Museu da Pessoa

Invertendo os papéis

autoria: Museu da Pessoa personagem: Denilson Lucio de Oliveira

Projeto Conte Sua História
Depoimento de Denilson Lucio de Oliveira
Entrevistada por Vera Caetano
São Paulo, 18/10/2012
Realização Museu da Pessoa
Entrevista PCSH_HV375
Transcrito por Julia de Carvalho Catão Dias
Revisado por Ana Calderaro

P/1 – Bom, Denilson, então começa contando seu nome, local que você nasceu, esse começo todo aí a sua vida.

R - Bom, meu nome é Denilson Lucio de Oliveira, tenho 34 anos, nasci aqui em São Paulo, na Mooca. Só que no dia que eu nasci, meu pai já mudou. (risos) Vim pra Zona Oeste.

P/1 – Seu pai mudou? Ou sua família?


R – Minha família, na verdade. No dia que eu nasci, minha mãe conta a história de que eles estavam com a mudança no caminhão. Ela foi para o hospital e meu pai foi levar a mudança pro outro apartamento.

P/1 – Aí vocês mudaram pra onde?

R – Pra Perdizes. E aí eu não lembro, né? Obviamente, recém-nascido! E aí a gente ficou um ano lá e depois foi pra Pinheiros. Desde então, há 33 anos, eu moro em Pinheiros.

P/1 - E seus pais são daqui? Seus avós?


R – Não, minha mãe é mineira, de Inhapim, fica perto de Caratinga, Vale do Aço. E meu pai é de Amargosa, na Bahia. Então eu sou mistura de baiano com mineiro. Os meus avós são de Minas, por parte de mãe, e da Bahia, por parte de pai. Não tenho muita informação de onde veio... Nem sou muito ligado, honestamente.

P/1 – Então você passou sua infância em Pinheiros?

R – Passei.

P/1 – E como é que foi essa infância?


R – Eu tenho boas lembranças da infância. Foi uma época muito bacana, eu sou criança de prédio, bem paulistano. E tem até gente que fala: “Ai, criança de prédio não sai, não brinca, não se diverte.” Mas o tanto que eu me diverti quando era criança com a molecada do prédio... Não sei, eu aproveitei tudo! Andava de bicicleta, me esborrachava, brincava no pátio do prédio, levava bronca, andava de skate... Eu curti bastante.

P/1 – Você tem alguma lembrança dessas brincadeiras, alguma em especial?

R – Tenho, tenho várias! Como era prédio, a gente adorava brincar de esconde-esconde no meio dos carros, todo dia praticamente. (risos) Gato-mia, que é uma coisa bem de apartamento, isso era febre entre a molecada da minha geração. E tenho lembrança de dois amiguinhos do prédio, que eram o Diego e o Leonardo, eu era um pouquinho mais velho que eles, mas passava praticamente o dia inteiro junto com eles jogando video-game, andando de bicicleta... Fiz bastante coisa, me diverti bastante. Não saia do prédio, mas fazia bastante coisa lá dentro.


P/1 - E a escola era lá perto?

R – Sim, eu estudava numa escola pública, estadual, na rua de cima, onde minha irmã estudou também. Na época em que em escola estadual você ainda conseguia aprender bastante coisa. Eu tenho bastante lembrança da escola. Nessa escola eu fiz o ginásio e o primário, depois eu fui pra outra escola, também em Pinheiros, fazer o curso técnico. Eu gostava bastante, lembro de baile na escola! Nem sei se isso rola mais, mudou tanto... (risos)

P/1 – Na escola você tem lembrança de algum professor, de alguém que te marcou?

R – Tenho. De professor... Da professora da primeira série, era uma professora negra, linda, alta, Dona Hebe. Morava todo mundo no bairro. É engraçado que nessa época, em São Paulo, acontecia muito dos alunos, dos professores... Todo mundo era do mesmo bairro. Eu lembro da minha professora da segunda série, brava, daquelas que jogavam apagador nas crianças. Naquela época podia, ninguém falava nada e a gente aprendia. (risos) Lembro de bastante coisa, minha mãe era muito atuante na escola, ela fazia parte do Clube de Mães, estava sempre na escola, fazia bazar, organizava festa junina. E acabou que eu e minha irmã ficamos bastante conhecidos na escola nessa época, por conta até da minha mãe. E é engraçado porque, hoje em dia, eu não sei se os pais são tão atuantes na escola dos filhos como minha mãe foi nessa época, ou como eu não sei se outros pais foram também. Isso foi bastante proveitoso pra gente.

P/1 – Na sua casa, como era a relação com a sua mãe, com seu pai? Quem que era mais dominante?

R – Minha mãe era... Posso falar que ela é a chefe da família. (risos) Ela sempre foi dona de casa, mas foi sempre ela que pegou as rédeas para levar a família adiante. Claro que meu pai tem o papel dele também, que é muito importante, mas a presença da minha mãe na família, na minha vida, da minha irmã, em tudo... É bem marcante também. Dos dois são, mas ela...

P/1 – A relação com eles era boa?

R – Sim... Como toda família, tem as discussões. Desde que eu me entendo por gente eles discutem, mas é engraçado que quando eles estão juntos parece que sai faísca, mas é só um viajar que começa: “Fulano ligou? Já chegou?” É engraçado.

P/1 – Você tinha mais irmãos?

R – Eu tenho uma irmã mais velha, Denise. Eu estou com 34, ela está com 39.

P/1 - Você sabe como seus pais se conheceram?

R – Ai, meu Deus! Minha mãe era de Minas e veio pra cá pra trabalhar em casa de família. Meu pai, se eu não me engano, era porteiro-vigia de um prédio na Rua Sergipe. Ali é Consolação, Higienópolis... Não sei direito. E foi aí que eles se conheceram. Até onde eu sei, foi bem rápido o namoro, o noivado, acho que em oito meses eles já estavam casando. É engraçado, que minha mãe é branca e meu pai é negro, e em 1973... A gente mora no Brasil, né? A família da minha mãe deu aquela reclamada: “Ai, meu Deus, ela vai casar com negro!” E a família do meu pai: “Você vai casar com uma branca? Que absurdo!.” Da Bahia, né?

P/1 – Durante esse percurso todo da adolescência, da infância e juventude, você teve problemas com isso?

R – Não, eu sempre levei muito na boa, pra mim é normal. Por que a minha família, dos dois lados, ela é muito o clichezão do Brasil miscigenado. Então eu acho tão normal... Na minha família tem negro casado com japonês, tem loiro com ruivo... Nunca foi um problema pra mim. Às vezes... Agora que de uns tempos pra cá surgiu a coisa do politicamente correto, de falar que eu sou afrodescendente e isso e aquilo. Mas isso sempre foi bem tranquilo na minha vida, nunca tive nenhum problema.

P/1 – E aí você contou que depois você mudou de escola e foi fazer um técnico. Você já tinha vontade de trabalhar em alguma coisa?


R - Eu sempre gostei de desenhar, e aí enfiei na cabeça que queria ser arquiteto e fui fazer um curso de edificações no Guaracy Silveira, em Pinheiros. Era um curso curioso porque era integral. Aí eu passava o dia inteiro na escola. Eu via nessa época de adolescência mais os meus amigos do colégio do que minha família. Eu entrava às sete e saía às seis da tarde! Levava marmita, às vezes levava uns canos pros projetos que a gente fazia, e a gente ficava o dia inteiro junto, né? Isso foi bem legal, marcou bem a minha adolescência.

P/1 – E como que era depois? Você saiu? Se divertiu? O que vocês faziam? O que você gostava nessa época de escola?


R – De adolescência?

P/1 – Além da escola, né? Você já estava indo pro colegial?

R – Sim, sim. Você diz, eu saindo à noite, essas coisas? Eu comecei a seguir muito a minha irmã, porque ela tem quatro anos e alguns meses a mais do que eu. E é engraçado, porque quando ela começou a ir em matinê, eu queria ir junto. Comecei a ir, sair com ela, depois na adolescência ela saia pra danceteria. Depois que eu fiz dezoito anos comecei a acompanhá-la também. A gente tinha os amigos em comum, éramos aqueles companheiros de balada. Óbvio que a gente ia em lugar perto, a gente não tinha carro, minha mãe não deixava a gente ir longe, nem meu pai. (risos) E meu grupo era esse.

P/1 – E aonde vocês iam? Onde eram os locais? O que vocês gostavam de fazer?

R – Ah, a gente ia bastante na Cervejaria Continental. To velho, gente, nem existe mais! (risos).

P/1 – Em Pinheiros?

R - A Cervejaria Continental tinha várias filiais em São Paulo! Tinha a dos Jardins, na Rua Haddock Lobo ou Bela Cintra, não lembro direito. Tinha no Itaim e em alguns outros lugares. E era um lugar, uma balada bem agradável, não tocava só eletrônico, tocava de tudo naquela época. Acho que ainda toca né? Mas naquela época tocava bastante axé e eu me esbaldava, né? Não virava noites porque senão eu chegava em casa e levava uma bronca. Eram a esses lugares que a gente ia.

P/1 – Tem mais algum que você lembra?

R - Que eu gostava de ir bastante? Ah, eu posso dizer que eu sou da época de geração shopping center também. O Eldorado, que é o shopping de Pinheiros, eu ia bastante com a minha irmã, com o pessoal do prédio. O Iguatemi, mais ou menos. Gostava muito de ir ao cinema, tinha uma prima que trabalhava com o dono de uma empresa de cinema aqui de São Paulo, Circuito Sul, acho que nem existe mais. E ela conseguia convite, bastante assim, ela dava uns quatro, cinco pares de ingresso, a gente chamava os amigos e ia aquela galera pro cinema ver filme. A gente fazia bastante isso na adolescência também.

P/1 – E você lembra do primeiro filme ou algum filme que te marcou muito?

R – Ah, tem um monte! Na infância o E.T., dos anos 1980, é ícone. Meu pai na infância levava a gente pra ver filme dos Trapalhões no Centro, que eu adorava. Hoje nem assisto mais Os Trapalhões mas, dos anos 1980, vira e mexe eu dou uma fuçada na internet ou compro um DVD, porque eu adoro. E isso ele fazia isso bastante, porque ele gostava dos Trapalhões, e aí levava eu e minha irmã pra assistir. Em casa era curioso, minha mãe sempre assistiu SBT [Sistema Brasileiro de Televisão] e meu pai não gostava. Aí, na hora dos Trapalhões, a gente ia com meu pai e minha mãe ficava vendo Silvio Santos. Essa imagem ficou marcada na minha infância. Filme na adolescência, ou na época que eu comecei a ir mais sozinho pro cinema, tem um monte! RoboCop... Hoje eu acho uma porcaria esses filmes, mas na época eu adorava! O Exterminador do Futuro... Bem blockbuster. Eu curtia ir pro cinema pra assistir isso daí. Hoje o gosto mudou um pouco mais, mas vira e mexe eu curto também ir pro cinema, esquecer de tudo e ver um filme que não precisa pensar! (risos)


P/1- Hoje você gosta de outros filmes, tem um exemplo?

R – Curto cinema argentino, curto Almodóvar, que eu não imaginava na adolescência, nem sabia o que era Almodóvar, né? Filme europeu, um filme mais alternativo. Gosto de cinema nacional, vou no cinema pra ver filme nacional também, coisa que nos anos 1990 a gente nem tinha. Gosto de ir à Mostra! Quando a gente consegue ingresso, porque hoje em dia não se consegue mais. (risos)

P/1 – E aí você passa no colegial técnico a ir pra essa parte de desenho. E depois, na faculdade? Como é essa mudança?

R – Então, eu fiz o colegial de edificações. No meu grupo do colegial todo mundo queria ser engenheiro e eu queria ser arquiteto porque eu gostava de desenhar, não gostava de cimento, tijolo, concreto, detestava isso. Tanto que na época de fazer estágio, porque tinha que terminar o curso com estagio, todo mundo foi pra escritório de engenharia e eu fui pro escritório de um arquiteto. O Eduardo Pio, que era um estúdio que ele tinha com outros dois arquitetos na Rua Augusta. Foi meu primeiro trabalho, era estágio, nem lembro muito o que eu fazia, acho que quase nada, porque estagiário não faz nada! E é engraçado, vira e mexe eu ainda encontro o Eduardo por São Paulo. Sei lá, o acaso faz a gente se cruzar, e eu lembro dele com muito carinho, foi meu primeiro chefe.

P/1 - Você ficou com ele quanto tempo?

R – Acho que eu fiquei pouco, seis meses, muito pouco.

P/2 – E alguma coisa te marcou nesse processo de estágio, alguma descoberta, alguma coisa que você tenha feito?

R – Ai... Eu fazia uma coisa, eu era cara de pau! Para ir embora a gente se baseava no rádio relógio dele e eu ficava muito sozinho no escritório. Aí eu não sei que ideia que eu tive de adiantar o relógio. Eu adiantei cinco minutos, dez minutos, quinze minutos e aí eu ia embora cedo! (risos) Sei lá porque, né? Queria ir embora mais cedo! E um dia ele viu! Não ficou bravo, mas ele viu, porque no relógio marcava seis horas e na rádio anunciou quinze pras seis, eu com a mochila nas costas, pronto pra ir embora. Aí ele falou: “Nossa, o que aconteceu com esse relógio?” E eu falei: “Ah, não sei o que aconteceu, de repente alguém mexeu, né?” Sentei e voltei. Depois que eu fiz esse estágio, terminei o colegial e queria fazer arquitetura, só que arquitetura era... Eu acho que ainda é, não tenho essa informação, mas é um curso caro. E meu pai era zelador, minha mãe dona de casa, eu ainda não trabalhava, não tinha como me sustentar, e todos os cursos de arquitetura na minha época, na minha juventude, eram em período integral. Então não dava para eu ficar o dia inteiro na faculdade, não trabalhar e ainda pagar uma faculdade. Meu pai não tinha como pagar uma faculdade cara pra mim, então eu fui fazer cursinho e aí meu primeiro emprego registrado foi numa locadora, na Blockbuster. Acho que foi a época que eu mais vi filme, porque eu podia ver filme da locadora, pegar de graça, curtia bastante. Só que eu não sabia se eu queria realmente seguir na arquitetura e não trabalhar ou tentar outra coisa, e não me lembro porque cargas d’água fui parar no Jornalismo. Prestei Cásper, prestei Mackenzie... Não, Mackenzie não tinha, acho que lá prestei Economia.

P/1 – Você não chegou a prestar Arquitetura?

R - Não, nunca cheguei a prestar Arquitetura.

P/1 – Mas você sentiu vontade de fazer o quê, além da Arquitetura?

R – Jornalismo, Jornalismo. Hoje eu não me arrependo de ter virado jornalista, mas quando eu tinha quinze anos, resolver ir pra uma escola técnica e já saber o que eu quero da vida... Hoje eu tenho uma sobrinha de treze e eu não indico isso pra ela. Toca isso pra frente, não precisa ser tão precoce, né?

P/1 – O que te atraia no Jornalismo?

R - Eu não lembro de cabeça. Eu sempre gostei de escrever, na época de escola eu adorava redação, eu acho que eu sou bastante comunicativo e resolvi fazer. E também tem uma coisa, quando a gente é adolescente fala assim: “Ai, vou prestar o que é mais fácil” E, naquela época, Jornalismo... Não sei hoje como está, era bem fácil, ou era mais fácil entrar numa faculdade. Aí prestei Cásper Líbero, que era o que eu queria, e não consegui. Aí fui pra FIAM [Faculdades Integradas Alcântara Machado], que era da FMU [Faculdades Metropolitanas Unidas]. Quando eu fiz o curso, eu queria ser repórter de TV, mas eu não suporto me ver no vídeo. Aí pensei: “Vou fazer rádio.” Mas odeio escutar minha voz, então fui pra jornal impresso. Fiz os quatro anos de faculdade, no quarto ano comecei a fazer estágio no Diário Popular e fiquei no jornalismo impresso cinco, seis anos. Gosto bastante.

P/1 – Nesse período de faculdade, como era seu relacionamento, os trabalhos que apareceram, as pessoas, quem te marcou nesse momento?

R – Primeiro que eu estava ainda na Blockbuster, o salário era pouco, não dava pra pagar a faculdade. Eu entrei na faculdade e a mensalidade era mais cara que o meu salário. Aí estava decepcionado: “Não acredito, passei na faculdade e não tenho como pagar.” Lembro até que a chefe da minha mãe esse dia estava em casa e pagou a minha primeira mensalidade. Minha irmã trabalhava na Bradesco Seguros e conseguiu pra mim uma vaga lá, um emprego. Então, durante minha faculdade de quatro anos, durante os três primeiros anos eu trabalhei no Bradesco, vendia ticket. Não sobrava nada, mas estava pagando a minha faculdade, e no último ano eu falei: “Ah, mas eu quero ser jornalista, né? Eu joguei o curso técnico fora, mas eu não quero jogar a faculdade também pra ficar numa seguradora que não tem nada a ver comigo.” Então eu pedi demissão. Com a rescisão que eu recebi eu quitei o último ano de faculdade e comecei a procurar estágio na área. Meu primeiro estágio foi numa empresa dessas que recrutam gente pra ação de marketing, não lembro direito como chama. Me enfiaram no RH. E eu sou muito topetudo, quase saí na mão com a minha primeira chefe nessa área de comunicação, que era uma psicóloga. (risos). Eu acho que fiquei uma semana ou dez dias nesse lugar e depois fui pra um escritório de um francês que trabalhava com comércio exterior. Eu não entendia muito bem o que ele fazia, e continuei procurando emprego. Eu falei: “Não, eu quero realmente entrar na área de comunicação.”

Não lembro como, mas me chamaram pra uma entrevista de estágio no Diário Popular. E eu fui. Eles tinham o embrião de uma agência de notícias que nunca foi pra frente, eu trabalhava nessa agência. Fiquei acho que seis meses na agência do Diário Popular como estagiário, sabia que meu contrato ia acabar, que eles iam me mandar embora. Até que um belo dia estava passando na entrada do jornal, na roleta, e escuto um rapaz falar que ia pra uma entrevista de emprego no caderno de cultura. Aí eu pensei: “Ah não, tem que ser meu esse emprego.” Cheguei na minha sala, na minha mesa, e liguei pra editora de cultura que eu nem conhecia. Falei: “Oi, eu sou o fulano, trabalho aqui na agência.” Ela falou: “Ah, conheço a agência.” Aí eu disse: “Então, é que eu estou me formando, queria muito ser repórter e fiquei sabendo que tem uma vaga.” “Imprime seu currículo e traz aqui.” Eu imprimi e levei. Nem sei se ela entrevistou o outro rapaz, mas no outro dia ela me contratou! Eu fiquei no caderno de cultura do Diário Popular, que eu não lembro como chamava na época, comecei fazendo a grade de cinema, grade de TV, resumo de novela, recebia o horóscopo da astróloga e eu que editava no espaço do jornal. Depois comecei a fazer as matérias de cultura e aí fui pra revista de domingo do Diário, a falecida revista Já!, que era uma revista mais de comportamento. Acho que na Já! fiquei um ano e meio, dois anos, dois anos e meio... Não lembro de cabeça! Eu sei que no Diário Popular, que depois virou Diário de São Paulo, eu fiquei cinco anos.

P/1 – Aí você estava na faculdade ainda?

R – Não, já tinha me formado.

P/1 – E nesse período de faculdade, como era lá dentro seu relacionamento, e os professores, sua vida estudantil?

R - Eu acho que eu me soltei mais na faculdade. Tanto na época de colégio, ginásio, primário ou colegial, eu era muito tímido na sala de aula, CDF, só tirava nota boa e tudo. Na faculdade é outra coisa, né? Eu lembro que meu primeiro porre foi no primeiro dia de aula da faculdade! (risos) Foi todo mundo beber num bar na esquina da Francisco Morato que só ia caminhoneiro, mas todo mundo da FIAM ia lá. Aí eu enchi a cara, a gente foi fazer pedágio na Praça Panamericana, eu ainda bêbado pensando: “Meu deus, como eu vou chegar em casa bêbado, sem cabelo?” Na época eu tinha cabelo ainda, e a cara toda rabiscada... Foi engraçado, porque todo mundo sabia que era meu primeiro dia de faculdade, e eu morrendo de medo de chegar todo bêbado e sujo em casa, todo mundo deu risada. Não sei se isso foi um rito de passagem, sei lá, acho eu quebrou um pouco essa minha timidez. Nessa época de faculdade eu era bem despachado, bem comunicativo.

P/1 – Você disse que era bem topetudo. Em quais momentos você mostrou essa agressividade, quando você disse que era mais bravo?

R – Por exemplo, quando eu queria sair do Bradesco. Eu queria ir pra área de comunicação, pedi pra ser mandado embora, não me mandaram. Aí eu relaxei no trabalho. Fazia emissão de apólice de seguro de carro, tinha gente que batia o carro, aí ia ver o carro e eu não tinha emitido a apólice, aí ficavam loucos comigo. Eu desgostei do trabalho e queria que me mandassem embora e não me mandavam. Aquela coisa: patrão quer uma coisa e o funcionário quer outra. Eu contando isso, o pessoal do meu trabalho foi vendo. (risos) Aí minha superintendente pegou birra de mim e resolveu me punir. Pegou meu cartão de ponto e, como eu não estava mais batendo ponto, e ninguém batia, queria me aplicar uma suspensão. Aí eu falei: “Ah, mas pera aí, não vai ser assim, ninguém bate ponto, por que você vai pegar só o meu?” Aí peguei o cartão de pontos da sucursal inteira, tirei xerox, mandei pro RH e falei: “Olha, está acontecendo isso, isso e isso. A superintendente quer me punir porque eu pedi demissão, não estou mais me dedicando ao trabalho, mas não acho correto ela me punir por um erro que ela mesma comete.” E mandei a carta pra chefe de RH da Bradesco Seguros aqui de São Paulo. Não deu meia hora e me ligaram,

falando que eu estava demitido. Deixa eu ver outra coisa que eu fui bem topetudo. Eu sinto que às vezes eu falo as coisas sem pensar e acabo soando muito arrogante pra quem está perto ou pra quem recebe minha patada. Uma vez, voltando do Rio, a gente foi passar um réveillon no Rio de Janeiro e a paramos em um restaurante de beira de estrada. E sabe aquela coisa, tem muita fila num caixa, eu fui pra uma fila e a minha irmã pra outra. A fila da minha irmã andou mais rápido, ela andou reto e eu entrei no lugar dela pra pagar. A mulher de trás viu e ficou uma fera! Que eu era um mal educado, que eu estava furando fila, que onde já se viu isso, que absurdo. E eu falei que não, que minha irmã estava guardando lugar e eu entrei no lugar dela. “Não, você está furando fila!” “Não, não estou.” E começou aquela coisa, eu falando uma coisa e ela falando outra. Aí ela falou: “Não, então tá bom, dessa vez passa.” E eu falei: “É, passa mesmo, você nunca mais vai ver minha cara!” (risos) E a caixa começou a rir, a mulher ficou desconcertada. São coisas que às vezes eu falo sem pensar e quando eu penso hoje, me divirto, mas na hora eu morro de vergonha da merda que eu falei, e sei lá, de repente machuquei alguém.

P/1 – Depois que você vai fazendo esse trabalho todo no Diário Popular, né?

R – Diário Popular, que depois virou Diário de São Paulo.

P/1 – Aí você foi fazer a área de cultura, depois você ficou um tempo nisso. E aí, gostou desse trabalho? Como é que é esse movimento todo na sua vida?

R – Sim, eu gostava bastante! Não sei, foi aí que eu comecei a crescer como pessoa, como profissional, gostava muito de sugerir pauta, sair um pouco daquela coisa de Caderno de Cultura, de fazer só agenda. Acho que foi até por conta disso que me tiraram do Caderno de Cultura e me levaram pra revista de comportamento, eu bolava bastante pauta da minha cabeça, que se encaixa mais em revista do que em caderno. E eu fui pra revista.

P/2 – Tem alguma pauta que você lembra que fez e gostou muito?

R - Tem! Na revista tem várias marcantes. Teve uma época que o diretor de redação do Diário, que na época era o Paulo Moreira Leite, queria que a gente fizesse uma revista com uma cara mais feminina, mas sem ser uma revista feminina que fale de beleza, de maquiagem, mas uma revista com pautas mais voltadas pra mulher. E eu acho que nesse ano, pelo menos dentro do Diário, foi o ano que eu mais me destaquei. Eu emplacava bastante matéria de capa, resolvi fazer uma matéria nas aldeias indígenas que têm aqui dentro de São Paulo, das índias, porque eu descobri que tem uma aldeia que fica no Pico do Jaraguá que a Pajé é uma mulher, então eu fui visitar essas aldeias. Fiz uma matéria no Dia das Mães, com as mães que têm filhos na FEBEM [Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor], que foi a primeira vez que eu chorei entrevistando gente. Pelo depoimento delas, que é uma coisa muito sofrida. Eu lembro que fiz uma retrospectiva, acho que em 2003, falando só o que as mulheres aprontaram em 2003. Então eu acho que me destaquei bastante, mais na Já! do que no Caderno de Cultura. Uma coisa que eu gostava bastante na minha época de repórter, posso estar errado, não sou mais repórter pra falar isso também, mas eu sempre pensava nas minhas pautas já pensando nas fotos. Então eu gostava de trabalhar bem alinhado com os fotógrafos do jornal, de ir pra rua com eles, de não fazer pauta separada, de ir o repórter e depois do fotógrafo. Eu curtia bastante isso. E hoje, como assessor, é curioso quando eu encontro os fotógrafos. Hoje eu sou assessor de imprensa e ainda encontro eles em pauta. Dessa época eu tenho saudade, de ir pra rua, fazer uma parceria...

P/2 – De qual parte você tem saudade?

R – Dessa parte conhecer gente na rua e aquilo virar um texto, de estar trabalhando com fotógrafo e os dois estarem pensando mais ou menos a mesma coisa sobre o mesmo assunto. Isso eu curtia bastante.

P/1 – E aquilo de gostar de desenho, que você pensou que era o teu, hoje você não pensa?

R – Hoje está meio adormecido. Sei lá, ainda tenho interesse, adoro revista de Arquitetura, livro de Arquitetura, sempre que tem alguma coisa do Niemeyer eu vou, numa cidade do Niemeyer, eu adoro visitar, mas hoje eu sou muito satisfeito profissionalmente. Quero mais, claro, mas desde que me formei fiz bastante coisa bacana que me satisfez. (risos) Falei certo? Então, talvez, aquele sonho de criança de desenhar, de desenhar casa, não sei... O Jornalismo preencheu bastante esse espaço. Hoje eu tenho vontade de fazer um curso de História da Arquitetura. Não achei ainda onde tem, mas tenho vontade de fazer mais como hobby. Não sei se como profissão eu encararia.

P/3 – Voltando uma página, na época que você era repórter da parte de cultura: e aquele momento em que você era mais jovem e se reunia com quatro ou cinco amigos pra ir ao cinema?

R – Acabou!

P/3 – Mas isso te ajudou ou te completou?

R – Sim, contribuiu bastante, eu acho, esse gosto pelo cinema. Eu gosto muito de TV, escrevi pro Caderno de TV porque o Caderno de Cultura era da mesma equipe. Eu aproveitei bastante quando era repórter, isso foi bem bacana. Outro dia estava comentando outra coisa, eu gostava muito de música quando criança. Você viu que eu vou e volto né? (risos) Na época de infância tinha uma coleção da Editora Abril que chamava “Taba”, eram uns disquinhos de música com a historinha pra criançada ler e o disquinho tinha trilha sonora. E a trilha sonora era de gente da MPB, Elis Regina, Gilberto Gil, Ivan Lins, Caetano Veloso... Coisa que hoje em dia não tem mais pra criançada, né? Então eu tinha alguns livrinhos dessa coleção e eu acho que eu usei bastante. Meu gosto pela música, cinema, TV, eu usei bastante na minha época de repórter.

P/1 – Na sua casa vocês ouviam música? Sua mãe e seu pai gostavam? Vocês tinham bastante essa convivência?

R – Tinha! Meu pai, até hoje! Eu moro com meus pais ainda, geração canguru. (risos) Fui pra Belo Horizonte neste feriado de doze de outubro e, quando voltei, meu pai estava sozinho em casa. Voltei com a minha mãe, ele estava com o som na maior altura ouvindo samba! Hoje eu gosto, mas eu lembro da minha época de criança, que meu pai sempre gostou de Jovelina Pérola Negra, Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus, Zeca Pagodinho, e eu odiava aquilo na época! Ia nos churrascos na casa da minha tia, irmã do meu pai, tia Dalila, e era churrasco regado a samba. Acho que criança nessa época não curte muito né? E agora, que eu gosto, não tem! Acabou isso daí. Minha mãe tinha uma coleção de discos dos anos 1960, 1970, que parte ela jogou fora, parte a gente conseguiu segurar dentro de casa. Tinha disco da Jovem Guarda, umas trilhas sonoras de filmes dos anos 1960, 1970, e a gente escutava isso bastante, eu e minha irmã, então sempre a gente teve esse gosto musical em casa.

P/1 – E ela cantava? Tinha essa coisa de cantar?

R – Na verdade, na família da minha mãe, acho que ela já foi de coral de igreja, tenho uma tia que até hoje participa disso, a tia Irene. Elas sempre gostaram de cantar, e eu hoje aprecio isso.

P/1 – Eles tinham religião? Eram envolvidos com alguma religião?

R – A família da minha mãe é Católica fervorosíssima! Como boa mineira, né? Como quase todo mineiro. E isso era muito forte, sempre foi muito forte entre eles. E eu não vou mais, minha mãe ainda frequenta missa todo domingo, minhas tias também frequentam, isso é bem forte neles. Teve uma época que eu gostava de ir pra igreja, que eu cheguei a participar de encontros de jovens, nessa época eu adorava, né? Cheguei a dar aula de catecismo com a minha irmã três anos. Hoje eu não me vejo dando aula de catecismo.

P/1 – Hoje você não tem nenhuma religião?

R – Não, hoje eu ainda tenho a base católica. Eu, quando estou injuriado, ainda rezo Pai Nosso, Ave Maria... Não conta pra ninguém, mas eu rezo! (risos) Ando com um escapulário que a minha mãe me deu quando eu fui morar na Argentina em 2006, e até hoje eu uso.

P/1 – Hoje em dia como é para você todo esse movimento da sua vida, sua religião e sua filosofia, seu momento de vida, todo esse encontro com seu lado profissional?

R– Da religião, a minha base ainda é Católica. Não vou mais em missa mas, às vezes, se sentir vontade, eu vou, não tenho problema nenhum quanto a isso. Nas férias eu fui pra Portugal, agora em 2012, e minha mãe sempre foi devota de Fátima. Minha mãe não estava comigo mas eu pensei: “Não, gente, tenho que ir pra Fátima! Ela levava a gente na Igreja de Fátima, aqui no Sumaré, quando a gente era criança, eu quero ir.” Sei lá, foi como uma homenagem pra ela, mesmo ela não estando junto. E foi muito curioso porque, sei lá. Hoje eu tenho minha opinião formada, eu não concordo com tudo da Igreja Católica, mas em Fátima foi uma experiência tão agradável, que eu me emocionei de estar naquele lugar porque eu estava lá representando minha mãe. Então eu ainda tenho lá guardado como canto. (risos).

P/1 – Você fez alguma viagem com ela?

R – Não, pro exterior, não. Mas vou ainda bastante, agora menos porque eu trabalho, então não coincidem minhas férias com quando ela quer ir, mas vamos pra Minas, pra casa de alguns parentes no Sul, ou às vezes aqui pro litoral. A gente viaja ainda junto, sim.

P/1 – Você e sua irmã?

R – Não, eu e minha mãe! Ou minha irmã também, com a minha sobrinha e meu pai também.

P/2 – Voltando agora pra trás, às histórias de amor. Você lembra do seu primeiro amor, da sua primeira relação de namoro?

R – Foi tardio meu primeiro amor. Foi um amor platônico! (risos) Eu sou gay e hoje é muito mais fácil ser gay do que antes, né? Nos anos 1980, 1970, era uma pressão danada, né? Tive um namorico aqui, outro ali, e em 2004 foi a primeira vez que eu saí do Brasil, fui pra Buenos Aires. Me enfiei na internet, que já tinha naquela época, vi um argentino interessante e mandei uma mensagem: “Oi, estou indo pra Argentina de férias e queria fazer amigos aí, tudo bem?” “Ah, tá, tudo bem.” E aí a gente ficou, sei lá, dois meses conversando pela internet, já estava com viagem marcada pra lá. A primeira vez que eu fui pra lá, fui de São Paulo pra Porto Alegre e de Porto Alegre pra Buenos Aires de ônibus! Eu marquei dessa pessoa ir me buscar na rodoviária de Buenos Aires. Era outro país, eu não falava espanhol, quando eu cheguei lá tinha uma neblina, não se via um palmo na sua frente e eu pensei: “Gente, que que eu estou fazendo aqui? Que merda que eu fiz?” Quando ele chegou, era engraçado, porque parecia que a gente se conhecia. E hoje ele é um dos meus melhores amigos. Ele tá lá e eu estou aqui, não tenho a menor vontade de voltar pra Argentina...

P/1 – Você tinha que idade essa época?

R – Em 2004?

P/1 - E como foi essa escolha por Buenos Aires?

R – Eu queria conhecer outro país, acho que foi quando começou a modinha de brasileiro ir pra Buenos Aires. Hoje não quer mais ir! (risos) Em 2004? Eu devia ter 25 ou 26 anos, não me lembro de cabeça, tenho que fazer as contas. E aí conheci lá, voltei apaixonado pela cidade, apaixonado por ele, só que aí, aquela coisa... Eu aqui e ele lá, ele tem o relacionamento dele lá e tudo, aproveitei durante um tempo, morei em Buenos Aires, lá não aconteceu nada, a gente ficou até mais próximo como amigo.

P/1 – E como foi sua ida pra morar em Buenos Aires?

R – Como foi minha ida? Eu queria estudar fora. E aí eu pensava, já estava em redação e não queria ir pra fora pra lavar prato, que é o que brasileiro ainda fazia. Em 2006 eu fui. Entre 2005 e 2006 brasileiro ainda ia bastante pro exterior e eu pensei: “Ai, não, não quero viver de subemprego.” Aí eu descobri um curso. Como eu estava indo frequentemente pra Argentina e tinha esse meu amigo argentino, descobri que lá eles tem no Clarín e no La Nación, que são os principais jornais de Buenos Aires, um curso de especialização, eles chamam de Master em jornalismo. Eu prestei o do La Nación, passei e fui. Pedi demissão do Diário e fui com a cara e com a coragem, fiquei um ano em Buenos Aires. Acho que, das coisas que eu planejei nesse um ano que eu ia ficar lá, nem 40% saiu como eu queria, larguei o curso pela metade e depois fiquei seis meses trabalhando de bico lá, só com bico.

P/1 – Como eram esses trabalhos, o que você fazia?

R – Depois que eu saí do curso, eu tinha o dinheiro que recebi de indenização do jornal e o curso estava muito pesado. Eu pedi desconto, os argentinos disseram que não iam dar desconto pros brasileiros, que a nossa economia estava melhor do que a deles. Aí meu topete já subiu e eu falei: “É um absurdo isso aí! Como uma espanhola tem, que hoje é minha amiga, e eu não tenho?” E eu não estava contente com o curso, que é um curso que eles chamam de Master em Jornalismo, mas que na verdade pra quem já é jornalista. Eles ensinam o beabá do jornalismo. Pra mim, o que valia era estar em contato com uma redação internacional, falando outra língua e escrevendo em outra língua.

P/1 – Você falava já o espanhol?

R - Falava, falava. Mas lá, é claro, eu melhorei.

P/1 – Você já tinha estudado aqui?

R – Fiz em 2005, acho que seis meses com um professor particular, e como já estava indo bastante pra Argentina, fui soltando o Espanhol. Tanto que só pode entrar neste curso quem é fluente na língua. Praticamente, de 2004 até o começo de 2006, eu já estava fluente no espanhol. Então eu larguei o curso, fui pra lá em março, abril de 2006, acho que no fim de agosto eu larguei. Aí eu não queria voltar pro Brasil porque eu estava gostando de morar sozinho em Buenos Aires. A cidade tem lá seus problemas mas é muito bonita, muito agradável e então comecei a procurar emprego, mas desde 2001 eles estão quebrados, né? Não é a mesma coisa que o Brasil a economia deles. Então eu comecei a procurar emprego e descobri que tem um monte de empresa de telemarketing que você liga aqui do Brasil e eles atendem lá na Argentina em português! (risos) E eles estavam recrutando bastante os brasileiros, aí eu fui. Fui assim: “Ah, eu vou, depois eu faço uns freelas da Argentina pro Brasil e tudo.” Mas aí uma empresa de telemarketing me chamou e no primeiro dia eu fui arrasado. Porque, assim, eu odeio telemarketing! E quando eu vi eu pensei: “Gente, o que eu estou fazendo com a minha profissão?” Porque, querendo ou não eu, já tinha cinco anos de jornalismo, e aí ia virar operador de telemarketing? Porque tudo bem se eu tivesse passando fome, mas eu não estava, né? Fui totalmente emburrado, e durante o treinamento eu descobri que eu estava com Hepatite A. Fiquei de cama, não podia sair de casa porque passa pros outros e tudo, mas bendita hora que eu tive essa Hepatite, porque assim eu não virei operador de telemarketing! Soa arrogante falar isso, mas... Ainda me demitiram por telefone, e eu doente. Não sei, mas no Brasil, pelas leis trabalhistas, nem pode, né? Alguém recém contratado ficar doente e ser mandado embora por telefone. Fiquei arrasado, mas depois consegui um emprego. Tem bastante canal a cabo, Fox, Disney Channel, que na América Latina têm a sede em Buenos Aires. Aí eu consegui um bico numa produtora que trabalhava com esses canais pra fazer legenda de filme pra TV a cabo. E fiquei acho que uns cinco meses fazendo isso. Gostava... É engraçado, né, eu sempre estou envolvido com filme, diversão, essas coisas. Só que aí a grana não estava batendo. Eu comecei a pedir dinheiro da Argentina pro meu pai aqui, porque tinha que pagar apartamento, fazer compras de mês, pagar conta, e eu sabia assim, lá no fundo, que eu tinha que voltar pro Brasil, que eu tinha minha profissão aqui, que o mercado de trabalho é muito melhor. Só que eu falava: “Não, eu vou conseguir uma coisa boa aqui.”

P/1 – E nesse momento você estava ainda com esse envolvimento, estava ainda apaixonado por essa pessoa?

R – Não, não. Por ele, não. Eu acho que depois que eu fiquei mais próximo dele, de estar na mesma cidade e vendo praticamente todos os dias, acho que abaixou o fogo e virou amigo.

P/1 – A razão de você ficar em Buenos Aires era profissional ou por que você tinha um amor e estava envolvido?

R – Foi tudo junto!

P/1 – Conta um pouco desse momento amoroso. Por que foi seu momento amoroso mais importante, né?

R – Eu creio que sim. Porque fui com uma expectativa. Sei lá. “De repente a gente acaba junto.” Mas quando eu cheguei lá ele tinha o parceiro dele e tudo. É uma coisa meio louca porque o parceiro dele sempre soube de mim, parece novela!

P/1 – Você se dividia com o...?

R – Me dividia, mas a gente nunca teve um compromisso, então ele falou: “Eu tenho a minha relação, mas eu gosto muito de você, e bibibi.” Aquele lero-lero de amante! (risos) Mas, não sei, como eu fui morar em outro país e era uma cidade que eu ia sempre como turista, eu comecei a conhecer outras pessoas. Então a paixão ficou de lado e foi crescendo outro tipo de sentimento, mais de amizade, não sei. De repente eu considero ele até como um irmão mais velho que eu nunca tive. Homem, né? Porque eu tenho uma irmã mais velha. Valeu na época, mas hoje eu não sinto mais nada. Conheci outras pessoas, tive outros namoros lá.

P/1 – Teve algum que é bem importante pra você?

R – Eu sou meio relaxado com relação amorosa, eu sinto que tenho que ficar com alguém se eu realmente gostar. Ficar por ficar, eu não fico, prefiro ficar sozinho. Então é engraçado aos 35 anos eu falar: “Ai, não tive uma grande relação.” Mas é uma coisa que não me aflige! De repente pode acontecer hoje, eu sair daqui, cruzar com alguém e mudar minha vida. Não é uma cobrança que eu tenho. Vou aproveitando, tenho os momentos, conheço um aqui, tenho um ali, aproveito um tempo. Não deu certo... Eu não tenho essa cobrança de ficar com alguém só pra falar que eu tenho alguém ou que eu não consigo ficar sozinho, eu me viro bastante.

P/1 – O que você sentiu de diferença desse jornalismo brasileiro? Quer dizer, desse ambiente jornalístico cultural? O que você sentiu que aqui no Brasil era mais interessante pra você?

R – Eu acho que o jornalismo aqui no Brasil, a gente está um pouco mais a frente que o Argentino, a gente é mais crítico. É que lá a situação é diferente, principalmente agora com a Cristina Kirchner e tudo, eles são perseguidos. Aqui a gente vê mais denúncia. Lá eles ainda têm muito rabo preso com o governo. A direção do La Nación é da Opus Dei, uma coisa que a gente aqui no Brasil não visualiza, a igreja tão envolvida assim com a imprensa. E era engraçado. Como eu era repórter de comportamento, eu fui fazer esse curso na Argentina e eles ainda faziam umas pautas que aqui a gente já tinha passado por isso há uns dois, três, quatro anos e lá eles estavam começando! Eu não sei, o nosso país é maior e talvez a nossa imprensa, nossa televisão, seja muito mais influente do que a deles, então nisso acho que a gente está um pouco mais adiantado. E, culturalmente, quem gosta muito de Buenos Aires pode me crucificar, mas pra quem gosta de sair pra uma exposição ou ir para um show diferente, ou ver outro tipo de manifestação cultural... Eu acho que o Brasil dá de dez a zero na Argentina! Voltei mais nacionalista. (risos) Acho que Rio, São Paulo, mesmo Belo Horizonte, a gente tem uma efervescência cultural muito maior do que em Buenos Aires.

P/1 – Esse é um dos motivos que te trazem de volta pro Brasil?

R – Sim, também. O mercado de trabalho me trouxe também, é muito mais fácil conseguir um bom emprego aqui do que lá, com um salário muito melhor. E eu não sei, eu gosto muito de São Paulo. Tem gente que sempre fala mal, mas não sei, acho que depois que eu morei fora voltei gostando ainda mais da cidade. Sei que é o caos, o trânsito daqui é estressante, mas eu curto bastante a cidade. Sempre aproveitei bastante São Paulo.

P/1 – Aí, quando você voltou, foi trabalhar aonde?

R – Então, em março de 2007 eu estava totalmente sem grana em Buenos Aires, uma amiga que estava no Diário de São Paulo me ligou falando que na Secretária de Estado da Saúde aqui em São Paulo estavam procurando assessor, e o chefe da assessoria era meu amigo de faculdade. Ele já queria me levar para lá em outras oportunidades e eu sempre dizendo: “Não, não quero ser assessor de imprensa, quero ser repórter.” E ela me liga perguntando. Me liga, não, me manda um e-mail perguntando se eu poderia indicá-la pra essa vaga, e eu disse: “Sim, posso, é meu amigo de faculdade, era meu amigo mais próximo de faculdade, eu indico.” E eu indiquei, mas aí me deu cinco minutos e eu pensei: “Gente, eu estou tão ferrado aqui na Argentina, ele já me chamou pra trabalhar outras três, quatro vezes... Não sei, vou tentar, de repente acontece alguma coisa.” Mandei um e-mail sem pretensão nenhuma falando que eu estava lá, trabalhando de bico, sem grana, e se ele aceitava eu me oferecer para aquela vaga, mesmo eu tendo indicado a minha amiga. Mandei. Duas horas depois ele me mandou um e-mail dizendo: “Ah, pode vir.” Eu pensei: “Não acredito!” Fiquei feliz, aí consegui um emprego! E era pra ganhar bem, era pra ganhar o dobro do que eu ganhava quando saí do Brasil. Fiquei muito feliz, mas depois me deu uma crise de choro, porque eu fui pra Argentina com um plano e estava voltando pro Brasil antes do que eu pretendia. Aí comecei a pensar: “Que bosta, planejei um monte de coisas e nada deu certo.” Fiquei arrasado e voltei. Voltei pra assessoria. Quando eu entrei pra assessoria de imprensa, no meio daquela guerra entre assessor de imprensa e jornalista de redação, eu pensava: “Não, eu sou jornalista de redação, eu não posso ficar em assessoria.” Mas aí fui baixando a guarda, fui fazendo coisas em assessoria de imprensa que eu não fazia em redação, fui aprendendo com aquilo. Acho que profissionalmente eu abri meu leque de possibilidades indo pra essa área. Gostei tanto que hoje eu me vejo seguindo essa área de assessoria e, por mais que eu goste de escrever, goste de fazer entrevista, goste de tirar foto e tudo isso, eu não sei se voltaria pra redação. Foi me realizando isso e hoje eu estou bem contente nessa área.

P/2 – Aí você ficou um tempo nesse lugar e depois mudou?

R – Eu fiquei três anos na Secretaria de Estado da Saúde. Lá eu comecei como assessor e eles tinham uma revista interna da secretaria, que um colega saiu e eu pedi pra fazer essa revista. Então eu estava dentro de uma assessoria, mas escrevendo, editando uma revista. Eu acho que fiquei dois anos e meio fazendo essa revista. Aí eu saí da Secretaria de 2009 pra 2010 e fui pra outra secretaria, a Secretaria dos Transportes, pela atual empresa que eu estou. E fui gostando dessa área. Às vezes, trabalhando como assessor, você tem acesso a algumas informações, você acaba trabalhando com informações de uma maneira que, de repente, nem o próprio jornalista teria acesso.

P/1 – Você teve algum desafio que você achou importante nesses últimos anos da assessoria, nesse trabalho?

R – Ah, tive! A própria revista. Eu era repórter, eu não tinha experiência de editar, de corrigir texto dos outros. A gente fez uma revista da Lei Antifumo, que eu ajudei a divulgar e também fiz a revista que foi bem elogiada na Secretaria pelo próprio Palácio do Governo. Deixa eu ver outra experiência. Agora, mais recente, não estou lembrando! (risos)

P/1 – Tudo bem. E aí você fica nesse trabalho até agora?

R – Sim, desde 2010 eu trabalho na mesma empresa. Tenho ciclos, comecei com clientes, já atendi rodeio, voltei pra cultura...

P/1 – Ah, você está na área de cultura?

R – Sim! É assessoria de imprensa, a parte de comunicação corporativa, mas...

P/1 – Seu foco é a cultura?

R – Sim, eu não sei! De repente, meus chefes, por saberem que eu vim dessa parte de cultura, procuram sempre me direcionar mais pra essa área.
Fui assessor do Playcenter. Nunca imaginava, quando eu ia na montanha encantada lá em 1980, e não sei quando que eu ia virar assessor do Playcenter.

P/1 – Mas você voltou no Playcenter como assessor?

R – Voltei. Eu fiquei anos sem pisar no Playcenter! Acho que todo mundo que é de São Paulo sempre foi no Playcenter, né? E eu fiquei anos sem pisar e aí virei assessor de imprensa. Era uma delicia, eu adorava! Porque você estava dentro de um parque de diversões, vendo gente rir... Tinha as noites do terror, que era a coisa mais trash do mundo, mas era muito divertido! Sei lá, montanha russa... Eu lembro uma vez que eu saí do escritório, tinha levado uma bronca, sai torto de lá com a bronca que eu levei e fui acompanhar a gravação de um programa de TV no parque, na montanha russa. Mas eu estava tenso, bravo e falei: “Ai, vou dar uma volta na montanha russa!”

P/1 – E você foi?

R – Fui! No primeiro grito passou a raiva da bronca que eu levei! (risos) E eu me divertia! Era trabalho, você tinha que ser profissional, claro, mas era num parque de diversões, era uma coisa muito prazerosa! Era bem prazeroso mesmo! E quando eu fiquei sabendo do fechamento, eu fiquei pensando: “Gente... Eu que vou escrever o release que o Playcenter vai fechar!” (risos) É uma coisa, pro paulistano, quem veio desde a abertura do Playcenter... Todo paulistano tinha uma relação afetiva com esse parque, né? Ia com a escola, ou ia com a família, quando os primos do interior vinham pra cá e iam passear no Playcenter. E aí, de repente, fechou!

P/1 – E você que teve que fazer essa comunicação?

R – Foi!

P/1 – E como é que foi?

R – Ah, trabalhei muito! Praticamente todos os veículos de comunicação de rádio, TV e internet foram pro Playcenter nos últimos dias e pediram entrevista, e tudo. O último dia... Foi triste de ver aquele bando de funcionários no último dia no parque, e o frequentador, e até eu mesmo. Porque eu ia todo ano com o pessoal da escola no parque. Foi triste, foi triste, mas acho que hoje, profissionalmente, você acaba balanceando essas coisas.

P/1 – Esses últimos anos, então, você se dedicou completamente à assessoria, nada mais, ou teve alguma outra coisa que você desenvolveu?

R – Não, desde 2007 eu trabalho com assessoria de imprensa.

P/1 – E tem mais alguma coisa que você gostaria de fazer nesse momento? Um projeto, um sonho?

R – Ai, eu não sei! Eu sinto que eu preciso fazer pós-graduação, que eu não fiz até agora!

P/1 – Precisa?

R – Preciso! Eu vejo a geração mais nova que trabalha comigo, que eu sou responsável por eles, eles têm pós-graduação e eu não tenho, aí eu fico pensando: “Gente, daqui a pouco eles estão passando por cima de mim!” Então eu tenho essa cobrança, sei que preciso fazer.

P/1 – Aí você faria em qual área?

R – Eu acho que na área de comunicação! Aí, mais por prazer, eu curto essa parte de cultura, de arte... Faria, sei lá, história da arquitetura, faria um curso pra aprender mais sobre isso, de repente História da Arte. Meus projetos parecem poucos, mas por enquanto são esses.

P/2 – Você mudaria alguma coisa na sua trajetória de vida?

R – Não!

P/1 – Tem algo que você deixou de fazer que você gostaria de ter feito?

R – Que eu deixei de fazer?

P/1 – É, ou que você gostaria de fazer e acabou não fazendo.

R – Deixa eu ver se eu lembro. (pausa)

P/1 - Alguma coisa que você, lá no fundo, gostaria de ter feito e não fez, ou que você ainda pensa em fazer.

R – Ah, agora de cabeça eu não lembro nada. Demorei um tempão, eu sempre quis ir pra Europa e só fui esse ano, depois de velho, entre aspas. Com 34 anos eu fui conhecer a Europa e quero ir de novo. Quero viajar mais, eu gosto muito de viagem, então tem lugares que eu gostaria de conhecer.

P/1 – Tem algum lugar que marcou muito você nessas viagens?

R – Ah, tem muitos! Na minha primeira viagem pra Buenos Aires, não só pelo fato de ter conhecido aquela pessoa, mas foi a primeira vez que eu saí do país, tive contato com outra cultura, com outro idioma. Foi uma coisa que me fez voltar muito empolgado! Tanto que agora eu fui pra Europa e foi diferente. Eu pensei que fosse voltar deslumbrado da Europa e não voltei. Gostei muito, quero voltar, mas eu não voltei com aquela coisa: “Ai, que lugar lindo!” É bonito e tudo, mas sei lá se eu estou mais maduro, que não me fascinou tanto assim. (risos) Fui uma vez de viagem que eu fiz e adorei, pro Sul da Argentina, pra El Calafate, que é onde tem as geleiras. De todos os que envolvem natureza, foi o que eu mais gostei de conhecer! Você faz passeio do lado de iceberg, caminha em geleira, faz trekking, foi fantástico, é uma região bem bacana! Pra Bariloche eu já fui duas vezes, mas não fui pra esquiar, fui pra fazer ecoturismo. Curti muito!

P/2 – Você gostou muito da Europa? Que você comentou de Portugal, né?

R – Eu sempre quis ir pra Espanha, fui primeiro pra Madri. Madri é uma cidade que não me cativou muito. Gostei, é bonita, mas Barcelona eu achei um escândalo! Barcelona parece um pouco o Rio de Janeiro, a cidade te pega, a beleza é gritante, gostei bastante. Aí eu ia pra Alemanha, ia pra Berlim, pra ficar na casa de um amigo, mas estava muito caro, não queria gastar tanto e fui pra Portugal sem pretensão nenhuma! Nem peguei guia, não li nada de Portugal. Fui pro Porto e pra Lisboa. O país me surpreendeu! Até nisso da entrevista, eu falei que não sabia direito a descendência da minha família, mas no Porto, quando eu cheguei, comecei a reparar algumas coisas e me emocionava muito. Os traços, as feições, até os cortes de cabelo me lembravam muito a família da minha mãe. Até o jeito das velhinhas portuguesas amarrarem o avental me lembravam minha avó. Aí eu cheguei no Porto, peguei o metrô de superfície, e nos quintais das casas da Cidade do Porto você vê que tem couve! Aí isso foi me lembrando minha avó, minha família, minha infância lá em Minas, que eu ia passar férias e tudo. Não sei, me senti em casa, gostei muito do país. Lisboa é linda, tem uma luz diferente, o Rio Tejo que não parece rio, parece mar... E o fato da arquitetura! A comida é muito parecida com a nossa. Eu gostei muito do país.

P/1 – E aí, como foi contar sua história hoje aqui?

R- É estranho.

P/1 – Tem algo que você queria de contar que você não contou?

R – Não... É um pouco incomodo pra mim. É curioso porque, pelo fato de já ter trabalhado como repórter, de ter formação em jornalismo, sou eu que sempre faço as perguntas, ninguém pergunta de mim! (risos) Mas é divertido, foi bom!

P/1 – Mas você gostou? Como foi contar pra você?

R – Foi bem prazeroso. Pensei que eu fosse ficar mais tenso porque tem uma câmera na minha frente, mas estou fingindo que não tem uma câmera na minha frente! (risos) E não sei, acho que eu me soltei. De repente, na hora, quando me chamaram pra fazer essa entrevista foi em julho, estava até no Playcenter quando me ligaram. E aí desde então: “Vou falar disso, vou falar daquilo.” E são coisas que você vai lembrando. Na verdade, de julho pra cá são três meses. E lembra, e aí quero falar, mas na hora não sei, me deixei levar e foi bem legal.

P/1 – Legal a gente também gostou, foi bem agradável. Obrigada!

R – Obrigado vocês!