P/1 – Senhor João, primeiro eu gostaria de agradecer ao senhor por essa entrevista, e começar pedindo para o senhor falar para a gente seu nome completo, o local onde o senhor nasceu e a data.
R – Ué, mas eu já não falei?
P/1 – Já, mas é para a gente começar gravando aqui para ficar re...Continuar leitura
P/1 – Senhor João, primeiro eu gostaria de agradecer ao senhor por essa entrevista, e começar pedindo para o senhor falar para a gente seu nome completo, o local onde o senhor nasceu e a data.
R – Ué, mas eu já não falei?
P/1 – Já, mas é para a gente começar gravando aqui para ficar registrado lá no filme.
R – Ah... Eu nasci no bairro da Freguesia do Ó em dezenove do doze de 1920.
P/1 – Senhor João, o senhor poderia falar o seu nome completo também para a gente deixar registrado?
R – João Machado de Siqueira.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Benedito Antônio de Siqueira.
P/1 – E da sua mãe?
R – Damásia Machado de Siqueira.
P/1 – E qual era a atividade deles? O senhor sabe a origem deles, se eles já eram aqui de São Paulo?
R – Todos de São Paulo. A família Siqueira é descendente de Borba Gato, e na Freguesia do Ó, quase tudo naquele tempo era Siqueira. Tinha Siqueira Brito, Siqueira Alves, Siqueira Rodrigues... Rodrigues de Siqueira, Machado de Siqueira. Era tudo Siqueira. Somos quase os formadores da Freguesia do Ó.
P/1 – E o que o seu pai fazia?
R – Meu pai era pedreiro.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe era dona de casa.
P/1 – E o senhor não tem irmãos?
R – Tive um irmão e duas irmãs... Dois irmãos e duas irmãs.
P/1 – E eles eram mais velhos que o senhor? Onde o senhor estava na escadinha?
R¬ – Eles eram mais velhos que eu.
P/1 – Então o senhor era o caçula?
R – Era o caçula.
P/1 – E como era a sua casa de infância lá na Freguesia? Como era ser o filho caçula?
R – Nós ficamos em um lugarejo chamado Água de Pedra, sítio Água de Pedra. E depois, em 1924, quando houve a revolução, nós fugimos todos para Perus, em um carro de boi. Porque diziam que iam pôr os canhões ali na Freguesia do Ó para bombardear São Paulo, então nós fugimos para Perus.
E depois, que terminou toda a revolução, aí meu pai cismou de ir para Santana de Parnaíba. E fomos para lá. E lá eu fiquei até... Fui quando tinha uns doze anos, fui para o seminário de Pirapora. Depois, aos dezessete, dezoito anos eu vim para São Paulo novamente. Porque lá não havia emprego, não havia nada para se trabalhar, então eu vim para São Paulo. E aqui eu vim trabalhar, comecei a trabalhar em um moinho de farinha, não me lembro o nome, era perto do Moinho Santista. E depois uma parente minha me arrumou um lugar no Franco-Brasileiro, e então eu comecei a trabalhar no Franco-Brasileiro. Trabalhei oito anos lá.
Aí, houve... O meu... Esse que foi meu sócio, ele tinha um outro sócio onde era a pizzaria, que não era pizzaria ainda, era frango com polenta. E a propriedade lá era do meu pai. Então ele me convidou para ser sócio dele. Era o Bruno. Bruno, o nome dele, Bruno Bertucci. Aí, eu tinha feito umas economiazinhas né, naquele tempo eu não era muito gastão (risos). Tinha feito umas economias e precisava de mais uns vinte mil para entrar de sócio com ele. Aí eu pedi para um padrinho meu. E ele não queria emprestar o dinheiro, mas depois o meu pai deu uma casinha com uma hipoteca para ele e ele me arrumou os vinte mil e eu entrei de sócio com ele. E aí começou a pizzaria. A pizzaria começou quando não estava dando certo o negócio de frango com polenta, e lá era uma rabada... E naquele tempo, para ir da cidade para lá era muito difícil né. E aí passou um espanhol lá, carroceiro, e falou para nós: “Por que vocês não experimentam fazer pizza? Quem sabe se pega?”. E ele nos ensinou a fazer a massa da pizza, um espanhol, imagina! Então ele ensinou a fazer a massa, a fazer a pizza, e aí começamos a fazer a pizza. E pegou! E nós, para fazer movimento, dávamos comissão para taxista levar pessoas aqui do centro da cidade lá para a pizzaria Bruno. A pizzaria mesmo, a casa foi aberta em 1939. Era frango com polenta. Depois não deu certo e aí, em 1944, quando eu entrei lá é que mudou para pizzaria, né?
P/1 – E o senhor se lembra, voltando lá para o tempo da sua meninice, quais eram as brincadeiras, o que o senhor gostava de fazer? Quais eram as regalias por ser caçula?
R – Ah, era jogo de futebol, jogar pião, bolinha de gude, eram essas coisas né. Brincadeira, naquele tempo, não havia esses jogos eletrônicos, era brinquedinho de patinete, de carrinhos de rolimã que a gente mesmo fazia. Era brinquedo que a gente mesmo construía.
P/1 – E como era o dia a dia na sua casa? Seu pai saía para trabalhar, o senhor ficava com os seus irmãos, como era?
R – Meu pai era epilético, ele era pedreiro mas não podia trabalhar em lugares altos, né? Então, ele saía para trabalhar e a minha avó... Minha mãe morreu quando eu tinha quatro anos, e eu fui criado pela minha avó, mãe de meu pai. E ela sovava palha. Palha de... Palha para cigarro. Sovava assim na mão com a faca. E eu ajudava ela desde pequenino a sovar palha. E aprendi a fumar ali, pequeno, com nove, dez anos. Ela fazia o cigarro de palha para ela e me dava um. E eu comecei a fumar aí. E a vida era assim, morava no interior, em Santana de Parnaíba, e o meu pai vinha para cá com os pacotes de palha, já tinha os fregueses certos, e vendia. E depois, quando morávamos na Freguesia também, a cidade começava nas Perdizes, porque não tinha nada ali. Então meu pai vinha de burro, da Freguesia do Ó, e vinha para as Perdizes, vinha para a cidade vender palha, sidrão, rapadura, que ele fazia.
P/1 – E o senhor se lembra de alguma vez ter acompanhado o seu pai nessas vindas?
R- Vinha, vinha. Vinha sim.
P/1 – E como eram essas... Por exemplo, de Santana de Parnaíba até a cidade de São Paulo, para vender as coisas... O que o senhor lembra dessas viagens?
R – Eu me lembro que uma vez eu estava com ele no trem, que pegávamos...
Vinha de Parnaíba até Barueri de ônibus e depois pegava o trem para vir para cá, Sorocabana. E deu um ataque nele, forte, e eu era muito pequeno ainda, menino. E fiquei ali uma porção de tempo, pela demora do trem, e tudo, e eu com ele ali até que... Só pedia para o pessoal sair, para ele poder respirar. Fiquei esperando ele voltar a si. E depois que ele voltava ele ainda ficava meio... E assim, minha vida. Desde pequeno eu ia com meu pai. E até os dezessete anos, porque depois não deu mais porque eu precisava trabalhar. Eu tinha que arrumar um... Então eu voltei para a Freguesia do Ó.
P/1 – E ainda nesse meio tempo, quais são as lembranças que o senhor tem da escola, de começar a estudar?
R – A escola, a escola... O meu professor, Antônio Cardoso, e a minha professora... Não me lembro o nome dela. Estudei ali no Parnaíba um pouco de tempo, e tinha muita jabuticabeira no quintal da escola, e as jabuticabeiras lá eram do prefeito, do terreno do prefeito. E nós às vezes íamos roubar jabuticaba. E uma vez, estava em cima da árvore e o prefeito chegou, e queria pegar a nossa roupa. Israel. Israel Pinto de Oliveira, era o prefeito. E foram essas passagens de moleque, né. E às vezes, eu era mocinho já, e tinham as festas nos sítios, nas fazendas, e me convidavam, e precisava atravessar o rio de balsa. E â meia-noite fechava a balsa né, E a gente ficava às vezes preso no lado de lá, no lado da festa, porque chegou tarde. E aí tirava a roupa, punha na cabeça e atravessava o Tietê a nado. O Tietê naquele tempo era limpo, não era sujo como hoje. E assim foi a minha juventude.
P/1 – E o senhor tem outras lembranças com relação ao rio, de estar perto do rio, de encontros que faziam por ali?
R – Ia pescar, ia com o meu pai pescar. Ele gostava muito de pescar. Mas uma vez também ele teve um ataque, caiu dentro do rio e eu custei para tirar ele para fora da água. E é assim, a diversão da gente. Jogava futebol, cheguei a jogar no Santana de Parnaíba. Joguei no Paulista da Freguesia do Ó, no Franco-Brasileiro...
P/1 – E o senhor chegou a comentar que foi para o seminário. Como foi essa passagem? Onde ele era?
R – Seminário era o seminário de Pirapora. Seminário Menor de Pirapora. Eu estive lá só uns quatro anos, porque o tio que pagava os estudos para mim lá... Ele que pagava os estudos e ele morreu.Aí não tinha quem pagasse e eu precisei sair, largar os estudos. Porque a minha família era... Tinha muito terreno, muita terra, mas naquele tempo terra não valia nada. De modo que eu era pobrezinho, um menino... Quando eu vim para São Paulo eu vim com um sapato e um terninho de roupa. Não tinha nada.
P/1 – E o que o senhor se lembra dessa mudança, desse período, mesmo que curto, de quatro anos mais ou menos em Pirapora? Foi diferente? O senhor sentiu alguma dificuldade de estar longe?
R – Não, eu estudei, era até um bom aluno. Estudava bem sim. Só que era muito rígido lá, colégio interno era muito duro. Os padres lá eram exigentes demais. Aí, para continuar a história, nós formamos a pizzaria. Eu acho que é a primeira de São Paulo, porque a primeira pizzaria foi a Telêmaco, era aqui naavenidaIpiranga. Depois ela fechou e ficou sendo a nossa, a primeira de São Paulo.
P/1 – Eu queria então que o senhor contasse para a gente um pouquinho como foi essa vinda para São Paulo depois de um certo tempo, mais velho, com essa malinha que o senhor falou que veio...
R – Que eu vim para trabalhar, para São Paulo?
P/1 – É.
R – Foi uma prima de mamãe que me chamou para aqui, voltar para a Freguesia, que ela arrumava lugar para eu ficar. Eu vim para a casa dela, até devo muito favor à família dela, porque eles me ajudaram muito, ela me arrumou serviço e tudo. Me arrumou primeiro no moinho, depois no Curtume Franco-Brasileiro que era ali no Largo Pompéia. E eu ia a pé da Freguesia todos os dias e voltava, para trabalhar. Os ônibus demoravam muito e não dava tempo, perdia a hora se fosse esperar o ônibus. E assim foi a minha vida, depois saí dali e fui para a pizzaria.
P/1 – E o senhor percebeu uma cidade diferente, uma Freguesia diferente daquela...?
R – Ah, a Freguesia agora está diferente, completamente. Não havia nenhum prédio. De onde é a pizzaria, que se avista assim uma parte de São Paulo, só tinha a vidraria Santa Marina, o resto era tudo um brejo. Não tinha casa nenhuma, só tinha a Vidraria Santa Marina. Se enxergava lá de cima. Tudo ali era brejo.
P/1 – E o senhor começou falando que no lugar da pizzaria vendia-se o frango com polenta, e que teve o caso do espanhol. Como era a pizza que ele ensinou a fazer? Como...
R – A pizzaria... A pizza era mussarela, aliche, calabresa e atum. Eram quatro feitios só. Fazia a massa né, que até hoje ainda... Eu consegui até agora continuar com a mesma maneira de fazer a massa, crocante, fininha. E depois começou a aparecer outras pizzas né, portuguesa, atum... Atum já tinha. Margarita, todas essas pizzas... Berinjela. E aí nós começamos a seguir, a fazer essas pizzas.
P/1 – E como foi para o senhor ir acrescentando esses novos sabores de pizza?
R – Não foi difícil, porque a base era a massa e o molho, depois o que vai em cima é a mistura né, não é difícil.
P/1 – E quais foram os primeiros desafios de se mudar daquele restaurante que vendia frango para a pizzaria? O que tinha de diferente para fazer?
R – É, foi um pouco difícil porque... Apesar que o frango e a polenta quase não saía muito, pouca gente vinha, e foi um intervalo meio difícil de passar. E também no tempo da guerra, foi outra dificuldade que nós passamos, porque não havia farinha para fazer massa. Então nós, de noite, desmanchávamos o macarrão, a massa de macarrão, para fazer a massa para pizza. Era difícil porque não tinha farinha, não existia farinha pura. E a massa precisava ser farinha boa.
P/1 – E como era o espaço da loja, do restaurante nesse começo? Como ela era?
R – A pizzaria era um prédio, tinha a cozinha, embaixo tinha outro pavilhão. Fizemos a cozinha embaixo, em cima era o salão. Era um salão coberto de zinco e de madeira, o salão de refeições. Depois meu sócio foi passear na Itália, aí eu reformei tudo, fiz tudo de alvenaria, o salão um pouco maior. Foi aumentando aos poucos. Hoje está uma casa... Hoje está nas mãos dos meus filhos, eles é que estão arrumando lá.
P/1 – E como foi assistir das janelas da pizzaria todas essas mudanças no largo? Como foi esse processo?
R –No Largo da Freguesia, antigamente, os aposentados sentavam lá, conversavam, jogavam seu dominó. Mas hoje não é possível mais, nem passar lá, porque aumentou muito o movimento. Tem vários barzinhos, e tudo. E põem cadeira nas calçadas. Quer dizer que quase nem idoso pode mais passar lá, é difícil. Porque fica cheio de moço, de moça. Então ficou... Trouxe muita dor de cabeça para a pizzaria aquela praça agora. Porque era bem mais sossegado, e agora... Às vezes sai uma briguinha ou outra lá na praça... Mas é na praça, ali fora.
P/1 – E quais foram as atividades do senhor dentro da pizzaria ao longo desses anos? O senhor começou fazendo o quê?
R – Eu... Eu trabalhava no balcão, fazia as contas, cobrava. E eu fazia as saladas ainda. Meu sócio era garçom, ele ficava servindo as mesas, o Bruno. Ele é que servia as mesas. Depois que terminou a guerra, apareceu um dia lá... Um sábado que tinha muito movimento, só eu e ele correndo para lá e para cá, e apareceu um pracinha, que foi pracinha na guerra, e perguntou se queríamos que desse uma mão, e aí ele começou a trabalhar e ficou garçom, ficou efetivo lá. O (Balterreina?). Ficou muitos anos conosco, trabalhou acho que uns trinta anos conosco.
P/1- E qual é o canto da pizzaria que o senhor mais gosta? O lugar assim, do restaurante, de toda a pizzaria que o senhor mais gosta de ficar, ou de olhar...?
INTERRUPÇÃO CAUSADA PELO ACIONAMENTO DA CAMPAINHA
R – Em Santana de Parnaíba tinha a família também Siqueira, Siqueira Castro. Minha avó era Siqueira Castro também, Antônia Felícia de Castro. Era quase uma família só. Santana de Parnaíba e Freguesia do Ó era quase uma família.
P/1 – E o senhor agora estava para contar para a gente qual é o lugar que o senhor gosta mais, dentro do restaurante.
R – Ah, da pizzaria?
P/1 – É.
R – Agora que os meus filhos fizeram um puxado do lado de fora da pizzaria, eu gosto de ficar ali fora recebendo um pouquinho mais de ar. A pizzaria ficou mais bonita agora que eles fizeram aquilo. Eles inovaram um pouco, fizeram um estacionamento para os carros que chegam lá. Porque a nossa freguesia é quase tudo daqui do centro da cidade, da Lapa, da Pompéia, da Água Branca. De todos aqueles bairros ali vizinhos. Não é propriamente da Freguesia. Vai gente lá, tem freguês também mas é muito pouco. Tudo gente de fora. Tudo família de fora que vai lá comer a pizza.
P/1 – E o senhor percebeu alguma mudança nos clientes desde que o senhor começou com a pizzaria até hoje? De tipo de cliente...?
R – Não, até hoje, cada vez que eu encontro com um cliente antigo que vai lá ele até dá os parabéns porque a massa continua a mesma, a pizza continua boa, a mesma coisa. Então eu acho que não houve mais novidade nenhuma.
P/1 – E quando mudou para pizzaria manteve-se o nome... Mesmo com a parceria do senhor na sociedade manteve-se o nome de “Bruno”. Como foram as conversações para o nome da pizzaria?
R – A Pizzaria Bruno veio porque ele era o sócio mais antigo, ele é que abriu a casa. Ele era açougueiro em Santana, e lá no lugar onde é a pizzaria hoje tinha um barzinho lá, um sírio que fazia comida síria. E depois o Bruno foi lá, gostou do ponto porque enxergava São Paulo inteirinha da pizzaria. Então ele fez negócio com o turco e ficou. O turco vendeu o negócio para ele e ele ficou lá.
P/1 – E como era, no começo, cuidar da parte da contabilidade da pizzaria, onde tinham que fazer os cálculos?
R – Contabilidade era tudo na mão (risos), na mão e aqui na cabeça. Era tudo feito a mão e na cabeça. Tinha um contador, a gente fazia o apanhado e depois mandava para ele, como é até hoje.
P/1 – E em relação aos produtos? O senhor contou o caso da falta da farinha. Mas onde é que vocês iam comprar todo o material? O tomate para fazer o molho...
R – Ah, isso era aqui no Mercado Central, na Cantareira. Todos os dias, um dia eu, um dia meu sócio, vínhamos fazer compras no Mercado. E o ônibus parava longe da pizzaria, parava lá embaixo na Freguesia, no Largo Clipper. E a gente subia com a cesta de mercadoria, de salame, mussarela, porque tinha que comprar todo dia. E era difícil, foi difícil a vida no começo.
P/1 – E qual é o segredo de se escolher um bom tomate, por exemplo?
R – O tomate precisa ser bem massudo. Antigamente nós gastávamos o tomate “campeão”. Era maduro mas era firme, né, um tomate firme. Servia para fazer o molho e a salada. Porque lá tem uma salada que também é bem vista, quase toda a freguesia gosta de comer a salada lá. É uma salada mista de aliche, alface, tomate, com molho de aliche em cima, e em volta tem frios né, salame. Então sai muita salada e precisava comprar... O tomate dava para comprar de dois dias, mas as outras coisas era diário comprar. Sempre tinha o que comprar, então um dia ele saía e eu abria a casa, e ficava lá. Ficava até fechar. Até duas, três horas, quatro. Às vezes amanhecia aberto. Porque lá era um lugar retirado, e os fregueses iam devagarzinho para lá, daqui do centro. Eles iam... A noite inteira pingava, sempre, freguês, né. Então a gente ficava, às vezes, aberto a noite inteira. Então um dia era ele que ia fazer compras, o outro dia era eu. Quando era eu que ficava lá eu é que fazia a massa, eu que preparava os ingredientes para a pizza. E ele ia fazer compras. Depois, no outro dia eu é que ia fazer compras e ele preparava as pizzas.
P/1 – E qual é a parte mais difícil para se preparar a pizza?
R – Olha, ali tudo é importante. Desde a massa... Principalmente a massa. Precisa ser farinha muito boa, farinha pura. E também a maneira de fazer, de assar. Porque ela é assada e frita ao mesmo tempo. Ela é dentro do forno, forno a lenha. E é assada e frita, dentro do forno. Tem a grelha que vai a lenha para fazer o fogo. Tudo é importante. O tempero da pizza também é muito importante.
P/1 – E o senhor chegou a comentar que no começo vocês faziam acordos com os taxistas para levar as pessoas para lá...?
R – É, dávamos comissão para o taxista, para ir lá com a família comer uma pizza. Então eles levavam. E assim é que começou a nossa freguesia. Quase todos os taxistas em São Paulo naquele tempo conheciam a Pizzaria Bruno, porque eles levavam lá para ganhar um dinheirinho.
P/1 – E como é que foi seguindo a estratégia de se conseguir clientes? Porque depois de um tempo aqueles clientes que vinham do táxi já estavam fiéis, já iam lá sempre... Como foram fazendo para conseguir novos clientes?
R – Aí foi de boca em boca, foi propaganda de boca em boca. Alguns gostavam e falavam para outros, e foi aumentando a freguesia. É, foi difícil, no começo, a vida, muito difícil. Depois que pegou, aí... E hoje só vende pizza salada e frios lá, não tem outros pratos. Não tem outros pratos, é só pizza, salada e frios.
P/1 – E que horas funciona? Funciona só à noite então?
R – Desde o almoço. Da hora do almoço até... Agora costumam fechar uma hora, uma e meia... Ficou mais fácil as coisas, então fecha mais cedo.
P/1 – E como é que antes os clientes faziam para pagar? Tinha algum que fazia fiado? Ou...
R – Olha, fiado nunca fizemos lá. Nunca fizeram. Pessoa às vezes chegava lá, comia, depois não tinha dinheiro para pagar mas: “Pode ir, não precisa pagar”. Aí ficava marcado, da outra vez que vinha... Se tinha dinheiro, servia, se não, não.
P/1 – E como o senhor...
R – Cheque, até hoje tem muito sem fundo lá. Muito, muito, dão muito... Tem um lá que já faz sete, oito vezes que dá cheque sem fundo e vocês pegam.
P/1 – E quem é a equipe que trabalha lá com você? Que dão um apoio.
R – Equipe que trabalha? Meu filho... Esse aí é o Rui, é o gerente lá. O outro vai lá também, mas... É que eles ficaram todos sócios, então cada um procura olhar a sua parte. Mas o gerente é o Rui.
P/1 – E de garçons, a equipe da cozinha? Como funciona o relacionamento entre essas duas equipes?
R – Tem os balconistas para servir o que os garçons pedem. Tem a cozinha... Eles fazem o pedido, vai para cozinha... E depois vem na boqueta para os garçons. Já com o número da mesa e tudo. É assim.
P/1 – E vocês fazem pizza para entregar em casa?
R – Faz, faz. Faz pizza para viagem. E tem também o lugar onde faz a pizza para viagem. É outro departamento.
P/1 – E qual é a dificuldade de se fazer esses delivery, de fazer a pizza e depois mandar entregar em casa?
R – A dificuldade é que às vezes telefonam de orelhão, e depois chega lá, o cara está esperando a pizza e não pagam. É um pouco de calote que dão. Em pizza de viagem dá muito calote. Agora não tem tido muito. Agora não tem tido muito. Mas de primeira havia muito safado.
P/1 – E como foi a idéia de montar essa área de fazer pizza para entregar?
R – Essa área sempre teve, desde o começo nós entregávamos pizza. Sempre teve. Comprava as caixas e entregava.
P/1 – Quem é que entregava?
R – Antigamente era a gente mesmo que entregava, ali pela Freguesia, a pé, Agora tem os motoqueiros né, então eles tem a entrega programada.
P/1 – E o que precisa de especial para embalar essa pizza para viagem?
R – Antigamente nós tínhamos a caixa e depois era embrulhada num papel... Dessas folhas grandes de papel almaço. Hoje é só na caixa, põe na caixa... A caixa é mais... Como se diz? É melhor do que aquelas antigas né, é mais bem confeccionada, então dá para ir na caixa.
P/1 – E como é o logo da pizzaria?
R – Hm?
P/1 – O que aparece assim na caixa da pizzaria, tem algum desenho?
R – Tem o desenho do meu sócio, que morreu já, e “Pizzaria Bruno”. Tem o telefone...
P/1 – E como era o relacionamento com ele, com o seu sócio?
R – Bom. Nos entendíamos bem. Tanto nos entendíamos bem, que uma sociedade, para durar... Como até agora ainda sou sócio. Tem o neto dele... Ficou o filho, depois que ele morreu, que era o (Doutor Hildo?). Depois morreu, ficou agora o Ricardo, que é filho do (Doutor Hildo?). Então eu peguei três gerações (risos), e ainda graças a Deus estou aqui. Mas foi tudo bem, eu sempre me dava bem com ele. Uma vez ou outra havia uma... Um desencontro de ponto de vista e tudo, mas nunca coisa séria, nunca houve nada sério entre eu e ele. Sempre nos demos bem.
P/1 – E agora a gente viu que a pizzaria tem uma filial. Como foi abrir esse outro restaurante, escolher o ponto...?
R – Abrimos uma filial ali na ruaTuriassú, mas ali... Estava indo bem, mas a casa era pequena e não havia espaço para aumentar. E também não tem lugar para estacionar carro, não havia estacionamento. Então nós deixamos a filial sair fora. Não temos mais filial.
P/1 – E como foi esse período de ter uma filial? Qual foi a idéia de abrir, por que...?
R – Foi idéia dos meus... Do filho do meu primeiro sócio, (Doutor Hildo?), foi idéia dele de abrir ali na Turiassú. Deu certo e tudo, mas não havia meios de expandir, era muito pequena, muito apertada. Tem até hoje lá, agora ficou para um filho meu. Nós tiramos como filial nossa, mas ficou para um filho meu, ele continua fazendo a mesma pizza que faz lá na pizzaria Bruno. Com a mesma qualidade.
P/1 – E tem uma pizza que o senhor mais gosta?
R – Eu, para falar a verdade, eu não gosto de nenhuma pizza (risos). Eu cansei de comer aquela pizza. Sessenta anos, setenta e três anos fazendo pizza, fiquei meio enjoado de pizza. Mas a pizza é muito boa, todas elas. Eu é que perdi a vontade de comer (risos). Porque eu comia todo dia, né, pizza todo dia. Então, agora deixei de comer (risos).
TROCA DE FITA
R – Pode falar?
P/1 – Pode... É que...
R – Depois eles modernizaram tudo, puseram esse computador, tudo computadorizado. Eu já não entendo mais nada disso e não estou mais na idade de aprender. Então eles é que ficam lá, eles é que sabem dessas coisas.
P/1 – Como o senhor se sente sendo a primeira pizzaria? A primeira pizzaria. Como o senhor se sente por ter esse título, ter essa importância, de ser a pizzaria mais antiga?
R – Eu acho que foi uma coisa muito importante na minha vida, porque... Eu, um rapazinho lá do interior, de Santana de Parnaíba, vir para cá trabalhar e chegar ao ponto que eu cheguei né, eu acho muito... Eu fui muito feliz ali na pizzaria. Trabalhei muito, muito muito mesmo, mas graças a Deus tive a recompensa.
P/1 – E quais são assim... O senhor chegou a fazer... O senhor falou que fazia parte do administrativo, preparava a salada, e tinha os dias que o senhor ficava sozinho na loja enquanto o seu sócio ia fazer as compras. Como é atender os clientes? Quais são as dificuldades?
R – A dificuldade que eu digoera ir até o Mercado, aqui na Cantareira, e depois voltar com aqueles pacotes todos. Porque a condução era precária naquele tempo. Então era muito difícil. Muito difícil mesmo.
P/1 – E para o outro que ficava no restaurante? Então, assim, foi a sua vez de ficar...
R – O que ficava no restaurante também tinha o que fazer. A massa, preparar os materiais, cortar mussarela, salame... Tudo isso para que à noite... De tarde, na hora do almoço já estar começando a fazer a pizza. Os dois se ocupavam bem, era bem puxado. Tanto para o que ficava quanto para o que ia fazer compra, era bem puxado. E eu, no dia que eu tinha ficar na pizzaria, eu ia às sete e meia ou oito horas, abria a pizzaria e, almoço de casa. Minha esposa mandava almoço para mim e eu comia lá e ficava até duas, três, quatro horas. Era puxado.
P/1 – E como era o atendimento ao cliente?
R – O atendimento naquele tempo era bem precário (risos). Era só o meu sócio que era garçom. No começo dava conta, depois que começou a pegar a pizza, aí ele... Ele não gostava de ter muito empregado. Meu sócio não gostava de ter empregado, não. Ele queria fazer tudo ele, mas não dava. Aí entrou esse (Balterreina?), esse garçom que eu disse, aí com muito jeito eu consegui pôr mais uma pessoa na cozinha, para lavar prato. Porque nós ficávamos de noite lá e tinha bastante prato e talher. Então nós íamos pondo de lado, e formava aquela pilha de prato e talher para lavar. Aí quando fechávamos a casa, eu ia lavar e ele enxugar, ou então ele ia lavar e eu enxugar. Ficávamos o resto da noite ali lavando prato e enxugando. Era difícil. Aí é que fomos pondo empregado, pondo lavador de prato, pondo mais um ajudante para o pizzaiolo. Foi aumentando aos poucos, né.
P/1 – E quais são os cuidados que precisa ter para servir a pizza, deixar ela no ponto, certinho...?
R – Isso é no forno né, quando... Tem que temperar a pizza. Põe ali a fôrma, põe a pizza no óleo quente e tempera. Põe a musarela... O molho primeiro. Põe a mussarela, o atum, aliche, o que for, em cima, e depois põe no forno.
P/1 – E além de ser a mais antiga, qual é o diferencial da Pizzaria Bruno?
R – O diferencial é que ela não é assada, como todo lugar faz a pizza assada, a massa é assada. Lá não, ela é assada e frita ao mesmo tempo. No forno que põe ela para assar, tem fogo dentro, ela é frita na fôrma. Essa é a diferença. E a diferença também é na massa. É uma massa um pouquinho mais complicada para fazer.
P/1 – Falando da sua vida pessoal, o senhor falou da sua esposa. Como o senhor a conheceu?
R – Como o quê?
P/1 – A sua esposa. Como o senhor a conheceu?
R – Como é que eu a conheci?
P/1 – É.
R – Conheci ela desde pequena, desde menina. Era amigo do pai dela, nós jogávamos pingue-pongue juntos. Depois ele morreu, ficou a mãe dela viúva, com cinco filhos... E estavam passando necessidade, e eu fazia parte da Conferência de São Vicente de Paula, que ajuda as famílias. Então eu comecei a ir lá na casa para ajudar, e fiquei conhecendo ela. Ela era menina, ela era oito anos mais nova que eu; quando eu tinha vinte anos ela tinha doze... Mas fiquei conhecendo ela ali. Depois eu fiquei noivo com uma moça que morava perto dela. E os pais dessa noiva minha não deixavam ela sair sem essa minha esposa agora. Ela era a amiga de confiança deles, que saía junto com a gente. Aí desmanchei o noivado com a outra, ela já era mocinha, e começamos a namorar em um circo! É, foi no circo que começamos a namorar. E aí... Continuamos namorando, e em um ano me casei. Graças a Deus fui muito feliz com ela, fiquei sessenta e três anos casado com ela, e até hoje tenho muita saudade dela. E assim, minha vida foi essa. Tive quatro filhos, nenhuma mulher, que ela queria tanto. E graças a Deus meus filhos são bons filhos, nenhum deles é viciado em nada. Graças a Deus. Tenho boas noras... Que comem pizza por mim e por toda a família (risos). Tem uma nora que vem de Águas de São Pedro, que “Nossa Senhora”! Como gosta de pizza! Pelo amor de Deus! (risos).
P/1 – E o senhor se lembra de quando seus meninos eram pequenos, de eles irem à pizzaria, acompanhar...?
R – Eles iam me levar almoço na pizzaria, mas estudavam, né, estudavam. Eu pus todos eles para estudar, mas nenhum quis se formar. Se formaram, mas todos tiveram o mesmo destino que o pai, trabalhar atrás de balcão.
P/1 – E o que o senhor acha disso? De os filhos terem seguido os seus passos, de estar aí nessa profissão, atrás do balcão, como o senhor falou...?
R – Eu acho que foi força da... Das consequências, né? Primeiro eu abri uma lanchonete para eles, que até ficou meio famosa a lanchonete, a (SS?). E... Depois pediram o terreno lá, e tudo e eles... Aí... Meu gerente era um cunhado meu, porque eu criei meus cunhados desde pequenos. Meus cunhados e minhas cunhadas. Quando morreram meus sogros... Minha sogra veio morar comigo com toda a família. E depois entrou... Pus esse aí como sócio né, ele saiu da lanchonete e ficou como gerente lá. Até hoje ele está trabalhando lá. E o Décio saiu, foi fazer outra coisa. Mudou, eu mudei o Décio lá para a lanchonete e esse foi para a pizzaria. E assim, eles estudavam, mas a muque, viu? Não gostavam de estudar. Nenhum deles. Não gostavam de estudar não. O João era estudante viajante. Uma vez eu achava que ele não andava bem no estudo, fui lá no colégio dele para saber, e o professor dele disse: “Ele é muito bonzinho, e tudo, mas é estudante... estudante...”... Como é que ele falou? Não me lembro.Que ele aparecia de vez em quando só. Aí eu olhei assim e: “Vou pôr você para trabalhar”. E arrumei um lugar para ele trabalhar, e ele não se deu bem e disse: “Pai, eu volto a estudar, eu prometo para o senhor que eu estudo”. Agora, o menor, o Renê não quis estudar de jeito nenhum, não se formou em nada. E também é pizzaiolo. Só se formaram em pizzaiolo. (risos).
P/1 – E o senhor tem netos?
R – Netos? Tenho onze.
P/1 – Onze netos?
R – É. Cinco homens e seis mulheres. Ou é diferente? É o contrário, cinco mulheres e seis homens.
P/1 – E como o senhor se sente sendo o patriarca dessa família, todos eles criados por conta da pizza e de todo o seu trabalho...?
R – Eu me sinto, graças a Deus, realizado, feliz na minha vida. Me sinto bem. Gosto de todos eles igual, amo todos os meus filhos, quero bem às minhas noras, meus netos, minhas netas. Me dou bem com todos eles, graças a Deus. É uma família unida. Em dezembro nós costumamos... Primeiro dia do ano, todo ano, nós reunimos toda a família, todos lá em casa. A casa é grande, tem uma área grande, e lá passamos a noite do primeiro dia do ano, todos juntos. Parentes, né. Tenho família muito grande.
P/1 – E essa casa fica onde? Lá na Freguesia?
R – Fica na Freguesia do Ó. Na rua do nome do meu avô, Professor João Machado.
P/1 – E como é estar lá no bairro, ter acompanhado todas essas transformações...? De ter nascido lá e depois voltado...? E feito a pizzaria? E estar hoje ainda lá, com a casa, com a pizzaria...?
PEQUENA PAUSA
R – Como a senhora perguntou mesmo?
P/1 – Como o senhor se sente em continuar na Freguesia? De ter essa casa lá, de reunir os filhos, de ter nascido lá e voltado para montar a pizzaria depois de todos esses anos...?
R – Eu me sinto bem de ter nascido lá, e me sinto ainda de estar lá, me sinto de estar bem, de estar com saúde. A única coisa é que eu não enxergo bem. Minha vista não é boa, só enxergo o vulto da pessoa. Mas o resto eu me sinto bem, estou bem de saúde. Me sinto muito feliz. Por morar em uma casa que a minha mulher desejava tanto que eu comprasse, e eu consegui comprar. E eu me sinto muito bem lá. Com os meus filhos me dou bem, me dou bem com as minhas noras...
P/1 – E quais foram as transformações no largo? Naquele largo, de quando o senhor era menino... E hoje, como ele está?
R – Ali a transformação no largo... Cada um tem o direito de ganhar seu pão, né? Mas eu acho que do jeito que está aquela praça hoje está muito ruim. Punham cadeiras, mesas... Até na praça? Punham, agora parece que a prefeitura recuou, só na calçada. Mas... Muita bagunça na praça. Muita bagunça.
P/1 – E as transformações na cidade? Que lá do alto o senhor acompanhou também. Deu para ver?
R – Nossa Senhora, a cidade hoje é... Hoje, em frente à pizzaria... Porque da pizzaria, antigamente se enxergava a cidade inteirinha. Agora foram construindo prédios, né, na Freguesia, não existia nenhumno meu tempo. E agora existem muitos prédios na Freguesia, muitos, muitos prédios mesmo. E dá para enxergar ainda uma parte das Perdizes até a Lapa, dá para enxergar. Da pizzaria. Ali, quando se enxergava tudo... No começo só tinha a Vidraria Santa Marina, como eu falei, o resto era um charco de água. Houve uma enchente em 1928, eu tinha oito anos, eu me lembro. A maior enchente que teve lá. A água chegou lá no Largo do Clipper, na Freguesia do Ó, bem assim. E a prefeitura atravessava as pessoas de batelão, de balsa, porque tinham que trabalhar no centro da cidade. Da Freguesia para o centro da cidade. E precisava trabalhar... Precisava atravessar a barco. Uns três ou quatro meses ficou assim. Muito cheio de água. E minha mulher nasceu nesse tempo. E não podia vir para a cidade, por causa dos batelões, e teve lá mesmo na Freguesia do Ó. A mãe dela teve ela lá. Em 1928, ela nasceu.
P/1 – E o senhor falou das compras para a pizzaria, de como é escolher o tomate... O senhor, por conta disso, também fazia outras compras para a sua casa?
R – Ah, fazia compra para a casa, né.
P/1 – E o senhor gostava de fazer?
R – Não tem que gostar, né? (risos) Tinha que fazer. Alguém tinha que fazer. Então eu fazia compras, a minha mulher também fazia compras para a casa. Naquele tempo não havia supermercado, quase, era tudo mercadinho, venda, como eles falavam. Lá perto de casa tinha uma venda. Uma vendazinha. E a gente fazia despesa lá. Comprava lá.
P/1 – Certo. E falando do comércio, de toda a sua trajetória na pizzaria, qual é a importância que o senhor vê do comércio para a sociedade?
R – Comércio é muito importante para a sociedade. Se não houvesse o comércio, como ia ser? É difícil uma sociedade sem o comércio, tem que existir o comércio. Precisa que exista. É muito importante.
P/1 – E o que o senhor aprendeu com todos esses anos de balcão?
R – Aprendi a ficar um pouquinho mais esperto, porque eu era meio bobo, meio trouxa. Quando eu cheguei do interior eu era meio inocente, né? E fiquei... Meu sócio já era mais vivido, e me deu muita experiência. Eu fiquei mais experiente na vida.
P/1 – Tem alguma coisa que a gente não tenha perguntado mas que o senhor gostaria de falar? Sobre a Pizzaria Bruno, sobre...?
R – Uhn... A Freguesia do Ó; dizem que o nome da Freguesia do Ó é por causa de Nossa Senhora do Ó, Nossa Senhora que veio de Portugal, do Ó. Mas existe outra parte que fala que o nome de Freguesia do Ó foi dado porque lá era... A igreja velha era numa praça, pegou fogo, acabou. Depois, essa que foi construída, que tem lá até hoje, foi construída... Meu avô foi o presidente... Meu avô, professor João Machado foi o presidente da primeira comissão para construção da igreja. Meu pai também trabalhou lá na construção da igreja... Agora esqueci...
P/1 – O senhor estava contando da origem do nome, Freguesia do Ó.
R – Ah, a Freguesia então era umas casinhas todas em volta da igreja, parecia um “O”. Então o pessoal da Freguesia vinha fazer compra no centro da cidade, e às vezes não tinham dinheiro, e falavam: “Ah, é freguês lá do Ó, da freguesia do Ó, do Ó, da freguesia”. E eu acho que ficou Freguesia do Ó por causa da freguesia que ia fazer compra na cidade, do “O”, fregueses do “O”. Freguesia do Ó. Quem levou água para a Freguesia do Ó, foi por intermédio de um tio meu, meu tio Mecenas. Porque não havia água encanada lá. Era água tudo de poço. Então ele era muito amigo de dona Aldina Salles, mulher de Armando Salles, que foi governador de São Paulo, então ele conseguiu que levassem água encanada para a Freguesia do Ó. O primeiro hospital lá, que teve na Freguesia, foi cedido... O terreno, tudo para fazer o hospital, também de um tio meu, meu tio Hélio, que cedeu o terreno. E a primeira creche também foi dada por um tio meu, primeira creche na Freguesia do Ó.
P/2 – Você falou desse caminho para o centro... Como você fazia para chegar no centro? Como ele era? Era de ônibus, de bonde? Como funcionava?
R – Olha... Quando foi Washington Luís, o governo de São Paulo, é que ele fez o asfalto. Até a Freguesia do Ó, fez até o Itaberaba. Ele fez o asfalto. Aí começou a ter ônibus. Ônibus. Mas muito precário, muito... Mas havia ônibus, até a Água Branca.
P/2 – E para ir para o Mercado? Porque você falou que tinha que ir para o Mercado da Cantareira...?
R – Aí eu tinha que pegar o bonde, né. Ir para o centro, e depois ir a pé até o Mercado. Naquele tempo tinha o cara-dura, né? Era um bonde atrás do outro, amarrado, aí pagava mais barato. Era quarenta centavos o da frente, e o de trás vinte centavos.
P/1 – Então, para a gente encerrar, o que o senhor achou de ter sentado aí e contado um pouco da sua história para a gente, de ter contado da pizzaria, e de toda essa sua trajetória?
R – Eu me achei muito feliz de ser útil para alguma coisa, na minha idade. Mas já estou meio chateado de dar tanta entrevista porque toda vez me pedem para dar entrevista, e é sempre a mesma... Sempre contar as mesmas coisas. Mas eu gostei. Gostei. Gostei da entrevista. Só que eu não sei muita coisa, o que eu sei eu te falei, né.
P/1 – Está certo então, senhor João. Obrigada.
R – De nada.Recolher