Projeto Identidade Santander
Depoimento de Fernando Byington Egydio Martins
Entrevistado por Marcia Ruiz e Gustavo Lima
São Paulo, 18 de outubro de 2011
Entrevista Número: BST_HV001
Realização Museu da Pessoa
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 – Bom dia, Fernando. Para começar, e...Continuar leitura
Projeto Identidade Santander
Depoimento de Fernando Byington Egydio Martins
Entrevistado por Marcia Ruiz e Gustavo Lima
São Paulo, 18 de outubro de 2011
Entrevista Número: BST_HV001
Realização Museu da Pessoa
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 – Bom dia, Fernando. Para começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, o dia e local de nascimento.
R – Fernando Byington Egydio Martins. Nascimento em sete de janeiro de 1957, em São Paulo.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Paulo Egydio Martins e Brasília Byington Egydio Martins.
P/1 – E o nome dos seus avós?
R – Paulo César Martins e Julia Machado Martins, por parte do meu pai e Alberto Jackson Byington Neto e Elisa Botelho Byington, por parte da minha mãe.
P/1 – Você sabe a ascendência da sua família, a origem do seu nome?
R – Sei. Do lado do meu pai, uma ascendência portuguesa – o Martins e o Machado vieram para o Brasil há muitos anos e se estabeleceram na região de Santos e Araraquara; do lado dos meus avós maternos, a minha avó Botelho, também de origem portuguesa e o meu avô Byington de origem americana-irlandesa, uma ramificação que vem da Irlanda e vai para os Estados Unidos e, então migram para o Brasil.
P/1 – Foram os seus avós que vieram para o Brasil? Você sabe por que eles vieram para o Brasil?
R – Foram meus bisavós. Vieram para o Brasil em busca de oportunidades, mesmo, um continente ainda com muito por fazer e que vieram, de fato, buscando oportunidades, interesses de negócio, interesses empreendedores.
P/1 – E qual era a atividade dos seus avós e dos seus pais?
R – Dos meus avós, mais vinculados ao lado do meu pai: a minha avó era dona de casa e o meu avô era dirigente de empresas. Ele era engenheiro e fundou a usina de Volta Redonda, a Siderúrgica Nacional. Ele participou da execução da obra e da inauguração no governo Getúlio Vargas da CSN, a Companhia Siderúrgica Nacional, que foi a primeira siderúrgica instalada, em operação no Brasil. Ele tinha muito orgulho de ter sido diretor e de ter fundado ou, melhor, inaugurado a usina Siderúrgica Nacional. Eles moraram por muito tempo em Volta Redonda e, durante alguns anos, nos Estados Unidos. Por conta da implantação dessa usina, eles foram morar, se eu não me engano, em Pittsburgh, para que ele pudesse aprender e desenvolver algumas técnicas, além de conhecimento. A minha avó Julia, conhecida por “Juju”, era uma pessoa muito cheia de vida e gostava muito de leitura. Ela acabou aceitando protagonizar um papel de dona de casa, mas ela foi uma mulher que eu diria, poderia ser inclusive presidente do Brasil; poderia ter tido uma projeção nacional e internacional, porque era uma cabeça extraordinária: conversava e lia muito, era de uma prosa ótima, um ser humano versátil, de grande cultura. Então, ela aproveitou esse tempo para ler muito e ampliar o seu conhecimento; Foram alguns meses, se eu não me engano, não sei se oito meses ou um ano, não foi um período muito longo. O meu pai, como um irmão mais velho, ficava com as duas irmãs quando estavam em Volta Redonda – pois ficavam no Rio de Janeiro por estudarem lá. Portanto, a família do lado do meu pai era de classe média, com muitos estudos e dedicação, interessados em aprender. Do lado da minha mãe foi um pouco diferente, porque o pai dela era herdeiro de uma indústria muito grande, que era a Indústria Byington, que naquela época era maior do que a Votorantin, só para dar um pouco a ordem da grandeza, além de ser representante de várias multinacionais aqui no Brasil. A minha avó era de origem dos Botelho, fazendeiros e, principalmente, cafeicultores do interior de São Paulo. Essa união foi muito representativa dentro da sociedade da época, pois tinha um Byington com uma Botelho. Eles tiveram seis filhos, três homens e três mulheres. A minha mãe era muito jovem quando conheceu o meu pai, que era engenheiro, um funcionário da Byington Companhia. Portanto, ele trabalhava com o meu avô Alberto, o executivo e, então, eles se conheceram e se casaram. Minha mãe era muito jovem e tinha apenas 17 anos. Algumas más línguas, naquela época, falavam que ele estava aplicando o famoso Golpe do Baú, porque ele era de origem mais humilde e simples, na realidade, um funcionário público, porque a companhia siderúrgica era uma empresa estatal. E, como se sabia, a empresa Byington e Cia. estava quebrada, falida na época. Tiveram problemas de investimento, de fluxo de caixa... A empresa estava com problemas. Então, ele não estava dando um Golpe do Baú mas, pelo contrário, casando por amor, por gostar e ter se encantado com ela e vice e versa, porque o baú estava furado! (risos)
P/1 – Você disse que a sua mãe tinha uns 17 anos. Qual a idade do seu pai quando eles se casaram?
R – Eu não sei exatamente, mas acho que eles têm uma diferença de dez anos. Então, o meu pai tinha uns 27 e a minha mãe tinha uns 17 anos. Ela era uma menina. Eles tiveram sete filhos. Naquela época, ainda se faziam filhos em quantidade e as famílias eram numerosas.
P/1 – E onde você está nesta escadinha?
R – Eu sou o terceiro. Na realidade, o mais velho faleceu num acidente de automóvel. Os meus avós, tanto do lado do meu pai quanto da minha mãe, moravam no Rio de Janeiro. Eles nasceram em São Paulo, os dois. O meu pai nasceu em Santos e com 13 anos foi para o Rio de Janeiro. A minha mãe também, mas não sei com qual idade, se casaram no Rio de Janeiro e vieram para São Paulo. O meu pai cuidando da parte financeira da Byington e Cia. que já estava com sérias dificuldades. Naquela época, eles iam muito ao Rio de Janeiro e tinham um carro, um DKV, e os carros dessa época não tinham a segurança e tecnologia que tem hoje. Voltando do Rio, na Dutra, o carro pegou uma mancha de óleo e capotou. Esse meu irmão, o Paulinho Egydio, que estava dormindo na frente, no colo da minha mãe, bateu a cabeça, a nuca, e faleceu no local. O que é hoje o mais velho, o Roberto, foi jogado para fora do carro, pela janela e ficou no meio da pista, com caminhões passando, ainda com oito meses, embrulhado num cobertorzinho de neném. Foi um momento muito difícil, neste início de casamento dos meus pais: perder o primogênito, dessa maneira; a minha mãe rasgou o lábio e, evidentemente que eles não tiveram maiores problemas físicos, mas sim no emocional, com essa situação. Eu nasci em seguida, nessa situação dolorosa de perda de um filho – fui o terceiro. Quem fez todos os partos foi um tio meu, na verdade, tio do meu pai. Quando eu nasci, a preocupação era com a quantidade de anestesia. Meu pai disse que olhava no berçário e eu ficava roxo porque eu também tinha recebido um pouco da anestesia e ele achava que eu fosse morrer de falta de ar... Ele corria, falava com a enfermeira... Um pouco desta preocupação do nascimento de um filho depois de ter perdido o mais velho, que tinha o nome dele. Na época, algo que marcou muito foi que o delegado disse: “Ah, doutor, se o Sr. quiser a gente dá um jeitinho, a gente não abre inquérito...” Porque quando morre alguém, tem de abrir um inquérito policial. E o meu pai disse: “Não. De maneira nenhuma. Eu não tenho nenhum problema em responder a um inquérito pela morte do meu filho, que eu amava. Eu não tenho culpa.” Mas foi muito doloroso, porque por dois anos ele teve que dar depoimentos e conviver com aquela situação em que ele estava sendo analisado, investigado se ele poderia ter, de alguma maneira, culpa na morte daquela pessoa que era o filho mais velho. Foram momentos difíceis que, com a chegada dos outros filhos foram se superando, se não substituindo, o que é difícil, mas pelo menos foram tendo muita ocupação. Como eu disse, foram muitos filhos: sete em que o Paulinho Egydio era o mais velho. Depois dele, vieram seis, sendo cinco homens – lá em casa somos cinco homens – e uma mulher. Eu sou padrinho da minha irmã, a Ana Lúcia. Eu perguntava para a minha mãe: “Você só aprendeu a fazer filho homem? Não sabe fazer filha mulher?” Quando nasceu a Ana, naquela época não se sabia o sexo antes de nascer, ela me convidou para ser padrinho da Ana Lúcia, que eu tenho muito orgulho.
P/1 – Você tinha quantos anos nessa época?
R – Treze anos.
P/1 – É uma escadinha que tem uma boa diferença entre vocês.
R – Tem. Entre eu e a Ana tem, porque foram vários, mas é uma boa escadinha em que os dois mais jovens têm um intervalo um pouco maior.
P/1 – E como era viver numa casa com tantas crianças? Conta um pouco o cotidiano, a relação dessas crianças com a perda de um irmão? Você traz isso muito forte na sua narrativa. Eu queria que você falasse pra gente sobre isso.
R – Acho que era uma perda que nós sentíamos muito mais em solidariedade aos nossos pais. Nós não sentíamos. Eu não era nascido e os outros também não e o Roberto era muito pequeno. Não houve uma perda, isso não se refletiu no dia a dia da família, era mais contar a história e o que eles passaram. A gente tentar imaginar e ser solidário no que eles passaram naquele início de vida a dois. De fato nós éramos quatro meninos muito próximos – Roberto, eu, o Carlos Eduardo e o Marcos. Depois nasceu o Alberto e a Ana Lúcia. Os dois formavam uma dupla, um pouco mais destacados e nós quatro sempre muito próximos e muito bagunceiros. Quatro meninos crescendo – nós morávamos numa casa em Alto de Pinheiros. Nascemos e moramos naquela [rua] Conselheiro Zacarias, no centro da cidade – a sede da Folha de São Paulo é ali até hoje. Aquela região era gostosa, porque São Paulo na época era muito diferente. As ruas eram mais largas, enfim, uma região muito agradável. Quando a família começou a crescer, nós nos mudamos para Alto de Pinheiros – um bairro novo, um pouco mais afastado, que havia um loteamento, em que você tinha as casas que eram de classe média alta e esse, o Alto de Pinheiros, que era de classe média. Tinha o Morumbi, a Cidade Jardim, os próprios Jardins, o Jardim Europa, o Jardim Paulista que eram áreas residenciais de classe mais alta e esse, que ficava mais afastado um pouquinho, era o Alto de Pinheiros. Foi ali que eu vivi dos quatro aos 18 anos. Foi uma infância muito gostosa porque havia muitos terrenos baldios e nós convivemos sempre com a natureza: comendo goiaba no pé, subindo nas árvores, brincando de balanço, de carrinho de rolimã, de jogar taco na rua, que era uma delícia, brincávamos de estilingue, era muito divertido. Foi uma infância muito gostosa, principalmente, porque nós podíamos ir para a rua – ela era uma extensão da nossa casa, do nosso jardim. Nós tínhamos amigos na rua, combinávamos de nos encontrar na rua. Isso era muito divertido porque, com quatro, ficar dentro de uma casa, sempre dava muita briga, discussão... Nós tínhamos essa possibilidade de ir juntando as turmas e os amigos. Foi uma infância com muita aventura. Nós viajávamos bastante nas férias: a família do lado da minha mãe tinha fazendas. Nós íamos passar as férias mais longas, principalmente as de final de ano, que eram três meses. Então, íamos para as fazendas que eles tinham e ficávamos lá e era muito gostoso porque andávamos a cavalo, tinha ovelha, galinha, fazia pão, o forno a lenha. Esse contato com a natureza sempre ficou presente e gravado na minha memória. Aí tinha outras turmas que eram os primos, sempre muito numerosos. Vinham primos que moravam no Rio de Janeiro ou em outras cidades, de ramos diferentes da família... Um momento gostoso de encontrar esses primos. Alguns com idade já mais avançada e outros mais jovens... Era um convívio, uma troca, um referencial interessante.
P/1 – Quais eram as suas brincadeiras preferidas na cidade e com quem você brincava? Era com os seus irmãos? Você falou que tinha amigos... Quem eram esses amigos? Eram da rua, da escola? Conta para a gente.
R – Tinha um pouco de tudo. Tinham amigos da escola que iam brincar em casa – não tinha tanta facilidade e mobilidade como tem hoje em dia, mas vinham sim. Nós brincávamos também na escola, como bater figurinhas, colecionar álbuns de figurinhas para ganhar prêmios. Ali talvez tenha sido o primeiro sentido de competitividade, que era colecionar, trocar, conseguir conquistar batendo figurinhas... Figurinhas carimbadas, numeradas. Com o álbum preenchido, você trocava por brindes, por bolas de futebol. Isso era muito bacana, de se sentir parte de uma realização, de uma conquista. E isso às vezes durava meses. Era um processo. Bater figurinha era algo que eu adorava, gostava muito – tinha toda uma técnica, não podia dobrar a figurinha; monte duplo e: “Como é que vira aquele monte, gorduchão?” Tinham coisas que eram verdadeiros descobrimentos e muita brincadeira. Eu adorava também bola de gude. Sempre tem uns que se destacam mais, que tem uma técnica mais apurada. Era gostoso. E de novo: é uma competitividade. Existe uma competição, uma coleção... Tem bolinhas que tem um olho dentro, coloridas, enfim, técnicas de fazer a bolinha de vidro, algumas mais raras e produzidas com mais maestria. Outra coisa que eu gostava muito era o carrinho de rolimã porque era como se fosse uma prancha de surf ou um skate. Eu tinha fascínio pelo carrinho de rolimã. Nós construíamos juntos. Tinha o motorista que atendia lá em casa, o Seu José, um português, muito boa gente e que nos ajudava. A gente lixava a madeira do carrinho, íamos a oficinas antigas – porque os carros, as rodas usavam rolimãs. Então, pedíamos aos mecânicos e ganhávamos os rolimãs. As quatro eram parecidas: atrás eram um pouco maiores do que as da frente e, às vezes, tinha uma no meio, que era uma direção, uma peça maior. Tinha aquele esquema mecânico, de colocar óleo nas rolimãs e, também, de apostar corridas – você ia com o joelho e com a outra perna, coisas que a gente não vê hoje. Naquela época, isso existia porque as ruas começavam a ser asfaltadas e esse asfalto era legal, não tinha muito buraco. Era muito gostoso. Às vezes, nós colocávamos os carrinhos de rolimã no carro e levávamos para as pistas, na verdade, eram ruas com descidas para a gente poder correr em alta velocidade. Sempre tinha umas comidinhas. Nós tivemos uma cozinheira – isso era muito comum na maioria das casas. Essa cozinheira era muito querida, a Paulina, mineira, de Três Corações, terra do Pelé, e ela fazia pão de minuto, bolo quase que todos os dias, bolo de fubá com uma calda de limão e açúcar por cima, bolos de chocolate muito gostosos... Depois que o meu avô morreu, a minha avó Elisa saiu do Rio de Janeiro e veio morar a duas casas de onde nós morávamos. A minha avó tinha uma receita de bolo de chocolate que era campeã. Ela roubou o primeiro lugar da Paulina no quesito bolo de chocolate (risos), que era realmente muito gostoso. Tinha esse convívio, essas comidinhas e sucos que eram como uma disciplina para a molecada, seja para fazer a lição de casa, aula de ginástica para corrigir o esqueleto. Eu me lembro que ia lá uma alemã que colocava aquelas bolas de chumbo para forçar mesmo para a gente não ficar com as pernas tortas... Tinha esses cuidados e obrigações que acabavam se misturando. A hora de tomar banho era sempre difícil, porque a gente se sujava bastante, era sempre uma correria... Mas foi uma infância gostosa, sempre ao ar livre, o que muito agradável e prazerosa.
P/1 – Nesse cotidiano, vocês tinham o hábito de almoçar à mesa, junto com os pais?
R – Tinha uma sala de almoço e almoçávamos, geralmente, só os irmãos. À noite, tinha o jantar e, muitas vezes, à mesa. Tinha um formalismo maior mas era mais à noite. Depois, com o tempo, dependendo da fase de trabalho do meu pai – a minha mãe se dedicava mais aos filhos, à casa, nós tínhamos almoços aos finais de semana, quando o meu pai montava, ele fazia equitação na Hípica Paulista, que é um clube muito bonito... Foi muito agradável passar os finais de semana num clube que também tem uma natureza muito, uma piscina muito gostosa e tinha os animais: tinha os cavalos – a gente dava açúcar em quadradinho, cenoura. Tinha um lado de aventura porque nós éramos pequenos e aqueles cavalões... Sentia a língua do cavalo passando na mão, se ele ia comer só o açúcar ou se ia ficar algum dedo ali (risos)... Tinha o treinador que cuidava dos cavalos: o Chiquinho, o Zezinho. Era um ambiente em que você conhecia mais as pessoas, acabava criando... Havia um convívio social menos discriminatório do que existe hoje. Era muito gostoso porque era um mundo menor, com menos pessoas, que promovia esse convívio, essa amizade, independentemente de ser tratador do cavalo ou o dono do cavalo e seu filho. Sempre teve esse convívio social presente na minha vida. Entre nós e os empregados que atendiam lá em casa, fosse aqui em São Paulo... A Paulina era como se fosse uma mãe de criação, uma pessoa muito querida. As outras empregadas que passaram lá por casa também foram pessoas que marcaram: a Maria Portuguesa, depois a Chiquinha. Há 40 dias, eu estive numa cidadezinha, perto de La Coruña, perto de Ferrol, em que eu fui estar com a Chiquinha, que está com 86 anos. Fui dar um beijo nela. Ela não tem filhos, é viúva há muitos anos. Depois que eu me separei do meu primeiro casamento ela foi trabalhar comigo, em meu apartamento. Aí tivemos uma proximidade ainda maior, depois de crescido. Foram amizades, pessoas próximas e queridas que representaram... Exemplos de vida, de luta. Pessoas importantes na vida de todos os irmãos.
P/1 – Qual era a frequência de convivência com os seus avós? Teve algo que te marcou na sua infância?
R – Nós convivíamos mais durante as férias. Não era uma convivência tão presente durante o ano todo, mas nas férias era muito presente. Do lado da minha mãe, era um apartamento muito bonito, com muitas obras de arte que me marcaram ali. Num determinado momento a mãe da minha mãe, a vovó Lisota, a avó Elisa, conviveu com o movimento de arte de 1922 [Movimento Modernista]. Ela se aproximou e ficou amiga de grandes artistas, como o Iberê. Ele tinha Matisse na casa dela – tem uma tapeçaria, um trabalho muito bonito, que hoje está na coleção do Itaú, na entrada, ficava na ante-sala do Dr. Olavo Setúbal. Ela teve essa possibilidade de conviver com artistas e isso sempre me marcou. Era um apartamento moderno, na Av. Atlântica, com muito bom gosto. Já a família do meu pai era mais próxima, um apartamento menor, também em Copacabana, não ficava de frente para o mar, na Constante Ramos. Era um pouco mais próxima e calorosa. O meu avô, o pai do meu pai, era muito disciplinado. O outro avô, quando morreu, eu tinha acho que uns sete anos e eu não convivi muito. A minha avó, a Lisota, ficou no Rio [de Janeiro], viúva e depois, quando ela foi para São Paulo, nós já éramos mais crescidos. Ela era mais brava, disciplinada, um pouco mais rígida, ríspida, a Lisota. Depois ficou velhinha, acalmou e ficou uma seda (risos). Quando ela foi para São Paulo era uma relação mais brava – ela dava bronca. Os avós do Rio [de Janeiro] vinham para São Paulo nas férias, ou quando nós íamos de férias. Era uma felicidade quando nós chegávamos. Os natais nós passamos sempre no Rio de Janeiro. O natal era no apartamento dos meus avós, pais do meu pai, e o Réveillon nos pais da minha mãe. Aqui tinha muito mais primos do lado do meu pai e, então, era uma bagunça. O apartamento era menor... Foram primos com quem a gente criou um vínculo muito próximo. Do outro lado também criamos mas era um convívio com mais espaço. É interessante essa questão do espaço, porque quando se tem menos espaço, aproxima as pessoas. Do lado da minha mãe, tinha uma tia que tinha uma casa muito boa na Gávea, um outro que tinha uma casa em não sei onde... Era um convívio mais espaçado, com um pouco mais de espaço. Do lado do meu pai, era um pouco mais concentrado. Aquilo era gostoso porque a criança gosta deste convívio e foi muito bom. Eu diria que dos dois lados tinham um sentimento de família muito gostoso. Do lado do meu pai, talvez mais descontraído, mais verdadeiro. Do lado da minha mãe era um pouco mais social e agora, um pouco mais velho, eu vejo que mais conflituoso entre eles; do lado do meu pai, era mais amoroso e do lado da minha mãe era mais cabeça, sempre cheios de razões. Do lado do meu pai era mais emoção. O meu avô era muito disciplinado: se a gente não acordava de manhã cedo, ele vinha com um balde de água fria e jogava na gente para acordarmos (risos). Ele não deixava a gente ficar dormindo até mais tarde. Hábitos alimentares foi uma coisa que sempre me marcou muito. Tinha uma disciplina: tinha que comer verdura e essas coisas. Eu detestava fígado de boi – que tem muito ferro e que é bom, mas eu sempre detestei aquilo. O meu irmão mais velho, que era o “ovelha negra”, ele era o mais rebelde até para comer – ele gostava de fígado. Ele gostava de miolo com ovo mexido que eu odiava. E eu tinha uma verdadeira ojeriza ao cheiro de couve-flor cozida. Eu achava horrível aquele cheiro. É gozado que hoje em dia eu cozinho couve-flor e aquele cheiro sumiu da minha memória, não sei se a couve-flor mudou e de alguma maneira deixou de exalar, mas eu não tenho mais essa aflição. Eu aprendi a adorar couve-flor. Adoro couve-flor gratinada, em salada... É interessante como a gente abre alguns espaços auditivos, olfativos e vai descobrindo e ampliando este repertório durante a vida. Fígado, eu não gosto até hoje. Eu gosto de fígado de pato e de ganso – um patê eu até aprecio. Miolo, eu não como de jeito nenhum. O meu pai tem um lado mais exótico para comida. Ele gosta de dobradinha, cassule, de rins... Ele aprecia mesmo. Ele é mais gordão, tem uma certa gula. Eu vejo a palavra gula presente nos hábitos dele. Eu não tenho, meus outros irmão não tem isso de uma forma tão marcante. Isso também nos permitiu fazer algumas escolhas quanto ao quê a gente gosta e o quê a gente não gosta. E descobertas, mesmo. O bacana foi que foram escolhas que não trouxeram traumas. É bom abrir espaços... Eu me lembro que o meu filho mais velho, o Pedro, que hoje tem 29 anos – ele detestava lasanha, sabe Deus o porquê. Nessas horas é que eu acredito que deve ter tido vidas passadas, que trazem memórias... Ele detestava sem nenhuma razão. Hoje em dia, come. Nós convivíamos muito através da comida. Sempre tinha um lanche, um bolo, um suco. Na comida, a Paulina foi uma pessoa muito importante porque ela preparava a comida lá em casa. A Maria, a Francisca e, depois, a Tereza é que ajudavam nesse dia a dia e nessa organização toda. Era uma família expandida. Tinha o seu Manuel, o motorista, que nos ajudava a pegar forquilha. Nós íamos a terrenos baldios pegar forquilha para fazer estilingue. Tinha que ir à borracharia para pegar câmara furada para cortar. Tinha que ir ao sapateiro para pegar o courinho que ia atrás do estilingue. Realmente, era muito gostoso. Tinha um senhor que vendia pipa na praça, que eram umas pipas incrementadas que eu nunca mais vi. Vinham com um rabo amarrado com elástico... A gente economizava a mesada para comprar essas pipas que eram muito legais. Volta e meia perdia, estragava, quebrava. Depois, aprendemos a cortar, num duelo entre pipas. Foi uma infância muito gostosa em que os meus avós eram mais presentes. Por parte do meu pai, quando eles vinham, era um convívio mais gostoso. Eles tinham uma casa em Petrópolis, num bairro próximo chamado Nogueira. Era uma casa muito gostosa. Nós íamos passar férias lá e era grudado num clube campestre. Era um jardim estendido. Você pode ir ao clube... Isso fazia desse convívio algo muito agradável, seja nas fazendas ou lá no Rio de Janeiro. Eu tenho raízes fortes no Rio de Janeiro por ter vivido lá grande parte das minhas férias. O meu pai tinha um irmão, o tio Alfredo, casado com a tia Ivone que era muito divertido. Esse meu tio era general e ele participou de exercícios de tiro de guerra, não sei... Eu sei que ele ficou surdo. Ele não ouvia direito. Ele era aquele tio que ficava meio distraído e de repente diz: “Hein? O quê?” (risos). Era um tio que destoava dos outros e era muito boa praça, muito divertido. Ele tinha dois cachorros boxer, que corriam no jardim. Tinha uma pedra grande nesse jardim, no gramado e debaixo desta pedra ele fez uma piscina de pedra, de água corrente. Nós mergulhávamos nessa piscina de pedra... Isso foi algo muito marcante e gostoso do meu convívio. Do lado do meu pai era sempre mais caloroso, sempre um pouco mais amoroso e, do lado da minha mãe, era mais social. A minha bisavó, Pérola Byington – que empresta o nome a uma praça e a um hospital em São Paulo, ali na Av. Brigadeiro Luís Antônio, ela se destacou no tempo do pós-guerra por ter trazido o trabalho da Cruz Vermelha para o Brasil – criou o hospital para atender as mulheres – foi a primeira iniciativa na América Latina, um hospital que pensava na mulher e na criança. Uma cruzada pró-infância – a mãe e o filho. Ela realmente foi uma visionária, uma pessoa que até hoje tem uma memória em destaque nessa parte de assistência e cuidados. Ela tinha uma casa onde morava com o meu bisavô Alberto na Av. Paulista. Era um desses casarões. E por causa do segmento industrial e, também, de algumas fazendas, tinha um lado empreendedor, de maior ostentação, que também tinha muito carinho, mas era tudo mais distante. Essa casa era muito grande, ia da Av. Paulista até a Av. São Carlos do Pinhal – e o que me fascinava ali? As figueiras, a magnólia – tinha uma magnólia maravilhosa, super frondosa. Eu amo magnólia, seu cheiro e a árvore. No fundo da casa, tinha algumas figueiras. E tinha uma tartaruga, que hoje está na casa da minha mãe aqui em São Paulo, que era uma tartaruga de vidro, que enquanto criança a gente gostava de montar e brincar. Era uma casa muito grande. Tinham jabuticabeiras. Tirando esses detalhes... Eram salas que ficavam fechadas. Tinha uma sala de sinuca, que é um hábito americano herdado pelos meus avós, que era uma sala enorme, como a dos clubes de Nova York, nos Estados Unidos. Acho que essa mesa está desmontada. A minha mãe guardou-a pois não existe mais. É uma mesa muito grande, um material muito bom... Depois foi para essa casa da minha avó em Alto de Pinheiros, que era ao lado da nossa casa. E nessa casa na Av. Paulista tinha, ao lado, uma quadra de tênis na casa de um senhor que morava ao lado, o Seu Dandou, se eu não me engano. Não tinham muros altos. Não tinha bondes na Av. Paulista. Era um convívio gostoso. Eu quase não conseguia fazer ligação entre o bairro em que nós morávamos, primeiro ali, na Conselheiro Zacarias, depois lá em Alto de Pinheiros e essa casa porque era tudo muito longe. O único ponto que eu fazia era um senhor que vendia sorvete em um carrinho e ele tinha um cavalo. Eu o via passando em Alto de Pinheiros e o via, às vezes, na Av. Paulista. Tinha um colégio na Av. Paulista – eu não vou me lembrar o nome, um colégio tradicional. Não era o São Luiz... Eu estudei no São Luiz... Mas ele vendia na porta desse... Era um senhor muito simpático que tinha esse cavalo e atrás era uma carroça com uma caçamba vermelha e branca que ele vendia sorvete. De vez em quando, eu o via passar. Era o que me conectava em termos de distância. Era basicamente isso. Esses avós, do lado da minha mãe, tinham uma fazenda aqui em São Paulo, fazenda Itahyê – hoje, parte está loteada e parte ainda está lá. Essa fazenda marcou muito a minha infância porque ele produzia leite – e leite tipo A, o leite Itahyê. Nós íamos bastante, fica a vinte minutos de São Paulo, grudado aqui na [Rodovia] Anhanguera e aquele monte de vaca holandesa, as ordenhas mecânicas, era uma indústria, diferente de ir para o interior, numa outra fazenda com atividade agrícola e com criação mais para consumo próprio. As fazendas eram grandes mas essa era quase como uma indústria, com tudo automatizado: colocava o leite nas garrafas, tinha uma linha de montagem. Tinha um galinheiro, que era fascinante. Nós íamos bastante nessa fazenda que era mais próxima. Esse convívio em lugares muito diferentes, para mim, sempre foi muito agradável. Poder conhecer e ampliar os horizontes. Ter contato com outras pessoas, sempre gente muito boa, muito educada, selecionada.
P/1 – Eu queria que você contasse sobre a escola: Você se lembra da sua primeira escola? Como era o nome? Do primeiro dia de aula...
R – Da primeira escola, eu não me lembro. Mas lembro-me do Teixeira Brandão... Depois teve uma, a Mater Dei. Aliás, Teixeira Branco e não Teixeira Brandão. Escola para mim era sempre um pouco “exército”, aquela coisa de disciplina, uniforme, as obrigações... Na escola, a sua individualidade fica muito sufocada, em segundo plano. E o curriculum não é um curriculum interessante, que encaixe tão bem nesse mundo de fantasias, de curiosidades. Eu sou muito crítico em relação ao curriculum escolar no Brasil, principalmente. Talvez até por experiência própria, num mundo em que as crianças estão sendo estimuladas de tantas maneiras – naquela época menos, não havia televisão, rádio, não tinha essas brincadeiras de rua. Tinha o brincar, o lúdico... Eu gostava mais dessas aulas de Geografia, de Conhecimentos Gerais, aulas de jogos para desenvolver..., de Música, também, Esportes... Eu não era uma criança atleta mas eu gostava e sempre gostei de esportes mas era um pouco desengonçado. Fui uma criança frágil fisicamente: Eu era muito branco, muito pálido, cabelinho de anjo, loirinho... Aos dois anos, eu tive muito furúnculos na cabeça. Naquela época, acho que dava mais furúnculo do que hoje em dia, sabe Deus o porquê, era mais comum e eu desmaiava de vez em quando. Eu desfalecia. Isso era algo presente, uma preocupação para a minha mãe. E era muito desconfortável. Esses furúnculos, essas inflamações são muito doloridas. Eu lembro que aquilo não me fazia bem mas eu também reagia à estas questões. Eu sempre reagi ao que me incomodava. Sempre fui buscar uma luz, um oxigênio que eu queria. Minha mãe conta que num final de semana eu estava correndo lá na hípica e tinha uma pilastra de pedra, dessa altura, meio baixa e com uma corrente no meio. Algo decorativo, para as pessoas e os cavalos não entrarem no jardim e nos canteiros, etc. Nós, crianças, brincando de cavalinho... O pai pulava o obstáculo lá e nós queríamos pular também a corrente baixa. Eu tropecei na corrente e desmaiei. Minha mãe disse que veio aflita e que bateu no meu rosto. Aí, eu abri o olho e dei dois tapas no rosto dela (risos). Eu sempre tive esta questão de, ao me incomodar, de alguma maneira, buscar um caminho. O que eu me lembro mais nas escolas? Tinha professores legais, carinhosos e os amigos que ficaram pela vida afora, pela vida inteira e que você tem uma relação afetiva. As relações afetivas são as que, de fato, são importantes na vida da gente. Quando a gente encontra um amigo da escola, da faculdade, principalmente do ginásio ou do colegial, porque aí já se é mais gente e um pouco independente... Parece que foi ontem: as brincadeiras... Hoje, nós com cinquenta e poucos anos, a gente parece criança. Parece que volta e, isso, em todas as gerações. Por quê? Porque tem esse afeto, esse carinho que foi criado naquele convívio e tiveram momentos muito bons. Mas não era uma atividade que eu me lembre com muito prazer. Depois, eu fui estudar no Santo Américo, que era uma escola de padres, muito rigorosa, mais ampla, mas com sinal na hora do recreio, tudo muito rígido, rigoroso, uma disciplina muito forte na sala de aula. Os padres húngaros com todo esse rigor europeu... A escola Santo Américo era bonita e é até hoje... O meu irmão mais velho, o Roberto aprontava muito, desde levar revista Playboy, que era um pecado. O padre um dia chamou o meu pai e disse: “Dr. Paulo: Olha só a revista pecadora que o seu filho trouxe.” E era a Playboy americana que o meu pai disse: “Ah, fui eu que comprei!” Então tinha uns sinais contrários entre o convívio de casa e esse rigor. O Roberto era um ponto meio fora da curva, uma vez ele chegou a ser expulso da escola: soltou uma bomba. Ele e os seus amigos mais bagunceiros e perversos. Ele era bem rebelde nesse sentido. A minha mãe acabou brigando e implicando com a escola por conta desse episódio e nós fomos para uma escola experimental que era a escola Nossa Senhora do Morumbi – que era um pouco depois, ali onde é o Portal do Morumbi, mas aquilo era o fim da linha, a rua ia até ali. Ficava no meio do mato. Era muito bacana: a natureza, a vegetação, um convívio muito arejado, gostoso. Uma escola com menos rigor. Escola mista que era só de mulheres – eu fui da segunda turma de homens. Aquela mulherada e eu pré-adolescente achei aquilo dali um máximo. A escola ainda estava habituada ao convívio só de mulheres e as mais velhas tinham um fumeiro onde elas ficam escondidas para fumar e tomar sol de topless. Nós ficávamos espiando e achando aquilo o máximo. Fui descobrindo a puberdade e vivendo com aquela mulherada toda. Sempre foi muito legal. Eu gostei muito disso. Essa experiência foi muito rica, ter convivido com muitas mulheres. Porque em casa a minha irmã era muito pequenininha ainda e o convívio era praticamente só com homens até a adolescência – depois é que ela veio. Então, foi muito gostoso ter tido esses anos de convívio. De novo: o assunto da escola não era muito interessante. Teve algumas coisas que eu gostava muito. Primeiro foi a minha primeira namorada mais firme foi de lá, onde eu me apaixonei de corpo e alma.
P/1 – Como era o nome dela?
R – Helena Magano. Eu tinha tido uma namorada, a Clélia, que era mais namorico. Depois, com a Helena, foi algo mais forte. Depois, eu também me candidatei para ser presidente do grêmio acadêmico da tal da TABA. E as anteriores eram só mulheres presidentes. Eu ganhei a eleição e foi muito interessante. Tinha um pouco de divisão entre o semi-internato e o externato – os que ficavam o dia inteiro e os que só ficavam meio período. Evidente que quem ficava o dia inteiro – e naquele tempo só as mulheres podiam, tinham um convívio muito mais intenso, eram mais unidas. Foi uma vitória importante. Nós tínhamos planos para a TABA, para desenvolver e ganhar dinheiro. Foi a primeira atividade empreendedora que eu tive convívio. Eu adorava as aulas que Química, Física e Ciências. Esse lado de criação sempre se destacou mais. As aulas de Português eu achava muito chatas. Eu achava interessante mas eu não me encaixava naquela didática; as aulas de idiomas eu achava muito chatas. Eu tive um professor de Francês com quem eu “bati boca” e acabei sendo convidado a me retirar da escola. Eu não conseguia ir com esse professor, Alcides – não me lembro do seu sobrenome. Mas acabei saindo da escola porque eu peitava o professor. Para mim, essa questão da autoridade imposta, autoridade cega, sempre foi algo que me revoltou, me causava... E isso coincidiu com a adolescência, com o convívio em casa com quatro homens adolescentes, rebeldes. A minha mãe lidando com os homens, pois o meu pai trabalhava. Quando a gente aprontava alguma coisa ou falava palavrão a minha mãe tinha o costume de colocar pimenta na nossa boca, de dar palmada ou de deixar de castigo – coisa que eu não vejo mais hoje em dia. Aquilo era muito ruim. Eu detestava. Aquilo era punitivo e não corretivo. Não tinha uma explicação racional. Era meio que: “Fez alguma coisa errada, deixa de fazer.” Evidente que a gente ia ficando mais forte e, num determinado momento, a minha mãe não conseguia mais segurar a gente, com 13, 14 anos. Eu começava a rir e ela ficava mais brava ainda. Essas questões de disciplina, de autoridade mal aplicada, de justiça, sempre foi algo que eu valorizei – me incomoda e revolta ver injustiça. Lidar com autoridade foi algo que eu tive de aprender a fazer, porque eu não concordava com muita coisa pré-estabelecida e eu queria ser contra. Entender um pouquinho deste contexto da sociedade... E o que aconteceu? Eu saí da escola Nossa Senhora do Morumbi e fui para o São Luís. Os meus irmãos foram para o Santa Cruz. O Roberto, esse que era meio fora da curva foi para o Objetivo, para outras escolas. Esse não queria saber de estudar... Acabou ficando um pouco fora desse esquadro. Eu fui para o São Luís, para enquadrar, nos padres jesuítas – o meu pai havia estudado no Santo Ignácio, no Rio de Janeiro, São Luís aqui em São Paulo. Meus irmãos foram para o Santa Cruz – eles achavam que eu precisava um pouco mais de disciplina. Para mim, foi bom e ruim: Foi bom porque, de certa maneira, eu acabei me individualizando um pouco mais, crescendo mas, por outro lado, foi um pouco andar para trás. Por quê? Eu cheguei ao São Luís, que era o oposto do Nossa Senhora do Morumbi, um colégio só de homens e estavam abrindo para mulheres naquelas primeiras turmas – sei lá, duas ou três turmas. Eram muito poucas mulheres. E eu já estava escolado, tinha uma namorada há quase dois anos, tinha 16 ou 17 anos. Entrei numa classe mista mas um pouco moldado por esse referencial do meu pai – de mandar e ter que obedecer... Entrei em exatas para estudar Engenharia. Mas eu não queria estudar Engenharia. Não gostava, nem sabia o que era. Aquilo foi um pouco difícil. Eu queria estudar Psicologia, Sociologia e o meu pai dizia: “Não, isso você aprende durante a vida. Para ganhar dinheiro, isso não serve para nada.” Eu acabei cursando o primeiro ano em exatas e acabei pedindo para mudar – fui para humanas. Em humanas, eu me encontrei um pouco mais. As ciências humanas tinham um pouco mais de espaço no curriculum... Continuei tendo amigos e amigas em exatas mas foi quase como uma libertação. Foi como eu estava dizendo: Espernear e buscar um caminho, outras opções. Foi muito gostoso esse período em que eu acabei optando por fazer administração – que era um meio termo. A administração estava surgindo como uma opção de estudo, que não era tão radical quanto Medicina, Engenharia ou, sei lá, ser professor. Psicologia, Sociologia, era algo mais novo. Eu tive uma namorada no último ano, que também foi uma conquista, porque eu tive que destronar o Marcos para ficar com a Jaqueline. Eu acabei me casando com ela, que foi a mãe dos meus três primeiros filhos. Foi gostoso, mas eu não tive uma adolescência com muitas mulheres, com muita experiência, namoradas. Era tudo um pouco mais cerceado, a liberdade era mais vigiada, controlada, não se tinha tanta informação nem tanto convívio também. Mas foi muito gostosa... A parte esportiva: eu gostava muito de jogar vôlei, basquete. Eu tinha um professor, o Wladimir, lá no São Luís, que tinha sido da seleção brasileira. Walmir ou Wladimir? Ele era um craque. Eu tinha colegas que jogavam basquete muito bem e que eram do Sírio, de outras escolas; Eu comecei a fazer atletismo, que era algo que eu gostava. Eu entrei como sócio-atleta no [Clube] Pinheiros, o que foi muito bom também. Eu fazia muito esporte nessa época, um pouco de lutas marciais: Kung Fu, Taekwondo. Fiz um pouco de Judô também. Esporte sempre muito próximo – acho que esporte é uma atividade muito importante para formação do caráter e de personalidade, de vida. Desde pequeno, eu acho que é algo muito legal... Me apaixonei, casei, fui fazer CPOR [Centro de Preparação de Oficiais da Reserva]. O meu pai era governador do Estado de São Paulo, num dos últimos governos militares, o do [General Ernesto] Geisel, que entrou já com uma visão de redemocratização deste processo autoritário da ditadura. Ele teve de enfrentar a morte do Herzog – ele era o governador quando o Herzog morreu aqui em São Paulo, quando morreu aquele operário o Manuel Fiel Filho e quem foi responsável por essas mortes foi o exército. Ele não aceitava aquilo ali. Ele falou para o [Ernesto] Geisel que aquilo era inadmissível e o Geisel demitiu – foi a primeira vez na história no Brasil que um General de quatro estrelas foi demitido, o General Ednardo D'ávila Melo e entrou o Dilermando Reis, não, enfim.. Que era de uma linha de diálogo, um cara mais tranquilo, etc. Foi um período difícil, eu tinha 18 anos, eu queria casar. Fiz o exército e não pedi para ser dispensado. Porque quem tinha o “pistolão” pedia para ser dispensado. Nós entramos no CPOR e éramos todos revistados. As pessoas mais humildes tinham o maior orgulho, porque era a porta de entrada para fazer uma carreira. Eu tenho amigos que são coronéis hoje – que fizeram carreira e venceram na vida, porque eram de famílias muito humildes. O exército te dá alimentação, formação, comida, etc... E te dá uma carreira. Eu entrei no exército porque eu queria fazer cavalaria. Eu adorava cavalo. Só que eu não me dei conta que a cavalaria, que era montada, estava virando cavalaria mecanizada. Eu fui da primeira turma em que houve essa mudança, em que acabaram os cavalos e vieram os tanques. Então, quando eu chego no primeiro dia e pergunto: “Cadê os cavalos?” “Acabaram os cavalos”. Foi uma frustração. Eu digo: “Não é possível.” (risos) E como a gente diz hoje em dia: “Foi mal”. “Como eu faço para sair daqui. Eu quero ir embora.” “Você não pode ir embora. Tem de ficar aqui por um ano.” (risos) Aí eu fiquei um ano servindo lá em Santana. Achei aquilo um atraso. Mas o que é que foi bom? Tudo na vida tem um lado bom e um lado ruim. O lado bom foi que eu aprendi a detestar pimentão. Eles usavam pimentão e aquilo me dava uma azia... Quando eu tinha que comer no exército era o fim do mundo. O lado bom é que você convive com pessoas das mais variadas origens. Isso foi muito bacana. Tenho amigos que formam uma amizade grande. O lado bom foi a ginástica, porque tem que fazer ginástica todos os dia: ao meio-dia, sol a pino, pega o peso na quadra aberta – não é academia com ar condicionado. Tive que “ralar” mesmo. O lado ruim: as aulas eram para você aprender a montar e desmontar fuzil, eram de técnicas de guerra, coisas que não me acrescentavam em nada... Muito ruim. As aulas geralmente dadas por um sargento – o sargento é um ser meio recalcado, porque ele não é o soldado, o cabo, mas ele não é o oficial nem o tenente, mas ao mesmo tempo já tem comando. Então, não foi algo prazeroso embora tenha sido uma experiência. Foi legal porque eu não pedi para sair. Mas eu queria casar. Então eu não fiz o curso de graduação, que são 45 dias. Eu até consegui – e aí foi por um pedido a um general, ir para uma base que tinha cavalos. Mais três amigos foram, mas eu não. Porque eu já queria trabalhar e casar. E fui atrás de trabalho. Fui trabalhar no Itaú. Entrei na área de tecnologia, também muito influenciado pelo meu pai. Fui vendo que não era isso que eu queria e fui me aproximando mais da área de negócios, um percurso muito interessante, que passou nessa área que chamava Organização e Métodos, que me passou a importância dos processos. Mas eu não era uma pessoa para ficar lidando só com processos, tecnologia. Mas foi importante para a minha formação esse início com essa atividade mais focada em processamento, em tecnologia mesmo. Ao mesmo tempo, eu ficava sentindo falta – como se tivesse faltando um pedaço. Eu ia procurando e procurando com jeito, porque se você fica pulando de galho em galho não vai a lugar nenhum. Era uma coisa meio intuitiva, de um querer interno mesmo. E assim eu fui. Casei-me. Ela também jovem, da mesma idade do que eu, uma pessoa muito bacana, muito querida. Começando a vida: dois bichos do mato que casam porque tem afinidades, porque se gostam mas não sabem nada da vida. Eu tinha 23 anos.
P/1 – Você já estava formado quando se casou?
R – Já.
P/1 – Eu quero voltar só um pouquinho. Você entra para o CPOR, resolve prestar vestibular para Administração. Onde você foi estudar?
R – Então, eu estive no CPOR, fui fazer administração – não fiz cursinho, essas coisas. Eu não entrei onde eu queria: Eu queria entrar ou na GV [FGV- Fundação Getúlio Vargas], ou na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] ou na USP [Universidade de São Paulo] e acabei não entrando. Eu prestei FAAP [Fundação Armando Álvares Penteado] e GV [FGV] no final do ano. Entrei na FAAP. Na época, o meu irmão e a minha ex-mulher entraram na GV [FGV] e os dois tinham inglês, que eu não tinha. Eu não falava inglês – uma coisa que eu sinto falta, de ter viajado mais. Com 14 anos, eu fui para Buenos Aires e para Bariloche, mas foi a única viagem que eu fiz. O meu pai, em contato com o meu avô – a empresa não tinha fechado ainda, ele ia muito aos Estados Unidos. O meu avô, o pai da minha mãe, era totalmente bilíngue. Estudou em Harvard, etc. Eu sinto muita falta. Quando ele vinha, a gente ganhava muitos presentes importados que aqui no Brasil não se tinha. Mas sinto falta de não ter tido um convívio com a cultura americana, por não ter viajado mais. Pelo o que ele tinha de intercâmbio, de conhecimento, poderia ter promovido, a gente ter estudado, ter feito temporadas de férias... Teria sido algo que teria agregado. Mas então, entrei e fiz FAAP. Acabou que foi bom, porque eu estudei à noite e pude trabalhar durante o dia. Desde o primeiro ano da faculdade, eu estudava à noite e trabalhava durante o dia. Fui lutando, ganhando o meu primeiro salário. Entrei no Itaú, nessa área de processamento, depois de alguns anos, fui para o banco e fui encontrando o meu caminho. Fui bem na faculdade, em algumas matérias eu ia muito bem. Eu gostei de estudar várias disciplinas. Por ter feito Administração, eu gostei de estudar mais Sociologia, Estudos dos Problemas Brasileiros – na escola, era Educação Moral e Cívica mas lá era EPB –, Psicologia também para entender um pouco desta parte de RH [Recursos Humanos]; foi uma formação muito importante. Existiam professores muito bons na FAAP, um deles que se formou, inclusive, diretor da escola, o Henrique Vailati, que já saiu, acho que não está mais lá; Tive alguns professores como o Sílvio, de Matemática Financeira, o próprio professor Alexandre, que era o diretor da escola, isso foi importante. Eu acabei fazendo uma conexão entre o ambiente universitário, que eu vivia ali, e o trabalho. Isso foi válido para várias dessas matérias e disciplinas quando se tem uma aplicabilidade no que se está aprendendo.
P/1 – Como era o Itaú na época em que você entrou? Qual foi a percepção que você teve da instituição? Principalmente porque você entrou na área de processos. Conta para a gente isso.
R – Era quase que como uma área de programação. Eu aprendi a programação estruturada – Cobol, Fortran... Tinha toda uma linguagem e eu tinha de fazer programas que, na realidade, eram rotinas que você tinha que colocar numa linguagem para a máquina ler e poder executar. Foi assim que foi começando. Hoje em dia, isso se sofisticou muito e a forma e a maneira de se programar, as velocidades de processamento... Mas era como o primeiro carro. As primeiras ferramentas que surgiram... Foi interessante ter esse convívio – a importância de você entender as diferentes etapas, os objetivos que você quer, a necessidade de se planejar com antecedência e de você identificar os caminhos críticos. Se acontecer isso, você por fazer isso ou aquilo; são as opções que você vai ter, dependendo das respostas e das interações. Alguns desses sistemas eram mais complexos e uns tinham rotinas mais simples. O que eu percebia no Itaú? Que era um banco de engenheiros com vocação para tratar tecnologia com orgulho. Tecnologia era um valor. Foi muito bom. Em determinados momentos até era excessivo mas eu acho que como chassi, como plataforma para uma operação eficiente, isso foi muito bom. Mais recentemente, agora, até baseado no exemplo do Banco Real e até a própria integração com o Unibanco, acho que eles estão humanizando um pouco mais a gestão e a visão de banco. Eu percebia como uma organização grande, na época acho que eram 10 mil funcionários, não era muita gente, ao mesmo tempo era um “mundo”. Era tudo já organizado – você tinha um crachá, abria a sua conta... Ou você se tornava gente, no sentido de fazer parte de um sistema produtivo. Você tinha aulas, aprendizado... Na sala de aula, eu aprendia programação. Tinha colegas que em sua maioria eram engenheiros. Foi um aprendizado interessante. Mas eu me sentia um pouco “peixe fora d'água”. “Onde é que está o lado ‘gente’ disso tudo?”, “Legal isso tudo aqui, mas tem um ser humano, um propósito. Tem um fim para isso tudo aqui que eu acho que a gente acaba ficando um pouco longe”. Aí eu migrei para a área de Organização e Métodos, que eram sistemas mecanizados ou mecanizáveis e não mecanizáveis. Tinham alguns que eram rotinas: Eu recebo esse cheque. Tenho de ter uma via que eu dou um comprovante. O que e faço com a segunda? Eu anexo o cheque e mando para a expedição. E depois da expedição, o que faz? O malote vem, registra o nome aqui do documento... Você tem aqui uma série de processos que não são mecanizáveis naquele momento e que você também tem que tratar. Porque senão o cheque vai se perder o registro, o documento... Vira uma bagunça. Eu comecei a trabalhar nessa área, de Organização e Métodos, que era uma matéria que eu tinha gostado e que tinha um profissional no Itaú que era um craque. Ele era um bancário, um sujeito, um ser humano agradável e muito cheio de vida que era o Samuel Meda Coelho – raramente eu gravo esses nomes. Eu nunca mais pensei no Samuel... E tinha o chefe do Samuel que era o Carman, que anos depois foi trabalhar no [Banco] Real – que é um craque. O Carman que deu os primeiros passos, junto com o Dr. Olavo [Setúbal] e que colocou em prática todo o ambiente tecnológico do Itaú. Depois desenvolveu a Itautec. O Carman realmente é um ícone desse mercado. Está muito doente, com um câncer no pâncreas, mas torço para que ele esteja bem. É uma pessoa muito querida que anos depois trabalhou no Real e que foi, já com o ABN AMRO, um impulsionador da área de sistemas. Foi muito bom conviver com ele novamente no Real. O Samuel era um prático só que com uma cabeça muito organizada que conhecia o banco, suas rotinas. Ele ajudava o banco a se organizar melhor para ter uma maior eficiência e as coisas funcionarem mais. Mas ainda não chegava tão próximo do cliente. Então, eu estava do lado de dentro do balcão e via as pessoas do lado de fora do balcão sendo atendidas por gerentes, sub-gerentes, caixas... Eram pessoas que iam ali com necessidades, com problemas e querendo resolver questões. Isso sempre me atraiu – esse contato de ir de encontro ao cliente, ao usuário, que é a principal razão do negócio existir. Esse contato com o balcão: você receber e ser responsável como empresa e, ao mesmo tempo, ser solidário com quem está do lado de lá foi um aprendizado, um convívio. Naquela ocasião, eu fui para algumas agências: Agência Lapa, a uma outra, não sei se Pedroso de Morais e a agência Trianon, onde eu fiquei mais tempo. Nesta agência, eu pude me desenvolver e desenvolver algumas rotinas e ajudar a melhorar quando ocorriam problemas. Depois me deu vontade de ir para o lado de lá do balcão. Aí eu pedi para ir para a área de gerência. Eu fui como subgerente, pois eu estudava ainda, e aí que eu vi um pouco o lado das empresas, dos escritórios... Eu fazia visitas. Marcou-me muito uma ocasião que eu cheguei ao escritório de um advogado e disse que eu queria saber se ele estava contente com o banco, se eu podia oferecer algum produto e a secretária me disse: “Não, ele está muito bravo com o banco. Ele não vai querer nem te receber porque vocês mandaram o cartão dele com o nome errado e corrigiram o nome dele e erraram o da mulher dele. A mulher está muito brava e ele não quer mais saber de Itaú e não quer mais saber de trabalhar com vocês”. Fui para a agência, vi o que tinha que fazer para consertar aquela situação. As coisas demoravam 30 dias para mandar. Recebi, pedi para mandar para mim, fui lá para a secretária, entreguei. Digo: “Olha, agora está tudo em ordem. Ele não tem mais razão para não trabalhar com o banco. Está resolvido o problema. Com o tempo, eu fiz outras visitas. Para você fazer o contato com a pessoa muitas vezes há um filtro para você chegar em quem você de fato quer. Você resolver o problemas, para tirar o problema da frente, você cativar a secretária, demonstrar interesse. São aprendizados, na forma de você se relacionar, que nós vamos tendo. E pessoas de origens diferentes, pessoas comuns. Esse convívio na minha vida com gente de todos os matizes, fosse na minha infância – eu não contei aqui, mas nas férias, umas férias, quando eu já estava mais crescido, 14, 15; 13 anos. Eu era empacotador no supermercado. Minha mãe ia lá e pediu para o dono do supermercado, para o gerente, se eu podia trabalhar lá. Eu e outro irmão, o Carlos. Trabalhávamos como crianças pobres, como empacotadores, foi o primeiro emprego que eu tive com carteira registrada foi no supermercado Gonçalves Sé. Ficava na Praça Panamericana e ganhava dinheiro! Tinha que ir, tinha disciplina. Eu ganhava até umas gorjetas
porque tinha muita amiga da minha mãe, mulheres do bairro que me conheciam e que estavam fazendo compras, quando me viam davam um agrado a mais. Alguns meninos que estavam ali no trabalho ficavam meio bravos conosco. Mas você vai aprendendo com as cotoveladas da vida e vai aprendendo um pouco como se relacionar com o dinheiro. Esse seu Manoel fez umas caixas de engraxate e nós saímos cada um com a sua caixa de engraxate, as graxas, a flanela, a aguinha, a escova, saímos com as caixas tocando campainha. “Precisa engraxar sapato?” Ficaram sabendo que éramos nós, mas nós chegamos a engraxar muito sapato. Você chega em casa tem, outra coisa, eu não sabia que as pessoas tinham tanto sapato. Tem vinte sapatos, trinta sapatos. Você passa a tarde engraxando. “Ah, você mora ali, que bacana”. Traziam suco. Era uma atividade de engraxate um pouco diferenciada, mas nós ganhávamos nosso dinheiro, fazíamos nossas economias, nossa poupanças – nós tínhamos uma poupança na Caixa Econômica Federal. Teve algumas coisas assim que marcaram muito a infância, que eram muito gostosas. Eu adorava brincar de balanço, adorava. Tinha uma árvore que está até hoje lá na rua, que era muito gostoso. Jogar taco era muito bom também. Você tinha que ser muito bom, ser muito rápido, tem que ser bom na tacada. Brincar com estilingue, latinha e passarinho. Matei muito passarinho. Brincar de carnaval. Um pouco antes do carnaval porque geralmente antes do carnaval nós íamos para Petrópolis, brincava bastante. Bicicleta também era um artigo de luxo. O orgulho da bicicleta. Não tinha mais o joguinho. Hoje as pessoas esquecem, nem se lembram do primeiro [Nintendo] Wii. Meu primeiro telefone celular, não sei. Naquela época, era a bicicleta o objeto de desejo. Isso encontra um lugar nas nossas memórias, nas nossas vidas, nesse compartilhamento. É gostoso.
P1 – Me fala uma coisa Fernando, de quando você estava no banco e que você tinha esse convívio e que, na verdade, toda a sua experiência de conviver com pessoas de diversas classes sociais lhe trouxe um aprendizado que também você acabou levando para o banco. Essa coisa que você acabou trazendo, dessa sua experiência de conviver com pessoas de várias classes sociais, do convívio, desse aprendizado todo, esse teu desejo de trabalhar na área como você diz “fora do balcão”: como é que se deu? Indo para a agência e, depois, como se deu a continuidade da sua carreira?
R – O gerente de agência, ao mesmo tempo, em que era perto do público e do dia a dia, era uma unidade dentro de uma organização do todo. Eu queria conhecer um pouco melhor essa organização por dentro. A tal da administração central. Eu pedi para o Samuel [Meda Coelho] ir para uma área de negócios que tivesse uma visão um pouco mais abrangente. Ainda aprendendo, tateando, conhecendo. Estava sendo criado, no banco, uma área chamada Departamento de Operações Conjuntas. O que era isso? Operações Conjuntas tinham duas unidades: A e B. O Cleyton P. na A e o Thomas Hauerbach na B, junto com Olavo Bueno, que era uma pessoa que tinha uma cabeça matemática privilegiada. Eles estavam criando operações conjuntas entre o banco e a empresa. Era entender as necessidades, criar um catálogo de produto e começar a dar um atendimento diferenciado para empresas. Porque o cliente empresa, fosse pequena, grande ou média, ia na agência. Era na agência que ele era atendido. Começou um processo de segmentação, de entender as necessidades. O catálogo de produtos na área da agência nessa época era muito básico, era primário. “Ofereça esse produto, se o cliente disser sim, você ofereça aquele outro, se não, não sei o quê”. Era muito primário. Nós desenvolvemos – e eu me dei bem no curso de Matemática Financeira, eu gostava. E junto com uma moça, que era estagiária, Ana Lúcia, desenvolvemos um catálogo de produtos do banco todo. Produtos pessoa jurídica, porque algumas empresas também tinham interesse em alguns produtos como Folha de Pagamento, etc., ele tinha uma ramificação para pessoa física. Eu efetivo, ela estagiária – foi a nossa primeira função. Nós desenvolvemos esse catálogo de negócios, de produtos e foi muito interessante. Mostrou-me um poço desse espectro do que é ser banco, da variedade de produtos. Da grande regulamentação que existe nessa área. Eu tinha que ler, uma das funções que eu tive em determinado momento, eu lembro que foi mais duro do que o
Exército, foi ter que atualizar o tal do MNI, Manual de Normas e Instruções do Banco Central. Tinham vários volumes e era um rolo. O Banco Central mandava aquilo e tinha que manter atualizado. Eles tinham mais de um MNI, tinha que manter. Não existia computador como existe hoje em dia. Era ali que você consultava e se guiava para conhecer as características e as normas a respeito dos produtos. Às vezes até fazíamos sugestões para o Banco Central, junto com o departamento jurídico para alterar e aperfeiçoar alguma norma. Era um trabalho burocrático, muito mais manual, mas que me deu um grande aprendizado desse espectro de produtos que os bancos oferecem aos clientes e como eles são distintos. Cada um tem uma forma de ser calculado, de ser contabilizado. Os processos depois por trás de tudo têm uma complexidade muito grande. Isso me deu uma experiência, uma visão muito ampla do banco. Ao mesmo tempo em que a visão ‘cliente’ estava muito presente. O que é o banco oferecendo o produto pensando no cliente? Na atividade industrial, no negócio do cliente, da necessidade de expansão do investimento do cliente. Você começa também a ter contato com o dia a dia de economia.
P1 – Quando você traz essa questão dos produtos, que época era isso, só para eu me situar aqui na minha cabeça? Não precisa ser exato.
R – Eu tinha 22, 21 anos, 22 anos, portanto...
P1 – 1979, 1980. Quando você fala que os produtos eram muito básicos para o cliente e você passa a desenvolver alguns produtos para atender a demanda do cliente... Vou fazer uma coisa de contexto para nós podermos entender melhor o que é esse negócio, o que são esses produtos. Estamos falando numa época quase final na Ditadura Militar e num processo de expansão do Brasil, o famoso “Milagre Brasileiro”. Como é que se dá? O que foi necessário mudar para atender o cliente? Quais eram esses produtos?
R – O Milagre tinha acontecido um pouco antes no governo Médici [Emílio Garrastazu Médici] com o Delfim [Netto]. No governo Geisel, houve uma intervenção maior do Estado para desenvolver essa plataforma industrial de crescimento e de expansão. O Ministro do Planejamento era o Reis Veloso [João Paulo dos Reis Veloso], o Simonsen [Mário Henrique Simonsen] era o Ministro da Economia e meu pai foi o governador de São Paulo. Na gestão do meu pai, esses traços de ditadura, traços militares, sempre foram para mim traços que não tinham futuro. Eram traços vinculados ao passado que precisava deixar para trás – com as dores, com os problemas que ele teve que enfrentar e enfrentou. Meu pai sempre foi um governador e um político porque na função você tem que ser político e empresário. Acho que isso foi a grande característica do governo dele. Ele levou nomes de altíssimo nível, inclusive o Dr. Olavo Setúbal para ser prefeito. Foi prefeito nomeado por ele. Dr. Olavo fez uma grande gestão, fazendo investimentos do tipo metrô. O metrô era um ônus da prefeitura e pesava demais na prefeitura. O meu pai junto com o Dr. Olavo acharam uma maneira de estar passando isso para o Estado. Passou a ser um investimento arcado por um órgão estadual e que tinha o respaldo das finanças do Estado e não da Prefeitura. Essas combinações, esses entendimentos, essa visão de gestão moderna, junto com as equipes que, tanto de um quanto de outro, foram magníficas. Esse foi, no meu modo de entender, a grande contribuição naquele momento de abertura democrática. Infelizmente, o Brasil acabou fazendo algumas concessões, o próprio Geisel, quando não quis fazer do seu sucessor, um sucessor civil e fez o João Figueiredo, que acabou dando continuidade e, no meu modo de entender, houve alguns retrocessos na gestão pública com o João Figueiredo e o que se criou em torno das outras nomeações todas. Acho que o Brasil perdeu ali em ter capturado as coisas boas que aconteceram em termos de investimentos e de ter ido para um modelo de gestão melhor. Aperfeiçoado, aprimorado. Isso não aconteceu. E aí, com a própria democratização o processo é mais lento. Num processo autoritário, em que você tem um comando, é você quem toma a decisão. Num processo democrático, se ouve o povo. Aí vem um governante que é bom, o outro não é tão bom. Nós tivemos alguns governadores que não foram benéficos. E não sou eu quem vai dizer. É a história. E pessoas que foram eleitas pelo povo. Seja porque houve uma corrupção muito grande ou uma ineficiência nas nomeações, o que acaba privilegiando concessões políticas, que é ruim. Evidentemente que ter um democracia é, antes de tudo, saudável e que a gente deve perseguir: eu não sou, não advogo uma ditadura, embora a ditadura tenha algumas qualidades mas que, na sua essência, são a negação da liberdade humana; e eu não sou favorável. Acho que naquele momento da história do Brasil houver razões e distorções no pós-governo militar do [general] Castelo Branco. A questão econômica vivia muito em função de uma indústria quase que incipiente aqui no Brasil, comparando com a Europa e os Estados Unidos. Muito da agricultura oscilava com os movimentos da economia, sempre muito bruscos por conta da inflação muito alta. Eu acho que isso não criava um ambiente para o desenvolvimento de uma atividade financeira e econômica como nós víamos em outros lugares mais desenvolvidos. Os bancos se retraíam, ficavam vivendo na base do float, ganhando dinheiro com aquele dinheiro que dormia dentro do banco. O cliente estava em segundo plano mesmo, porque no fundo estava todo mundo querendo se defender da corrosão do dinheiro que havia em razão dessa inflação muito alta. A falta de uma gestão mais profissionalizada e menos politizada talvez tivesse ajudado o Brasil. Eu acho que um dos grandes retrocessos do Brasil foi a tão desejada, tão pedida Constituinte que levou ao Diretas Já os brasileiros à rua, mas aquela constituição que nós implantamos naquele momento, até por conta de todos os pedidos... Eram tantos que foi uma colcha de retalhos. É um retrocesso em termos de gestão do país esse arcabouço de leis que estamos aí e acaba criando uma série de problemas para uma maior desenvoltura. Eu estou falando de legislação trabalhista que até anterior a isto, da época do Getúlio Vargas. Estou falando de todo o sistema educacional, todo o sistema de distribuição, de todo o sistema tributário no país. Você tem amarras, que você tem um conjunto de leis que acabam asfixiando. Se você for governar como tem que ser, obedecendo a lei, dentro da lei, você está muito amarrado e isto faz com que você tome medidas pela metade. Você não consegue. Em um sistema democrático, talvez você tenha que tomar algumas decisões hoje, mas não para implantar nesta legislatura, neste mandato, mas implantar daqui há dois, três, porque aí você não tem este preço, não paga o preço político hoje e vai implantando gradativamente. Os processos são muito mais lentos. Em algumas economias mais desenvolvidas talvez com o parlamentarismo, conseguiram renovar os seus governos quando existem crises, quando existem problemas em períodos mais curtos em que se chama – cai o governo e se chama um novo governo, se chamam eleições. Mas nós aqui, com este sistema federativo, de quatro em quatro anos... Para o bem e para o mal, quatro anos é bastante tempo no mundo de hoje, o mundo está correndo em uma velocidade muito maior em termos de inovações tecnológicas, em termos de mudanças, sejam climáticas, sejam sociais, muitas vezes não dá para você ficar esperando um novo momento político para tomar outras decisões e criar uma coalizão, etc. Um pouco o que nós estamos vendo nesta hesitação que está acontecendo na Europa e principalmente nos Estados Unidos: você não tem uma agenda de interesse comum. Só quando surge um problema com uma gravidade de tal ordem que ameace de uma maneira mais significativa as coisas da sociedade é que você passa a criar um momento político que permita essa renovação destes compromissos e você ter uma ação. Então, eu te diria que, desde a ditadura do último governo militar até o governo Sarney, a inflação foi galopante, o descontrole inflacionário foi muito alto e muito pouca coisa foi feita em termos de investimento de base. Depois, com o Fernando Henrique é que começamos de fato a pavimentar este caminho para melhor. O Lula continuou seguindo os fundamentos. Ele foi conservador. Se nós recuperarmos a memória daquele momento havia muita insegurança, mas ele foi muito sábio e soube conduzir bem, com temperança, com o Ministro Palocci aquela transição e agora, no segundo mandato Lula e Dilma nós também vemos uma continuidade com realismo muito grande. O [Henrique] Meirelles [presidente do Banco Central entre 2003-2011] foi peça chave como um gestor vindo da iniciativa privada e com uma visão muito responsável. Acho mais do que ficar atacando: “Ah, ele era banqueiro, favoreceu banqueiro”. Eu não acho que na posição que ele está e com a transparência que têm, que seja um favorecimento. São políticas macroeconômicas que muitas vezes podem dar a impressão que está endereçando mais ao interesse de um ou de outro, mas eu acho que o Meireles fez uma gestão extremamente responsável e com uma consciência de mercado, das forças de mercado: quais são os fatores importantes para você ter respeito? Estabilidade e solidez num mundo cada vez mais interconectado. O respeito se adquire através de você ter força de reservas monetárias que você não tinha, é ter políticas responsáveis de juros, investimentos, de taxação; ter um sistema financeiro menos vulnerável aos riscos. Isso tudo é que dá um conjunto, que dá credibilidade para o país ser percebido como seguro ou não por investimentos. Senão o capital vai buscar outros portos, outros lugares onde ele se sinta melhor. Os bancos, a partir de um ambiente econômico mais estável passaram a considerar, a olhar, a valorizar cada vez mais a relação com os seus clientes, que até então eram coadjuvantes. O importante era o dinheiro, o fluxo e os bancos brasileiros em razão do grande poder de corrosão da moeda se tornaram muito eficientes em serem rápidos. Os processamentos, a área de tecnologia toda sempre foi muito importante, mas o importante era o fluxo, o que você conseguia atrair de fluxo financeiro dentro do seu banco e com isso tirar benefício da inflação ao dormir no banco um, dois ou três dias. Aí o banco se beneficiava. O resto você dispensava tarifa, não tinha tarifa: “Não precisa, tarifa é secundário”. O cliente não precisava pagar. Então, isso foi ruim porque acostumou mal. E não tinha como ser diferente, pois era parte deste sistema econômico e deste modelo de crescimento que nós, em algum momento, tivemos fatores como se chamou de ‘milagre’, fatores artificiais, e em um segundo momento tivemos uma intervenção estatal muito grande no período Geisel e que os investimentos ficavam restritos a grandes frentes de infra-estrutura – e que, de fato, nós não programamos uma inserção da iniciativa privada, mesmo porque a iniciativa privada tinha muito medo. A inflação era muito alta. A poupança, o poder de investimento e a condição mais segura de investimento estavam nas mãos do Estado e só depois, mais para frente, é que teve a democratização. No primeiro governo, tivemos o Itamar Franco, tivemos aí o Sarney e que foram períodos de ajuste. Re-conviver com a democracia e com as forças políticas. Teve esta constituição que estava entalada na garganta mas que veio sem nenhuma visão de futuro. Foi uma constituição que tentou acomodar tudo e que acabou criando um emaranhado, um nó para você ser ‘moderno’, para se ter uma gestão moderna. É um pouco deste legado que fica aí que vai governo, entra governo e nós não conseguimos nos desvencilhar e ganhar em agilidade. Acho que o governo do Fernando Henrique [Cardoso] [1995-2002] vai ficar marcado pela estabilidade econômica, pela responsabilidade fiscal. O do Lula [2003-2010] por um governo com uma visão de inclusão social muito maior, muito mais efetiva. E o governo da Dilma [Rousseff] pela parceria pública privada e a retomada de um modelo de crescimento. Acho que agora o Brasil está sólido e melhor posicionado dentro da perspectiva mundial, com melhores condições relativas. Agora, ele vai poder de fato olhar e aproveitar melhor se fizer a lição de casa entre iniciativa privada inclusive com parcerias estrangeiras, com governo e a sociedade de consumo – que está crescendo, o Brasil está com pleno emprego, algo que na Europa não tem: a Espanha está com 25%, chegando a 30% de desemprego. Tem políticas sociais que protegem, tem. Mas ninguém consegue proteger o desânimo e a moral abalada da pessoa jovem. A pessoa não tem o que fazer... Dependência e falta de perspectiva. O Brasil é um país com perspectivas hoje em dia. Os bancos estão muito mais focados no cliente e tudo isso que eu aprendi tem que ser colocado à disposição do cliente. É com o cliente, através do cliente e corrigindo estes desvios – alguns o banco tem que corrigir e outros o governo tem que corrigir, como estas questões macroeconômicas, pois quem define juros não são os bancos. Os bancos não querem que os juros sejam altíssimos e que o cliente quebre (risos). O banco quer que a taxa de juros seja mais baixa, que o banco ganhe uma margem, mas que seja uma relação de longo prazo. Tem que corrigir um pouco estas questões, essas distorções e permitir que nós consigamos... Qual é o papel principal dos bancos? Um regulador do dinheiro na economia. Se aqui tem muita água, eu capto água aqui e levo para onde tem muita seca, é fazer o papel de São Pedro com relação às necessidades do dinheiro e, além disso, prestar bons serviços. Ele é um regulador entre necessidade de investimento e poupança que muitas vezes não está no mesmo lugar, não está na mesma pessoa, não está no mesmo momento ou circunstância à disposição e com uma taxa que seja razoável. Esta taxa, inclusive, as pessoas esquecem um pouco o custo que tem as taxas, os compulsórios, impostos que tem sobre isso tudo que no final acabam também refletindo na margem, no total do spread. A economia estável, a população consumindo mais, crescendo; as empresas fazendo mais investimentos; os bancos vão também se fortalecer, ampliar e desempenhar melhor este papel e que passa também por um papel de prestador de serviço, dando informações, seja você um tomador de empréstimo ou um investidor de poupança, de fundo, seja o que for. Se você tem dinheiro depositado ou se tem dinheiro tomado, tem que receber as informações, tem que ter o serviço bem prestado, o boleto tem que chegar. Tem que ser uma relação mais transparente, mais clara e mais de aliança. Não de opostos.
P/1 – Eu vou retomar só uma perguntinha para a gente encerrar. É a última, e depois nós continuamos. Então, diante desta sua análise muito interessante macro e histórica do Brasil, você traz uma questão de contexto que acho que é muito interessante de como o banco se posicionava. Na época que você reestruturou os produtos no Itaú, quais foram os produtos que vocês desenvolveram e que vocês viam necessidade naquele momento para o cliente?
R – Naquele momento, em função dessa organização que nós fizemos, nós identificamos a oportunidade de estar reunindo e combinando alguns produtos. Começamos a oferecer algumas operações combinadas. Você oferece um empréstimo de BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] para maquinário e junto um seguro; oferece um empréstimo para ampliar a fábrica para ampliar o potencial de crescimento da empresa e ao mesmo tempo oferece um produto de ajuda a fornecedores que, na realidade, o banco dar empréstimos para a empresa ou sistemas para a empresa apoiar os seus fornecedores são desmembramentos de produtos ou de serviços que você tem do Contas a Receber, que você tem dos seus clientes ou do Contas a Pagar dos seus fornecedores. Existem, na atividade econômica, inúmeras formas do banco estar presente, do banco ajudar. Acho que, naquele momento em que nós começamos a olhar o cliente e os vários produtos, nós ampliamos esta visão para que pudéssemos fazer ofertas mais completas para tratar aqueles clientes não com operações específicas, que eles iam pedir ao banco, mas ao oferecer a eles um conjunto de operações que pudesse ser útil àquele cliente no dia a dia. Nós, os gerentes de contas de clientes, especializados em oferecer produtos e serviços em condições adequadas àqueles clientes, começamos a criar uma evolução do mercado entendendo melhor o cliente, o seu dia a dia, o seu setor de atuação, o seu segmento, com as oportunidades, os riscos... Apoiar esse desenvolvimento dos clientes e ao mesmo tempo oferecer uma gama completa de produtos foi uma mudança de mentalidade em que o banco passou a ter uma postura mais pró-ativa e muito mais útil aos seus clientes em termos de ofertas de produtos e prestação de serviços.
P/1 – E só para nós finalizarmos esta parte do Itaú. Depois desta área que você fica no departamento de negócios, então você vai para onde?
R – Então, foi interessante porque esta área mostrou a que veio. Deu certo, mas era um laboratório. A partir deste laboratório, deste experimento, que acho que duraram dois anos, três anos, o que fazer? E aí a direção do banco, o Dr. Olavo e outros decidiram criar a Itaucorp. Então, esta experiência do Departamento de Operações Conjuntas foi um embrião da Itaucorp, que é área que trata com os grandes clientes do Itaú até hoje. Só que ela tinha naquele momento um viés mais técnico, um modelo mais técnico de cálculo e até de rentabilidade para ver exatamente o custo dos produtos, calcular o custo não apenas de funding mas de processamento, era uma área que tinha componentes muito mais técnicos antes de fazer este avião decolar, de olhar efetivamente se ele ia se sustentar no ar e como é que ele deveria ser esta calibragem, esta oferta conjunta. Às vezes, você baixa em um produto e compensa em outro – foi um laboratório muito interessante. Decidiu-se lançar um modelo comercial chamado de Itaucorp e naquele momento foi escolhido um diretor que tinha uma pegada mais comercial que era o Alex Tile para desenvolver este grupo. Ele era um ser comercial por excelência, um homem de confiança, que trabalhava em outras áreas de negócio, na rede de agências e foi escolhido para desenvolver esta área comercial voltada para médias e grandes empresas. O Olavo Bueno, que tinha desenvolvido este laboratório e que era um técnico com uma cabeça brilhante eram dois chefes de departamento: um era o Tomás, com quem eu trabalhava; o segundo era o Cleiton, que foi escolhido para ir junto com o Alex, o Tomás e o Dr. Olavo Bueno para o Banco de Investimentos. De novo, ele era um cara mais técnico, mais financeiro, uma cabeça matemática brilhante e o banco de Investimentos também precisava entender melhor o que estava ocorrendo, o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil, o desenvolvimento das bolsas de valores, dos fundos de pensão que iam ser instrumentos de poupança importantes para o futuro do Brasil e que também envolvia relacionamento com empresas, com mercado, mas através dos fundos de investimentos, dos investimentos neste fundo e na gestão de recursos. Poucas pessoas foram convidadas para ir junto com o Olavo Bueno, mesmo porque já existia um departamento de análises e, também, o braço da corretora que fazia este trabalho e junto com o Alex Tile não tinha ninguém. A área estava se formando e eles tiveram que manter essa base técnica que havia e as pessoas, a maioria, foi com a área do Itaucorp. Eu fui escolhido, sei lá, entre quatro ou cinco, para ir com o Olavo Bueno. Fiquei muito lisonjeado com aquele reconhecimento pois eu respeitava muito ele e o Tomás. Eu fui. Eles me designaram na época para desenvolver esta parte toda de fundos de pensão que nos Estados Unidos era muito desenvolvido e na Europa também, mas no Brasil muito incipiente e que envolvia lidar com o mercado de ações, que é um mercado muito imprevisível, muito volátil, em que a lógica da economia, da vida como ela é, não está necessariamente refletida ali, no preço das ações, porque está sujeito a outros fatores. Aquilo ali me desanimou: trabalhar em uma área que fica um pouco ao Deus dará e que os fatores que influenciam são tantos, eu achei meio sem graça. Aquilo não falava comigo. Depois de trabalhar durante algum tempo nesta área, que era uma área mais de retaguarda em que eu perdi um pouco este calor de mercado, de cliente, de negócio. Confesso que eu fiquei meio desanimado e aí, de novo, são esses sentimentos, essa força interna que me fez ir atrás de outras coisas e sair batendo de porta em porta, procurei algumas áreas e perguntei ao meu chefe se eu poderia procurar. Ele disse que sim, e aí o Dr. Olavo tinha voltado, saído da prefeitura e voltado para o banco. Ele trouxe consigo um executivo, o Sérgio Silva de Freitas que foi designado para cuidar da área Internacional e essa área me interessava. Na realidade eu fui para esta área antes do Sérgio de Freitas ou ao mesmo tempo, enfim... Tinha um diretor chamado Carlos Toledo que era responsável pela área internacional e eu achava fascinante, mesmo porque o Brasil estava se internacionalizando, globalizando as relações com o comércio exterior. Tinha aí uma perspectiva além do Brasil que eu gostaria de conhecer e eu fui bater na porta e eles me aceitaram para trabalhar lá. Eu fui trabalhar inicialmente com a área tradicional, sob a gestão do Carlos Toledo, mas logo veio o Sérgio Freitas que era um jovem brilhante, uma cabeça também privilegiada e com muito apoio do Dr. Olavo, para desenvolver a área internacional, o relacionamento com os bancos, as linhas de crédito, o apoio ao comércio exterior e aí eu entrei no time do Sérgio e foi muito interessante. Foram anos muito ricos também e que eu aprendi muito, foi quase um recomeçar. Alguns produtos eu conhecia por este trabalho que eu tinha feito anteriormente, mas era mais técnico ainda porque existia toda uma interface com as linhas de crédito em dólar, em moeda estrangeira que nós captávamos no exterior, as operações de fechamento de câmbio que os importadores e exportadores faziam. Foi um momento também que me abriu uma janela para o mundo através do comércio exterior e, sendo banco e com um gestor novo, que estava com um gás danado e uma vontade de melhorar a área, de desenvolver – uma área que era muito boa mas muito ainda tradicional. Ele trouxe e promoveu toda uma renovação e eu fui junto. Depois de dois anos nesta área, ele me convidou para fazer um estágio no exterior. Eu, já casado e com um filho de quatro meses, fui para Londres onde fiquei no Libra Bank. O Itaú era sócio de um banco de consórcio, um banco que tinha a participação de dez outros bancos da América Latina. O Itaú e o Bancomer, do México. O maior acionista era o Chase, mas também não era majoritário, tinha acho que uns 20% e tinham vários outros bancos internacionais, então tinha o Swiss Bank Corporation, tinha o Mitsubishi Bank do Japão, tinha o Chase dos Estados Unidos, tinha o Bayerische Vereinsbank da Alemanha, da França eu acho que não tinha nenhum, enfim, era um banco que era composto por bancos de diferentes países, de diferentes nacionalidades e que queria se especializar, cada um não queria investir sozinho na América Latina. Então, criou-se este pool de bancos para entender a região como um todo e fazer investimentos aqui em dólar para promover o desenvolvimento do país dentro do que era possível. Muitos destes financiamentos dentro do modelo inaugurado pelo governo Geisel eram para empresas estatais, o grosso era para empresas estatais, esses novos projetos, então tinha o aval da União, o que era um ambiente seguro, mas os bancos estrangeiros não tinham muito convívio, não tinham escritórios no Brasil muitos deles. O Libra era um consórcio mesmo, uma plataforma com essa especialização.
P/1 – De investimento?
R – É, só que quando eu fui para o Libra, o Libra já existia há sei lá, uns sete anos, seis anos, não sei, o México estourou. Foi em setembro de 1982. Quando o México estourou, pediu a moratória, disse “eu não tenho condições de pagar a minha dívida: devo não nego e pago quando puder”, o Brasil foi junto. Gerou este efeito dominó. Eu cheguei lá na hora que fechou o tempo, puxaram o freio de mão e por um lado foi um grande aprendizado, mas foi um aprendizado sob um matiz, um viés que não era o que eu estava indo ver. Foi um pouco a história do CPOR: fui atrás do cavalo e encontrei outras coisas. Eu fui atrás de um banco que estava investindo, que estava crescendo, que tinha contato com estas grandes empresas, com estes grandes projetos da América Latina, muitos ligados ao petróleo, às usinas, à infraestrutura e eu chego lá e parou a locomotiva, bom, o que fazer? Repensar, re-arrumar a locomotiva por dentro e ver o que nós conseguimos salvar do que foi feito. Então, eu caí na área de crédito e era responsável pela análise de crédito de algumas empresas. Eu nunca tinha trabalhado na análise de crédito antes e foi muito rico. Quando nós paramos a locomotiva e vários desses empréstimos eram empréstimos de longo prazo, o que é que nós tivemos que fazer? Pegar as pastas de crédito e ver quem deferiu o crédito lá atrás, o que tinha pensado? As garantias que foram pensadas lá atrás estavam bem constituídas ou não? Foi uma loucura. Um trabalho de pesquisa intenso, um trabalho de articulação através dos gerentes, dos officers que tinham contato com as empresas para recuperar, reconstituir garantias, recuperar documentação. Tem toda uma burocracia para financiar uma plataforma de petróleo ou um avião através de um leasing... Um avião serve o México, mas a empresa dele é uma empresa que está em um paraíso fiscal e tem regras para você consignar esta garantia que são diferentes neste país... São operações complexas e nós tivemos que rever o que se pensou at day one, lá atrás quando foi constituído. Eu me lembro que no caso de uma plataforma de petróleo em um desses países precisava ter um carimbo em um determinado papel e o diabo do papel estava sem carimbo. Tivemos que sair atrás do carimbo. Então, algumas questões bobas, mas que podiam enfraquecer o processo de conseguir cobrar esta dívida amanhã e conseguir às vezes recuperar o bem para poder vender, etc. Foi um rolo razoável, mas foi muito interessante e eu fiquei em uma área que cuidava do México e da Venezuela, em que operações de Engenharia Financeira foram montadas e foi um aprendizado riquíssimo. O que eu não gostava de sentir no dia a dia deste banco? Então algumas experiências. Eu estava com um filho pequeno, acabei morando em um lugar muito bacana em Londres, minha esposa ficou grávida do segundo filho e minha filha nasceu em Londres – ela é brasileira porque mudaram a [regra] da nacionalidade. Tinham muitos indianos indo morar em Londres só para poder obter a cidadania e ter filhos em Londres. Eles bloquearam e disseram que não é todo mundo que nasce em Londres que vai ser inglês, ou que nasce na Inglaterra e vai ser inglês, mas sim se tiver o pai ou a mãe... E algumas outras condições. Então minha filha nasceu lá mas não é inglesa: é brasileira nascida em Londres. Foi um momento gostoso em termos de família, mas minha mulher sentiu muito, porque é uma vida mais dura. Tinha uma babá que foi, ajudou durante um tempo, mas sobrecarrega. Porque no Brasil você está acostumado com família e chega lá é você, com duas crianças pequenas e o clima ali neste sentido não ajuda muito. No Brasil, você tem um clima em que a rua é a extensão da sua casa para você passear. Lá é mais frio e escurece no inverno às três horas da tarde. O dia acaba mais cedo, a noite é mais longa e isso tudo mexe com você, com o que você sente. Foi bom, foi ruim, tem algumas coisas que não foram tão legais, mas foi de grande aprendizado. E eu no banco, a mil por hora, porque estava realmente sendo submetido a um aprendizado muito intenso, muito grande. Eu tinha que redigir estes relatórios em inglês. Então, aprendi a falar e escrever em inglês muito bem, mas por outro lado, o banco estava com o freio de mão puxado e nessa hora queria tirar vantagem do que era possível. Fazia qualquer negócio e passava o pé, a perna no Brasil e em outros países, em outras empresas, o que pudesse fazer e lidava muito com políticos, este ambiente de corrupção. Era um pouco até um sentimento de que eles estavam explorando o Brasil e outros países da América Latina, fazendo operações boas para eles mas sem um sentido de desenvolvimento e de apoio maior. Isso também me chamou a atenção, que é o significado, o caráter, o interesse com que você desenvolve o seu negócio, se é um interesse meramente individualista, se é um interesse realmente maior, desenvolvimentista, que tenha uma visão mais ampla, distributiva do ganho, do benefício, da operação. Eu participei de vários almoços, de várias celebrações, de assinatura de empréstimos com políticos, governadores, ministros e confesso que nem tudo era muitas vezes animador, estimulante e prazeroso, digno até. Porque era muito na base de favores, de jantares, aquela coisa que no fundo é mais olhando os interesses próprios, individuais, mais das partes do que do todo, da coletividade do Brasil e dos outros países. Eu também aprendi enxergando esta realidade e convivendo ali com ela. No segundo ano que eu fiquei em Londres eu pedi para ir para a área de tesouraria, porque, como o banco só emprestava para a América Latina e a América Latina estava quebrada, o banco estava quebrado porque não tinha como cobrar e não tinha como pagar. E banco trabalha com capital próprio, mas trabalha com depósitos, trabalha alavancado e a margem é um pedaço disso. E aí o banco tinha que buscar funding para rodar as operações: a liquidez. E, nesta hora, o mercado travou e era a área que era o coração do banco, a área mais sensível e eu trabalhei lá um ano vendo e registrando todos os empréstimos que nós tomávamos no mercado ali. O funding encurtou muito nas operações e eu participava muito próximo desta gestão da liquidez do banco que acabou necessitando de uma carta stand by letter of credit dos acionistas garantindo o banco. Mas a partir deste momento o banco foi se desfazendo da operação, foi fatiando... Aí eu já tinha saído, já estava no Itaú de Nova Iorque. Porque a ideia era que eu ficasse no Itaú em Londres. O Itaú ia abrir uma agência em Londres, um brunch, só que com esta crise toda não abriu e o investimento que haviam feito em mim... Então: “Vamos utilizar o Fernando em Nova Iorque”. Fui para Nova Iorque, o Liberbank, depois de alguns anos, foi desmanchado, foi desfeito e eu fui para o Itaú em Nova Iorque. Era um sonho ir para Nova Iorque: Eu tinha 29 anos, com dois filhos pequenos e minha mulher. Havia um sentimento em família um pouco, eu diria, distinto. Se por um lado, eu estava muito alegre com tudo isso, porque gostava muito, para a minha mulher era um fardo. Era difícil com duas crianças pequenas. E ela sentia muita falta da mãe dela. Ela falava com a mãe quase que diariamente, não me lembro, telefone não era tão fácil e era mais caro as ligações internacionais. Talvez não fosse diariamente, mas era muito presente a saudade. Sabe aquela coisa: “Ai, filha, estou com muita saudade! Ai, mãe, também estou.” Então, você acaba estando lá mas não vivendo a plena esta realidade porque tem dificuldades mesmo. Nós tentamos conseguir uma ajuda lá em Nova Iorque quando nós chegamos. Moramos em Manhattan por seis meses e depois fomos para uma casa muito gostosa, 40, 35 minutos de Manhattan de trem, em Larchmont, foi difícil encontrar. Talvez o mais difícil quando você vai para outro país é encontrar um lugar que se adequa ao que você quer, às suas expectativas e um pouco aos seus hábitos e costumes. Mas tanto em Londres como em Nova Iorque foi uma experiência também me dedicar. E a minha esposa também, quando era para validar, para nós escolhermos mesmo. Mas quem fez a grande busca fui eu: Era para buscar esses lugares, para definir onde morar que era muito importante como referencial, como base. Nós não encontramos uma empregada e levamos uma de Londres. Porque em Londres, na época, para ir aos Estados Unidos era muito difícil conseguir o visto e como nós morávamos em Londres foi muito fácil... Razões de embaixada, burocracia. Nós pedimos o visto para uma moça que nos atendia lá em Londres como diarista, uma brasileira, a Vera, e ela foi. Ela estava se separando do marido, tinha descoberto que o marido era gay e não queria mais ficar lá. E eu não sei se ela tinha casado por conveniência, para conseguir o visto londrino... Eu sei é que ela foi alguns meses depois com a gente para Nova Iorque mas só que uma brasileira, empregada, experiente com visto de três anos é avis rara. Então a Vera chegou lá em Nova Iorque – nós havíamos conseguido uma diarista e vinha chegando a nossa salvação. Só que a salvação era ouro em pó. Naquela época, você ia ao correio para mandar e receber cartas, não tinha email, essas coisas todas. E ela ia bastante ao correio e dizem que as madames de Nova Iorque ficavam próximas aos correios para ver este fluxo de empregadas e abordavam. Quando ela viu que ela poderia ganhar muito mais trabalhando para uma milionária, ela sumiu, largou as roupas e sumiu. Então foi complicado, era início de inverno, eu confesso. Por outro lado, a minha ex mulher, a Jaqueline queria ter o terceiro filho. Ela havia se formado na FGV, trabalhado na Alpargatas e nós queríamos ter um terceiro filho. Mas eu, ao mesmo tempo, queria voltar a trabalhar. Então eu dizia: “Olha, eu não queria naquele momento porque eu achava que ia pesar muito”. Por outro lado, eu entendia esta questão que ela colocava e acabou que ela ficou grávida, tivemos o terceiro filho. Ela ficou grávida e pesou muito duas crianças pequenas com uma ajudante diarista em uma casa grande em Nova Iorque, com inverno, etc. Conclusão: ela não queria ficar, não queria ficar, pediu para voltar e voltou de fato. Foi o único filho que eu não vi nascer porque ela voltou com oito meses, já estava programado nascer lá em Greenwich – o médico era uma americano que tinha morado no Brasil, muito simpático, mas ela preferiu voltar. Ela voltou com os dois e a barrigona e aí teve o filho aqui no Brasil e eu fiquei lá meio que para fechar, entregar a casa, etc. Eu vinha comunicando ao meu chefe lá, que era o gerente geral – eu era o adjunto, sobre essa situação em casa. Ele era casado com uma brasileira, com três filhos também: “Enfrentei isso com minha mulher, sabe o que eu fazia? Duas vezes que ela realmente estava em uma crise danada, pegava as malas dela e dizia: vai embora você e eu fico aqui!” “Eu não vou fazer um negócio desses com minha esposa, não temos este padrão de relacionamento”. Eu acabei dizendo: “Eu quero voltar”. Então, eu voltei meio a contragosto do Itaú porque o plano era que eu assumisse a agência lá e não que eu voltasse. Quando eu voltei, o Sérgio Freitas, que era o Vice-Presidente, já tinha ido para esta Itaucorp, das grandes empresas, e o Alex tinha saído, o Barreto e o Ian estavam cuidando da área internacional e aí o estilo deles era muito diferente, muito mais centralizador e a própria crise que houve nesta área internacional requeria uma postura mais conservadora. Aquilo para mim foi muito desestimulante e, então, eu pedi para sair do banco. Eu comecei um novo capítulo na minha vida porque quando eu pedi para sair eu estava com três filhos, mas eu não sabia o que eu ia fazer. Foi um pouco de abrir espaço para surgir o novo e isso eu conto em uma próxima.
(interrupção)
(continuação)
R – Nesta época, a Jaqueline, minha primeira esposa estava esperando o terceiro filho. Ela queria que se chamasse Vitor e eu em Nova Iorque, foi o primeiro que eu não vi, não assisti o nascimento, o parto... E eu em Nova Iorque, um frio danado e aqui no Brasil, não, na realidade não, deixe eu voltar... Quando a Jaqueline resolveu voltar para o Brasil para ter o terceiro filho eu fiquei em Nova Iorque e foi o único filho que eu não assisti o parto. Eu estava em Nova Iorque na realidade para desmontar – era verão em Nova Iorque. Não era bem em Nova Iorque, era em Westchester County, em Larchmont e eu tinha que desmontar a casa para entregar, enfim arrumar a mudança toda. Naquele momento por telefone ela queria que ele se chamasse Vitor, mas não batia muito bem Vitor. Não tenho nada contra, mas também não entrava redondo. Eu insisti muito em Eduardo, eu tinha um irmão que se chamava Eduardo e ela tem um tio que se chama Eduardo. Aí fica aquela argumentação meio boba, acabou que vingou o Eduardo. Pena que eu não estava aqui, mas acho que foi a minha contribuição: ter escolhido o nome. E eu confesso hoje, ele com 26 anos, que eu prefiro Eduardo do que Vitor. Foi o único que eu não assisti o nascimento e voltei dois meses depois. Ele estava super bem, ela também passava muito bem durante e depois da gravidez, do parto. Então voltei. Você volta e vem meio que recuperando um pouco, resgatando a história. O que ficou para trás. O mundo não pára. Foi difícil de eu me encontrar de novo na empresa, porque mudam as pessoas, mudam as equipes, o ritmo e nós ficamos como um peixe fora d’água. Acho que eu fiquei um ano mas não me adaptei e pedi para sair.
P/1 – Você voltou para o Itaú, mas em que área?
R – Na mesma área em que eu havia saído. A minha experiência demonstrou, ao longo da minha carreira, que as empresas mandam as pessoas para o exterior, os expatriados, na maioria das vezes, com a melhor das intenções para investir na carreira, na formação, a experiência, só que não preparam a volta. O Real era um banco que tinha uma área internacional forte e eu via isso acontecer também. Talvez tenha sido um ambiente até onde isso era melhor planejado e melhor tratado, talvez até pelo próprio aprendizado que houve, que foi um banco que se internacionalizou. Dos brasileiros, foi o primeiro, antes mesmo que o Banco do Brasil, e enfim, apostou muito nesta expansão na América Latina e em determinado momento também na África. Tinham três unidades. Porque é muito importante se não a pessoa fica falando sozinha. Tem uma série de descompassos, de diferenças. O salário, muitas vezes, o câmbio é favorável, muitas vezes não é. Questão de custo de vida, porque você vira a chave, você está vivendo aqui hoje e no mês seguinte você vai viver lá. Pode ter uma defasagem, uma diferença, a empresa tem que ser sensível a isso, tem que ajustar para que de fato o funcionário possa se sentir valorizado e não ver aquilo como uma penalidade, um castigo sob o ponto de vista financeiro, sob o ponto de vista de uma condição de vida. Já está mudando de cultura, geralmente as transferências são para o hemisfério norte. Você muda de clima e nós não estamos acostumados a um inverno tão rigoroso e mesmo um verão tão rigoroso. Porque no fundo, no fundo, quando aqui faz um pouco de frio nós sentimos mais, porque não temos todo o equipamento que eles têm lá. E quando faz muito calor lá eles não têm todo o equipamento, porque é um período mais curto do ano. Tem toda esta ambientação, esta climatização que acaba afetando as pessoas. Eu brinco, eu dizia que quando você vai sozinho tem uma solidão porque você vai longe da família, dos amigos. Mas quando você vai com a família você sente uma solidão em conjunto. De certa maneira ele se multiplica porque a sua esposa também sente falta (risos), você sente falta. Vocês se apoiam e acabam compensando um pouco nesse núcleo, mas tem uma saudade do núcleo como um todo, que também existe. Se conversa geralmente pouco sobre isso, preparam pouco as pessoas. Eu sou mais atirado, mas no caso da minha ex-mulher, da minha primeira esposa, ela era mais sensível e sentiu mais, embora falasse inglês muito bem, ela acabou sentindo muita falta da mãe, da família, das amigas. Ela ficou muito solitária. Fica até mais difícil de você criar esta vida fora, porque você tem que criar mesmo e não é um lugar onde você nasceu, onde você tem suas origens, o seu idioma. Mas é muito boa a experiência porque, no fundo, a maioria das pessoas sobrevive. Isso acaba ampliando o seu espaço interior e a sua experiência de vida. Eu acho que todo mundo que possa amanhã e ter uma experiência no exterior deveria ter, para passar um período mais longo, no mínimo três meses. Eu acho que isso ajuda muito a “abertura da cabeça”. Você criar mesmo que raízes tenras e superficiais, mas criar um pouco de conviver, de criar, andar de ônibus, andar de metrô, andar de táxi, comer comidas diferentes, entender o significado de palavras... Isso é muito rico. É muito interessante. Na Inglaterra, por exemplo, tem um apelido para batata que eles chamam “sput” e eu nunca tinha ouvido isso em nenhuma aula de Inglês, até porque meu Inglês não era um tão bom quando eu fui, mas sput, isso é uma coisa que não se aprende aqui. “I am afraid”, eu estou com medo, aí você chega lá e eles tem uma maneira coloquial de falar “I am afraid he is not here at the moment”, “sinto muito, ele não está aqui neste momento”. Eu ficava no escritório às vezes na hora do almoço, saia mais tarde e via os ingleses atendendo o telefone quando tocava em outras mesas “I am afraid she is not here”. Eu não entendia, aquilo não batia com o meu vocabulário, com o meu entendimento e isso para não falar do homem do tempo, weather report. Eles falam muito rápido e o tempo é um ser importantíssimo na vida dos ingleses principalmente, ele é um piece of conversation, é um assunto presente porque está sempre mudando e é uma tradição. Você tem que entender do que ele está falando, quais são as previsões, quais são os ventos, porque isso acaba fazendo parte desta discussão do dia a dia. E o cara falava muito rápido na televisão. Quando eu passei a entender o que dizia lá o homem do tempo, comecei a me sentir mais confortável. É interessante, pois é como se você vencesse a rebentação. Você ultrapassa, você começa a se sentir e quando você menos percebe, você já está se sentindo bem, já está sacando, você está cantando aquela música, está falando aquelas expressões, aí na hora do almoço as vezes eu “I am afraid she is not here”, agora eu estou bem, mandei bem, sobrevivi, a pessoa me entendeu, me agradeceu, enfim são coisas gozadas… Não sei se eu comentei na primeira parte da entrevista, mas um dia eu fui de manhã, tinha uma secretária muito bonitinha, a Carol. E eu fui pedir um tape para ela, só que eu conhecia o tape como durex, era fita durex, como a gillette virou sinônimo de lâmina, só que durex na Inglaterra é camisinha então eu, às dez horas da manhã pedindo um durex, ela olhou para mim, muito bonitinha mas inglesa com aquele jeito: “Fernando, that early in the morning” e eu fiquei com uma cara de otário, tão cedo de manhã assim você quer isso e eu não sabia o que era, depois que eu vim a saber que era camisinha, que é durex. Nos Estados Unidos acho que é condom. Então, as particularidades das culturas, sejam de regiões dentro de um mesmo país, sejam de países com línguas iguais ou semelhantes que nós vamos vivendo. Acho que isso tudo amplia o teu vocabulário de vida. São histórias que você carrega para o resto da vida porque vai te dando uma intimidade com outros lugares, outras pessoas, com outras culturas. Isso é muito gostoso. Nós nos sentimos um pouco maior como ser humano, vai colecionando experiências, ampliando o seu repertório e vai podendo também trocar mais com as pessoas ao longo da caminhada da vida.
P/1 – Quando você fala aqui que as empresas não preparam muito este retorno, qual foi a dificuldade que você sentiu quando você chega aqui? Era só uma diferença de equipe ou tinha divisão, o que era?
R – Não. Mudou muito, porque primeiro nestes quase três anos que eu fiquei fora o Brasil quebrou, declarou a moratória. A atividade normal tinha brecado a ‘locomotiva’ e você tinha toda uma burocracia de análise das operações de comércio exterior que não tinham linhas de crédito... Mudou muito o dia a dia, mudaram as pessoas e, não bastasse esta situação, que por si só era uma situação mais centralizada, mais burocrática vamos dizer assim, pela natureza do momento, o chefe também tinha esta mesma natureza. Eu gosto de pessoas mais fogosas, que estimulem, que andem para a frente, que queiram avançar, com os pés no chão mas sem grandes loucuras. Este não, este pisava com os dois pés no breque e tinha contratado um cara de fora que era mais novo na empresa, mas que também era muito formal e muito burocrático. Um sujeito que entendia dessas operações, um sujeito que falava inglês muito bem, era da Escandinávia esta pessoa. Era totalmente bilíngue e falava português muito bem porque tinha sido alfabetizado aqui. Era um cara que conhecia, que tinha um papel ali naquele momento para ajudar nestas renegociações todas, mas também era um “bola presa” e isso é desestimulante para quem tinha ido, vivido, voltado com 30 anos, com um gás danado, com estas experiências ampliadas. É muito chato. Você chega num lugar que está parado, ok, você até entende as circunstâncias, mas também tem a questão das pessoas; são sinais que vão te desestimulando, principalmente numa fase da carreira em que a referência dos líderes é algo tão importante. Isso me desestimulou – o vínculo, a relação... Eu já tinha também procurado outros lugares no banco que estava em um momento de ‘desaquecimento’ e pedi para sair, meio que para tentar a vida e porque não com aquela idade? E foi bom mesmo sem saber naquele momento o que eu ia fazer. Sempre que você toma uma decisão ou deixa um espaço vazio, você acaba abrindo a possibilidade deste espaço ser preenchido. E foi o que aconteceu. Um pouco o que eu tentei conversar com minhas ex-mulheres com as quais eu tenho filhos... Na realidade eu não sou casado assim como o Antony Queen: Nove vezes que tem filho com as nove. Um filho com cada uma. Não, eu não tive isso. Eu estou casado pela terceira vez, tenho três filhos do primeiro casamento e um filho do segundo. São dois meninos e uma menina do primeiro e um filho do segundo. Eu sempre sugeri que nós deixássemos este espaço da religião para a pessoa preencher. Porque quando se é criança ele não sabe se quer ser cristão, se quer ser budista ou espírita. O papel dos pais e da própria sociedade apresentar um pouco este menu que existe para deixar a pessoa ver o que faz sentido. Muito mais de esclarecer, facilitar do que você já preencher. Às vezes, nós nem pensamos muito sobre isso porque já é assim, meio que herdado, cultural, secular e vamos que vamos. E eu acho que nós, com os filhos deveríamos... Eu acabei entrando na onda delas e eles foram para o catolicismo. Por outro lado, eles não têm uma inquietude espiritual, então acomodou. Tudo bem. Eu tive um pouco mais e fui buscar, fui ler, aprender, conhecer mais sobre o budismo, enfim. Teve um momento em que esta conversa interna, esse assunto espiritual estava presente na minha vida: o que é o espírito, o que nós viemos fazer aqui? Quando eu saí do banco foi um pouco no sentido de permitir que algo novo surgisse. Eu tive medo? Tive, pois eu não tinha uma retaguarda financeira, eu tinha três filhos pequenos, minha esposa era formada na FGV em Administração, mas não estava trabalhando naquele momento. Nós tínhamos umas economias mas não era muita coisa. Foi interessante porque, de fato, o novo surgiu e a vida fluiu. Ouvindo recentemente aquele discurso do Steve Jobs lá em Stanford, ele fala que em um determinado momento, não sei se foi quando ele teve o câncer ou a certa altura da vida dele, quando olhava para trás, os seus pontos da trajetória de vida se conectavam. E eu, hoje, olhando para trás, sinto um pouco isso. É meio mágico porque é o sentido da sua vida. Você olha para trás e enxerga uma certa coerência, se assim pode se chamar, mas é o seu caminho de vida. E quando nós paramos para conversar um pouquinho sobre o passado, o presente, o futuro, enfim, nós acabamos resgatando um pouco o sentimento destas trajetórias e entendendo até parte desta história, coisa que normalmente, no dia-a-dia, nós não fazemos porque nós estamos olhando para frente. Acho que só as pessoas que param para escrever um livro ou para pensar um pouco, dar um depoimento assim é que tem esta oportunidade de sentir um pouquinho melhor isso que eu estou falando, qual foi o caminho de vida e, talvez, entender porque aconteceu algumas coisas de um jeito ou de outro. Naquele momento, para mim, embora não tenha sido de “cuca fresca”, nem poderia ser, mesmo porque o meu sogro naquela época me perguntou: “Que você mude de emprego tudo bem, mas que você não saiba o que vai fazer...”. Ele até concordava com o meu pedido de demissão, mas não ter uma outra opção, aquilo foi uma “chamada na chincha”, foi um puxão de orelha e eu senti. Não é que eu ignorava aquilo ou era insensível, mas por outro lado tinha uma voz interior que me dizia: “Calma, deixa ir” e este “deixa ir” foi importante para eu ganhar uma segurança de arriscar mais com os pés no chão. De ser mais empreendedor, ser mais inquieto e de confiar. Você precisa muitas vezes, para empreender, para iniciar um novo caminho, confiar. Se não você fica meio que travado em um imobilismo e nem o primeiro passo consegue dar. Isso foi um pouco o que aconteceu naquele momento: Eu saí do banco e comecei uma trajetória com experiências novas.
P/1 – Que experiências foram?
R – Tinha um primo meu que estava meio perdido também. Então, nós dois estávamos perdidos e, a melhor maneira de você se encontrar, é estando perdido. Se você já se encontrou você não vai estar perdido mais (risos). Então, naquele momento havia uma possibilidade de nós dois juntos encontrarmos alguma alternativa. Ele tinha uma tia postiça, casada com um tio dele, que abriu uma confecção e estava vendendo, indo muito bem. Então nós começamos uma facção. Empreendemos. Comprávamos tecidos... Eu tinha uma amiga da escola que o pai dela tinha uma fábrica de tecidos de qualidade muito boa. Nós comprávamos este tecido, a malha, nesta Mundial que era muito conhecida, essa malharia, e nós mandávamos cortar. Nós mandamos fazer um gabarito, tinha uma forma, tinha todo um processo que ele tinha convivido com esta moça, com esta tia durante algum tempo, tinha aprendido, ela também nos ajudava e nós começamos a fazer camisetas de alta qualidade e tinha que vender, então como é que vende? Bate na porta. Nós íamos. Eu fui em Carrefour, em Extra, desde os atacadistas que querem te pagar o mínimo possível, é muito achatado. Fomos em lojas boas e a qualidade era tão legal, era um material tão bem transado, porque eram estampas de silk [screen] que nós vendemos em uma loja que existia no shopping Iguatemi, chamava Viva a Vida, que era uma loja sofisticada e que eles vendiam as nossas peças. Então, tiveram coisas muito bacanas neste aprendizado, mas é coisa mesmo de principiante – você encontra um cara que faz não sei quantas cores, cor sobre cor... Tem toda uma técnica. Nós levávamos, comprávamos, cortávamos em um lugar. Aí pegávamos aquelas pilhas de malha cortada e levava as peças para costurar em São José dos Campos, porque tinha lá um time de costureiras. E você vai aprendendo. Nós íamos revezando e fazendo também a parte comercial. Foi muito bom. Este primo é um cara muito boa praça, o convívio foi bom. Evidentemente que quando vendia e ia muito bem, o comércio... Ele não perdoa. Quando a atividade econômica e as vendas param, você não tem o que fazer. Tem lá um x número de lojas, algumas compram, outras fazem consignação e você conta com aquele dinheiro. Nós fizemos isso durante um ano, quase dois anos, foi muito bem, fizemos alguns ciclos, mas é muito difícil. Nós pegamos uma onda muito boa de um desses planos econômicos, se eu não me engano foi o Plano Cruzado. Nós vendíamos até em Tocantins, lá em cima. Vendíamos realmente muito bem. Recife, eu nem sabia direito onde era Recife. Tinha representante, não tinha internet como hoje em dia tem, mas via telefone. Foi uma experiência muito interessante, mas aí parou. O que nós vamos fazer? Nós tínhamos em conjunto uma égua árabe puro sangue. Ele dizia: “Eu quero trabalhar com couro mas eu quero fazer poucas peças”, aí eu dizia: “Não, vamos ampliar um pouco...” Eu sei que ficou aquela discussão: O que nós faremos, qual é o próximo passo? Eu fiquei com a metade da égua dele, ele ficou com minha metade no estoque, nós acertamos as contas e cada um foi para o seu lado. Eu disse: “O que eu vou fazer agora?” Eu vou cuidar de fazenda. Eu gosto de fazenda, meu sogro tem uma fazenda, meu pai tem uma fazenda... Eu me meti de cabeça para aprender sobre fazenda e foi muito interessante porque é fascinante. É a vida. Então eu fui aprender sobre pasto, tipos de capim, como é que faz para consorciar capim. Como é que faz para arejar, para adubar sem ser só adubo químico. O uso de leguminosas. Eu não sabia, mas o besouro tem uma função importantíssima nos pastos: Ele come o cocô das vacas, faz um buraco e coloca as fezes dele, que é produto também deste processo de digestão – o cocô das vacas. E ele coloca lá dentro da terra. É importantíssimo, pois ele enriquece organicamente os solos. E foi indo. Eu fui aprendendo, fiz um intensivo, lia muito – eu sou muito intenso. Eu lia todas as informações e, depois, fiz alguns estágios em algumas fazendas que eram profissionalizadas, que eram de grupos industriais. Foram três fazendas e foi muito bacana. Eu aprendi muito.
P/1 – Mas eram fazendas de quê? Criação de gado?
R – Gado. Algumas tinham outras atividades, mas o meu interesse era gado. O meu sogro tinha uma fazenda de gado que ele estava desenvolvendo e a ideia seria então eu assumir esta fazenda e ver. Só que de novo, olhando para trás hoje, eu sabia um terço da história. Eu não sabia a metade e mais da história e nunca fiquei sabendo 100% da história. Hoje eu sei um pouco mais, eu percebo isso. Eu fui para lá com a cara e com o coragem. Era um ambiente seguro, a fazenda era dele. Ele tinha um sócio que ia lá uma vez por mês e tocava, tinha um ritmo. E o que eu tinha que fazer? Ver o que eu poderia agregar e melhorar aquilo que estava ali. Então eu implantei a contabilidade, eram 200 quilômetros de para o norte Campo Grande. Achei um contador nesta cidade que se chama Rio Verde do Mato Grosso e foi indo. Fui organizando a parte de contabilidade. Levei um veterinário para fazer apalpação nas vacas – tinham mil e tantas vacas, duas mil vacas naquela época e algumas não tinham útero e ovário e ficam ali comendo... Não dão cria, não emprenha. Não adianta. Então você tem que descartar as vacas. Fizemos um descarte seletivo, compramos uns touros de boa qualidade para ir melhorando a genética do rebanho e foi indo. E ele, este senhor, já tocava, ele já fazia um monte de melhorias. Eu fui agregar, ajudar a partir desta base que ele já tinha. Eu queria comprar um cavalo porque tinham umas éguas muito pangarés e eu queria ter um cavalo de raça para também ir melhorando. Eu fui comprar um cavalo em uma exposição aqui em São Paulo, em uma sexta-feira – porque no domingo ou segunda-feira cedo eu iria para Campo Grande com a família para ficar quarenta dias. Eu queria ver se ela gostava, porque eu queria morar em Campo Grande. Era uma experiência do aventureiro, com três filhos pequenos. Eu conversei com o meu sogro, combinei as coisas e fui ver este cavalo. Quando eu cheguei na exposição, numa sexta-feira, às 11 horas da manhã, 10:30... Eu dou de cara com o doutor Aloísio de Faria, que era dono do Banco Real. Ele disse: “Meu filho, como é?” Ele conhecia a minha esposa por causa dos nossos pais e ele sabia que nós tínhamos morado em Londres. Ele tem uma filha que mora lá. Ficamos conversando. Ele é mineiro, bom de prosa e estava com o presidente da Associação dos Criadores de Cavalo Árabe nesse evento de cavalo árabe. Eu disse: “Eu vim aqui para comprar um cavalo árabe porque eu estou indo para o Mato Grosso cuidar da fazenda. Mudei de vida, não estou mais na área financeira e vou lá tentar a vida no Mato Grosso”. Ele, com aquele jeito mineirinho, deu uma risadinha assim, só faltava estar com capim na boca e disse: “Passa na minha fazenda que eu estou vendendo um cavalo... Me liga amanhã que nós combinamos”. Eu disse: “Doutor Aloísio, eu estou indo para o Mato Grosso segunda-feira, nós combinamos”. Eu sei que eu fui almoçar com ele, no sábado ou domingo. Estávamos eu, ele e uma filha dele e a conversa foi ótima. E eu estava com tudo sobre criação, fazenda e ele tem umas quatro fazendas super produtivas. Ele conhece o assunto e eu: “Pápápá de produtividade...” e acho que ele gostou. Eu acabei não comprando o cavalo, fui embora, mas acho que ele ficou na cabeça: “Esse cara que trabalhou em banco por tanto tempo e que está aí agora de cabeça deve ser um cara bom para trabalhar nas minhas empresas”. Eu sei que depois de 45 dias, eu voltei para São Paulo, decidi que eu não iria continuar em fazenda porque a Jaqueline não queria ficar lá, etc. Eu tinha umas ideias, por exemplo, eu queria criar crocodilo, porque o couro do crocodilo estava começando a ser produzido oficialmente. Eu queria plantar seringueira, a borracha, porque nós sempre ouvimos falar que a seringueira dá lá em cima, na Amazônia, no Pará, mas na realidade ela dá bem aqui para baixo, tem algumas regiões climáticas em que o tal do ‘mal da folha’, que afeta a produtividade, não dá e lá era uma destas regiões. Então eu estudei isso, mas aí o meu ex sogro dizia: “Não, Fernando, você tem que ter uma fazenda de gado”. Ele meio que tinha aquilo ali para a aposentadoria, para fazer uma poupança, deixar para as filhas, mas eu não. Eu achava que o período para uma vaca parir, nove meses, era muito tempo. Eu queria algo mais rápido, enfim, essa coisa de aumentar a produtividade. Eu acabei saindo. No dia que eu cheguei em casa e falei para minha ex-mulher, a Jaqueline: “Olha, eu decidi sair, falei com o seu pai e estou saindo”. Neste dia, eu recebi um telefonema de um diretor de uma empresa do doutor Aloísio me convidando para trabalhar lá. “O doutor Aloísio ficou impressionado, disse que você não tem cara de fazendeiro mato-grossense e me pediu para te ligar para saber se você teria interesse em fazer parte de uma nova empresa que nós estamos começando. Negócios, não é dentro do Banco Real, é em paralelo”. Eu disse: “Tenho.” Fomos, conversamos, acertamos o salário e comecei.
P/1 – Que empresa era esta?
R – Chamava-se Metro Planejamento Financeiro, uma empresa de consultoria que tinha mais agilidade de decisão para fazer operações mais informais de consultoria, de transferências, de planejamento financeiro, de conversão de dívidas. O banco era muito dentro de determinadas regras e determinados departamentos e esta empresa era mais ágil. Éramos um grupo pequeno de seis pessoas: Tinha um diretor e eu era diretor-adjunto. Tinha um outro americano e mais umas três ou quatro pessoas e gerentes que ajudavam. Fazíamos privatizações também, fundos de investimentos especializados, foi muito interessante. Era uma empresa de negócios do doutor Aloísio. Aí, depois, este diretor saiu e eu fiquei durante um bom tempo, uns quatro anos como diretor principal desta empresa. Aí eu fui para o banco, porque também o ambiente regulatório foi se flexibilizando, os bancos começaram a fazer muitas operações deste tipo e aí esta empresa deixou de fazer sentido e o doutor Aloísio encostou a empresa. Eu fui para o banco e montei esta área de Corporate Finance dentro do banco de investimentos do [Banco] Real. Aí a minha vida pegou uma outra lufada, um outro momento e foi muito interessante porque não foi planejado. Comprando um cavalo... Se eu não tivesse ido comprar o cavalo, eu não teria encontrado este sincronismo do Universo e essas coisas que acabam nos levando. Foi um pouco isto que aconteceu e aí eu entrei para o banco e fiz toda uma carreira lá dentro.
P/1 – Que momento era esse da Metroplan? Eu estou querendo situá-la no tempo e também queria entender o seguinte: esta consultoria de negócios era para vários segmentos? Como é que era esta consultoria ou você atendia a um segmento específico?
R – Não, eram vários segmentos. Nós fazíamos conversão de dívidas, operações de dívidas... Estávamos iniciando. Nós fazíamos também operações de privatização e permitiam que moedas, eram chamadas de moedas podres naquele momento, fossem usadas nas operações de privatização. Tinha transferência de recursos também em reais para o exterior, que também era uma modalidade. Era encontrar formas dentro da lei de estar dando uma maior agilidade e um melhor planejamento fiscal para as empresas que trabalhavam ou com moeda externa, moeda estrangeira ou com comércio exterior. Então nós fizemos, enfim, o mercado é muito criativo.
P/1 – E isso não se fazia dentro dos bancos?
R – Alguns bancos de investimentos, tipo o Garantia, alguns bancos menores faziam... Os bancos eram muito “pão-pão, queijo-queijo”. Era muito... Esta agilidade, os escritórios de advocacia... Naquele momento de mercado, teve um nicho de oportunidades e se criaram alguns bureau de negócios e o doutor Aloísio enxergou isso, muito astuto, tinha um know how dentro de casa, tinha dívida no Banco Real, dívida externa, uma carteira que podia ajudar. Ele não prejudicava o banco porque ele comprava sempre a preço de mercado, mas conseguia vender melhor. Mas uma operação para fazer dentro do banco, ia ter que ter um departamento, uma estrutura hierárquica. “Quem é o chefe?”, “Este aqui não conhece direito”... Entra em todo um processo de funcionamento de aprovação, de autorização para a compra de imóveis para alugar... Entra nesta burocracia que uma grande empresa tem. Então, nós criamos em paralelo e tinha uma agilidade muito grande, tanto que esta empresa nunca ficou no vermelho. Desde o primeiro dia, ela já começou no azul. Esse cara, que era o diretor, no início da operação, já trouxe alguns negócios, algumas operações e já aportou desde o início. A empresa se viabilizou desde o seu primeiro dia e gerou um bom lucro para ele. O capital era baixo e o que precisava mesmo era de agilidade e conexão para enxergar essas oportunidades e para fazer estas operações, que tinha um pouco de planejamento financeiro, planejamento fiscal, atuava bastante com advogados e foi muito bom. Foi uma volta ao mercado financeiro de uma forma um pouco diferente, um pouco mais ágil e mais moderna do que o mercado financeiro tradicional. Este mercado foi evoluindo também e aí eu voltei para o banco, mas dentro do banco de investimento. Aí a vida me levou a cair dentro do banco comercial. O doutor Aloísio resolveu vender o banco mas para vender tinha que ‘engordar o porco’ para vendê-lo melhor. Resolveu abrir mais contas de clientes, engajou todos os diretores: o diretor do banco de investimentos, no meu caso; o diretor de grandes empresas. Diretores que não necessariamente tinham na sua atividade principal o contato com o varejo passaram a ter uma responsabilidade por uma região e visitar esta região. Era um programa chamado “Batalha Real” e este programa era exatamente para ver se a força comercial do varejo estava bem articulada para conquistar novos clientes. Era sair a campo para conquistar.
P/1 – E o que você fez com a sua égua?
R – A égua acabei encostando, vendi acho que a égua, mas aí tive alguns outros cavalos depois porque eu gostava muito, mas este mercado, esse negócio de cavalo foi um mercado que também teve um bolha muito grande.
P/1 – Mas então, aí você foi e esta ‘Batalha Real’, explica um pouquinho.
R – A Batalha Real era um programa de crescimento do banco. O doutor Aloísio resolveu mobilizar o banco, seus diretores, todas as áreas, os funcionários. Se você recomendasse um cliente você tinha pontos, ganhava pontos, tinha viagens, etc. e realmente mobilizou. Nós contratamos uma empresa de eventos, a Banco de Eventos, do José Victor Oliva e botamos fogo no circo: com atores e atrizes globais, agitava a galera para abrir conta e tinha um ranking. Eu caí com Juiz de Fora no início da ‘Batalha Real’. Estávamos em penúltimo lugar neste ranking, com sei lá, 40 regionais – eu acho que era o que tinha na época. Aí eu comecei. Eu passava uma semana do meu mês em Juiz de Fora, tinha um problema de tempo e, às vezes, o avião descia, às vezes não descia, tinha que ir para o Rio [de Janeiro], pegava o carro, era um perrengue. E visitando. Visitando o quê? A diretoria regional, ajudando o diretor regional a fazer o planejamento e visitando os clientes. “Um diretor de São Paulo que vem para visitar o reitor da Universidade... Podemos abrir conta aqui? Pode”. Então monta uma barraca, bota o gerente lá à noite, vai lá ver, dá chopada para o centro acadêmico. Agita da maneira que você pode. Vai visitar uma empresa de transportes que tem uma folha boa. Uma empresa que faz beneficiamento de café... Eu lembro que a Mercedes [Benz] estava se instalando em Juiz de Fora para produzir este Classe A. Então você mapeia o que está acontecendo, desde a associação comercial, federação da indústria, federação do Estado e vai atrás. O [Banco] Real já tinha um programa universitário muito forte e lá a região tem muitos estudantes universitários, de universidades públicas, federais, estaduais, privadas... Nós trabalhávamos também nesta cadeia de ensino, com boas escolas, bons colégios e você vai de certa maneira cavoucando um pouco o mercado, vendo onde é que tem oportunidades, possibilidades, engaja e fica monitorando aquilo. Todo mês eu ia, acompanha de longe, fazia uns telefonemas e toda semana o doutor Aloísio batia o ranking na reunião da diretoria. Tinha uma reunião todas às segundas-feiras de manhã e ele olhava: “Então Fernando, você está indo bem, fulano, sicrano, como é que está indo”. Sem botar muita pressão, mas o próprio ranking botava todo mundo exposto ali e o que você está fazendo ali, o que você não está fazendo e você tinha que correr atrás. E ele muito jeitoso eu sei que de fato a coisa foi e com este apoio desta campanha motivacional, foi indo. Eu cheguei a ficar, acho que em primeiro eu nunca fiquei, mas em terceiro lugar em um ranking geral e foi muito legal porque, de fato, nós conquistamos um milhão de contas, dobramos a base e o programa continuou. Esta primeira arrancada que foi de fato a rede, nós demos aquela redada que trouxe a maior quantidade. Aí continuamos. A ‘Batalha Real’ continuou: Eu fui coordenador de Jundiaí e Piracicaba, de duas regionais aqui do interior. A mesma coisa: Eu tinha que ir lá toda semana só que o pessoal já estava rodando. Não foi como no início. Já tinha um aprendizado e eu trazia um aprendizado do meu trabalho lá. Depois eu fui do setor Rio-Centro que é toda a região central do Rio de Janeiro, que era a principal regional do banco. Fui do setor Vale do Aço, Volta Redonda também e foram estes. De quatro em quatro meses tinha este rodízio e isto fez com que o banco de fato engordasse um pouquinho para ser vendido – como de fato foi vendido. Quando eu estava neste programa, o doutor Aloísio um dia, em uma dessas reuniões que eu estava bem lá no ranking, com aquele jeito mineirinho dele, ele disse: “Fernando, eu estou vendo que a mosca do varejo te mordeu, estou vendo que ela te mordeu.” E, de certo, eu gosto realmente deste... “E você é muito bom em abrir PABs” – que são as agências dentro das empresas. “Você tem um foco muito bom, quem sabe eu crie uma diretoria de PABs e dou para você tomar conta”. Tinham duas diretorias de rede, Norte e Sul e que os PABs todos estavam dentro destas diretorias. Depois de alguns meses ele resolveu tomar esta decisão: o banco foi vendido, a única parte que não foi vendida era o banco de investimentos onde eu estava, mas como a mosca do varejo me mordeu e ele criou esta diretoria, que era nova, tinha um ano quando o banco foi vendido, eu fui junto. Então eu não fiquei com o pedaço que ficou com ele e eu não queria ficar mesmo porque esse mundo do varejo é muito fascinante, é muito interessante e eu já vinha... Tinha trabalhado no exterior com grandes empresas, com operações mais sofisticadas, engenharia financeira. Eu estava muito satisfeito com aquele momento que eu estava vivendo na minha carreira e continuei. Só que eu entrei no ABN [AMRO] que foi quem comprou. E que ninguém conhecia: Um banco holandês, que tinha um escritório aqui e tinha uma operação da financeira que era a tal da Aymoré. Eu entrei como o mais jovem no varejo e, na hora de dividir o bolo, em que o ABN fez as escolhas – quem vai para cá, quem vai para lá, eu era uma carta meio fora do baralho. Ele disse: “Vamos criar uma Diretoria de Marketing. Você é um cara que se comunica bem, tem uma boa postura, já morou no exterior, se relaciona muito bem. Vamos criar esta diretoria”. Ela não existia. “Que roubada, estou entrando em uma fria, estão me encostando e no primeiro ponto eu desço.” Eu fui ter uma conversa com o Fábio Barbosa, que era o terceiro na hierarquia, e em uma conversa com ele lá na [Rua] Verbo Divino, ele disse: “Esse é um projeto que é para ser muito legal, nós estamos muito animados. Para nós é um projeto que foi muito pensado, um projeto importante e eu gostaria que você viesse junto. Mas, neste momento, o que eu tenho a lhe oferecer é apenas dizer que eu estou com muita vontade, disposição e confiança para nós evoluirmos”. Nessa troca de olhares, nessa conversa eu já senti a maior segurança, mas eu estava em um quarto escuro, não tinha nada, não conhecia nada, tinha feito algumas campanhas em Marketing, mas nem sabia qual era o projeto do banco – eles mesmos não sabiam direito. Eles tinham mais ou menos uma estrutura formal até do que era na Holanda. Eu disse: “Fábio [Barbosa], eu vou pensar e eu te ligo”. Eu cheguei em casa, morava sozinho, estava separado, fiquei comigo... Pensei, respirei. “Sabe de uma coisa, eu topo”. Eu ouvi uma voz interior, eu liguei para ele e ele: “Que rápido” e não sei o quê. Eu disse: “Eu sou assim e está fechado”. Tinha uma decisão que se a minha área de Marketing iria ficar respondendo a RH ou se ia ficar respondendo ao Fábio [Barbosa], que ia ser o presidente... Tinham dois holandeses, um que era internacional, mas que cuidava de toda a América Latina e um que era chefão de toda a América Latina. O Fábio [Barbosa] respondia a eles dois e aí eu conversei: “Fábio, o modelo da Holanda, o Marketing reporta ao presidente. Não tem sentido. O ‘cara’ de RH era um pouco casca grossa, foi mais isso que me afetou do que estar subordinado a uma outra área. O Fábio ouviu, ponderou e um dia este holandês, o chefão me chamou para conversar. Eu sei que eles aceitaram que fosse uma área reportando ao Fábio. De novo: são estas pequenas grandes coisas. Aí nós iniciamos todo um mano a mano, toda uma trajetória juntos ao longo destes anos todos e foi, de fato, sendo construído pouco a pouco, gole e gole, sumo a sumo. E o caminho foi aos poucos se abrindo, uma estrada maravilhosa que nós nos demos muito bem e as coisas foram acontecendo. Não tinha nada e o pouco que tinha era, de novo, abrir espaço para alguma coisa brotar. E qual era o pouco que tinha? Era uma house agency, que era uma agência de publicidade dentro da empresa. Se chamava Itapeva, que o banco usava para o seu dia a dia. Uma fórmula econômica. O doutor Aloísio, mineiro, econômico, eficiente, tinha uma agência, servia-se, quando tinha alguma campanha maior ele podia fazer uma concorrência com uma agência de fora e foi aí que eu tinha aprendido um pouco – em duas, três campanhas... A Batalha Real foi a hora em que o Real mostrou um pouco mais a cara, porque ele era muito quieto, tanto que não tinha área de Marketing, tinha uma área que era um núcleo para prestar serviço de comunicação – que era esta house e a minha primeira tarefa foi desmontar esta house. Eram 26 funcionários e [o intuito] era acabar com o pouco que existia para construir o quê? Não tenho idéia. Eu disse: “Bom, eu tenho que perguntar para alguém. Tem uma empresa, que eu li um dia, que presta serviço para empresas escolherem agências de publicidade”. “Legal, eu conheço o cara.” Liguei para ele, conversamos, marcamos uma reunião, falei com o Fábio: “Estou
conversando com o fulano, você conhece de referência? Vou atrás dele”. Tinha sido encomendada uma pesquisa para ver qual seria a marca, eles tinham pensado que a marca iria ser ABN Amro, mas tinham encomendado uma pesquisa para o escritório em que o Fábio conhecia um dos executivos. “Então, vamos encomendar?” “Vamos”. Isso já estava em andamento. Me entrevistaram e então comecei a lidar com estas informações, com estas ideias. Este cara que eu consultei para dar esta outra consultoria de ajudar a formatar a área me disse: “Vai custar um milhão de reais”, e eu disse: “Que bom que você está falando isso porque é não de cara. Se fosse um preço mais ou menos eu não saberia o que dizer. Você está maluco!” Não tinha a menor condição, a menor. “Nós estamos começando, como é que eu vou chegar para os holandeses com um valor desses, eu não tenho nem como”. Ele disse: “Tá bom, eu deixo por cem mil.” Eu fiquei meio bravo, mas eu peguei porque precisava e foi muito útil porque aí quem veio trabalhar comigo foi uma pessoa que trabalhava neste escritório e que conhecia o meio da publicidade e me ajudou. Então, juntos nós fomos construindo, passo a passo, o que seria uma escolha de uma agência. Eu, muito ignorante e muito humilde, fui lá bater no Itaú, que eu conhecia, que eu tinha trabalhado lá quase dez anos. Fui lá e perguntei: “Como que é aqui, quero aprender. Como é o departamento, estou começando com o Matias”, que era o vice presidente e assim foi. Como que por milagre, as coisas vão acontecendo. Tinha uma reunião. O ABN [AMRO] tinha uma metodologia muito grande: Eram 18 diretorias, 18 frentes de trabalho, a minha era uma delas e, uma vez por mês, eu tinha que fazer uma apresentação para um comitê que era o Floris, este holandês. O Paul, este segundo e o Fábio [Barbosa] olhavam as áreas todas e o que nós estávamos fazendo para construir este banco. Aprovavam: “Isto aqui você estuda mais e volta... Pápápápá...” E tinha um consultor de uma dessas consultorias, a AT Kearney, que tinha um rapaz dedicado à minha área, que vinha e que me ajudava a montar e estruturar as planilhas. Foi do zero, do zero. Aí contrata um, contrata outro, fulano, sicrano e vai indo. Aproveita este, sai aquele... Sabe, foi realmente, de novo, olhando para trás, do zero, e [com] muito instinto. Eu me lembro que nós escolhemos uma agência de publicidade. No início eles vinham com estas sacadas publicitárias e eu, de cara, não consigo acreditar nisso: “Nós nem começamos ainda a fazer este banco e você já está dizendo: ‘O nosso compromisso é com você’. Isso é um blábláblá...’” Era muito do pessoal mesmo não ir encaixando, não ir comprando e foi indo, foi muito intenso, muito trabalho sempre. Depois de alguns anos eu me casei de novo e foi bom também. A minha vida ela se resumia quase que a trabalhar. Eu tinha essa namorada, porque durante um tempo, quando o banco foi vendido, mesmo quando eu estava no Real, nestes últimos anos, eu estava separado e aí eu caí na vida, como se diz. Eu saia muito e aproveitei muito. Às vezes eu ficava muito cansado, corria em casa na hora do almoço, dormia um pouco, comia, dormia uma horinha, recarregava e voltava para o trabalho e assim ia. Foi um período muito bom, não tenho queixas, mas cansa. Quando eu entrei no ABN [AMRO] eu estava namorando e entrei em uma intensidade muito grande de trabalho. Aí foi legal porque ela não ficava lá em casa, ela não dormia lá, ela passava quase que todos os dias, nós viajávamos todos os finais de semana para Campos do Jordão, recarregava as baterias. Em Campos eu resolvi reformar o jardim da casa dos meus pais depois de um ano que nós estávamos juntos. Peguei um dinheiro meu, separei, cortei mais de 700 árvores e transplantei cento e tantas – tudo com autorização, direitinho, porque nós tínhamos plantado mais de 10.000 árvores. O IBAMA... As árvores estavam sufocando a casa, estavam crescendo muito e precisava arejar mesmo, tudo direitinho, mas foi um campo de guerra. Então um pouco essa intensidade de fazer, de mudar... Foi muito legal estes dois anos. Acho que nós deixamos de ir dois finais de semana e aí nos casamos e tivemos o Antônio, que acabou de fazer nove anos, mas eu estou separado dela já há uns quatro. Eu estou casado pela terceira [vez] com uma moça que é um pouco mais jovem, que tem 33, 34, mais jovem que a segunda e que tem 36 e que tem uma filha de nove. Então o Antônio e a Rafaele, que é a filha do Rô, se dão muito bem. É bacana porque de certa maneira a vida vai te levando a caminhos. Essa moça eu encontrei em um dia no banco. Ela tinha trabalhado um pouco no banco para a área. Nós tínhamos nos conhecido e ela parou para perguntar de um amigo que me ajudou a montar a área de Marketing e que estava com câncer, um colega nosso, que era super alegre, o Edu Braz, que foi um braço direito durante todo o período de construção desta área de Marketing e ela disse: “O Edu está muito mal, que pena... e você?” “Eu estou separado e você?” “Eu também”, e saímos. Ela tinha um filho da mesma idade que o meu, o Antônio... E começamos a sair. Aí eu já estava mais escolado também. Ela ficou um pouco assustada, mas em 15 dias eu já queria que ela morasse lá em casa e estamos juntos há três anos e é muito boa a relação, muito boa, um grande prazer. De novo: É a vida escrevendo o certo por linhas, não vou dizer erradas, tortas, porque são linhas boas e retas, porque são coisas que nós não prevemos. Se eu não tivesse batido de frente um dia na academia do Real, lá no quarto andar, na hora do almoço, eu falando com o Paulo Galdêncio, não teria encontrado e por segundos você desencontra. Toda uma vida acontece de um jeito ou de outro e é isso basicamente. Nós montamos esta área.
P/1 – Eu vou resgatar lá atrás. Quando você entra no Real, qual era o tamanho dele naquela época em termos de, ele era mais um banco de investimento e aí quando...
R – Não. Era um banco de varejo, só que tinha um braço de investimento, só que este braço de investimentos não era tanto um braço de negócio, era um braço mais de repasse, algumas operações de prazo mais longo. O banco comercial, como era conhecido no varejo, era um banco de operações de mais curto prazo. Esta era a diferença básica naquele instante.
P/1 – E qual era o tamanho do banco? Era um banco que atuava mais no Sul, Sudeste, ele estava dentro de estruturas...
R – Então, nós brincávamos na época que quando o ABN comprou, o Real tinha [cerca de] 15.000, 17.000 funcionários. Eu acho que eram 15.000 e com os 2.000 do ABN [formavam os] 17.000, mais ou menos isso. Hoje nós somos 55.000 no Santander, fruto do Real e Santander. Era mais ou menos esse tamanho: Acho que era 15.000 e 2.000 oriundos do ABN, grosso modo. Era um banco mineiro, nascido em Minas [Gerais], com sotaque carioca, porque a maior fatia de mercado era no Rio [de Janeiro], tinha 9% de fatia e que morava em São Paulo. Essa era a característica do banco: Um banco mineiro que tinha uma história, com muitos mineiros que trabalhavam no banco... É uma história muito conservadora, muito vinculada à atividade agrícola, ao café, o comércio exterior e que acabou vindo para São Paulo depois de alguns anos porque houve uma cisão entre os dois irmãos que herdaram este Banco da Lavoura. O doutor Aloísio criou o Banco Real e o irmão dele criou o Banco Bandeirantes. O pai dele era o Clemente [Faria]. Tinha o Gilberto, que era o irmão, e o doutor Aloísio, os dois filhos. O doutor Aloísio era médico e quando o pai morreu e ele se desentendeu, acabou criando um banco em separado. Ele tinha umas fazendas também no norte do Paraná: Fazendas de soja, de trigo, arroz, milho e também de gado, cavalos – ele gosta muito também da atividade leiteira, mas é mais hobby. Ele acabou desenvolvendo mesmo o banco quando veio para São Paulo e ligado à atividade agrícola mas, principalmente, vinculando ao desenvolvimento industrial que São Paulo já ensaiava e inaugurava no Brasil. O Banco Real cresceu muito mais do que o Banco Bandeirantes. Foi algo que acabou ficando comprovado ao longo da trajetória dos dois bancos. O doutor Aloísio é um grande tocador, um brilhante administrador de empresas, uma pessoa que tem uma determinação, uma atenção e alguns princípios de gestão que acabaram de fato fazendo com que ele tivesse entrado, ao longo desses anos, e se dado muito bem. Mas a principal atividade sempre foi o banco.
P/1 – Porque a decisão de vender esta parte do varejo?
R – Era o grosso, era o que de fato valia, o que de fato é difícil, leva tempo para quem estiver interessado em entrar no mercado financeiro no Brasil – leva tempo e custa muito dinheiro. Além do que você tem que recrutar muita gente, tem que construir toda uma plataforma que você não faz da noite para o dia e tinham dois fatores, que eram os principais, que o levaram a vender: Primeiro, o fato de que ele estava completando 80 anos – hoje ele está com 90 e tantos e muito bem, batendo um bolão, mas 80 anos já atingiu uma idade que você não tem mais a mesma coragem, o mesmo horizonte de vida para você se posicionar em um mercado que necessita de decisões muitas vezes mais ousadas, com mais pegada, com mais respaldo. Então ele achou que já tinha chegado no limite dele, não em termos de saúde porque ele está muito bem, mas em termos de empresário ou gestão empresarial. O segundo fator era que, para um Brasil que estava vindo, que se avizinhava e que se avistava, um Brasil que iria requerer mais escala, um investimento contínuo e que o [Banco] Real não tinha naquele momento tanto quanto tinha o Bradesco, o Itaú tinha um pouco menos... Então ele resolveu vender. Foi um momento também em que o capital estrangeiro começou a acreditar no Brasil, bem no início, mas o ambiente político, o ambiente econômico e político estava mais estabilizado, a democracia já havia dado os seus primeiros passos e o ambiente econômico também já apresentava uma estabilidade, o que trazia uma segurança para o capital estrangeiro fazer investimentos aqui. O ABN [AMRO] conhecia o Brasil, tinha uma familiaridade, tinha um dos membros do board que conhecia muito, ele veio a falecer, inclusive não viu a obra pronta, teve um câncer forte e morreu, mas foi a pessoa que de fato estimulou, motivou e que viabilizou o investimento do ABN [AMRO] naquele momento comprando o Banco Real. O doutor Aloísio também não queria vender para outro banco brasileiro porque isso ia significar demissões. Então vender para alguém de fora e que valorize aquilo que está comprando e que não tenha competição, não tenha nenhuma outra operação concorrendo e competindo, seria muito bom. De novo, são os princípios e ele tomou esta decisão baseado nestes fatores. Vai precisar de mais escala, é um ambiente novo, não tem mais o fôlego que tinha quando era jovem, ele disse na ocasião que se ele tivesse 40 ou 50 anos ele não teria vendido o banco porque... O Unibanco foi vendido mais tarde um pouco. E o Unibanco vendeu muito bem, se associou... De novo, você nunca sabe, a história dá voltas e às vezes nós olhamos para trás e: “Ah, eu deveria ter feito isso, deveria ter feito aquilo”, sim, se você tivesse essas informações. Eu acho que ele vendeu super bem, principalmente porque ele fez uma venda muito consciente. O Unibanco ficou sujeito a ter problemas. Em algum momento ficou até meio que na berlinda. O Itaú viu que ali tinha uma possibilidade de crescer e que o negócio ainda estava bom, não estava podre. Mas o Unibanco quase que talvez estivesse enfrentando problemas maiores se não tivesse feito a operação, porque também perdeu um pouco de tempo e acabou não tendo um crescimento tão saudável.
P/1 – Mas, Fernando, quando você fala dessa questão do banco, do negócio banco e aí nós falamos de crescimento, eu acho que tem uma peculiaridade do próprio negócio que é: Como você cresce neste segmento de atuação? Me parece que é muito por aquisição de outros bancos. Isso se dá porque? Por que a estrutura é muito difícil de montar, como você mesmo colocou, ou porque eles não têm uma liberação do governo para abrir novas agências, como é que é feito? Como é regulamentado isso?
R – Ou você cresce por aquisição ou você cresce organicamente, como nós falamos. No Brasil você não tem mais possibilidades de crescer por aquisição. São muito poucos. Talvez até no futuro, se a escala, se as margens diminuírem muito, se a competição, mesmo entre poucos, for muito acirrada, você não sabe direito o que pode acontecer amanhã com plataformas do tipo cartão de crédito, mobile payment. Essas transações podem levar a uma redução no custo muito grande. Esta estrutura física fica cara. Estrutura física é gente para limpar, é cimento, eletricidade, ar condicionado e no digital você dilui. É difícil você dizer exatamente como é que vai caminhar e em quanto tempo, mas que está caminhando para um modelo mais virtual, mais desregulado, só que o Banco Central não pode permitir que se faça clearing privada... São coisas mais complicadas olhando a equação do sistema capitalista do sistema financeiro, o sistema monetário. Não são coisas muito simples. Mas o que eu acho? Banco vai continuar existindo por estas razões, só que esta matriz de custo e rentabilidade está sendo posta a prova todos os dias. Ter banco é muito bom, sim, mas quantos fecharam? Quantos quebraram? Quantos leões nós matamos por dia? Então não é assim. De fora dá a impressão porque são empresas grandes, os números são muito grandes, mas mesmo se você comparar com outros tem setores que têm uma rentabilidade sobre o capital maior. É que banco está na berlinda porque lida com o nosso dinheiro e você diz: “Pô, ele está ganhando com o meu dinheiro. Eu também quero”. Tem um emocional todo que é diferente de você dizer: “Eu estou comprando papel da Suzano, a Suzano está me vendendo um papel”, mas se ela está ganhando uma margem de tanto, você não consegue, você não é parte da cadeia. Banco não. Você tem o seu dinheiro lá. Tem um emocional complicado, mas enfim, no Brasil houve uma concentração mesmo porque não tinham tantos bancos. Tem alguns bancos menores, de nicho, que eu acho que não vão durar muito tempo. Eles estão muito dependentes de modalidades de operações, crédito consignado, venda de carteiras, comércio exterior, mas que não paga, não rentabiliza. Durante algum tempo este mercado permitiu margens que davam para viver. Hoje em dia eu não sei se dá para viver sendo de nicho, sem ter esta escala toda, esta presença toda para você diluir alguns custos fixos e para você realmente poder atuar em setores que se complementam. Às vezes tem um que não está tão bem, mas tem outro que vai bem. É um negócio complexo. O que acontece aqui no Brasil? Não é como nos Estados Unidos que você tinha 15.000 bancos e hoje deve ter 5.000, 3.000... É muito banco ainda. Aqui não você tem quatro ou cinco, seis, juntando Caixa [Econômica], Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander, HSBC – que já está sendo considerado um banco pequeno. Você tem o CitiBank, que é um banco pequeno aqui hoje e que faz operações muito específicas. São bancos que não cheiram nem fedem. Tem o Safra, acabou. Tem o Banco Rural, tem o BMG, tem o Cruzeiro do Sul... Mas são bancos que você nem vê. Tem o Sofisa, que tem um escritório ali mas, de fato, tem esta situação que são poucos e que estes bancos pequenos vão ter que investir muito para ter esta escala em um mercado que vem mudando com uma rapidez muito grande em toda esta parte digital. Você não tem garantia das margens. Por outro lado é um mercado onde tem muita gente entrando, você está aumentando muito a bancarização. Eram 40 milhões de pessoas que tinham conta em banco, hoje deve ter 120 milhões: “Ah, mas tem gente que ainda tem muito pouco”, tem, mas a tendência é aumentar. De 2003 até 2014, portanto 11 anos, nós vamos ter um contingente de 60, 70 milhões de pessoas entrando na classe média. É muita gente. Estas pessoas estão tendo uma condição de vida melhor. Você vai dizer: “Não é nada, a pessoa ganha trezentos reais, quinhentos reais, dobrou para mil.” Mas dobrou! É muito grande um crescimento de 100%. Isso na Europa ou em outros mercados mais desenvolvidos não vai acontecer nunca mais. Na Europa, então, vai legar alguns anos para isso voltar. Os bancos podem também aproveitar e se beneficiar desse aumento do bolo, desta escala que vai aumentar. Mas exatamente que pedaço da fatia do bolo os mercados vão comer você não sabe. Por outro lado, tem uma crise, a de 2008, 2009 e uma agora em 2011 que afetou o sistema financeiro por várias razões e o fato é que hoje a regulamentação para você ser banco é muito mais rigorosa, você tem que ter mais capital. Banco é uma atividade muito alavancada, você usa o dinheiro do acionista do banco e do depositante. É um negócio que é diferente das outras coisas e você alavanca, porque as margens são pequenas. Você tem que ter reserva de compulsório que ficam aí para poder gerir o sistema, então é um bicho mais complicado. Dito isto, tem um aumento do rigor para que você entre com mais capital próprio. Os bancos menores vão ter que chamar capital, que é expressão, os grandes também, mas alguns estão mais capitalizados, outros menos. Tem aí um movimento que, para chamar capital do acionista, teremos que convencê-lo a investir no banco aqui, ou investir na Petrobrás ou investir sei lá... As duas empresas que tiveram maior queda de valor na bolsa foi a Petrobrás e a Vale. “Mas não são empresas importantes e estratégicas?” São, mas existem muitas razões, e hoje em dia com este mercado global é difícil de você dizer. Enfim, pode decidir, teve uma ação que cresceu muito, a Cielo, [empresa] de fazer as transferências. Então tem que estudar, não é coisa para principiante. Você olha e diz: “Eu quero botar mais dinheiro aqui”, você entra com dinheiro e acompanha o que vai acontecer com esta ação deste banco ou desta empresa e se realmente o resultado for igual ou superior vai atrair mais gente. Se não, vai vender, você se decepcionou. O Santander lançou há 23 [dólares?], está a 15, chegou a bater 12, eu acho. Agora já está em 15 e tanto, já está revertendo uma trajetória. O que vai acontecer na Espanha? O que vai acontecer nestes outros mercados? São leituras de cenários que são difíceis. Primeiro: você não tem tantas oportunidades. Segundo: você não quer comprar algo bichado, então aparece um Pan Americano com um rombo de quatro bilhões e meio – isso é um problema de fiscalização de Banco Central grave no meu modo de entender. O governo vai, limpa a parte podre. Os próprios bancos o sistema saneou. Mas você não tem muitos bancos que você diga: “É um bom negócio”. Tirando alguns movimentos específicos do tipo Pactual, que são muito bons, muito ágeis e que estão procurando um espaço neste mercado, compraram a parte boa do Pan Americano, estão olhando essa parte de mercado de crédito imobiliário que no Brasil deve crescer muito. Pouca gente ainda tem a casa própria, são nichos que podem ser atrelados ao financiamento e ter uma margem e que quem está tomando empréstimo – o seu cliente, que pague de volta, o que também é outra característica quando você tem uma inclusão bancária de pessoas... “quem nunca comeu melado se lambuza”. As pessoas precisam aprender a lidar com o crédito. Não tem segredo: Ou você poupa para consumir, para comprar um carro, ou você toma emprestado para comprar o carro antes. Mas você tem que pagar. Estas coisas têm que se encontrar, é matemática. Os bancos brasileiros hoje têm uma oportunidade de crescer junto com este mercado que está crescendo e se desenvolvendo dentro de casa. A oportunidade que está aí é a oportunidade de crescimento orgânico. Pode surgir uma comprinha aqui, outra ali, se apertar muito a margem, e por qualquer razão não tiver um crescimento econômico pois a Europa está com muito problema, pode ser que amanhã você tenha uma fusão entre Bradesco e Banco do Brasil... Eu antigamente iria dizer: “Nunca!” Hoje em dia eu não digo mais nunca. Entre Santander e Bradesco, pode ser, porque é questão de escala. As margens estão muito mais comprimidas e nós não sabemos exatamente o que vai acontecer, além do que hoje tem um fator novo que até há poucos anos estava adormecido que é a China, uma potência que deixou de ser potência nos últimos 300 anos – nós achamos que a China é algo novo porque ela deixou de ser potência nos últimos 300 anos mas é uma coisa... O que vai fazer a China, que está gerando capital e recursos? A China está com o mercado produtivo porque o mercado lá está muito aquecido. Ela está precisando comprar, está transformando alimentos. Por isso a crise não é maior. Em uma hora destas a China vai comprar uma Volkswagen? Vai comprar na Europa, que as atividades produtivas está barato? Pode ser. Isso vai causar uma revolução, enquanto é Estados Unidos, nós nos acostumamos junto com o desenvolvimento industrial, conviver com o inglês, com o francês, o alemão... Agora chinês? Comprando e produzindo? Porque mudou o modelo. Isso é outra coisa, é uma coisa que poderá acontecer, de ter uma invasão chinesa, eu acho que inclusive pode ser uma das saídas para a crise, agora que tipo de imbróglio que isso trás... Porque é uma cultura totalmente diferente.
P/1 – Fernando, você está falando um pouco da questão da cultura quando você aborda a questão chinesa, de como lidar com uma cultura diferente, dentro de um mercado e dentro de um sistema capitalista que é o que acontece lá. Como é que esta questão cultural de um banco mineiro, conservador, com um banco holandês, que ninguém conhecia e com uma cultura muito mais aberta, como é que se deu este processo de aculturação?
R – Eu diria que se deu de uma maneira muito boa, muito positiva que foi útil ao processo de integração e ao processo de mercado. Ao momento de mercado que o Brasil vivia. Foi um casamento muito bom entre o holandês e o mineiro: O mineiro muito organizado, muito econômico, com princípios e com uma simplicidade muito grande – uma ‘noiva’, uma ‘esposa’ muito fácil de se ter e útil: Não era gastadora, era bem comportada, simpática, cordata, prestativa, cozinhava bem... Principalmente porque o holandês foi muito respeitoso... Eu atribuo muito também a personalidade do Fábio [Barbosa], ele foi muito respeitoso com aquele momento inicial e com a cultura. Eu vi alguns colegas brasileiros naquela época mais afoitos do lado do ABN [AMRO] que queriam meio que fincar a bandeira e dizer: “O barco é nosso, vamos tomar conta”. O Fábio, com este jeito que ele tem, com esta liderança, temperança, ele lidou muito bem e os holandeses respeitam muito isso. Não é a cultura americana que chega e quer ocupar. Aqueles brasileiros mais americanizados talvez tenham demonstrado um pouco mais de arroubo naquele momento, mas isso não aconteceu. O processo foi de introdução de uma cultura de gestão nova, mais descentralizada, mais moderna, mais ágil, mas muito respeitosa. Isso facilitou o avanço. Não houve um choque porque a palavra respeito, a palavra orgulho, admiração e cuidar do que havia adquirido de fato aconteceu e foi vivida na prática desde o início da integração. Isso foi muito bom.
P/1 – E voltando um pouquinho quando você vai para a área de criar este departamento de Marketing, qual foi a contribuição desta área, ou da estruturação desta área para o crescimento do ABN Amro bank, para sair de uma posição lá trás e se tornar o terceiro maior banco do país?
R – Acho que teve uma contribuição importante, porque nós respeitamos este ser novo. Nós demos uma cara, uma roupagem nova a esta cabeça de gestão nova, mas com o corpo com o espírito mineiro. Não houve uma ruptura, nós soubemos refletir isso. Houve uma evolução, as cores do Brasil, a combinação das marcas também foi muito respeitosa. Naquele momento se iniciava o processo de privatização e a Telefônica veio e mudou o nome da Telesp e botou Telefônica e o serviço e a percepção do público piorou, porque era uma coisa difícil de se imaginar naquele momento, a Telesp era tão ruim. Mas aconteceram estes exemplos. O próprio Santander comprou o [Banco] Geral do Comércio e o [Banco] Noroeste e colocou as pessoas uniformizadas, mudou gerente... Isto estava acontecendo na minha cara, eu digo “eu não sei o que eu tenho que fazer, mas isso eu não posso fazer”. Então eu tive a sorte de enxergar alguns aprendizados que foram úteis para estar conduzindo o processo – colocar no gerúndio: Nós começamos construindo “um banco cada vez melhor” e eu fiz questão de acrescentar “para você”. Tem que ter uma finalidade e não se falava em “você”. Hoje todos os bancos colocam você, “feito para você”, “você em primeiro lugar”, “você sempre à frente”, mas naquela época não se colocava, era o banco distante e todo poderoso. Nós trouxemos algo mais próximo, mais humano e com emoção. Nosso primeiro filme de lançamento é um filme que poderia ser veiculado hoje: Um judeu e um padre andando juntos no meio da Avenida Paulista, que era exatamente falando de diversidade, desse início... Nós tivemos também a contribuição de uma agência de publicidade que foi a Lew'lara que desde o início soube construir juntos. Às vezes algum publicitário lá da equipe chegava com uma ideia mais marota, mas nós voltávamos para amassar o barro, quantas vezes eu saí de lá às 11 da noite e foi uma trajetória muito bonita, que foi construída junto. Se você me disser: Qual é a grande lição da sua experiência na área publicitária? É fazer junto com o cliente. As agências normalmente chegam com o prato pronto e o cliente aceita. Nós não. Nós produzimos a nossa comunicação junto porque a comunicação não é um fim em si, como é para a agência: fazer um filme e ganhar Cannes. Não. Para nós a comunicação é uma maneira de fortalecer o vínculo, fortalecer os meus valores, os meus princípios, as minhas intenções com os nossos clientes. E é mostrar isso para o mercado de uma forma mais verdadeira, não mostrar só o banco. Mostrar os dois, os três, as pessoas envolvidas neste processo. Isso ainda hoje é muito inovador e eles, volta e meia nos copiam, mas talvez não consigam copiar ou criar algo tão diferente, tão autêntico porque eles não fazem juntos. Eu me lembro quando eu estava na FEBRABAN [Federação Brasileira dos Bancos] como responsável pela área de Marketing, nós fizemos um primeiro seminário em que todos os responsáveis pelo Marketing dos bancos sentaram juntos pela primeira vez e foi até gozado porque fica aquela briga: “Quem vai falar antes, o Itaú ou o Bradesco (risos)?” E aí fizeram um sorteio para nós e eu sei que caiu o Itaú em primeiro, o Unibanco em segundo, eles não estavam juntos ainda, eu em terceiro, depois o Luca do Bradesco e uma moça do Banco do Brasil porque o diretor não pode ir. O que consistia isso? Eram dez minutos em que você tinha três minutos para falar e sete minutos para mostrar um vídeo, um rolo com as propagandas que você quisesse mostrar para corroborar o que você estava dizendo. Aí a Cristiane do Itaú que trabalhava com o Matias falou desde Rodolfo e Anita, propaganda branco e preto do Itaú e mostrou... Fez lá um discurso falando desta coerência, legal. O Marcos Caetano do Unibanco vai e diz: “A nossa campanha nem parece banco...” E eu sei que ele ficou dos dez minutos, acho que ele ficou metade, ele estourou o tempo todo, ele ficou justificando que a campanha já estava sendo criticada a tal do “Nem parece banco” e aí a bola veio para mim. Nós tínhamos feito um filme muito bacana e eu disse: “Olha, nós não temos esta crise de identidade que o Unibanco tem e que o Marcos comentou de parecer ou não banco. Nós somos um banco, só não sabemos se somos ingleses, holandeses ou espanhóis...”, porque o banco estava sendo vendido e nós não sabíamos quem iria comprar e aí mostrei lá. Mas o que eu quero dizer é que nós quando compramos ou somos vendidos, ou quando se compra um banco tem que respeitar essa cultura, tem que respeitar este DNA e saber evoluir a partir deste DNA. Me assusta muito esta prepotência de algumas pessoas, muda o comando da empresa acaba a campanha no dia seguinte e entra outra nova: Isso é um desrespeito, um erro. Com o tempo isso vai matar a empresa, pois vai passando mensagens que não são mensagens em linha com o que o consumidor quer. O dono da marca é o consumidor. Eu bebi esta água Crystal aqui, está uma delícia e eu estou passando muito bem, se eu passar mal, se me fizer mal, se eu não gostar eu deixar de consumir e eu contar isso para você e você, nós não vamos consumir e se eu for para a televisão, milhares e milhões de pessoas não vão consumir e vai acabar com a marca. Nós precisamos cuidar bem, enquanto empresas, da nossa relação com as pessoas em que o cliente é o principal, porque é ele quem compra, é ele que paga. Eu acho que quando nós fizemos esta operação com o Real, nós tivemos, o corpo de gestão, esta habilidade de caminhar a passos firmes, mas de ouvir
com muita vontade de aprender. O processo foi indo assim: a Lew Lara foi muito importante porque ouvia, aceitava. Eu nem sabia mas depois fiquei sabendo que algumas agências, dos mais figurões, nem aceitam que se recuse, que não se aprove uma campanha. “Quem é você? Eu sou a estrela que ganhou o leão”. Não! Nós sempre construímos juntos a partir da troca, do ouvir, de ler pesquisa. Houve um empenho para apurar os nossos sentidos, pensar no consumidor, no cliente. A outra coisa legal foi – isso é importante contar, de registrar embora eu já tenha contado isso algumas vezes. Quando nós fomos lançar a marca o Floris Deckers, um dia, que era o holandês chefão virou para mim e disse assim – isso foi em janeiro e eu havia começado a trabalhar em janeiro, tinha esta pesquisa já para estudar, não tinha agência, não tinha nada: “Eu quero que a nova marca seja lançada em abril”, e eu disse: “Mas nós nem sabemos que marca é, porque em abril?” Porque era o Grande Prêmio da Fórmula 1 e o ABN [AMRO] patrocinava a corrida. Ele disse que era uma razão ótima... Foi em 1999 isso. Aí eu voltei e disse: “Olha, nós não sabemos inclusive a marca que está pintando, que vai ser uma combinação...” No mês seguinte, contando para ele, “... Uma combinação da marca do Banco Real e ABN, porque a marca do Banco Real era muito querida, é um ativo. Eles estavam achando que iria ser ABN mas se deram o espaço de fazer a pesquisa – a empresa, a Cauduro Martino, fez uma pesquisa muito boa, eles são muito bons nesta parte conceitual de design de marca e aí de fato nós fomos construindo uma marca combinada. Eu volto na outra reunião lá para o holandês e o Fábio [Barbosa] e o outro e digo: “Vai ser essa e nós não temos tempo para lançar uma nova marca. Nós precisamos inclusive ter alguma entrega tangível porque só mudar o nome e não mudar nada, porque? Só para fincar a bandeira? Eles ouviram, esses dois holandeses ouviram e respeitaram. Ele disse: “Bom, eu quero que seja em outubro”, aí eu disse: “Mas mister Floris, nós temos um problema: nós vamos ter o bug do milênio e aparentemente está tudo bem, mas o senhor já imaginou se tiver algum problema com a categoria banco, que não seja com o nosso banco, que seja com a categoria, nós vamos lançar uma marca fresquinha e ela vai ser chamuscada por um bug.” Na época era algo que preocupava. Não aconteceu nada, aí ele disse assim: “Está bom, mas tem que começar em outubro.” Ele não falou no começo, então nós começamos no final de outubro fazendo um lançamento de marca de dentro para fora, porque tinha que esperar o bug passar, essa foi a razão principal. Para esperar o bug passar nós ficamos enrolando, ‘cozinhando o galo’ aqui, fizemos um lançamento lindo no Pacaembu, trouxemos 2.000 pessoas de vários lugares do Brasil – eu até não estava no dia que desfraldamos a flâmula, até me arrependo de ter faltado neste momento, mas enfim, eu tive algum outro compromisso que eu não pude ir... Nós fizemos este processo de dentro para fora e assim foi indo. Em janeiro, um mês depois de ter passado o bug nós lançamos para o mercado. Estas questões são coisas importantes que, ao olhar para trás a gente até entende. O processo de comunicação é muito mais fidedigno, verdadeiro e convincente se ele é de dentro para fora. Foram esses aprendizados que me trouxeram até aqui. Até o momento que quem comprou, afinal, foi o espanhol. E um espanhol que já existia aqui no Brasil – porque se fosse um banco que não estivesse aqui a história seria diferente. Mas já existia, tinha uma operação importante, um pouco menor que a operação do Real [ABN AMRO] e com uma marca que não era tão querida como a marca Banco Real devido a uma história diferente. Comprou um banco muito mais difícil aqui, o Banespa. O Fábio [Barbosa] é escolhido para ser o presidente – e isso aconteceu ao longo dessa história, e eu fui confirmado como responsável pela área de marketing. Tiveram uma configuração de gestão como a que eu tinha no [Banco] Real – que não era só marketing, e depois mudou um pouquinho, no último ano. O que aconteceu é que nós tínhamos uma tarefa dificílima: A marca que ia prevalecer era Santander e não se deu quase espaço para se discutir isso. Eles sabiam que a marca Real era melhor mas, por outro lado, era importante que o Santander vingasse aqui. O Santander no mundo, que já vinha num movimento... Então, se deixasse que uma marca, que era melhor que Santander, vingasse aqui iria ser difícil desplugar. E, olhando para trás, acho que a decisão foi certa e, evidentemente que olhando eu não sabia de todas as turbulências que iríamos passar. A idéia era fazer uma mudança de marca depois da mudança tecnológica, que iria acontecer antes. A gente iria esperar a turbulência da troca de cabeamento e toda a mudança de sistemas mas isso não aconteceu assim. Nós tivemos que inverter durante o processo. Eu gosto da máxima que diz que: A gente planeja, planeja para improvisar melhor – e foi o que aconteceu. Só que nós invertemos, quase viramos do avesso um transatlântico em movimento: engato uma ré, uma segunda... Inverte e vamos fazer depois. Tudo na vida tem um lado bom e um lado não tão bom. O lado bom disso aqui foi que nós mudamos da marca Real para a marca Santander com o mesmo chassi – eu logo que enxerguei esse lado bom, engatamos uma segunda e fizemos. o lado ruim foi que, no segundo momento, quando nós viramos o chassi, deu uma chamuscada, principalmente, naquele cliente que era oriundo do Real. Infelizmente nós não conseguimos minimizar tanto assim os problemas da integração tecnológica. E se você olhar sobre determinados pontos de vista foram poucos, só que o suficiente para nós perdermos uns 250 mil clientes, sei lá. Para mim o número absoluto não é o que importa e, sim, que deu uma rachada no casco, uma chamuscada. O que nós estamos fazendo agora – e até para um contingente de clientes mais formadores de opinião, mais leais e aguerridos, que usavam mais intensamente... Esses sentiram um pouco mais essa virada tecnológica. Mas eu tenho um otimismo muito grande. Nós estamos recuperando e reconquistando clientes. Eu sou otimista porque em todos os Road Shows que nós fizemos antes da mudança da marca eu perguntava: “Quem aqui já participou de uma mudança de marca na área financeira?” Todos. “Quem tem mais de 20 anos de banco?” A maioria deles. Eu estou falando de grupos com 1.500 pessoas. 800 pessoas. Numa das reuniões tinha quase 2.000 pessoas. Isso me deu muita confiança. Eu perguntava para eles: “Quem aqui acha que o banco hoje é pior do que o seu banco de origem?” Ninguém. “Ah, mas fulano não quer falar.” Não quer falar? Não! A vida é para frente. a tecnologia vem melhorando. Os processos são corrigidos com mais rapidez. Tudo na vida tem o seu lado positivo e negativo. Conseguimos fazer uma integração num tempo recorde. Tivemos de inverter a ordem das coisas mas também teve um lado positivo. Acho que hoje a gente já recuperou e está em movimento. O fato de você ter problemas coloca uma pressão para se corrigir e isso acaba dando um sentido de grupo, de time e foi muito forte. A integração acabou aproximando muito os dois times, principalmente nas áreas centrais. E agora na ponta, na rede, nas agências nós estamos integrados há um ano. O modelo comercial já está sendo praticado há um ano. Acho que 2012 será um ano de consolidação com avanços. Acho que é um momento importante. A partir daí é: Onde nós vamos inovar? Como vamos pensar os próximos anos para, de fato, ganhar mercado e para poder gerar a atratividade que nós precisamos? Para a pessoa dizer: “Não, eu não quero ter conta no Bradesco, no Itaú ou no Banco do Brasil. Quero ter conta no Santander.” Então, eu comecei uma estratégia, até para poder despistar um pouco essa nuvem negra de Espanha que fica nos rondando – a situação econômica na Europa como um todo –, e, por isso, nós estamos trazendo para a nossa marca um grau de brasilidade maior, utilizando alguns atores para nos ajudar a colocar essa nossa vontade, o nosso jeito de ser. O banco é feito por 55 mil brasileiros. Se nós contarmos na ponta dos dedos temos 100, 150 espanhóis no máximo trabalhando aqui. São os brasileiros que fazem esse banco acontecer no dia a dia. A maioria dos clientes – que são os donos da marca aqui, são brasileiros. Então esse banco é um banco brasileiro. Assim, nós estamos trazendo elementos dessa brasilidade mais próximos da nossa comunicação para poder de fato tirar um pouquinho desta dispersão: “Ah, é um banco espanhol.” Isso só interessa aos competidores, à notícia de jornal... Nós vivemos de fato o nosso dia a dia aqui no Brasil. Nós vamos ter a Lilia Cabral, a Arlete Salles, o Felipe Massa, o Bruno Senna, o Pelé e o Neymarzão dando uma força. Não queremos que eles sejam os protagonistas da nossa identidade. Eles são protagonistas do nosso posicionamento, falando do ‘Juntos’, porque juntos os brasileiros podem fazer acontecer, como eles aconteceram. E que juntos com o Santander nós iremos fazer acontecer. “Fazendo acontecer” é o mote desta campanha que nós estamos iniciando em primeira mão para vocês.
P/1 – Fernando, vamos voltar um pouquinho, pois é interessante olharmos para essas estratégias de marketing, principalmente porque ele é muito diferente, um aprendizado do dia a dia... Quando você fala do Real – que eu acho um case muito interessante e está dentro da sua trajetória, como o banco começa a focar na questão do meio ambiente? Por que se deu isso? Qual foi a estratégia? Onde você viu a oportunidade aí?
R – De novo: parece que a gente vai atraindo pessoas, componentes, conteúdos e vai adquirindo forma. A vida vai dando forma. Nós tínhamos duas agências de publicidade: a Lew'lara que cuidava do banco, vamos dizer assim. e a Logulo, que cuidava de seguros. A Logulo, naquela época, atendia Pão de Açúcar, Extra... Era mais uma operação de varejo. Ela era mais varejo. E seguros tinha um diretor, que era presidente da seguradora, que era um ‘cara’ mais ‘crica’. Ele virou um amigão meu mas era um sujeito mais implicante, exigente. Então eu pensei: “Deixa ele ter uma agência própria”. Tinha um departamento de marketing... E eu estava começando e não queria ter problemas. Era quase que uma meia trava ali na seguradora, atendendo eles bem, mas meio que para brindar e estabelecer um acordo e um contrato de convivência e de negócios chamado SLA – contrato de serviço, mesmo, que me causava sempre uma certa aflição e uma certa angústia. As agências ficavam sempre muito preocupadas em produzir a campanha mas eu não estava interessado. Eu queria dar uma linha mestra para ajudar a fixar e potencializar a estratégia do banco. O banco estava sendo construído: As áreas, as pessoas, as estruturas e eu ficava angustiado. Eu dizia: “Eu não quero viver na base de soluços! Soluçar uma campanha. Tem que ter uma linha mestra e uma estratégia”. “Pode deixar.” Aí traziam pesquisas, planos e análises ‘xpto’, importadas e não sei o quê... Eu dizia: “Gente, estamos planejando tiro curto. Estamos planejando campanha.” Com todos esses ingredientes e parafernálias. “Não é isso.” As agências não conseguiam. Aí nós contratamos a Talent, que não tinha participado da primeira rodada porque ela estava atendendo o Sudameris. Mas ela deixou de atender – o Sudameris foi colocado à venda e nós acabamos comprando o Sudameris, mas não foi nesse primeiro instante. A Talent estava disponível e ela tinha uma tradição no mercado de ser uma agência muito boa em planejamento. Eu disse: “Eu preciso ir conversar com esses ‘caras’, com o Júlio Ribeiro. Já ouvi falar de nome, mas eu não sou publicitário”. Batemos na porta, marcamos uma reunião... O Amauri que trabalhava comigo... eu, o Júlio e o José Eustáquio: “Nós estamos fazendo isso, isso e isso... Nós estamos com uma verba bacana e nós queremos saber se vocês têm interesse”. Ainda não conversei com a Lew'lara mas, para nós, é importante que vocês se juntem.” Eu estava querendo trazer justamente esse componente mas ainda meio que tateando. Quando você está junto é que você sabe se ‘rola’ ou não a química. Se acontece... É uma doce ilusão. Quem faz a agência é o anunciante e você só sabe se caminhou depois de comer não sei quanto sacos de sal juntos. É a mesma coisa que namoro, casamento... Casamento principalmente, viver junto. Na hora ali, são as melhores intenções. “Porque a gente tem o melhor planejamento. A gente vê a sua marca...” Mas é tudo muito teórico. “Bom, Talent, vamos?” Meio que na confiança. Falei com o Fábio [Barbosa] antes. A agência tinha um bom nome e tal... Trouxemos. Acomodamos juntos a Lew’lara que ficou um pouco assim... Meses depois eu senti que tinha mais quilometragem, mais arsenal mas desembocava na campanha. Eu dizia: “Não, é algo mais estratégico, que tenha a ver com a nossa essência.” Mas sempre tateando. Aí um dia eu tinha visto uma matéria sobre a Thymus [Branding], do Ricardo Guimarães. Um dos meus irmãos tinha me falado. Uma conhecida minha tinha me dito que ele era um ‘cara’ que tinha um pensamento mais voltado para a marca. Eu li no jornal que a holding, a empresa que tinha uma participação na Lew’lara tinha comprado uma participação na Guimarães [Thymus Branding]. Eu disse: “Está aqui a senha que eu precisava!” “Luis Lara: eu vi que no grupo de vocês agora tem uma empresa, que é a Guimarães – a Thymus. Eu gostaria muito de conversar com o Ricardo”. Eu estava com essa inquietação. Aí fomos lá: eu e o Luis [Lara]. Conversamos e não sei o quê... Fomos indo, indo, indo e eu pensei: “O Fábio [Barbosa] vai adorar!” Aí teve algo – eu não sei se essa foi a primeira vez mas: “Ricardo [Guimarães], tem um texto que o Fábio precisa escrever sobre tal assunto. Você não quer redigir? Vê como você escreveria isso.” E ficou excelente. O Fábio disse: “Poxa, parece que foi eu que escrevi.” Houve uma afinidade entre as agências que praticavam a publicidade – a Lew Lara e a Talent. Você vai dizer: “Meio goela abaixo?” Foi, mas de maneira muito respeitosa e procurando um lugar. Não foi um para ‘comer’ o outro. Tanto que no caso da Talent com a Lew Lara e a Logulo, que ainda estava e depois saiu, como quando entrou a Thymus, que tinha outra função... Que era mais dividir. Isso é muito eu. Eu sou assim e sei fazer assim. Eu promovo isso. Eu chamava as agências, o marketing direto, todos os fornecedores para ter reuniões em conjunto. “Vocês precisam saber do todo. Não adianta você cuidar do seu pedaço e o outro do outro. Não! Todo mundo tem de estar a par.” Eles diziam que nunca, nenhum outro cliente colocou duas agências de publicidade para conversar, porque os egos... Cada um cuida de um pedaço e ponto. Eu digo: “Não, vamos fazer juntos.” E sempre foi, de uma maneira natural. Nunca tive problemas... O ser humano gosta de estar junto e a coisa ia com respeito, com diálogo e cuidando para não cruzar a linha. Eu sei que o Ricardo aportou essa visão estratégica. E aí nós dissemos: “Bom, nós somos um banco e a nossa função vai além de um banco. Em conjunto com essas conversas, brainstorms, tinha uma moça que tinha sido de RH e estava morando na Holanda, a Malú, Maria Luísa Pinto, que estava querendo voltar para o Brasil... O Fábio [Barbosa] convidou ela para voltar para o Brasil para criar uma área de Responsabilidade Social. A gente tinha uma ação na financeira, na Aymoré, que era uma ação de voluntariado e precisávamos expandir isso. Precisamos olhar. Aí a Malú veio e junto comigo, com o Ricardo [Guimarães] e o Fábio [Barbosa]... A Majolo também olhava essa questão do crédito responsável e do microcrédito... A gente não sabia o que fazer. Eu sei que algumas pessoas se interessaram e, então, o Fábio criou um comitê chamado Banco de Valor. A Malú ainda não estava aqui. E nós nos reuníamos, sei lá, duas horas, uma vez por mês... Tinha uma moça, secretária, a Bia, que anotava e organizava os assuntos e nós discutíamos. Aí a coisa foi fermentando. A Malú veio: Ok, Responsabilidade Social. Microcrédito. Programa de Voluntariado. Eu comecei a cutucar para fazer alguns anúncios em papel reciclado. O meu irmão gostou –
ele era do Instituto EcoSocial da Suzano [papel e celulose] e ele foi conversar comigo com o diretor comercial da Suzano, na época. “Por que vocês não usam papel reciclado em larga escala?” Eu disse: “Com uma condição. Se o preço for o mesmo eu topo. É a única garantia que eu quero. Amanhã eu não posso tomar essa bola nas costas. Se amanhã alguém me cobrar que está custando mais caro para o banco... Só preciso que seja igual.” “Certo?” “Certo!” Esse ‘cara’ chamava-se Pocina, muito boa praça. Depois se aposentou, era um dos antigos. “ – Fio
do bigode, ponta firme, tá fechado o negócio. Vai falar como teu pessoal da área comercial.” Aí eu chamei o responsável pela área de produção gráfica que trabalhava comigo, o Edu Páscoa. Disse: “- Edu, temos um trato e vamos começar a trabalhar.” Aí começou uma via crucis. Não é que o Papel está bonitinho. Ele esfarela. O pessoal da gráfica disse que a tinta não aplica. Você coloca vermelho e saía rosa. Começa a estrada das provações. Eu fui com esse meu fiel escudeiro, o Eduardo Páscoa, fomos vencendo uma a uma. “Ah, Fernando, o diretor de tecnologia da IBM disse que a máquina vai emperrar se continuar. Está tendo muito resíduo.” “Tá bom. Faz reunião com a IBM, com a gráfica, com a Suzano” e vai indo. “Ah, dá para colocar uma resina”. “Pô, mas se colocar a resina, por ser químico, deixa de ser papel ecologicamente correto.” Muitas discussões... Aí entramos bombando: Só papel reciclável, inclusive nos nossos cartões de visita. Aquilo foi uma prova de que nós estávamos Walking the talk – falando e fazendo o que a gente falava. Foi uma grande prova. Eu me lembro de holandeses, que eram super ecológicos, dizendo: “Poxa, então é de verdade. O cartão de visitas é com papel reciclado.” Papel reciclado não existia. Era só a Suzano... aí as outras indústrias de papel correram atrás e começaram a dizer: “Ah, o nosso papel é tão bom quanto esse da Suzano”. Eles não queriam perder mercado. E você, como um grande agente econômico começa a influenciar o mercado. E o preço nunca foi superior. Isso eu falava de peito aberto e ninguém... Eu fui muitas vezes questionado na diretoria. “Mas é mais caro.” Sempre tem alguém de plantão querendo azedar a festa. “Não!” Aí fomos indo e virou um super case. E essa iniciativa que eu capitaneei na área de comunicação e que foi muito importante – a utilização de papel reciclado em larga escala, e aí começamos outras... Tivemos os produtos sustentáveis. Tivemos uma linha de produtos de financiamento ecologicamente correto, para você colocar filtros na sua empresa. Financiamento para transformar carro à gasolina em carro à álcool – os taxistas usaram muito naquela ocasião. Fomos evoluindo em uma série de medidas e questões e aí nós tivemos um aviso... Tinha o Banco de Valor, que tinha essas iniciativas legais e, de repente, nós vamos ter dois bancos. Aí o Ricardo Guimarães já tinha entrado, a Malu [Pinto] também e esses alertas surgiram nas reuniões em conjunto. “Nós estamos caindo em uma cilada armada por nós mesmos. Porque aí você vai ter o ‘Banco de Valor’... O banco bom e o banco ruim. O banco com valor e o banco sem valor.” “Urgh! Desarma isso tudo. É uma coisa só: é Banco Real. São coisas que às vezes você não percebe no início. E a boa intenção... Começamos então a definir os pilares juntos da área de Responsabilidade Social e que passou a chamar-se Desenvolvimento Sustentável: A Malú [Pinto], junto com o Ricardo [Guimarães], o Fábio [Barbosa]... Já era uma visão, uma tendência de relações econômicas conscientes que se percebia. Capturamos esse conceito. Tinha algumas pessoas que eram referências e que serviram de exemplo. Definimos três comitês: de Ação Social. de Gestão de Pessoas e de Mercado. Durante muito tempo eu fui o coordenador de dois desses comitês. E fomos indo. Você vai engajando e contagiando as pessoas – a união faz a força. A comunicação ajudou. Mas nós só fomos para a televisão quatro anos depois de ter começado o processo. Fomos com o filme que fala sobre reciclagem de resíduos em que perguntávamos: “Não está na hora de você reciclar as suas ideias sobre banco?” O Banco Real. E foi muito legal. Mas foi um break true e com muita oposição internamente. “Não! O banco não está pronto.” E aí o Dr. Fábio Barbosa foi ponta firmíssima: “Chegou a hora, não discuto mais. Vem!” O pessoal da Rede, do Varejo era muito reticente. É o tal negócio: ótimo é inimigo do bom. Você não faz e tem sempre uma desculpa. E o Fábio [Barbosa], com uma lucidez... E puft!
P/1 – Como vocês levaram esta questão do banco preocupado com o meio ambiente e da sustentabilidade para os produtos bancários?
R – Um pouco como eu dizia: primeiro foi definir essa visão estratégica: Qual é o nosso papel? É ser um bom banco. Mas sendo um bom banco e tendo o porte que os temos nós somos, também, um agente econômico que impacta a sociedade. O Fábio [Barbosa] tinha algumas frases e conceitos e outros foram surgindo: “Não dá para ir bem num país que vai mal”. O Ricardo [Guimarães] trabalhava num que, naquele início, deu um grande empurrão conceitual e até em termos de caminho trilhado, com a Natura. O “Ver para Crer” deu lugar para o “Crer para Ver” que a natura usava. E aí foi indo... Você vai colocando essas peças, encaixando e vão dando liga – elas vão se fortalecendo conforme elas interagem. Foi um processo orgânico, informal e, de certa maneira, um caos ordenado, porque tem um dia a dia que acaba conduzindo e aí começaram a surgir as discussões nesse comitê de mercado: Como é que os diferentes comitês de produtos que tinham no banco iriam pensar a respeito? Não era chegar com uma forma, mas sim com uma provocação e dizer: “E aí José? O que a gente tem há ver com isso? Isso envolve: reescrever contratos com letras maiores. Tirar ‘pegadinhas’ de rodapé. Começar a se preocupar com orientação financeira. Não é ver quem é o culpado: “Quem é a favor da pegadinha e quem não é?” E sim: “Nós queremos seguir nesta direção.” Isto é a definição de um norte estratégico e o Fábio Barbosa definiu, como presidente. A Holanda sempre jogou a favor e nunca causou nenhum empecilho. Num determinado momento eles adotaram práticas de sustentabilidade – eles ‘engrossaram o caldo’. Isso foi bom para nós, porque tinha eco, tinha conversa com outros países. Era algo da organização mas fomos nós quem exportamos – nós influenciamos. Foi muito bom. Foi uma forma de fazer muito adequada: Era gostosa. Não tinha um prato pronto. As ideias vão surgindo. O ser humano é muito criativo. Se a gente senta e pensa: “Vamos fazer um teatro a respeito da palavra barba. Dando um significado nobre à barba. Ao broche. Aos óculos... Nós vamos fazer e algo muito bacana. No começo vai dar um branco: “Urrr... O que vai sair? Não vai sair nada?” Mas aí a coisa vai. Eu já tive experiências assim. Você vai ganhando confiança, ouvindo uns aos outros. Os publicitários aceitaram muito bem essa linha mestra – que era realmente um guia, um gabarito e, nós, internamente, começamos a praticar isso de várias maneiras: O papel reciclado. Práticas de Sustentabilidade. Fizemos workshops: Como é que nós podemos pensar na sustentabilidade da relação com os nossos clientes? Como a gente estimula a redução de consumo de energia e de recursos nas agências? O pessoa de TI [tecnologia da informação] veio com um software que media – entrava lá os dados do relógio de luz das agências e, com isso, nós medíamos a eco-eficiência. O Antônio Ozzi também foi um guerreiro – que foi um cara dessa área de tecnologia. O Carman, que era o diretor de tecnologia, falecido no ano passado, já não trabalhava mais no banco, nunca foi um empecilho. Quando nós tivemos esse problema com as impressoras de grande porte e eu soube que... Ele era meio ‘vozerão’, que ele tinha rosnado / ronronado um pouco – ele também tinha uma ternura muito grande. Eu disse: “Carman, confia. Nós juntos com a IBM e com o pessoal...” “Quem da sua equipe?” “Não, Fernando...” Ele sempre me apoiou. O Carman foi o meu primeiro chefe no Itaú, quando eu entrei lá na sub-processa. Tinha um vínculo que vinha de outras jornadas e que nessas horas se somam. E foi um momento importante porque, se não, nós iríamos ter um ‘no-goal’. A área que mais consumia papel naquele momento, que eram as impressoras de grande porte, não estariam aderindo. E nós queríamos que o banco fosse 100% aderente. “Ah, mas o meu cartão vai ficar assim? O cliente acha que é papel usado, que é papel de pão...” São as provações. E aí a coisa entra. Se o papel era meio chumbrega no início, foi melhorando, ganhando, dentro de normas que vão se encontrando. Vão se achando novas soluções e a tropa rumo a um mundo melhor vai marchando, evoluindo, ampliando os seus espaços. A Malú [Maria Luísa Pinto] organizou e trouxe a possibilidade de aplicar esse repertório nas atividades do banco. Ela orquestrava junto a outras áreas. Nessas horas você sempre tem a sua atividade principal e outras atividades correlatas, dependendo do momento em que está a organização. Que são atividades para dar foco, para te diferenciar. E é nesses momentos, em geral, que a organização vai para outro patamar. Isso aconteceu naquele momento com o Real e foi muito bom. Nós estávamos sozinhos naquele momento. Nós realmente fomos pioneiros e ficamos líderes durante muito tempo – teve um momento em que fomos um líder importante em que os outros bancos vieram atrás. A melhor definição de liderança é quando se tem uma causa, você está à frente dela e olha para trás e tem seguidores. Nós tínhamos uma bandeira e, quando olhávamos para trás estavam todos: Itaú, Banco do Brasil, Bradesco... E ficam querendo ganhar no grito. E até ganham, por parte da audiência menos informada, etc. Mas não importa porque, por dentro, está se formando uma identidade. Uma coisa que eu aprendi e que me causava um pânico nos meus primeiros dias como diretor de marketing: “Eu não conheço o Fábio [Barbosa], nem os holandeses... Como eu vou construir uma imagem que não tem um correspondente com a realidade? Urrr... Eu vou construir um ser esquizofrênico? Eu não vou conseguir conviver com isso. Falar uma coisa que a gente não é.” Isso sempre me causou um ‘nó no estômago’, um desconforto e graças a Deus – e também todo o espírito de gestão do Fábio [Barbosa] e todo o modelo que, muito pelo contrário, eu tive só contribuições a crença, os conteúdos, as verdades... e nós fomos aprendendo. Eu sempre fui muito democrático. O Fábio [Barbosa] num determinado momento veio com uma máxima que é maravilhosa: “Transparência sim, democracia não!” Se não você não pára. Chega um momento em que se tem de decidir. A Margareth Thatcher uma vez falou isso: “Você não anda.” Isso era muito bom porque eu levava as campanhas. Eu queria engajar as pessoas. Você tem que apresentar... E aí fica um ‘toró’ de palpites, principalmente na minha área e no marketing. Então essa linha mestra, que o Ricardo [Guimarães] nos ajudou a construir foi essencial para alinhar, para tirar a discussão do particular e do circunstancial e levar para uma outra perspectiva. Isso foi muito bom. Avançamos muito. Eu acho que o banco avançou relativamente pouco na área de processos, de operação, de ‘chassi’. Se renovou muito pouco. Ele melhorou os sistemas mas ele não inovou. Não criou uma plataforma. Isso foi uma limitação que nós tivemos na gestão do ABN [AMRO Real] que poderia ter uma contribuição mundial. Ao contrário, eles foram para um modelo... Descentralizando com IBM, Microsoft com aquela [empresa] da Índia, também. Eu acho que não foi bom. Conclusão: o banco não tinha a mesma plataforma, a mesma base para crescer. Nesse sentido, a complementaridade com o Santander é muito grande. O Santander, de fato, investe em soluções robustas de processamento, de gestão, para ‘rodar’ o banco. Esse ‘chassi’ é muito forte, muito moderno e tem plataformas mundiais, globais, próprias. Isso é muito bom. Acho que essa operação com o Santander extremamente útil, rica, proveitosa... Para quem? Para o mercado, para o Santander e para o cliente. Aí volto um pouco na questão de cultura, pois os não entramos na questão da cultura Santander. Talvez seja a cultura mais diferente – eu não diria antagônica, mas mais ‘água e óleo’. E se nós não tomarmos cuidado podemos pegar ‘pistas erradas’, porque o espanhol é parecido com o português. Nós, brasileiros, temos a tendência a achar que é igual. E não é igual. Culturalmente o espanhol é europeu. Nós conseguimos entender as palavras que eles falam mas, às vezes, os comunicados, os significados são outros. Aí que se tomar um cuidado para não tomar pistas falsas. O que acontece é que eles, por um aspecto cultural e para não perder tempo, eles ‘mandam fazer’. Cria-se uma cultura serviçal, que é uma cultura que não estimula o diálogo e a participação. Ela castra a iniciativa. Isto é um traço ruim que nós tivemos o benefício de ter o Fábio [Barbosa] preservando isso e que, agora, o Marcial [Portela]. Porque se der um “cala-boca” ou disser: “cumpra-se”, apenas, nós vamos perder a riqueza da diversidade que as pessoas trazem. O ambiente é extremamente rico porque ele é muito mais diverso do que era no [Banco] Real pois tem aqui bancos de origens múltiplas, com experiências múltiplas mas tem que tomar cuidado do cumpra-se, do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Isso não vai trazer toda a liberdade de contribuição que as pessoas poderiam trazer. O sistema é mais rigoroso, mais automatizado e, muita gente, nesse primeiro momento, oriunda do [Banco] Real disse: “Mas eu perdi a minha liberdade. Agora é o sistema que diz tudo. Não posso mais devolver o cheque. Não tenho mais...” Na realidade é uma busca diferente. Uma alçada, uma busca de contribuição para a gestão diferentes. Não se dá nesse campo. Nesse momento a gente tem de ajudar a desfazer alguns nós que possam estar tolhendo esta capacidade individual de gestão e de contribuição. Acho que o próximo passo é identificar o quê nós podemos fazer, tanto no modelo operacional como no comercial para dar mais empowerment e maturidade. É a venda consciente. O Santander tem muito uma coisa de: “Não, as coisas funcionam bem, é tudo uma máquina, é tudo mecânico... E vende, vende e vende. Faz, faz, faz. Nós não somos máquina. Nós precisamos ter as coisas ordenadas mas não podemos perder a liberdade para criar, para ir além e trazer a minha contribuição sem ser penalizado. É aceitar o erro e promover essa liberdade para que as pessoas se sintam, de fato, contribuindo de uma maneira madura para o processo. E não apenas produzindo como máquina. Tem aí esse ‘quê’ a mais. Essa questão para evoluirmos em função dessa obra que pode ser muito rica aqui no Brasil. Eu não quero entrar na questão Espanha porque é muito particular. E eu acredito que a Espanha terá a sabedoria de respeitar esse fator cultural. O Marcial [Portela] está tendo. Tomar cuidado de não impor um modelo. Quando a língua é diferente é mais fácil. Quando é parecida existe uma tentação maior.
P/1 – Você está trazendo uma questão que eu acho importante a gente esmiuçar. Quando se fala numa identidade Santander na Espanha, tem uma cultura de hierarquia, até por conta do sistema, a realeza, um sistema de reis. Porque tem uma hierarquia e uma árvore genealógica. Enquanto que aqui a estrutura cultural do banco e do próprio país [Brasil], em que se percebe que o banco se estrutura com a aquisição de vários outros bancos, que é completamente diferente de lá – que é um banco familiar, estruturado... Quer dizer, era um banco familiar mas que está estruturado ali. Aqui não, pois são vários bancos que foram acoplados. Até tem uma máxima que a gente chamou para a análise desta “árvore genealógica”, de que “O todo é maior do que a soma das partes”. Na minha visão acho que, na Espanha “o todo é a soma das partes”. Como você vê essa coisa do banco aqui se estruturar com essa independência? Algo que você mesmo traz e que eu acho que é muito da cultura [do Banco] Real, que era um banco muito forte dentro destas “partes”, mas também tem outros bancos incorporados. Como você vê hoje essa relação que se estabelece num Brasil, que é mais matricial, um rede, com um banco na Espanha muito mais hierarquizado, um reinado?
R – Na realidade, isso que você está dizendo e que é verdade não é fruto do processo de crescimento, porque lá [na Espanha também] houve centenas de absorções, incorporações... Esta diversidade está presente também na jornada do Santander – na Europa, em outros países da América Latina. De certa forma, no [Banco] Real isto era um pouco mais contido, embora não muito. A história do Santander no Brasil e nos países da América Latina e na própria Europa foi um pouco mais recente. Ele cresceu mais na base de compras e aquisições, que é mais parte do processo. O que eu acho que diferencia é que o banco tem um dono. Ele tem uma figura, de família Botín, que é o dono há algumas gerações – há três gerações. Essa sim é a marca diferencial. A família soube trazer esse banco por todas essas intempéries, evoluções – do telex para o fax, taquígrafo, código Morse, talvez, para a internet... Com grande orgulho. Se você me disser: “Qual é o principal traço da família Botín?” É visão e capacidade de conduzir o barco nesse ambiente que é, muitas vezes, adverso. Isso é muito respeitado, seja para quem está nesse barco, seja para quem é espanhol. Ele fez com que essa trajetória levasse o banco a ser o principal banco da zona do Euro. E não é ele sozinho, mas ele está no timão. Ele participa. Eu participei de discussões domingo, o dia inteiro... Tive o privilégio de estar lá quando definimos o preço do IPO (Initial Public Offering, ou melhor, Oferta Pública Inicial das ações em bolsa de uma determinada empresa), com os banqueiros de investimento. Eu estava lá. E é ele quem conduz. O Alfredo Sáenz nem participou dessa reunião. O José Antônio Alvarez, que é o CFO (Chief Financial Officer, o Diretor Financeiro) também não. Tem uma turma que toca o dia a dia. Quem definiu esse preço, essas condições foi ele pessoalmente. Ele é muito carismático e tem uma história de vida que vem sendo provada e comprovada. Essa é a grande diferença. O que acontece é que ele também tem uma personalidade, um jeito pessoal e, também, do povo espanhol em que “obedece quem tem juízo e manda quem pode”. Então tem um monte de gente obediente. Os que contribuem nunca fazem sombra... É hierarquizado nesse sentido – de não fazer sombra, respeitar e, às vezes, nesse ambiente de corte, isso se torna mais serviçal. O que também eu não acho ruim. O risco é você se deixar anular ou o seu chefe lhe impor essa hierarquia de tal maneira... Que é o cala-boca. Esse é o risco numa cultura deste tipo. É um cuidado que eu acho que a gente tem de tomar para que isso não predomine. E eu, às vezes, enxergo ou enxergava – acho que tem diminuído traços de que isso poderá prevalecer em algumas áreas e negócios. Isso trará, apenas, uma menor performance e uma eficiência menor, porque você terá um time não tão inteiro, com pessoas que contribuam tanto, que sejam aceitas de maneira diversa com os seus gêneros, escolhas e, principalmente, nas suas ideias. Como é que a gente ouve isso tudo e leva isso adiante. Essa, para mim, é o principal traço de cultura – como é que você combina essa questão de interdependência e de informalidade com comando e controle e hierarquia. Tem uma transição acontecendo e lá eu vejo isso mais cristalizado. Eu acho que aqui no Brasil existe uma liberdade maior. Algo que vem sendo construído juntos. Nós introduzimos pós-integração. Basicamente se tinha o Real e o Santander. Ok? Vamos conversar e mudar o posicionamento do Santander, que é a marca que vai ficar. Nós colocamos no “Valor das Ideias” nós acrescentamos o “Valorizando Ideias por uma Vida Melhor”. Colocamos sentido ao “Valor das Ideias” valorizando o “O Banco da Sua Vida”, do [Banco] Real. Foi uma maneira de dar as mãos ali. Durante o ano de 2010 fizemos a transição em que a marca Real existia e só foi mudada em Dezembro ou Novembro de 2010. Nós começamos a fazer a mudança física, nas fachadas, em alguns materiais. Causou um pouco de surpresa e de confusão. Confesso que o processo é imperfeito. São muitas agências. Tem uma logística tremenda. Você chegava numa agência em que a fachada estava “Real” a o crachá do funcionário já era Santander? “Eu quero receber um cheque do Santander... Não! Aqui é Real”. “Mas como é Real? Você não é Santander?” Teve isso mas não foi um big deal também. Teve algum ruído, o ser humano é um bichinho sensível. mas causou uma estranheza. Acho que poucos clientes pularam do barco nesse momento. Nós fizemos algo que fio interessante que, durante o ano de 2010 só fizemos propaganda do Santander. Tiramos a propaganda do [Banco] Real. Foi algo que eu decidi. Consultei o Fábio [Barbosa]. Porque o Santander tinha que ocupar o espaço e nós estávamos reduzindo o orçamento. O Santander tinha um orçamento um pouquinho menor que o [Banco] Real. Nós tínhamos que fazer este fade mas tínhamos que parar de cativar ali para cativar aqui. Para criar um atrativo, um interesse. Dentro começamos a conversar sobre o “Unidos somo ainda mais fortes”. Lançamos a missão que a política de RH unificou. Tem de ter coisas tangíveis, não se pode ficar no blá-blá-blá. Tem que ter entrega. As pessoas tem que sentir que tem verdade e consistência ali. Que é crível. Então lançamos [a campanha] Unidos somos mais fortes. Mas e como dizer para fora: “Unidos somo mais fortes”? “Não uniu ainda?” “Unidos quem, cara pálida?” Aí foi o “Juntos”: “Juntos somos ainda mais fortes”. O processo foi sendo conduzido com muita naturalidade, sem grandes sacadas criativas e de dentro para fora. O processo que se tentou fazer, com todas as imperfeições que uma integração deste tamanho precisa ter, foi capturar esse movimento e ajudar a conduzir. Mas tem que capturar? Eu não posso pegar uma outra coisa porque será uma balbúrdia. É aqui. é a liderança afinada. É o “Unidos” dentro. O “Juntos” fora. Começamos e puft! Aí você vai dando uma demonstração... Criamos um Círculo Colaborativo – que tem três anos e é uma plataforma onde 40 mil funcionários trocam, compartilham, se encontram, trocam experiências, como num Facebook. O que é isso? É aproximar as pessoas – num banco desse tamanho, que tem gente do Oiapoque ao Chuí. De áreas, nacionalidades e ideias distintas. Como é que se cria esse caldeirão do “Juntos”. Agora estamos entrando num momento em que os bancos estão integrados. A gente já corrigiu os problemas maiores da integração. Estamos com uma super agenda de investimentos em tecnologia. Em abertura de novas agências. Investimento num pólo de processamento de dados de primeiríssimo nível no mundo, que será inaugurado em 2013 em Campinas. Isso tudo está sendo feito para dar amparo, apoio, suporte a esse crescimento – é coisa de gente grande. Não é o que eu sentia no ABN [AMRO Real] em que o ‘chassi’, a ‘carcaça’ ficava meio que para segundo plano. Aqui não: nós estamos reformando as agências, abrindo agências novas, estamos treinando. O banco está crescendo. Mas é um mercado mais competitivo. Talvez tenhamos que fazer um esforço relativamente ainda maior. Por que fizemos a revisão na nossa missão? Porque mudou o presidente do banco. Não é uma ruptura mas uma evolução nessa missão que nós tínhamos, dando mais foco nesse momento pós-integração em que o cliente é o foco principal. Queremos ter a preferência dos nossos clientes. Certamente, se fizermos isso e agradarmos os nossos clientes nós vamos conquistar ainda mais. Nós queremos ser um banco simples e seguro. Eficiente e rentável. Com qualidade em tudo o que faz. São algumas camadas da empresa que a gente está construindo que são muito significativas para que nós, de fato, possamos ter o reconhecimento e a admiração de todos envolvidos. E que seja bom para todos, do contrário, não teremos o reconhecimento. É tão simples e tão complicado quanto essas 44 palavras. Mas é um direcionador muito forte que vai nos levar a ser o melhor no Brasil – que é uma das ambições estratégicas que não foram abandonadas mas que está dando lugar a ações mais táticas. Uma missão revista é mais objetiva, mais prática. A inspiração não estará em palavras bonitas. Estará em nós, na minha consciência, no meu pensar e no meu fazer. Outro dia eu conversava com um diretor: “Ah, sustentabilidade não está mais presente...” “Não está mais presente?” Não está explicitamente, mas está mais presente do que nunca. Num mundo que evoluiu, da maneira que evoluiu... Eu só vou ter a preferência dos nossos clientes se nós respeitarmos o meio ambiente – se eu, mais do que nunca, rezar conforme essa cartilha. Só que já evoluiu. Está aqui, na consciência e está aqui (aponta ao peito). E eu vou fazer. Do contrário não adianta. É um pouco a evolução em que você não precisa dizer tudinho, em todos os detalhes o que tem de se fazer. Evidente que sustentabilidade é um pressuposto. Se você acha que não é porque não está convencido. Se você incorporou e entende que a empresa também... Eu conversava com o presidente – e ele pode até reforçar para os que não estão tão crentes ou os que precisam ver. Vamos ver o presidente reafirmando isso. Faz parte essa alternância e essas mudanças.
P/1 – Quais os novos produtos que surgiram com a aquisição do Real pelo Santander?
R – O nosso primeiro objetivo, a nossa primeira preocupação não foi abrir um leque de produtos novos. O primeiro foi integrar bons produtos de um lado com bons produtos do outro. Isso, por si só, dá muito mais trabalho. Porque não é um prevalecer sobre o outro mas é, de fato, como é que você conecta. Então, na verdade, nós fizemos questão, e era parte da nossa entrega quando lançamos o Santander Master com o Cheque Essencial: Os dez dias sem juros, do Real Master com a possibilidade do parcelamento do cheque especial. O cheque especial é para imprevisto – é um conforto e nós damos 10 dias sem juros nenhum. Por quê? Porque nós queremos ter uma relação de longo prazo com você. Uma relação duradoura. Nós somos do ramo financeiro e sabemos que imprevistos acontecem em nossas vidas. Vários: Quebraram-se os meus óculos. Tive de fazer uma viagem para visitar um parente. Minha mãe está passando mal. Sei lá... Tive vontade de viajar no carnaval. É um imprevisto. Não estava previsto. Pode ser por bem, pode ser por mal mas não estava previsto. Então, como queremos ter uma relação de longo prazo, oferecemos dez dias por mês sem juros no limite da sua conta corrente. Como esse limite não é para você ficar usando por um prazo mais longo, porque a partir do décimo primeiro dia você paga juros por todo o período e é uma taxa muito alta, por que é rotativo, nós dizemos: “Se você precisa por mais de trinta ou quarenta e cinco dias, sai fora. Muda para o [cheque] parcelado, que é a metade dos juros” – que é o Cheque Essencial do Santander. Ao invés de você pagar 8% ou 9%, que é uma taxa muito alta e rotativa, porque o banco tem de deixar esse dinheiro parado para te esperar – porque ele não sabe quando você vai precisar... Não está previsto: “Eu vou tomar um empréstimo e pagar em 10 vezes”. Ele toma mas não sabe quanto vai pagar. Por isso essa taxa é muito alta nos rotativos, tanto do cartão como da conta corrente, o cheque especial. Esse produto tem um componente muito importante no nosso posicionamento, pois nenhum outro banco dá isso. Fizemos as contas e ele é um produto rentável. “Mas tem um componente de marketing?” “Tem!” Mas, principalmente, a gente não quer atrair o cliente que fica usando os dez dias – e a gente vê que o comportamento não é esse. É para se você precisar em algum momento. A gente não quer que você se enforque usando o cheque especial. Não! Parcela, se for o caso, e paga para não ficar devendo mais do que você pode. O interesse dos banco em geral é para que o cliente seja bem orientado para que você tenha uma vida financeira saudável. Não que você se enforque. As pessoas às vezes se esquecem disso. Então, fizemos a combinação desses dois produtos. Outros produtos que nós combinamos foram os cartões. O cartão Free, que é livre. Se você usa esse cartão todo o mês você não paga a anuidade, a tarifa. Tem a conta Free, que tem também esses componentes de utilização que, por se só, geram benefícios para o banco que ele dispensa a cobrança da tarifa. Esses cartões, o Light, o Recompensa, o Reward, o Free são cartões que o Santander lançou e inovou na indústria e que nós replicamos também para o banco Real. O que mais que nós tivemos? Toda a parte de CRM, de manuseio de informações e dados, o database do Real, que era muito avançada, foi utilizada a favor dos gerentes todos para terem informações sobre os nossos clientes – todo o CRM do [Banco] Real prevaleceu. o Call Center do [Banco] Real tinha algumas rotinas que eram muito boas. Os serviços Van Gogh, do Banco Real, que era para clientes de renda mais alta, foram mantidos e inclusive o nome. “Ah, mas é um nome holandês e o espanhol pode se sentir ofendido...” poderia querer que se chamasse Portinari... Picasso aqui não ia cair bem (risos). podia ser um Gaudhi, um Velasquez... Chegamos até a pensar em chamar de Cervantes, mas não. E por que? Porque o cliente gostava e valorizava desse serviço, que em termos de avaliação de marca chegou a superar, durante um trimestre de campanha, o Personalitè, do Itaú. A gente fazia essas medições de pesquisa. Não foi campanha, foi, realmente, atratividade. Era o serviço mais querido nas avaliações. Depois caiu um pouco. Com a integração a gente acabou fazendo algumas interferências na vida dos clientes e diminuiu um pouco. Mas nós estamos buscando agora novamente. Estamos evoluindo dentro de um programa mundial chamado Select e, aqui no Brasil é o Van Gogh Select, que é exatamente respeitando esta tradição mas fazendo uma transição inteligente que sempre... O cliente para abrir mão do Van Gogh – se ele abrir ou a gente decidir isso, ele tem que ter algo em compensação. Ele tem que sentir o Select ou seja lá o que for que traz alguma coisa boa para ele – pelo mesmo preço, um serviço melhor. Existem alguns serviços para os clientes Van Gogh que são muito bons, que são diferenciais: Gerente até a meia-noite. vídeo-chats com orientação de investimentos. Eu não tenho todos os produtos, talvez seja mais proveitoso, vocês conversarem com o Nilo Carvalho, da área de produtos, para poder capturar melhor esses empacotamentos todos. Agora estamos lançando uns packs, que são pacotes de tarifas mais adequadas à sua utilização. Isso é ir de encontro ao que o cliente quer. Isso não pára. O banco está investindo muito dinheiro – mais de 3 bilhões de reais por ano em tecnologia, em reforma de agências, em melhoria, em produtos. Às vezes existe um desperdício grande. Quando a gente diz querer ser simples e seguro é sem abrir mão de segurança. Pelo contrário: fortalecendo, porque ainda tem muita fraude e muitos problemas deste tipo. Nós queremos ser um banco mais simples. Não adianta eu desenvolver um produto que é um monte de parafernália e que você não vai usar e que dá muito trabalho para desenvolver. Vamos desenvolver algo mais simples. E simples até na concepção de um iPhone – isso é ser simples. E na visão de quem? Do cliente. Por trás eu não sei mas até algumas coisas foram simplificadas para poder fazer um aparelhinho assim... E assim por diante. Quer dizer: é evoluir junto com essas tendências mundiais para que o banco seja bem percebido e atualizado. e que você, [cliente], sinta nessa utilização. O nosso Internet [Banking], por exemplo, tem que melhorar, tem que evoluir. A gente sabe disso. Estamos em processo. Essa questão de inovação sempre tem as vantagens e as desvantagens. Você fica para trás. Aí você vem e lança um novo os outros todos ficam para trás. Esta liderança vai se alternando. É uma ilusão querer ser pioneiro para sempre – eu nunca tive essa pretensão com relação a nada. Você vai viver ilhado. Mas ser líder sempre e ser visto como líder requer um certo pioneirismo constantemente – em áreas diferentes, em momentos diferentes. Alternar para ser percebido.
P/1 – Você trouxe um olhar histórico e até analítico com relação à estrutura do próprio banco em si. Eu queria que a gente começasse a fazer um olhar para o futuro. Que ações precisam ser desenvolvidas pelo banco se a gente olhar para uma sociedade de 2030? Você falou sobre o banco fisicamente, que ele vai estar muito mais presente de forma virtual, mas eu queria que você fizesse um exercício de abstração – e acho que a sua área lhe permite fazer isso muito bem, qual a sua visão de como o banco deverá estar em 2030?
R – Acho que o banco deve estar cada vez mais transparente. Com pessoas que gostam de pessoas e que de fato se importam com as pessoas. Que pegam um problema e o levam até a sua resolução, até a satisfação de quem estiver do outro lado do problema. Ao mesmo tempo tem de ser menos burocrático, sem abrir mão de rigidez, de controles, do cumprimento de normas. O que eu quero dizer com isso? Por exemplo: Hoje você é cliente de uma agência. Você tem um número, uma agência... Essa questão da agência talvez seja antiga. Você não precisa ter. Você é cliente do banco em qualquer agência. Isso é uma coisa antiga que estava ligada às concessões de carta patente. Mas hoje em dia se abre agências, existem licenças... Eu acho que o Banco Central [do Brasil] poderia modernizar um pouco mais estas questões sem perder e atualizar isso. Então você era cliente do banco e você se sentia assim. Hoje não. Você é cliente do banco “mas da agência tal...” Não. Você é cliente do banco. No Ceará, em Porto Alegre, em São Paulo ou no Rio de Janeiro... Você vai ser muito bem atendida. Isso daria um grande prazer de, quando você, cliente, entrar [na agência] e ser reconhecido, [seja] pela sua íris, pela impressão digital. A pessoa que te atende ser uma pessoa muito educada, [mas] naturalmente educada, e não colocar um robô: “Olá, bom dia.” Aqueça coisa que algumas empresas blockbuster faziam e você se sentia entrando numa máquina. Não! É se sentir sendo recebido por alguém como você. “Olá, você está bem? Tudo em ordem? Os call centers seriam mais inteligentes... Hoje não tem script. Dependendo da situação e do nível de renda você vai cair numa ilha de call center com pessoas que entendam as suas necessidades do dia a dia. Há empresas que fazem isso. [A questão] é humanizar. Flexibilizar. É, de fato, fazer com que as pessoas sintam que a relação com os seus bancos se dá através de pessoas, que são muito bem educadas, que tem agilidade, que tem essa informática toda a seu favor, procurando atender bem, servir bem. “Ah, a senhora quer uma informação sobre tal coisa? Tudo bem. Posso mandar para o seu email ou a senhora prefere que eu mande para a sua casa? Quer que um especialista ligue?” Poxa, isso é conveniência. Isso é ir de encontro ao que o cliente está querendo e dessa maneira nós vamos conquistar a preferência e vamos gerar um boca a boca positivo, que é o marketing que eu mais acredito, o mais eficaz. Então, falando de uma visão 2030, pensando no banco com o cliente, no dia a dia transacional. Eu acho que o banco vai ter de estar muito mais aberto à comunicação com todas as pessoas da sociedade. O funcionário vai ter que ter muito claro qual é a essência [da empresa] para ele poder defender, para poder saber: “Não, esse banco não é assim”. O cliente vai defender: “O meu banco não faz isso que você está dizendo. Nas redes sociais, cada funcionário, se hoje são 55 mil, não deveria ser um núcleo que responde ao Twitter ou que posta as mensagens no Facebook – todos deveriam ter essa credencial, essa maturidade e responsabilidade. É um desafio nós darmos essa consciência, essa alçada, essa responsabilidade e, as pessoas na ponta, qualquer que seja o funcionário está graduado, certificado para poder defender o banco, respondendo ou encaminhando essas questões. Assim você vai criar uma rede de pessoas que conhecem o banco. Não são defensores do tipo “tropa de choque”. São pessoas que de fato conhecem e vivem o banco. Que sabem como ele funciona. É esta transparência de valores refletidas em atitudes que eu acredito que iremos ter, cada vez mais, como empresas. A gente tem de buscar isso, que é o que de fato irá diferenciar. Isto é copiável? Dá mais trabalho, porque essa cultura colaborativa, a interdependência... Eu tenho alguns sonhos: hoje, o banco trabalha muito com terceiros – nós temos 55 mil funcionários diretos mas, também, 35 mil indiretos que diariamente trabalham no banco e só no banco: São vigilantes, pessoal da limpeza, são pessoas dos transportes de valores, de tecnologia – IBM e de outras empresas que só trabalham para o banco. Como é que eu engajo mais esses fornecedores? Eles tem que se sentir parte direta. Tem as leis trabalhistas: “Não pode, se não vai ter o direito e não sei o quê...” Tem aí um imbróglio que nós devemos tentar superar para que essas pessoas s sintam mais parte do processo. Para que vistam a camisa. Um outro ponto que é muito importante que eu ia falar é com relação aos familiares. Muitas vezes nós temos funcionários que se aposentam e, mesmo, as famílias dos funcionários – eu vejo isso nesta ocasião de Natal em que muitos pais e mães trazem os seus filhos para cá – tem uma idade limite de nove anos eu acho. É muito legal e especial. Essas crianças saem daqui orgulhosas. Dá um outro sentido. Isso é muito sério e importante: Como é que eu envolvo os que estão ao meu lado para que o meu trabalho ganhe significado e não fique uma obrigação? Para que não fique uma coisa do tipo: “Poxa, lá vou eu trabalhar. Que chatice!” Não! Eu acho que tem uma evolução e uma melhoria na qualidade das relações com os nossos stakeholders.
P/1 – Em cima da sua fala fica uma questão. Você trouxe no começo da sua narrativa a questão da tecnologia, de que a tendência das relações [com o cliente] é se estabelecer com esse tipo de suporte [cada vez mais tecnológico, virtual]. Mas a sua fala agora traz uma coisa da relação pessoa a pessoa – no sentido de humanização dessas relações que, para mim, soa incoerente de quando você fala que o suporte vai ser a tecnologia mas, sim, a relação ainda é interpessoal. Como é que o banco vai conseguir fazer isso?
R – Vai ter que colocar um vídeo. Eu vou ter que postar uma mensagem em vídeo três vezes por dia para as pessoas me verem. Nós vamos ter que encontrar formas porque não existe uma. “Ah, a minha relação no passado era mais humana, mas prazerosa...” Se conversava com muito menos gente [e, por isso], era mais próximo. Hoje se fala com muito mais gente. [Devemos] encontrar prazer em outras coisas. Por exemplo: Eu gosto de cozinhar mas sou um cozinheiro amador – bem intencionado, que tem boas entregas mas eu preciso de orientação. Os livros melhoraram muito. Alguns são muito bons. Nada melhor do que ir no YouTube e consultar. Coisas que eu não tinha ideia e que eu achava complicadíssimo mas que não são. Isso me dá prazer porque eu transformo isso em convivência com a minha esposa e que ela gosta. A gente brinca, conversa. Ontem eu fui almoçar com o pessoal do banco e nós falamos isso. Já vamos trocar algumas receitas. Isso é muito legal. Acho que essas possibilidades que a gente acaba tendo – de descobrir lugares... Você compra as coisas hoje sabendo a opinião das pessoas. É mais solidário. Você vai comprar um carro e ouvir os usuários. Uma coisa que eu não gosto ainda é quando se coloca notícias e a turma xinga muito e fica muito superficial. Eu não gosto disso e acho um desrespeito. Outro dia eu entrei numa notícia – um artigo que eu li aqui, na Folha de São Paulo e fui par ao original, em inglês... Os comentários das pessoas era de um respeito! Opiniões sérias e bem embasadas. Não são comentários de quem está de passagem. Acho que estamos aprendendo a viver com essa tecnologia, com essas conveniências e inconveniências. Vamos nos ajustando. Eu fiquei uns dias em casa no final do ano e achei ótimo. Não me atrapalhou em nada. Eu pude organizar alguns assuntos que estavam mais parados e que eu queria ler. Por outro lado: despachei todos os assuntos. Li email. Quando precisei eu fui ao telefone e falei com pessoas que estavam no exterior. A minha vida fluiu. Eu não fiquei preocupado de que estava ‘segurando o jogo’ ou emperrando. Fluiu normalmente. Isso para mim é qualidade de vida. “Mas você ficou em casa... Usou o celular...” Para mim é qualidade de vida porque [as coisas] estão andando. Eu vou chegar no dia seguinte no banco e vai ter um monte de coisas, um monte de gente querendo falar... A vida flui e, para mim isso é importante. Se a gente conseguir com que o banco ajude... para que ele esteja conectado com o fluir e com a vida das pessoas está ótimo!
P/1 – Você disse que “a marca é do cliente”. Que queria que você explicasse para mim o que dá valor para essa marca e porque ele dá valor a essa marca?
R – Aí precisamos ir para a definição do que é marca. Ao longo desse aprendizado, dessa estrada, eu costumo muito usar uma frase de um poema chamado ‘Cantares’, de um poeta espanhol chamado Antônio Machado. Essa frase diz: “Caminhante, não há caminho / O caminho se faz ao caminhar.” Eu uso essa frase há muitos anos. Esse poema é lindo, antes mesmo dos espanhóis chegarem na minha vida... Eu aprendi ao longo dessa caminhada que marca é cultura. Marca é: um símbolo que reflete uma cultura e uma dinâmica de geração de valor que favorece todas as partes. A calça XPTO. Ela tem que ser boa para a costureira, para o fabricante de tecidos, para o usuário – porque se não ele não vai comprar –, tem que ser boa para o lojista... É um conjunto, uma dinâmica que envolve logística, distribuição, tipo de tecido e outras coisas mais que criam uma cultura. Por quê? Essa cultura vai além da marca XPTO. Essa cultura significa ser moderno, significa ser confortável, significa estar associada com a música que você gosta.... Ela forma uma tribo, é um sistema de valores, um sistema de informações, um sistema de costumes que faz com que você tenha um vínculo racional e emocional. Às vezes o emocional é tão forte que oculta o racional... e você paga mais. Para pegar extremos: vaca. O que é vaca para nós aqui no Brasil? É um animal. É leite. Churrasco. Pele. Cadeira. Estofado. O que é vaca na Índia? É um animal sagrado. É cultuado – eu não saberia falar mais sobre as origens desse cult. É um mesmo objeto mas com significados [diferentes]. O uso, os costumes acabam criando um vínculo, na relação, e deve ser muito desconfortável para um indiano, criado na Índia vir para cá e comer um churrasco. Eu acho que ele não vai conseguir, ao menos que seja alguém querendo mudar de cultura, de vida (risos). Quando falamos de marca, estamos falando de uma cultura, de um logo que tem um nome, uma cor para você poder visualizar, tocar e associar os seus sentidos àquilo e te remeter a valores, sentidos, experiências, expectativas. Se você frustrar vai gerar uma insatisfação: “Putz, eu comprei essa calça, não sei há quanto tempo mas agora ela desbotou ou laciou.” Isso vai te frustrar e, aí, você vai reclamar. Por que: “O bom cabrito não geme mas o bom consumidor berra.” A gente deve valorizar o consumidor que reclama, porque ele está te dando uma oportunidade. E se eu atender e der outra calça para ele e pedir desculpas? Eu vou reverter. A minha esposa comprou num outro dia algumas roupas, acho que quatro ou cinco, e duas ficaram na loja. Ela esqueceu. Ontem ela passou em frente à loja e falou com a vendedora: “Olha, eu comprei aqui. A nota não está aqui, ficou em casa. Eu não estava prevendo passar aqui mas passei...” “Um minutinho só.” Falou com a gerente e: “Estão aqui as duas peças. Não tem problema. A senhora pode levar.” Ela se sentiu respeitada. “Acreditaram em mim”. É preferível você ganhar esse cliente, essa pessoa – mesmo que você erre em alguém, você vai acertar nos outros e o cliente vai voltar lá e vai comprar. É essa atitude, esse corpo e conjunto de valores que tem de ser praticados com coerência – e quando tiver alguma incoerência... Ou a sua marca é: “Eu sou um ser incoerente.” Legal! Muita gente vai dizer: “Eu gosto dessa incoerência porque ela me acrescenta de alguma maneira e me passa liberdade para eu ser mais incoerente”. Não existe um certo e errado. É um conjunto forma uma proposta de valor que se reflete numa essência, num posicionamento para que eu trabalhe esse vínculo que existe entre a marca / empresa, que produz, fabrica e promove a entrega dessa expectativa de experiência que você tem, seja porque ouviu falar ou porque está no seu imaginário e, até mesmo, porque você já experimentou. Marca é isso. Quando a gente frustra – e não tem nada de errado em frustrar, mas tem de corrigir, se não fizer nada aí sim é que se torna um problema, pois a indiferença, etc. não vai ajudar a reverter, resgatar e cuidar desse vínculo que foi frustrado. É físico, é emocional – principalmente a reação emocional que pode levar a extremos, porque se está indo bem, dentro de um grau de normalidade. Se saiu fora e o emocional ‘pegou’... aí você queima. Nós somos latinos, somos emocionais e, então, tem de se cuidar [desta parte]. Estamos entrando num momento interessante da trajetória da nossa marca porque não tem mais as turbulências para afetar esse emocional e causar irritação – “não está funcionando”. Queremos chamar a atenção de que o Santander é aqui, [no] Brasil. Tudo bem, vem lá da Europa, mas é aqui. São 55 mil [funcionários diretos] mais os 35 mil [funcionários indiretos] e os mais de dez milhões de clientes. É aqui, nesse pedaço que ele acontece. Esse Santander aqui é brasileiro e ele precisa ser vivido. A marca precisa ganhar mais localidade, precisa ganhar mais raízes. Isso nós vamos encontrar através de significados nas práticas. Por isso estamos convidando atores para participarem dessa conversa, falando de valores importantes e falando do potencial que o brasileiro tem e de que juntos podemos ajudar a esse sonho virar realidade.
P/1 – Para finalizar, eu queria que você falasse quais os maiores aprendizados que você obteve na sua carreira?
R – São tantos pois é uma carreira longa. Talvez os principais seja: Deixar a pessoa à vontade. Elogiar é algo que faz muito bem pois você vai deixar a pessoa mais em paz com a auto-estima para ela poder se desenvolver. Então, sempre que merecer, deve-se elogiar. Gratuitamente não ‘pega’. ouvir as pessoas. Se esforçar. Meter a ‘mão na massa’. Fazer junto. Ser intenso. Isso tem a ver com a minha personalidade mas, também, com o que deu certo, que eu tenha conseguido combinar ao longo desta carreira. Acho que ser intenso, elogiar, ser tolerante... Não adianta ser intolerante. A outra pessoa fica em pânico. A vida e o dia a dia do trabalho nos dá a oportunidade de chegar, pedir desculpas, fazer diferente. A expressão “foi mal”. “Desculpa, eu vou fazer diferente”. É importante parar para fazer isso. Ontem eu acordei, não sei o que eu fiz para a minha mulher que ela virou para mim e disse: “Hoje você tá, hein?!” Eu disse: “Estou mesmo, você tem razão. Desculpa” (risos). É perceber quando está chato e exigente demais. “Não dá para continuar. Eu vou estragar o meu dia.” É um pouco disso. A gente tem essa oportunidade. Outra coisa: Não aturar chefe incompetente e chato – eles são um atraso de vida. Se você precisa aturar um chefe que é um chato, um ‘mala’, uma pessoa autoritária, que persegue... Ature enquanto procura uma outra alternativa porque isso não vai te levar a lugar nenhum. Se a empresa não percebe isso... Se a pessoa está lá por qualquer outra razão... Sai fora porque é um super atraso de vida. Procure um ambiente que seja gostoso, em que você se sinta bem. Vale errar. Tem que tomar cuidado para não ser muito inconsequente e machucar quem a gente não deve. O resto vale: vale errar, experimentar. Tem muita gente jovem lá na minha área e, às vezes dizem: “Poxa, estou querendo experimentar um emprego novo... Será que eu devo? Tem uma parte que mexe com comércio eletrônico e que eu acho muito legal...” Eu digo: “Vai ontem!” Uma super empresa, uma super oportunidade. Experimenta! Às vezes chega um estagiário: “Eu estou tão contente de ser estagiário desse banco. Eu quero trabalhar aqui a vida inteira.” Que pobreza! Muda, pula de galho em galho...! “Não! Eu quero a segurança do salário no final do mês.” Isso é pouco. O Brasil está num momento que te oferece... ‘Solta mais linha’. ‘Dá mais linha para a pipa’. O que aconteceu comigo foram experiências que [me fizeram] abrir o espaço, oxigenar... A vida brota. Ela é boa. Nós estamos num momento muito bom. Vai ser muito difícil alguém – que tenha vontade e resolva problemas e não apenas seja um problema (risos)... Vai fluir. A vida conspira a nosso favor. Nós é que atrapalhamos. Vamos evitar ao máximo atrapalhar e procurar viver com alegria, vontade e entender – eu falava de como a experiência no exterior amplia os horizontes... Existem tantas oportunidades a partir do nosso entorno de leitura, conhecimento e diálogo que, sem virar um escravo da internet nós podemos descobrir tantas coisas e ampliar os limites que a gente gosta de fazer. Estejamos mais à vontade nesse mundão que a gente está vivendo. Tem uma outra coisa que é muito importante. Tem um componente que dizem que vamos viver cada vez mais em nossas vidas que é o espiritual. eu não acho isso seja fruto da opressão tecnológica e cibernética que está acontecendo, mas sim fruto de uma liberdade maior que estamos vivendo. Eu vou rotular o espiritual como amor. Eu acho que nós temos de trazer amor para as nossas relações. E você trazer amor para um banco não significa sair por aí distribuindo dinheiro. Significa fazer melhor o trabalho e tornar esse grande banco mais humano, mais próximo. Então, como é que eu humanizo, espiritualizo o banco? O que é espiritualizar as relações de trabalho sem virar seita? Conectando com amor e com boa intenção. Estamos entrando num momento, num ciclo em que isso vai estar cada vez mais presente em nossas relações e a empresa que fizer isso vai estar mais e melhor conectada na sociedade, em sintonia. Sem entrar em cultos... Eu acho que tem coisas boas que ajudam você a sintonizar – cada um procure o seu e que nós estimulemos todas as possibilidades para a pessoa se espiritualizar, no sentido de estar mais próximo deste sentimento – que é dar sem querer receber de volta. “Poxa, mas vocês são banco. Não vão receber o dinheiro?” O dinheiro tem de voltar para o banco funcionar, mas eu posso dar esse empréstimo com mais informações, para que eu receba de volta e a pessoa se realize e cresça nesse exercício de dar e receber dinheiro. Evitar as armadilhas, as brincadeirinhas mais simples e mais simplórias e, de fato, cada um ver como é que pode colocar ingredientes espirituais, de amor no dia a dia das relações com as pessoas nesse mundo. Acho que esse mundo vai cada vez mais preencher esse significado em nossas vidas. Nós vamos ter de aprender a traduzir e praticar isso no nosso dia a dia.
P/1 – O que você achou do banco resgatar a sua identidade através da trajetória dos seus colaboradores?
R – Eu acho esse projeto muito importante porque o banco acontece por meio das pessoas. E é por meio das pessoas que nós construímos o que está sendo feito, o que foi feito e o que vai ser feito e a nós não cabe nada a não ser viver o presente, que é o nosso tempo, e dar a nossa cota de contribuição, colocar o nosso tijolo. Por que eu acho importante? Porque é um referencial, um exemplo. Amanhã, talvez, um estímulo para as pessoas que assistirem, lerem... Que olhem o seu mundo, o seu momento de uma outra perspectiva e poderem fazer a sua parte da melhor maneira possível.
P/1 – E como você acha que esse projeto pode ajudar na construção da identidade do Santander?
R – Mostrando um pouco do que foi planejado. O que não foi planejado. qual tem sido a trajetória. Os valores que estão presentes ao longo desta jornada. E ocupar o espaço de uma empresa que tem, hoje, mais de 155 anos, uma trajetória de vitória e superação. Dar esse exemplo do porquê. Isso não é por uma varinha mágica, nem por acaso. Isto é fruto de trabalho e dedicação diária de milhares de pessoas que fizeram parte desta história desde o seu primeiro dia. É também mostrar que essa história e sua continuidade, com esse orgulho e vocação em prol do homem, do cliente e da humanidade pode continuar. Vai depender de cada um e de todos nós. “Ah, existem outros fatores...” “Existem!” Mas se cada um fizer o que está ou estiver ao seu alcance, mesmo sem saber o que irá nos alcançar, eu acho que nós temos grandes chances de superar, vencer e continuar com essa força dos princípios, dos valores e da dedicação. É esse foco, essa dedicação em colocar os tijolos com essa visão de ser um bom banco, respeitoso... A gente não falou muito aqui mas o banco tem uma política de valorização dos acionistas que vem junto com a tradição do banco que é remunerar bem os acionistas. Isso é um grande respeito, um agradecimento a quem depositou os seus recursos e a sua confiança no banco. Nesse mundo em que as coisas estão mais difusas acho que é importante nós lembrarmos disso e continuarmos prestando contas a nós mesmos, às nossas equipes, aos nossos companheiros, aos nossos clientes, fornecedores... Esse elos todos que acabam gerando essa liga de valor.
P/1 – E para finalizar, o que você achou de ter participado da entrevista?
R – Eu adorei. Eu participei em dois momentos, em dois capítulos e foi muito bom. As perguntas são muito boas. Vocês se mostram genuinamente interessados, desde o camera man até vocês que estão aqui. Você que está conduzindo. Isso é muito bom porque torna mais viva a nossa lembrança. O fato de falar para pessoas que estão genuinamente interessadas em ouvir, por si só, já dá um significado muito grande ao que a gente está conversando. Se isso vai servir a outras pessoas é melhor ainda (risos). E eu acho que poderá servir. As pessoas que eu ouvi e que participaram disseram que gostaram muito – muito. todos se surpreendem porque a gente, no fundo, entra dentro da nossa história. Isso é rico, é estimulante, prazeroso, acredito eu que na maioria das vezes. Muito obrigado. Desejo que vocês tenham gostado também e que seja bom para todo mundo.
P/1 – Que queria agradecer, em nome do Museu da Pessoa e, também, do próprio Santander, a sua participação que foi muito boa. Obrigado.
Fim da entrevistaRecolher