitado a escola em que ele tinha estudado, mas nunca imaginando que eu estudaria lá um dia, que eu aplicaria para aquela escola. No dia que chegou a carta do INSEAD dizendo que eu fui aceito, eu parei de fazer o application para as outras faculdades, eu já tinha sido aceito na London Business School, na New York University, mas não, “é essa aqui que eu quero”, ela é mais de general management mesmo, de gestão geral de negócios. E ajudava outra coisa, porque o curso lá é de um ano, não era de dois anos, e eu queria ficar parado pouco tempo. Significava que o curso é muito mais intenso do que o curso de dois anos, você tem aula todos os dias das nove da manhã às seis da tarde, inclusive no sábado, então, ele foi mais desgastante pessoalmente, foi mais intenso e bem desgastante no começo, os seis primeiros meses são muito duros mesmo, mas estava mais concentrado no tempo. E foi muito bacana, porque além de ter a experiência internacional em si, eu me casei três dias antes de ir para lá. A gente já vinha conversando disso, com a minha esposa, a Andressa, que tínhamos essa vontade de estudar no exterior, ela também tinha, então fomos fazendo todo o processo, começamos a estudar francês juntos, eu já tinha uma ideia de que eu gostaria de estudar em INSEAD. Então, estudamos juntos, porque apesar do curso ser em Inglês, a vida é em Francês, você está na França. Ela foi se preparando também para isso, tanto é que quando eu estudava na INSEAD, nós morávamos em Fontainebleau, a cinquenta quilômetros de Paris, e ela ia para lá todos os dias para fazer o curso de arquitetura de interiores. Ela é arquiteta, então foi muito interessante não só pela experiência educacional, mas sim de abrir leque, de poder voltar para o Brasil com um espectro profissional mais amplo, de estar também nesse primeiro ano de casado completamente atípico. Fomos com o patrocínio do banco, no final consegui patrocínio do banco integral tanto para o curso quanto para os custos de moradia, de vida lá, então foi um primeiro ano de casado muito atípico, mas muito gostoso. Acho que, se você falar tanto comigo como com ela, foi o melhor ano da nossa vida até hoje, que é um ano bem atípico nesse aspecto, estudando, conhecendo outro país, muito gostoso.
P/1 – E como é que foram, então, as aulas? Você falou que o primeiro semestre foi difícil. O que você trouxe de bagagem dessa viagem, desse um ano de investimento estudando fora?
R – Os seis meses são muito duros, porque eles fazem o seguinte, é meio cruel na escola, se você ficar três desvios padrões abaixo da média da turma, você está fora. Três desvios padrões é grande, é pequeno, você não sabe disso no começo, eu sempre fui um aluno que tirou sete e meio, oito. Eu aproveito de 75% a 80% do conteúdo e tiro isso na prova. (risos) Sempre fui isso a vida inteira, cheguei lá e continuei sendo o aluno sete e meio, oito. Aí, você pega uma classe que está cheio de indianos, chineses, japoneses e os seis primeiros meses são muito quantitativos, tem Estatística, Finanças I, Finanças II, é super numérico. E esses caras, a média deles não é sete e meio, oito, é 94, 95 e aí você está dois desvios abaixo da média e já começa a ficar com medo, é meio tenso nesse aspecto. Você está com gente muito boa do mundo inteiro, são quase cem mil pessoas se inscrevendo para trezentas vagas. Como o nível é muito alto, isso assustou muito no começo, principalmente porque são todas as matérias mais quantitativas, os seis primeiros meses são assim, os seis meses seguintes são muito mais intuitivos, de estratégia, marketing, política, onde eu tenho uma tendência a ir melhor. (risos) Aí eu tirava uma média mais alta que os engenheiros indianos e eles ficavam com uma preocupação de serem mandados embora. (risos) Mas no começo foi muito tenso por conta disso, você está fora, em outro país, outra alimentação, com outras pessoas, sem família perto, a não ser com a minha esposa lá. Nesse momento a gente se apoiou muito, acho que se não fosse ela lá, eu não teria concluído o curso nem ferrando, porque ela me deu um apoio muito grande, que é complicado esse comecinho. Mas apesar de toda essa tensão no começo, foi muito rico, sempre fizemos as coisas com um viés muito positivo e só reforçou, tanto para mim quanto para ela, que com muito esforço a gente faz as coisas, mesmo num ambiente mais complicado.
P/1 – E dessas trocas culturais, o que você trouxe? O que ficou marcado, essas amizades, essa troca de…
R – O que você faz é exatamente isso, são amigos no mundo inteiro, eu tenho amigos desde a Rússia até a Ásia, aqui na América Latina, nos Estados Unidos, você conhece gente do mundo inteiro, é uma escola internacional. Nenhuma nacionalidade no INSEAD tem mais que 10% da turma, então você tem muita gente de muitos lugares e a preocupação que eles têm, todos os trabalhos são em grupos, é tudo em colegiado que é decidido lá, a não ser as provas, que são individuais, nunca tem duas pessoas da mesma nacionalidade. Então, o saber lidar com essa diversidade de opiniões e o quanto isso enriquece o processo é o que você traz, além do conteúdo em si, que não é muito diferente se você for a outras escolas em Marketing, em Administração, você vai estudar com os mesmos livros, mas acho que é esse conteúdo das pessoas que participam e da senioridade que elas têm, ninguém entra nessa escola com menos do que oito anos de experiência de trabalho, então todo mundo tem uma certa bagagem já para contribuir nas aulas e nos grupos. Isso você acaba trazendo, o relacionamento e essa diversidade, como isso contribui de fato. Isso poderia virar um problema, poxa, o meu grupo não faz nada porque tem um cara da Rússia, um da Bélgica, um holandês, tinha um americano e eu, esse era o meu grupo de trabalho, um russo da Sibéria, um brasileiro aqui de São Paulo... As opiniões são muito diferentes e você tem que fazer a coisa funcionar e levar de fato os projetos à frente, aí é relacionamento que vai para o resto da vida que você acaba levando.
P/1 – E como é que foi a volta para São Paulo depois desse um ano estudando e conhecendo outras pessoas, outras culturas e se empenhado ali naquela rotina? Como é que foi voltar para cá e aplicar esses conhecimentos, mostrar o que você estudou, aprendeu, trouxe?
R – A volta sempre é complicada. Bom, meu irmão fez Stanford dois anos depois de mim e voltou, a volta dele foi complicada. Estou falando agora com pessoas do banco que estão voltando, também estão com voltas complicadas. Acho que muitas vezes as empresas não se preparam tão bem para receber as pessoas que mandam para fora para estudar. Então, quando você volta, você tem várias complicações, desde achar onde você vai morar, não sei se você volta, você não mora mais com seus pais, precisa encontrar um lugar para morar até saber o que você vai fazer no trabalho. Eu voltei como gestor de fundos, eu voltei para fazer gestão, não vou mais ser o economista que dá o cenário, eu vou alocar os recursos nesse ou naquele ativo, nesse ou naquele gestor para fazer o negócio render. Eu trabalhei com isso durante mais ou menos um ano. Até chegar na decisão de que era isso que eu iria fazer, você fica ali no limbo uns dois meses e meio, quase três meses, que é um período de ansiedade muito grande, você se sente super qualificado, querendo fazer. Você ficou estudando um ano, está morrendo de vontade de voltar para o concreto, para o trabalho do dia-a-dia e esse período de decisão ainda é um pouco tenso. Ao mesmo tempo, estávamos procurando apartamento onde morar. Nós voltamos, ficamos morando com o meu sogro uns seis meses até achar onde morar, reformar e mudar, então, a volta é meio tensa, meio conturbada, mas uma vez decidido, tanto onde morar quanto o que eu ia fazer, as coisas fluíram muito bem. Nessa época, fui uma das pessoas que ajudou a introduzir no nosso mercado, dentro do Banco Real, fundos multimercado, fundos com vários ativos, e esse trabalho me deu uma exposição e a possibilidade de eu estar onde estou hoje, numa função comercial, onde acho que eu me encontrei de vez. (risos) Como estávamos fazendo a gestão de algo novo, precisávamos treinar os gerentes para vender isso, tanto os gerentes de Private Banking, as agências no varejo, o banco de atacado, e isso desenvolveu um contato comercial. Na verdade, foi persuadir uma força de vendas ao vender o seu produto, e isso culminou em 2005, já um ano depois de eu ter voltado, voltei em 2004. Então, finalzinho de 2005, um pouco mais de um ano depois, o holandês que era responsável pelo Brasil me fez um convite para ser responsável pela área comercial do ABN Real de distribuição de fundos, inicialmente voltado para o varejo, para as agências. Pensei: “Cara, um comercial, será que eu sou um vendedor, nunca me vi como um vendedor, sempre me vi como um cara mais de conteúdo, economista, agora gestor e tal” e eu falei: “Ok, mas eu gostaria de montar um plano de negócios para isso, para fazer do meu jeito.” E aí entrei em parcerias com pessoas que estão no Banco até hoje, no banco de varejo, montei um plano de negócios para aquilo e fui colocado na posição de fato, o plano foi aprovado e aí fui levando de uma atribuição comercial para outra cada vez maior. Então, depois do varejo, eu passei a administrar também o Private Banking, distribuição de fundos para o varejo, depois fui para Private Banking, daí mais recentemente, por ocasião da aquisição pelo Santander do Real, a Luciane Ribeiro, que é minha diretora executiva hoje, me convidou para assumir toda a área comercial, inclusive o atacado, as áreas de empresas, o Corporate, as demais, fazer a coordenação de tudo isso. Como eu não acredito muito em lideranças contemplativas, eu falei: “Eu assumo a coordenação da área comercial, mas eu gostaria de manter um canal comigo, eu gosto muito de trabalhar com o varejo, então, eu gostaria de manter como responsabilidade minha direta.” E ela concordou: “Se você der conta, pode fazer.” “Mas eu quero dar o exemplo para minha equipe, se eu vou coordenar esses outros canais, eu quero ter, para ser de minha responsabilidade, eu tenho que gerar resultados, vendas e tudo mais, estar lá na frente de combate junto comigo.” Ela concordou e isso vem desde o finalzinho de 2008, eu estou com a área comercial de gestão de fundos com essa conformação, agora tentando me dedicar um pouco menos ao varejo e mais a outros canais que estamos tentando desenvolver, mas foi um pouquinho essa a história da volta.
P/1 – Então, antes da gente falar da chegada do Santander, eu queria saber como é feita essa divisão de fundos, como é que foi pra você encarar então
a divisão de fundos do varejo, como é que isso é estruturado, você tem que ter uma certa perspectiva, qual perspectiva é essa?
R – Então, achei até bom essa carreira ter começado mais comercial, pelo lado do varejo, acho que é um dos canais mais complexos porque: “Puxa, investidor em agência, é difícil.” Ele não é em si difícil, mas ele é muito complexo em relacionamento. Para as coisas acontecerem, de fato, lá na ponta, é importante você coordenar muito bem as suas iniciativas. Eu sou de uma área de produtos e uma agência está vendendo ‘n’ produtos, tem seguro, tem cartão de crédito, tem investimentos, CDB, poupança e fundos ainda, então, quando você trabalha com esse parceiro, é muito fácil que ele vire seu opositor e não é para ser seu opositor, é para ser seu parceiro, de tal forma que o seu produto tenha espaço ali dentro, porque tem um cliente ali na ponta que precisa dele. Então, acho que foi muito com essa mentalidade que fizemos uma aproximação grande com o banco de varejo, com o pessoal que está lá na agência mesmo, atendendo os investidores na ponta até a gente, na oferta de valor dele, ver que realmente esse produto agrega, ele fideliza o seu cliente, uma vez que você consiga ele lá, você consegue trabalhar, inclusive outras coisas que você conquistar. Isso é o que as pessoas têm de mais caro, que é o dinheiro que ela conseguiu guardar. Acho que junto com isso, contribuiu bastante esse trabalho que eu fiz como gestor de fundos um ano, um ano e meio antes de ser comercial. Eu comecei a escrever para jornal nessa época, comecei a escrever para Gazeta Mercantil sobre mercados, isso até gerou meu primeiro livro, uma coletânea de artigos. Um editor falou assim: “Você já escreveu tantos artigos bacanas que se você colocar nessa ordem, dá um livro”. É um livro que nasceu quase pronto sobre finanças pessoais, esse livro foi lançado em 2006 e isso depois gerou um convite para escrever para o Valor [Econômico], para onde eu escrevo até hoje, mensalmente. Então, isso gerou uma forma de fazer a venda, mas uma venda com conteúdo, uma venda com um porquê, essa questão de trabalhar os ativos, por que investir nesses ativos agora e não em outro, como se comportar em momentos de crise. Isso acabou gerando uma abordagem comercial que está muito associada a um conciliamento de investimento, e no final, você acaba vendo no seu produto, não é porque você está empurrando o produto porque ele tem essa e essa característica, mas porque eu entendi quem é você, o que você quer fazer, eu entendi a economia e aqui está uma solução para você mais adequada ao que você quer, a venda vem como uma consequência de entender o cliente. Acho que essa volta toda que passou por ser economista, depois gestor, depois escrever para jornal, saiu com uma abordagem comercial que é... Acho que ela é mais elegante, (risos) é mais eficiente, no final das coisas. E acho que por trás de tudo isso tem uma noção de propósito também. Hoje, no Brasil, só 1% da população aposentada tem recurso para se sustentar depois da aposentadoria, 99% das pessoas dependem da ajuda da família. Eu tenho caso na família, capaz que vocês tenham, meus avós precisavam que meus pais pagassem o plano de saúde deles, o medicamento deles, então, as pessoas não têm 100% de autonomia financeira depois da aposentadoria, 99% no Brasil. Nós começamos a olhar um pouco também esse enfoque, comecei a levar para o meu trabalho isso: “Eu posso contribuir para aumentar esse número para dois, três, quatro, cinco que seja.” E está diretamente relacionado a esse tipo de abordagem que eu venho dando para a atividade do investimento com qualquer cliente que a gente tenha, seja uma pessoa no varejo, seja cliente de Private Banking, que tem uma grande fortuna, uma empresa que está montando uma, no final tem pessoas físicas ali por trás tomando decisões que vão impactar a independência ou da empresa ou das pessoas lá na frente. Acho que essa noção de propósito dá muito gosto pelo trabalho. Quando eu acordo de manhã cedo, eu venho para cá pensando um pouco nisso, no que eu posso fazer para ajudar isso a se desenvolver mais, que não é uma realidade muito legal. A gente tem trabalhado isso dentro do banco, já desde muito tempo, isso continua acontecendo, trabalhar a questão de educação financeira também no trabalho, então fazemos palestras de educação financeira para os nossos clientes, educamos os nossos gerentes para vender os produtos de investimentos de uma forma mais em linha com isso que conversamos agora há pouquinho.
P/1 – Antes ainda da gente falar do Santander, na chegada do banco, por que foi importante essa sua fase no jornal, escrever no jornal? Como é que surgiu essa oportunidade?
R – Ela surgiu a convite da assessoria de imprensa do banco: “Você não gostaria de escrever sobre tal tema? A Gazeta Mercantil está encontrando dificuldades de falar de como investir em momentos de crise.” Daí eu falei: “Tá bom.” E fiz um artigo, eu achei que fosse ser uma vez e teve uma repercussão muito boa, chegou muita carta no jornal e aí: “Olha, você não quer fazer outro por tal tema?” Então começou por demanda, depois virou um convite de ter uma coluna mensal, que depois que a Gazeta acabou, o Valor começou e acabou indo para o Valor também. Isso foi importante não só do ponto de vista de parar pra pensar pra gerar conteúdo, mas acho que para mostrar publicamente que dentro do banco tem esse tipo de pensamento, esse tipo de abordagem, acho que isso deu um reconhecimento bom para o Banco, para mim obviamente também deu, porque dá uma visibilidade, mas acho que passa a imagem de que o Banco não está aqui só pra oferecer o produto, a gente vem aqui para dar conteúdo, assessoria e tudo mais, acho que foi uma forma de deixar isso mais visível, mais público.
P/1 – E como é que foi, então, agora, o impacto da chegada do Santander para o seu trabalho? Como é que foi vista a notícia, como é que foram encarados os primeiros passos dessas questões?
R – Eu acho que particularmente, na história da área de gestão de fundos, acho que teria um grau de tensão a mais, foi um processo tenso para o banco inteiro, porque não é uma fusão daquelas ABN e Real super complementar. Existem sobreposições, são bancos muito similares aqui, até do ponto de vista de tamanho. A questão é que na época em que o Real foi comprado pelo Santander aqui no Brasil, a minha área, área de Gestão de Fundos, onde eu trabalho hoje, foi vendida para outro banco que se um banco belga, chama Fortis, mas era consórcio, o Scotland Bank, o Fortis e o Santander destrinchando o ABN pelo mundo, e a área de Gestão de Fundos foi pro Fortis, então, durante alguns meses, nós viramos um banco belga. Nós convivíamos aqui, recebíamos visita aqui do presidente do Fortis Asset Management, dos seus encarregados de fusões e aquisições, para ver como no Brasil íamos operar esse negócio, e a gente falava: “Meu Deus do céu, 85% da nossa receita vem do varejo, vem das agências e as agências são do Santander e o Santander tem o Asset.” Então, até que o Santander e o Fortis entendessem que no Brasil essa área de negócios deveria ficar com o Santander, ficamos seis meses ou mais sem saber o que nós viraríamos e tendo que interagir tanto com o pessoal do Santander, mas principalmente com o pessoal do Fortis. Lá pelas tantas, isso já foi ao longo da crise de 2008, uma crise atrás da outra. (risos) Estava no meio da crise e o próprio Fortis começou a ter problemas de solvência pesados, acabou quebrando no final na Europa. Ele foi estatizado, na verdade, e ele ia vender a Gestão de Fundos pro Santander aqui no Brasil, aí nós, finalmente, quando o banco inteiro já estava virando Santander aqui, nós falamos: “Eba, nós vamos pra lá.” Nós tínhamos uma vontade muito grande de ficar com o pessoal do Santander, aliás, todos os outros nossos parceiros de área estavam virando Santander e a gente ia virar Fortis, no final, todo mundo recebeu com muito alívio: “Poxa, nós vamos virar Santander, de fato.” Então, apesar da tensão inicial, acho que foi seguida de um grande alívio depois e que aí vem de fato a fusão. Para nós houve a decisão de que a Luciane Ribeiro, que é a diretora responsável pelo Asset hoje, que era responsável pelo Asset Real, permanecesse na função. Ela foi responsável por todo processo de integração, responsável pelo Asset até hoje, foi aí que ela me fez o convite para coordenar toda área comercial, não só varejo e Private que eu estava coordenando, começar a fazer a coordenação, começar dos canais de atacado, então isso trouxe, de novo, mais um salto quantitativo. Passamos, sei lá, éramos o sétimo, ou oitavo em Asset no Brasil e passamos para o quarto. Hoje, é o segundo maior privado. Então, isso deu uma escala muito maior para as coisas, uma equipe muito maior, passei de uma equipe de cinco pessoas, hoje tem dezessete pessoas, chegou a ter 22 pessoas, então, mais uma vez escalou as responsabilidades, o mercado em que a gente atua, como qualquer fusão, e as coisas duras também de você ter que fazer sinergias, de ter que cortar pessoas, reduzir o quadro, porque há sobreposição, era uma fusão onde havia sobreposições, então, você tem essa parte mais dura, associada a uma fusão que tem essa característica de sobreposição.
P/1 – E como que é a relação do Asset com o resto, com as outras áreas do Santander? São empresas independentes ou estão juntas? Como é que funciona?
R – O Asset tem que ser independente, nosso dinheiro não é do banco, é dos clientes, é o meu dinheiro, seu dinheiro que está lá, são clientes, recursos de terceiros, então, nós somos separados do banco de fato, é uma empresa, uma S.A. separada. Se você tentar entrar na nossa área lá no oitavo andar, tem uma porta de vidro com crachá que tem um acesso restrito, por ser recurso de cliente. Apesar de termos essa separação formal e legal, dependemos muito do Banco para distribuir os nossos produtos nas agências, no Private Banking, o banco de atacado, o BI, de empresas, todos os segmentos que o Banco tem de áreas comerciais, então, precisamos coordenar essas ações direitinho com eles, quando colocar o nosso produto, quando não colocar. Então, essa gestão integrada, a gente está buscando fazer isso da forma mais institucional possível e mais aliada possível. No caso específico do varejo, um negócio que surgiu lá trás no varejo e que é mantido até hoje, é um Comitê de Investimentos, onde nós sentamos com o pessoal do Banco, sentamos com pessoas que em princípio seriam meus concorrentes, pessoal que faz CDB, Poupança, Previdência. Nós de Fundos sentamos juntos para ver o que é melhor para o Banco nesse instante, o que é melhor para os clientes, dada a oferta de valor que a gente quer levar para eles nesse momento. Nesse instante aqui, em que estamos conversando, Fundo de Investimento não é o foco, nós acabamos de deixar, nós fomos o foco no terceiro trimestre, agora, no quarto trimestre, deixamos de ser o foco, o Banco está precisando repor sua liquidez, então, CDB, Poupança, está precisando trazer recursos nisso, então, nós vamos dar uma prioridade nesse tipo de cliente neste instante, para esses tipos de produtos neste instante. Precisamos saber sair também um pouquinho de cena para que no momento oportuno a gente volte um pouco, então é um trabalho de muita coordenação, de muita abertura, de muita transparência, de muitas vezes sentarmos nesse Comitê com essas pessoas. Eu acho que é o Edson Franco que coordena esse Comitê, ele diz que precisam ser pessoas intelectualmente muito honestas, porque nesse instante você poderia estar lá defendendo a sua área a todo custo quando, na verdade, se fizermos isso, vai dar tudo errado. Precisamos olhar o Banco naquele instante e os clientes do Banco naquele instante, tirar o chapéu da área e botar o chapéu do Banco, botar o chapéu do cliente. Fazemos isso com muita disciplina nesse Comitê, isso rege as relações nossas com o varejo de uma forma bastante eficiente, fazemos ele trimestralmente já há dez trimestres seguidos e está funcionando muito bem. Você perguntou como iríamos integrar ao Banco, acho que é dessa forma, é tentando mostrar como que conseguimos contribuir para os clientes do Banco e para o Banco, naquele instante, tirando um pouquinho o chapéu da área.
P/2 – Só pra voltar um pouquinho, em termos de produtos do ABN Real, Santander, queria que você contasse um pouquinho dessa história, tem algum produto especial que merece destaque, que você como vendedor tem orgulho?
R – Ah, tem sim, com certeza tem. Conquistamos de 2008 para cá a liderança de mercado em produtos de capital protegido, temos algo próximo a 55% desse mercado, que é do Santander hoje. Isso foi uma estratégia que surgiu, isso já existia no Santander, então, quando houve uma fusão dos dois, eram um pouco diferentes os produtos, mas o conceito existia lá ainda de que instrumentos diferentes... Mas tinha uma ideia, uma experiência, um histórico muito bom de que dentro dessa fusão ele pôde tomar um novo corpo, ser oferecido para uma base de clientes muito maior e colocar a Santander em uma posição de liderança. Já fizemos produtos, são basicamente fundos que, se você colocar o seu recurso e as coisas saírem ;erradas, a Bolsa cair, no mínimo você leva o que você aplicou inicialmente, se a Bolsa subir, você leva a valorização que ela tiver e se ela cair até um determinado patamar, você ainda leva algum ganho também ali. Então, você tem a possibilidade de ganhar tanto na alta como na baixa e, se der tudo errado, você tem o seu capital devolvido. Temos 55% desse mercado no Brasil hoje, se não me engano, estamos com quase quatro bilhões de reais nesse tipo de ativo, então, somos líder incontestes nesse mercado, somos referência para esse tipo de produto. A concorrência nos imitou rapidamente, tanto é que nós fomos fazendo cada vez mais inovações, primeiro fizemos com Bolsa de Valores, depois com Metais Preciosos, já fizemos uma versão com Ouro, estamos estudando agora fazer com Commodities Agrícolas, estamos sempre um passinho à frente da concorrência nesse tipo de produto e vemos o Itaú, HSBC correndo atrás, te imitando, é sinal que estou fazendo algo certo, (risos) senão eles não fariam, mas temos ainda uma liderança muito grande nesse mercado. Agora, estamos fazendo alguns produtos também de capital garantido com moedas no Private Banking, tem tido muito êxito esse fundo, já está com quase duzentos milhões nessa versão. Então isso, participar de todo esse processo de criação, divulgação, você treinar uma força de vinte, trinta mil gerentes para vender esse produto de uma maneira correta, ele deu um retorno muito interessante para os investidores até hoje, então, tem um índice de reaplicação muito grande nesses fundos. O cara que colocou dinheiro uma vez, ele geralmente coloca novas vezes, ele consome novas vezes, o que significa que ele está gostando, está retendo, está fidelizando o cliente. Então, ter participado dessa história de desenvolvimento aproveitando algo que já tinha no Santander, refinando um pouquinho com as coisas que já eram do Real e fazendo isso virar algo que é líder de mercado, dá muito orgulho.
P/2 – Tem algum fundo que no Real era voltado mais pra questão da sustentabilidade, existe ainda? Ou tem planos?
R – Tem, inclusive está fazendo dez anos agora o Fundo Ethical, o fundo de ações cujos papeis são escolhidos não só por critérios financeiros, que a gente acredita na gestão da empresa, mas também que as empresas têm preocupações sócio-ambientais com a comunidade, com o meio ambiente, com os fornecedores e com os funcionários. Então, nós fazemos um outro filtro além do financeiro para escolher as ações, inclusive o nosso economista chefe, que é até hoje o Hugo Penteado, assumiu a gestão desse fundo, que ele também é referência em eco-economia, e o fundo já está aí há dez anos. Desde que ele foi criado, ele supera Ibovespa todos os anos, mostrando que as empresas que têm essa preocupação tem um patamar tal de gestão, de preocupação de solidez na sua tomada de decisão, que elas realmente rendem mais que a média das empresas da Bolsa. Esse fundo foi criado no Real há dez anos, foi o primeiro na America Latina, existe até hoje. Vamos fazer agora em novembro um evento com clientes para comemorar esses dez anos e essa performance que ele tem tido. Ele tem mostrado que a tese dele é verdadeira, empresas que têm esse tipo de preocupação são menos arriscadas para se investir e rendem mais do que as que não têm essa preocupação, então, isso vem muito forte lá do Real e é mantido com muito afinco pelo Santander, que é algo que traz muito reconhecimento tanto pelos clientes e em diversos segmentos, tanto varejo como no Private, como Fundos de Pensão. Acho que isso é uma coisa bonita desse produto. É mais do que um produto, ele é um conceito, é uma ideia e uma ideia que tem se traduzido em números muito sólidos de rentabilidade, não é tudo no dinheiro para uma doação, não é isso, não é esmola, (risos) ele realmente está sendo usado de maneira sustentável para gerar o lucro de empresas que têm boas práticas, e isso está acontecendo de fato.
P/1 – E a gente está aqui falando de Asset Management, a gente está fazendo um documento e tal, nem todos sabem como é que essa área funciona. Você poderia explicar pra gente?
R – Então, basicamente, nós fazemos gestão de fundos de investimento. O que são fundos de investimento? Acho que a maneira mais fácil de explicar é fazer uma alusão a um condomínio, são várias pessoas que se unem num veículo, que é o fundo de investimento, para investir no mercado financeiro e juntas, ao botar os nossos recursos juntos, têm uma massa crítica maior para ter uma condição de fazer os investimentos do mercado de uma maneira mais competitiva, ao mesmo tempo delegando essas decisões de investimentos para uma equipe que tem um economista, tem um analista, tem gestores, tem gente olhando para o mercado, que é algo que eu não quero fazer. Sou médico, sou arquiteto, não tenho tempo pra olhar o mercado financeiro, então, vou delegar para esse grupo de gestores que vão formar o condomínio com vários investidores para fazer essa aplicação de maneira conjunta, colegiada no mercado. Então, estou delegando para alguém essa decisão, porque eu não quero esse envolvimento. E aí tem fundos de renda fixa, de ações, tem vários mercados, multimercados que fazem todos os ativos, então, de uma maneira bastante simplificada, acho que a visão do condomínio, assim como o condomínio tem o seu regulamento, tem suas regras que são observadas, tem um regulador. A CVM [Comissão de Valores Mobiliários] nos olha, nos observa, ANBIMA [Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais] também nos autorregula, ele é muito transparente também esse ponto de vista, acho que essa é a forma mais transparente de colocar.
P/1 – E a gente estava falando também da relação dessa área com o Santander. Como é que funciona, então, num global? Porque o Santander é um banco internacional, como é que ele se relaciona com as outras…
R – Com as outras Assets no mundo? Isso é o que está muito em voga agora, as Assets do Santander sempre foram muito ligadas ao seu banco localmente e sempre se falaram muito pouco entre si, o responsável global por essa área, o Ronald Carás, espanhol, está em Madri, está com o desafio de internacionalizar essa área, de fazer com que a gente troque mais ideias entre nós, não só ideias de produtos, de abordagens comercial, mas que a gente possa também ofertar nossos produtos em diferentes mercados. Nós estamos para lançar o Fundo de Ações Brasileiras nas agências do Santander do Chile, então, nessa interação global está vindo esse contato com uma equipe que está lá no Chile, o Santander é o maior banco privado, o maior banco do país hoje no Chile que vai passar a vender um Fundo de Ações Brasileiras lá, isso está começando agora e deve se intensificar muito. Nesse instante em que eu estou aqui falando, minha Diretora Executiva Luciane Ribeiro está na Ásia fazendo um multishow para vender os nossos produtos lá, já passou por Hong Kong, pela China, pela Coreia, está hoje no Japão conversando com bancos para gente distribuir esses produtos lá também para atender aos japoneses que querem aplicar recursos no Brasil. O Brasil está tão em voga agora, então, esse aspecto que você tocou é uma nova fase para nós, de internacionalização mesmo, de conectar essas unidades que sempre foram muito separadas.
P/1 – Certo. E você falou um pouquinho dos clientes, de como é que funciona essa área, quem são esses clientes, como é que dá a aproximação com eles, essa fala.
R – Você diz com o cliente final mesmo?
P/1 – É.
R – Vai depender do segmento. Se pegarmos o varejo, que são as agências, quem está em contato direto com esses clientes são os gerentes das agências, então, nós temos um trabalho de qualificar esses gerentes, de treiná-los, de mantê-los informados de que fundo ofertar para que cliente e em que instante. Então, temos uma coordenação comercial com o Banco para permitir que isso aconteça da forma mais funda e dentro das orientações que o Banco quer dar naquele instante, que é a definição daquele Comitê que eu mencionei. Então, no caso do varejo, nós vamos a visitas junto com os gerentes quando somos convocados, quando fazemos um esforço concentrado em alguma superintendência, alguma regional. Frequentemente, nós fazemos eventos com esses clientes, o Banco tem a prática de reunir em um hotel no final do dia, cem, duzentos clientes para irmos lá falar de economia, falar de decisões de investimentos, de como alocar os recursos, sobretudo sobre educação financeira, que é muito forte na proposta de valor do Banco, então, fazemos mais de cem desses eventos por ano. Conseguimos, se tiver cem clientes em cada evento, falar com dez mil clientes em um ano dentro desses eventos, levando assessoria de investimentos e conteúdo. Nos demais canais, se olharmos o Private Banking já tem a sua própria estrutura, então, é muito mais um trabalho de suporte, já tem o seu estrategista, tem a sua equipe para pedir aconselhamento de investimentos, o banco de atacado é mais direto com os bankers, que tem contato com as empresas, aí são informações mais específicas de produtos e eventualmente somos convocados para ir a uma reunião com esses bankers, e um cliente que temos 100% de contato lá na ponta são os Fundos de Pensão, são clientes 100% do Asset Management, então são aqueles grandes fundos que estão compondo para aposentadoria seja dos funcionários de uma empresa estatal. Então, administramos parte dos recursos desses Fundos de Pensão, então, ali estamos em contato direto com diretor financeiro, presidente do Fundo de Pensões, que toma as decisões no dia-a-dia, para explicar porque aplicar conosco, tipos de mandato, por quanto tempo, esse tipo de coisa.
P/1 – Então, você estava falando das palestras, dos encontros e do relacionamento do cliente, qual é a importância e a função da marca nessa hora, o que faz ele olhar para o Santander, qual é o diferencial do Santander, como que ele vê?
R – Acho que particularmente para investimentos é essencial, para a maioria, as principais coisas que o Banco faz são o quê? Emprestar dinheiro. O Banco empresta pro cliente e quem está devendo pro Banco é o cliente, no caso do investimento é ao contrário, o cliente está colocando o dinheiro conosco, pra nós rentabilizarmos o dinheiro e nós estamos devendo para ele, então, aí a relação de confiança é essencial. Geralmente é aquele dinheirinho suado, que você conseguiu guardar com muito esforço, você trabalhou muito para isso, então, nesse aspecto, ter uma marca que é percebida como sólida, global, de um grupo financeiro que está no mundo inteiro, diversificado e tal, é essencial, essa noção de solidez, e a gente vê muito em pesquisa: “Por que você investe com esse banco?” O primeiro ponto lá é solidez, ninguém aplica em banco que está dando prejuízo, que está prestes a quebrar ou que está com o noticiário muito negativo, então, para nós, a força que a marca tem, o Santander se orgulha muito de chamar de fortalezas e tudo mais, é essencial você ser referência nesse aspecto. E agora isso está se provando muito concreto, durante toda essa crise que está acontecendo agora, ouvimos isso dos clientes com toda razão e temos que ser transparentes para tratar desse dado. É uma crise europeia, a Espanha está no centro da confusão toda e nós somos um banco espanhol: “Poxa, eu vou botar meu dinheiro aí?” E tem concorrentes nos atacando dessa forma: “Olha, tira o dinheiro de lá porque a Europa, pá, pá, pá.” E o Santander tem uma forma muito forte de comunicar isso para os clientes: “Ok, nós somos um banco espanhol, mas estamos no mundo inteiro e uma parte pequena do nosso resultado hoje depende de um único mercado, ou do mercado espanhol particularmente, que está muito mal, do mercado português. Hoje já tem 25% no Brasil, já tem quase 40% na América Latina, tem países desenvolvidos que já estão numa trajetória de recuperação mais forte.” Então, a forma como o Banco comunica isso com toda essa transparência faz com o que poderia ser uma fragilidade grande pra gente, nesse instante acabe virando ainda uma forma de se diferenciar. Então, para nós é absolutamente essencial, por essa relação de deveres e obrigações que com investimentos, com fundos de investimentos é diferente do cliente de crédito.
P/1 – E você chegou a comentar também sobre a questão da educação financeira. Por que isso é importante para o Banco, mostrar a educação financeira em se pensando numa perspectiva, pensando no mercado daqui a uns cinco anos ou dez?
R – Acho que tem duas razões para isso, a primeira eu já mencionei de passagem, que é essa questão de... Acho que temos essa função social maior no Brasil de, com o aumento de educação financeira, aumentar o número de pessoas que tem independência financeira, acho que isso é um tema que está por trás de tudo. Agora, particularmente, para nós, acho que para produtos financeiros de uma maneira geral e fundos de investimentos, não é exceção, é meio que intuitivo. Na maioria das indústrias, quanto menos o cliente sabe do seu produto, melhor. Eu gosto de dar esse exemplo, o shampoo Seda é líder de mercado e o seu cabelo é incapaz de absorver Seda, as primeiras vezes que saiu o shampoo Seda, tinha seda lá dentro e ficava na cabeça das pessoas, parecia que as pessoas tinham caspa, hoje não tem mais seda, mas eles mantêm o nome Seda porque você sente o seu cabelo sedoso. A Procter & Gamble vai me processar se eu falar isso, (risos) mas esse é um caso que na indústria de bens de consumo, você explora de certa forma a falta de conhecimento do seu cliente para emplacar o seu produto. Se a gente fizer isso, estaremos perdidos na indústria financeira, se você vender um fundo de ações para uma pessoa que não quer ver nem por decreto cem reais virarem noventa, isso vai voltar para mim, então, quanto mais o meu cliente sabe do meu produto, melhor para mim, ele vai entrar com a cabeça certa, ele vai aturar até de vez em quando alguma perda sabendo que lá na frente tende a render melhor, quanto mais ele souber do meu produto, melhor para mim e melhor pra ele, essa relação fica mais duradoura. Quando você baliza as expectativas, então, você educar financeiramente seu cliente para um banco, para mim, é algo estrategicamente, precisa ser visto de maneira estratégica pela gestão do banco, e é um pouco disso que orienta o nosso esforço com educação financeira com diferentes clientes. É saber no momento de crise dizer: “Você tem dinheiro em ações conosco, está caindo, mas isso não é relevante para você, a não ser que você precise do recurso amanhã, se você está aplicando conosco para uma aposentadoria daqui vinte, trinta anos, você pode ter uma relativa certeza de que os mercados vão se recuperar nesse período, as Bolsas, quanto mais longo o período, maior é a rentabilidade que ela tem em relação a Poupança, a inflação, a aplicação mais conservadora.” Essa oportunidade de interagir com os investidores, de passar essa noção, é importantíssimo, tanto para os clientes quanto para nós, eles se tornam mais leais, sacam menos os recursos, giram menos a carteira, são uma fonte de receita mais previsível para nós. A carteira deles rende mais também, a carteira do investidor tem uma performance melhor, acompanhamos esses números de perto, então, nós temos investido muito por conta disso. Tem esse bem maior por traz que é você ter um país onde mais gente tem crise financeira e tem o fato de que, de fato, as pessoas precisam saber mais sobre o nosso produto para consumi-los com maior consciência e com a expectativa correta, senão dá problema, dá reclamação no Banco Central, dá processo na CVM e não queremos isso. O fato de nós termos números de reclamações muito baixos mostra que nós temos conseguido fazer isso com um relativo sucesso.
P/1 – E a gente pensando numa perspectiva de futuro do Banco, o que é importante? Quais são os pilares estruturantes para o Banco se manter uma instituição perene ou uma instituição duradoura?
R – Eu acho que tem alguns. O primeiro deles é continuar fazendo o que a estamos falando, de focar nas necessidades do cliente. Parece bonito, esse cara está falando isso aí só porque é bonito, mas não é, é verdade isso que eu mencionei agora há pouco, termos certeza de que o nosso cliente sabe o máximo possível sobre os nossos produtos para trazer isso como uma vantagem competitiva, ao ponto de colocarmos a educação financeira como um pilar importante, acho que mostra o quão sério isso é internamente, não é só papo para fora não. (risos) O segundo, acho que é manter essa mentalidade de reduzir dependências, isso é muito forte no Santander e está se mostrando um grande trunfo nessa crise, não depende de um único mercado. Portugal está com uma intervenção do FMI, o país está praticamente quebrando e o Santander está posicionado lá, é grande lá, mas isso não contagia nenhuma das operações lá fora, então, não ter essa dependência, essa diversificação de mercados, é outra coisa muito importante. E a outra coisa é o que estamos fazendo nesse instante, que é manter o Banco líquido, manter o Banco com recursos, manter o Banco com agilidade para tomar as decisões que precisam ser tomadas. Se você combina essas três coisas: foco no cliente, uma diversificação boa dos seus negócios e uma operação líquida que tem mobilidade, que você pode fazer o que você quer porque você não tem escassez de recursos, acho que você consegue tocar muito as coisas ali. E, obviamente, sempre cuidando dos funcionários, tudo o que estamos falando aqui tem equipes enormes por trás que, afinal de contas, é quem está fazendo a coisa acontecer, que eu não acho que é mérito de um ou outro líder, mas a interação de todo mundo junto ali que está fazendo a coisa ir no caminho certo.
P/1 – E também ainda nesse contexto de se pensar um futuro próximo com essa diversificação na Economia, como é que você vê o papel dos bancos nesse contexto daqui a uns dez, quinze anos?
R – Eu acho essencial, o banco tem um pouco daquela imagem degenerativa por traz do banco, o banqueiro, o imaginário popular não é positivo com os bancos. Acho que a FEBRABAN [Federação Brasileira dos Bancos] tem trabalhado muito bem isso, já desde umas duas administrações que vem trabalhando esse tema de querer colocar a luz por cima dessas questões, o Fabio Barbosa falava muito isso, de desmistificar um pouco. Não existe país desenvolvido que não tenha um sistema de intermediação financeiro bem desenvolvido, sólido, bem regulado. Então, uma coisa passa por outra, se o Brasil vai avançar, vai se desenvolver, vai gerar, sejam pessoas físicas que tenham um futuro financeiro positivo, sejam empresas que são sólidas, passa por você ter uma intermediação financeira boa, colocando o poupador em contato com quem está precisando tomar dinheiro. Então, nesse aspecto é essencial e o Brasil está nesse instante aumentando a bancarização da população, está em 40% hoje, era 20% há dez anos atrás, vai continuar avançando com a ascensão da classe C, a classe D e E diminuindo e aumentando a classe C, aumentando a classe B, então, isso vai continuar. Isso vai acontecer de qualquer forma pelos próximos vinte anos pela própria questão demográfica que o Brasil tem hoje, tinha uma população que era jovem, que está começando a envelhecer, que está envelhecendo com mais educação, com mais renda, que tem crescido com um mercado interno mais dinâmico, então, essa dinâmica demográfica populacional vai acontecer pelos próximos vinte anos, quer a gente queira, quer a gente não queira, com o sistema financeira saudável. E o sistema financeiro brasileiro é bem mais saudável que muito país desenvolvido e você tendo isso de maneira bastante sólida, você facilita esse crescimento, é uma forma de viabilizar, não é? Às vezes aparece muito na mídia os bancos como um empecilho por causa de juros altos, por causa de custos, tarifas e tudo mais, mas o sistema financeiro não é causa disso, ele demonstra, a taxa de juros é uma medida de risco, se ele é alto é porque o risco da Economia está alto, isso acaba aparecendo na superfície dos bancos. Mas esse papel de intermediação é essencial e vai crescer, daqui para frente vai precisar ter isso, e ainda bem que o nosso é bem regulado, é bem sólido. Nessa crise de 2008 pra cá, já quebraram quase duzentos bancos nos Estados Unidos, não quebrou nenhum banco aqui no Brasil, tal é a solidez do negócio. Acho que é essencial, as coisas andam juntas e o banco tem um papel muito importante por trás disso, de estar posicionado com o tamanho que ele tem, com a capilaridade que ele tem no Brasil inteiro, para crescer junto com isso aí.
P/1 – E de onde vem esse diferencial do Brasil do sistema financeiro intermediador?
R – O nosso vem lá de trás das crises, como o Brasil passou por muitas crises nas décadas de 1980 e 1990, fomos criando formas de regular os bancos que são muito mais estritas do que se tem lá fora, muitas das loucuras que foram cometidas nessa crise de 2008 nos Estados Unidos, e que agora está respingando na Europa, nunca aconteceram aqui. O nosso aparato regulatório, a vigilância do Banco Central, que a CVM tem aqui sob os bancos, é um marco regulatório que inclusive está sendo utilizado como exemplo nos Estados Unidos e Europa para reformular os deles. Então, a exigência de capital aqui é maior, a abertura que nós, como fundo de investimento, damos para os investidores e reguladores é muito maior do que lá fora. Lá fora o cara tem que abrir a carteira uma vez a cada três meses e olhe lá, aqui nós reportamos todo dia a carteira de investimentos, então, acho que o passado de crises, o aparato regulatório que foi criado, o fato da gente ter tido uma inflação muito alta aqui no Brasil criou um sistema bancário muito ágil também. Você deixava o seu dinheiro parado um dia, era às vezes 80% de inflação num curto período de tempo e comia o seu dinheiro, então, o sistema bancário tornou se muito ágil. Quando eu morei na França, eu depositava um cheque e, entre depositar o cheque e compensar, demorava quase um mês. Aqui você bota o cheque, no mesmo dia o dinheiro está na sua conta. Então, essa combinação da agilidade que a inflação criou com um aparato regulatório muito sólido, muito estrito, muito mais estrito do que o que você tem lá fora, criou um sistema bancário muito sólido, muito forte, que acaba nos posicionando de uma forma que estamos passando essa crise toda, como eu falei, sem ter nenhuma quebra relevante aqui dentro, pelo contrário.
P/2 – E quanto a essa regulação, você acha que ela deve permanecer, vai aumentar, diminuir para o futuro, o que você acha?
R – Eu acho que a regulação vai permanecer, ela já é boa, ela vai permanecer boa, até como exemplo para os demais. Acho que o que vamos ter daqui para frente é isso se tornando um pouco mais público, acho que sempre foi muito, nunca se falou muito, se divulgou com muita ênfase, agora tornou-se um diferencial, então tem que ser falado, é o tipo de interferência do Governo na Economia que é muito saudável. Se a gente falasse de um Governo que quando intervém é ineficiente, quando faz alguma coisa podia ter feito melhor, nesse aspecto se tornou o mercado brasileiro que tem essa regulação concentrada, a CVM, também da AMBIMA, ela faz parte da FEBRABAN, na união dos bancos, acabou criando algo muito eficiente aqui, então, eu acho que tem que manter, é muito saudável que se mantenha.
P/1 – E, logo no comecinho aqui da nossa conversa, você falou da convivência com seus irmãos, uma questão de três meninos e ter uma certa competitividade. Como é que é hoje essa característica sua, que vem de pequeno, de competir, de saber algumas movimentações, como é que isso está presente no seu cotidiano?
R – Acho que está acho que pessoalmente na forma de interagir, de se comunicar com as pessoas, como eu falei, ser o irmão do meio em três, você vira um negociador nato ali, você está sempre no meio ali, então, isso acaba influenciando muito na sua forma de interagir com os demais da equipe. Na mesma área, com outras áreas, a necessidade de você ser persuasivo, acho que surge dali, vem de casa, vem das interações mais cedo que você tem e acaba sendo com os irmãos, na disputa por atenção dos pais, dos avós, dos tios, dos primos, disputa num ponto positivo, numa conotação positiva.
P/2 – Só pra voltar um pouquinho, que você acabou falando de uma maneira mais subliminar, mas a questão da gestão do risco, que os clientes escolhem um banco pela solidez, pela confiança, mas…
R – Ninguém investe em banco que está quebrando. (risos)
P/2 – Mas ainda assim existe um risco, como que é essa gestão do risco para sua área, estou falando como leigo, também ouvindo, como que é?
R – Como que é? Algo bastante importante, temos uma tendência a olhar só a rentabilidade e não olhar o risco, mas se está rendendo é porque tem risco, risco e retorno andam de mãos dadas. A gestão de risco é importantíssima para gestão de fundos particularmente no Santander. O Santander é um banco conservador por natureza, e a gente, o Emílio Botín deu uma entrevista que acho que mostra isso de uma maneira bastante clara, eu acho que foi para a revista Time: “Eu quero ser o banco mais tedioso do mundo nesse aspecto, eu não quero correr riscos, não quero fazer coisas mirabolantes, mas eu quero fazer as operações bancárias bem feitas correndo o bom risco que tem que ser corrido, mas não inventando coisas como foram feitas nos Estados Unidos, o Subprime, que gerou essa quebradeira de bancos.” Então, isso é levado muito a sério, o gestor de riscos hoje na gestão de fundos tem a prerrogativa, e ele controla os limites de risco que os gestores têm para atuar lá dentro, os posicionamentos que eles estão assumindo: “Tô vendendo dólar, tô comprando Bolsa, tô posicionado em juros.” O gestor de risco, dentro desses limites, o gestor de fundos tem toda autonomia para atuar, mas a partir dali, o gestor de risco fala: “Daqui você não pode passar.” Porque isso pode causar um prejuízo maior do que aquele acordado com os nossos investidores, então, esses limites são muito bem monitorados, controlados e exercidos, gestor de riscos, então, tem essa função de garantir que eles estão sendo respeitados.
P/1 – Agora a gente vai retomar para as questões pessoais. Você falou que casou um pouco antes de viajar e que já tinha conhecido na escola, no colegial. Eu queria saber o nome dela e do filho também, que você falou que tem um filho, então, o nome dele. Como é que foi ser pai?
R – Então, vamos lá, a minha esposa é a Andressa, Andressa Cristina Fernandes Mosca é o nome completo dela e o nosso filho é o Vitor Fernandes Mosca, está com um ano e quatro meses agora. O que mais você queria saber? Desculpa. (risos)
P/1 – Como é que foi ser pai?
R –
Ah, ser pai? Foi muito legal. No começo você assusta, um dia eu estava voltando de viagem de trabalho, fiquei uns dois dias fora e ela me chegou com o celular assim, ela tinha ido ao médico, tal, e ela trouxe uma foto do ultrassom, ela mostrou aquela bolinha preta e eu disse: “Nossa, é isso que eu estou imaginando?” Ela: “É.” “Nossa.” A agente ficou abraçado ali algum tempo até a ficha cair para mim, para ela já tinha caído, que você vai ser pai, que era algo que já estávamos planejando, mas não estava ainda muito certo, mas logo no começo das tentativas já deu. Então, muda tudo a criança, você coloca tudo na perspectiva, você tem aquela pessoa que depende de você 100% e o dia que nasce é impressionante, o dia que você vai para maternidade, ficou dez horas em trabalho de parto, saiu de casa, você fala: “Agora vai.” Já está com aquele barrigão desse tamanho. Já estávamos preparando, já tínhamos mudado para um apartamento maior para comportar família aumentando, o outro apartamento era muito pequeno, mas o dia que você vai e vê nascendo é impressionante, e dali para frente você fica mais cauteloso. Eu vou voar de final de semana, eu checo o avião dez vezes antes de decolar, antes eu checava uma vez só, agora você faz tudo com mais atenção, mais calma, se for para voar com pressa, eu nem vou voar com pressa, porque você começa a ficar bem mais cauteloso, vai pegar estrada, até o jeito que você dirige, tudo, o jeito que você gasta... Todas os atos mudam porque as prioridades mudam, passa a ter aquele serzinho ali que depende 100% de você e que te chama de papai todo dia de manhã cedo, muda bastante coisa. (risos)
P/1 – Certo. E você falou dos dois livros, um você já comentou um pouquinho que foi a coletânea dos artigos e esse segundo, como é que foi publicado?
R – O segundo nasceu da experiência que eu tive no mestrado, lá fora eu tomei contato com comportamento, com teorias de comportamento de consumidor inicialmente e depois eu fui desenvolver isso para investidores. É uma cadeira muito recente, Finanças Comportamentais, que estuda o comportamento do investidor, surgiu no final da década de 1980, quem fez faculdade na década de 1970, 1980 e 2990 não estudou isso, está entrando agora no currículo das faculdades. Mas você estuda o processo decisório, como é que tomamos a decisão quando a decisão envolve dinheiro e porque ela foge da racionalidade. Fazemos muita coisa irracional com dinheiro, desde o consumo por impulso, de você comprar algo na boca do caixa do supermercado até você decidir sacar da Bolsa agora, depois que ela caiu 20% no ano. Então, são coisas que você deveria fazer, não é racional e é conduzido muito por emoção, então, o segundo livro é exatamente sobre isso. Eu peguei os cinquenta estudos acadêmicos mais sólidos sobre estudos de tomadas de decisões de investidores, analisamos cada um deles, cada um em um capítulo diferente, para mostrar que isso influencia a sua tomada de decisão. Via de regra, influencia negativamente, você prejudica a conquista de sua independência financeira e sugerimos também formas para lidar com isso, com algo que é inato, é inconsciente, é super emocional, é comportamental mesmo, mas, que quando levado em consideração, resulta em melhores decisões de investimentos. Esse livro eu lancei no finalzinho de 2008 na coleção Expomoney, eu sou palestrante da Expomoney também, saiu na coleção deles como o trigésimo livro da coleção e foi o primeiro em português, língua portuguesa, não tinha nenhum em português nesse tema. Agora vai sair um segundo livro sobre esse tema, então, é um tema que sequer era estudado em faculdades brasileiras que não utilizassem material em Inglês, então foi muito bacana poder publicar isso, sair uma coisa um pouco inovadora, bastante diferente. Hoje, o que eu escrevo para o Valor Econômico é sempre envolvendo comportamento também, eu estou meio que me especializando nessa área.
P/1 – Certo. E falando também de atividades suas de lazer e que você gosta de fazer, eu queria que você contasse pra gente se teve alguma viagem que ficou marcada das que você fez de avião e tal, uma aventura, ou uma que você achou que foi mais emocionante pelo pouso, ou pela…
R – Teve, dá para lembrar de algumas. Eu nunca tive nenhum susto grande voando, graças a Deus, mas uma das primeiras vezes que a minha esposa foi voar comigo, eu fui levar ela para Ubatuba. Tem poucos aeroportos no litoral de São Paulo, tem um em Itanhaém, um em Ubatuba e depois só no Rio de Janeiro. Estávamos indo para Ubatuba, foi em 2001, não éramos casados ainda, ela era minha namorada, finalzinho de 2001, começo de 2002. Bom, estava no ar no instante em que os americanos estavam invadindo o Iraque pela segunda vez, eles tiraram o GPS do ar no meio do vôo, então, o GPS estava no painel do avião, tirou todas as informações de rota que eu tinha, para onde eu tinha que ir, a que velocidade eu estava indo e tudo mais, e é uma situação que à princípio você fala: “Cadê?” E eu estava em cima de uma camada de nuvem neste instante, estava atravessando uma camada de nuvens, e cadê minhas referências? E aí, por ter aprendido a voar num avião muito antigo, eu aprendi a voar no Aeroclube de Bragança Paulista em 1994, comecei a voar em 1992 e tirei o brevê em 1994, eu aprendi a voar com um mapa colado na perna, você bota uma pranchetinha e com a bússola do avião. Então, apesar de ter o GPS, aquele negócio moderno que vocês conhecem do carro, que mostra o caminho para onde você tem que ir, o que você tem que fazer, eu sempre navego olhando a carta aqui. Então, à partir daquele momento que aquele negócio saiu do ar, eu não sabia que os Estados Unidos estavam invadindo o Iraque, naquele instante (risos) eu estava só no ar vendo que o meu GPS não funcionava, eu tive que passar para baixo das nuvens, achar uma referência visual, uma estrada, depois um fio de alta tensão, depois um rio para ir seguindo e achar o meu caminho de volta para São Paulo. Então, foi um momento meio tenso, porque eu estava com ela no avião, uma das primeiras vezes que ela voava comigo, aquele auxílio, quase Deus te olhando, o GPS lá sai do ar, mas eu consegui me virar com algo bastante primitivo que eu aprendi, uma bússola, uma carta e um relógio na mão para conseguir medir meu tempo entre uma referência e outra e voltar para casa em segurança, levar ela pra casa direitinho. (risos) E está todo mundo inteiro até hoje.
P/1 – Tá certo. E indo para uma parte avaliativa mais pro final, como é que você define o negócio banco?
R – Negócio banco? (risos) Eu vejo muito como intermediação financeira, mas do ponto de vista fica muito burocrático, se for intermediação financeira, mas é uma forma das pessoas realizarem sonhos. Isso aqui, no final das contas, seja tomando dinheiro emprestado, seja aplicando dinheiro e guardando até você ter dinheiro suficiente para comprar o seu imóvel, montar o seu negócio, investir na sua empresa, nós somos um viabilizador, e nesse aspecto que eu quero dizer intermediação, a gente está no meio desse processo, seja antecipando um recurso para quem está tomando emprestado. Quem está tomando emprestado não quer esperar para guardar lá na frente, quer hoje porque acha que vai conseguir desenvolver isso ao longo do tempo, e quem quer guardar está confiando em você para que lá na frente esse recurso volte remunerado e você possa realizar. Sempre tem alguma coisa concreta por trás, é uma aposentadoria, é mandar o filho estudar no exterior, particularmente em investimentos, é comprar imóvel, é comprar o primeiro carro. No final, tem pessoas reais ali atrás guardando um dinheirinho para atingir essas coisas bastante factíveis que fazem parte da nossa vida do dia-a-dia, eu acho que a nossa função no meio de tudo isso é viabilizar da melhor forma possível com menos percalço possível. Para quem tomou o crédito, o cara conseguir pagar as parcelinhas sem entrar em moratória, e sem nome no SPC [Sistema de Proteção ao Crédito], o cara ficar no calote, e para quem está investindo com a gente, para que o dinheirinho dele cresça da forma como ele esperava e ele não perca tudo aqui. Então, nós participamos do sonho das pessoas indiretamente. Eu acho que se a gente vê a atividade bancária dessa forma, dá muito mais sentido para aquilo que fazemos. É muito fácil chegar aqui no dia-a-dia e falar: “Perdi dinheiro no dólar, perdi na Bolsa, ganhei no juros, tal.” Podemos ver a coisa dessa forma, acho que tem muita gente que vê dessa forma, mas se você coloca esse sentido, no final, tem gente lá na ponta pensando isso, as pessoas tem uma relação muito conflituosa com dinheiro. Nós, conversando com investidores, vendo pesquisas de comportamento, vemos isso, 50% das pessoas quando mexem com extrato bancário, elas têm aceleração do ritmo cardíaco, está batendo oitenta por minuto, vai pra cem, cento e vinte, é uma alteração física, tem gente que declara que tem mal-estar, dor de cabeça, tem gente que tem fobia financeira, mais ou menos 20% da população tem fobia de finanças. “Eu passo para o meu marido, para a minha esposa, para o meu pai, para o meu irmão gerir minha vida financeira, eu não faço nada.” Ela fica fora de controle, essas pessoas nunca vão conquistar a independência financeira. As pessoas têm uma relação com o dinheiro que é muito complicada e nós estamos nesse meio, lidando com isso, seja emprestando dinheiro, seja investindo de quem tem, acho que temos uma função realmente social ali de ajudar essa pessoa a navegar em algo que realmente possa ser intimidador, mas pode ser muito interessante também se você tiver o mínimo de familiaridade com isso.
P/1 – Tá certo, que legal. E quais foram os seus maiores aprendizados na sua carreira?
R – Eu acho que eu tive um grande aprendizado que é difícil planejar a carreira, eu nunca planejei ser um superintendente executivo de vendas, nunca. Quando eu acabei a faculdade, achei que fosse ser economista, eu fui ser economista, descobri que eu não queria ser só economista, depois fui ser gestor, depois eu fui convidado para ser uma pessoa comercial, é muito difícil você planejar, mas ao mesmo tempo é muito importante você continuar se preparando. Então, acho que o aprendizado foi não acomodar, continuo escrevendo para o jornal, se comecei a dar aula hoje é para me manter o mais atualizado possível, porque as oportunidades vão surgindo, do ponto de vista de carreira, elas vão surgindo, é difícil planejar. Se você não tiver planejado, mesmo que não intencionalmente, mas se você não tiver se mantido atualizado o suficiente, a oportunidade vai passar na sua frente e você não vai conseguir pegar. Mesmo que você não tivesse planejado para essa oportunidade, é difícil planejar, você não consegue saber o que vai surgir, em que instante e de que forma, então, acho que o aprendizado foi esse, não acomodar nunca.
P/1 – E qual você considera a sua principal realização?
R – Profissional? É difícil apontar uma coisa só, tem tanta coisa. Acho que a estruturação da área econômica foi uma delas, montar a equipe comercial que a gente tem hoje, que é uma equipe grande, que está desafiador, mas que a gente está indo razoavelmente bem esse ano, dadas as limitações da crise que estamos enfrentando. E outra é manter-se atualizado como um porta-voz do Banco, como jornal Valor, acho que é outra muito importante. São várias coisinhas que vão complementando uma a outra e, no final, acho que forma um todo que resulta numa carreira que é essa que estamos conversando um pouco aqui.
P/1 – Certo. E o que você acha do Banco registrar a sua identidade através desse projeto, através das histórias dos seus colaboradores e da trajetória deles?
R – Eu acho importantíssimo porque é fácil falarmos desse negócio do Banco, e as pessoas usam isso para o bem e para o mal: “Não, porque o Banco tem muita burocracia, porque o Banco aquilo.” E o Banco somos nós, esses conjuntos dessas histórias, essas pessoas com quem vocês estão conversando. Eu estou tendo o privilégio de estar aqui com vocês falando um pouquinho da minha, que resulta nisso tudo, que acaba sendo percebido pelo conjunto das pessoas lá fora, nossos clientes, do mercado, como sendo quem nós somos. Acho que a gente ouvir isso, uma diversidade muito grande, mas que, no final, de alguma forma é traduzido numa percepção que as pessoas, as empresas, o mercado tem da gente, é aí que vem o bonito da coisa, que é essa interação de tudo resultando em um todo maior que é percebido como algo hoje. O que a gente mais ouve dos clientes é solidez, continuamos ouvindo isso muito fortemente, mas quando você começa a entrar um pouco mais a fundo na conversa, você vê um monte de outros valores saindo da boca dos nossos clientes mesmo a respeito de nós, do Banco, que às vezes você não imaginava que estivesse tão claro assim para o grande público, seja uma pessoa do varejo, como um diretor de uma multinacional, mas que estamos conseguindo transmitir. E quem transmite não é uma pessoa só, não é o gerente da conta, às vezes sou eu indo lá falar de fundos de investimento, alguém do PAB, o gerente que está dentro da empresa, está pagando a folha de pagamentos aquele dia, atendendo no dia-a-dia. Esse conjunto de interações é que traz a percepção de que quando entramos a fundo com as pessoas, vemos como é positiva, apesar de tudo que aconteceu nessa integração no Banco e foi uma experiência bastante dura pra todo mundo.
P/1 – Tá certo. Pra encerrar, o que você achou de ter participado dessa entrevista, estar aí, ter contado um pouquinho da sua história pra gente?
R – Interessante, eu nunca tinha sentado para pensar em tudo isso que eu falei para vocês (risos) de uma vez só, mais focalizado. Às vezes você, pegando um avião para visitar um cliente, pára pra pensar um pouco na carreira, o que você fez, o que você vai fazer, mas nunca de interrelacionar tudo assim, em umas duas horas falando, achei muito bacana. (risos) É até interessante me ouvir dizendo algumas coisas que eu não tinha pensado, mas que saem muito espontaneamente numa conversa como essa.
P/2 – Tá certo. Tem mais alguma coisa que você gostaria de deixar registrado, que a gente não perguntou que pode ter passado?
R – Não na minha mente, assim e agora. (risos)
P/1 – Tá certo, então, em nome da Vice Presidência de Marca, Marketing, Comunicação e Interatividade, e do Museu da Pessoa, a gente agradece a sua entrevista.
R – Eu que agradeço o convite, obrigado.
P/1 – Obrigada.Recolher