P/1 – Paulo, você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Paulo Tiefenthaler, eu nasci na Suíça, na cidade de Chur.
P/1 – Quando?
R – Vinte e cinco de junho de 1968
P/1 – Seus pais são da Suíça também?
R – Meus pais não, quer dizer, meu pai ...Continuar leitura
P/1 – Paulo, você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Paulo Tiefenthaler, eu nasci na Suíça, na cidade de Chur.
P/1 – Quando?
R – Vinte e cinco de junho de 1968
P/1 – Seus pais são da Suíça também?
R – Meus pais não, quer dizer, meu pai sim. Meu pai nasceu na Suíça, mas ele já veio pro Brasil com 12, 13 anos. Minha mãe é de Teresópolis, fluminense.
P/1 – E seus avós?
R – Avós por parte de pai, a minha avó é paulista e o avô era alemão, suíço na verdade, e por parte de mãe minha avó é portuguesa e o meu avô é mineiro, brasileiro.
P/1 – E seu pai veio cedo pra cá por quê?
R – Meu pai veio cedo pra cá porque minha avó já morava aqui, ela é nascida em São Paulo, o pai era alemão, mas ela foi criada em Cuiabá. Quando ela tava mais ou menos com 17 anos ela foi pra Europa junto com as irmãs. Eram sete irmãos, dois homens e cinco meninas. Foram todos pra Europa e aí umas ficaram, uma foi pra França, outra pra Suíça, outra pra Alemanha e ela casou então na Suíça com esse Tiefenthaler, teve dois filhos.
P/1 – Conheceu ele nessa viagem?
R – Conheceu lá nessa viagem, com 17, 18 anos. Foi parar em Zurich, conheceu Tiefenthaler, o Emil Tiefenthaler, que é meu avô, aí casou com ele, teve dois filhos, o Ralph e o Peter, o Peter é mais novo que o meu pai e a situação na Europa tava um caos, por causa da Segunda Guerra Mundial. A Suíça não fazia parte da guerra, mas como tudo em volta tava em guerra, evidentemente que a Suíça mesmo não estando em guerra também havia aquela crise econômica e uma certa tensão lá. Então ela resolveu voltar pro Brasil e botou o marido e os dois moleques no navio e voltou pro Brasil e trouxe os meninos e o marido. Papai chegou aqui no Rio com mais ou menos 13 anos assim.
P/1 – Teresópolis?
R – Em Rio de Janeiro, Niterói. Abriu uma pensão em Niterói. E logo depois meu avô morreu, meu tio também morreu alguns anos depois, aí só sobrou ela e meu pai. Meu pai viveu dos 13 aos 61, quando ele morreu, brasileiro praticamente.
P/1 – Em Niterói?
R – Não, no Rio. Niterói foi só essa fase inicial.
P/1 – Ela abriu uma pensão?
R – Abriu uma pensão. E meu pai morava no Rio. Enfim, aí tem um vácuo nessa história que eu não sei. Papai morreu e não me contou essa história. Mas depois ela voltou, ela foi pra Campos do Jordão. Ela foi embora. Depois meu pai comprou uma casa em Teresópolis, que tem até hoje essa casa e levou minha avó pra Campos do Jordão e lá ela passou o resto da vida e por causa dessa casa que ele comprou em 58, que ele conheceu a minha mãe, que morava em Teresópolis. E aí então eles namoraram, sei lá, muitos anos até que ela engravidou de mim antes de casar. Depois eu nasci na Suíça, porque eles estavam viajando alguns meses, aquelas viagens longas, os dois, e eu acabei nascendo, pulei fora, na Suíça, mas eu cheguei no Rio com dez dias de vida. Eu sou de Copacabana. Eu sempre falo: “Eu sou de Copacabana”. Meu pai morava de solteiro já na Joaquim Nabuco, lá no Posto 6 e o apartamentinho que ele tinha ali era alugado. Eu morei ali até os três anos, depois a gente passou pra um outro, na mesma rua, mais em Copacabana e ali eu fui criado. Ali eu morei mais de 20 anos.
P/1 – E a família da sua mãe também imigrou pro Brasil?
R – A família da minha mãe é a minha avó, dona Maximiniana de Jesus Candido, ela nasceu em Portugal, no norte de Portugal, num vilarejo chamado Vilar, que hoje é um lugar de veraneio, chiquérrimo, no norte e tal, mas ela já foi é pobre, camponesa, e ela é de família gigantesca, então alguns irmãos vieram pro Brasil num navio, sem os pais. Os pais já ficaram lá, não sei qual foi a situação, mas botaram os menores num navio e “Vão pro Brasil!”, e ela chegou aqui no Rio com seis anos de idade. Tá viva, com 91 e nunca voltou pra Portugal. A gente tenta levar ela pra Portugal, ela morre de medo de morrer e nunca viajou de avião e não viaja. A gente fala assim: “Vovó, a gente dopa a senhora, aplica aquele Dormonid no táxi, no Flamengo, você vai acordar já em Cascais”. Eu já conheci mais de 70 primos de Portugal. Eu tive lá há quatro anos atrás, conheci alguns pela primeira vez, aí eu contei essa história pros sobrinhos da minha avó, eles já 50 anos esses primos assim mais velhos, eles dizendo: “Ah, faz todo sentido ela vir pra cá. Ela vem e morre aqui. Ela não nasceu aqui? Ela vem e morre”, aí eu contei pra ela, ela morreu de rir. Falei assim: “Vamos embora vovó, o avião é só um ônibus.” Agora ela teve um piripaque, ela tá super lúcida, talvez a gente consiga levar ano que vem ela pra lá. Vamos ver.
P/1 – E aí seu pai e sua mãe se conheceram...
R – Se conheceram em Teresópolis, meu pai namorou minha mãe uns dez anos.
P/1 – O que seu pai fazia?
R – Meu pai era representante comercial e corretor. Ele trabalhava com corretagem de fábricas, fábricas à venda, tipo assim. Meu pai morreu eu tinha 17 anos. Nos últimos dois anos ele tava bem doente já, então eu acompanhei, eu tive ele vivo pra mim até os meus 15 anos. Então a gente, eu ia muito com ele assim em fábricas antigas, ele vendia fábricas que estavam falidas, prédios inteiros. Esse era o trabalho principal dele. E ele trabalhava com representação também de empresas alemãs, suíças. Que às vezes eram negócios muito incertos que iam pra frente, às vezes não, entendeu? Mas era um negócio próprio assim, tinham fases maravilhosas, um bom dinheiro em casa, às vezes era uma fase mais dura porque depois... O negócio era ele. Então se ele não fechasse negócio, se ele não vendesse um terreno gigantesco em São Paulo, ficava dois anos pra fechar um negócio. Então lá em casa sempre vivia altos e baixos e ele sempre falava: “Você vai estudar, fazer doutorado e ser um doutor em uma empresa”,
Ele não me viu ser ator, não viu eu virar artista, mas é, foi uma fase divertida. A minha infância foi muito divertida.
P/1 – A sua mãe fazia o que?
R – A minha mãe é dona de casa, sempre foi dona de casa, mas sempre fez trabalhos manuais, que sempre gerou um dinheiro, que até hoje ela faz isso. tipo restauro de livros, pintura em cerâmica. Durante um bom tempo ela sustentou a casa com… parte da verba da casa era feita com restauro de livros antigos que ela recebia e ela ficava restaurando várias raridades assim, era bem interessante.
P/1 – E aí eles casaram e foram morar em Teresópolis?
R – Não, casaram e foram morar nesse apartamento do meu pai solteiro em Copacabana.
P/1 – Que foi onde você nasceu?
R – Onde eu nasci.
P/1 – Quer dizer, depois que você voltou da Suíça.
R – Onde eu nasci, onde eu morei até os três anos, depois a gente foi pra mesma rua – Rua Joaquim Nabuco, fomos lá pro lado de Copacabana, Posto 6, e fomos morar num prédio, no oitavo andar, que era alugado. Depois de um ano ele comprou o de baixo, sétimo, que é o apartamento da família, que é aonde a gente foi criado mesmo, foi nesse apartamento.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã um ano mais nova, que é casada, tem dois filhos.
P/1 – E como é que era esse apartamento aonde vocês foram criados?
R – Esse apartamento era um apartamento de um por andar, um apartamento de três quartos, um apartamento bom, médio pra grande. Tinha um salão enorme, o meu quarto era enorme, por exemplo, mas não era um apartamentão gigante não. Tinha um por andar e era um apartamento bem do tamanho bom pra família, perto da praia, duas quadras da praia, um apartamento cheio de vida um apartamento com muita felicidade, com muita coisa boa naquela casa ali. Aconteceu muita coisa fantástica. Eu tive uma infância muito divertida. Meu pai era muito engraçado, meio palhaço e ele era um cara que amava a família, então tudo o que ele trabalhava ele chegava em casa com presente. Então ele chegava com uma surpresa, ele falava assim: “Esse ano vamos...”, como é que é? Ele chegava em casa e dizia: “Comprei quatro passagens pra Argentina, vamos todo mundo pra Argentina,
daqui a uma semana!”, “Vamos viajar não sei pra onde”, ele era um cara animado, agitado. Então a casa era muito animada. Muita festa, muito jantar, e todo réveillon tinha sempre aquele jantar no apartamento, vinha todo mundo de branco, os amigos dele. Aí todo mundo jantava e descia pra praia pra ver os fogos lá na Atlântica, ficava a duas quadras da Atlântica era bem coladinho ali perto do hotel, do Sofitel, o antigo Rio Palace. Então eu fui criado ali,. Até hoje quando eu passo ali pelo Posto 6 eu sinto... No Posto 6 que ali é minha terra natal, sempre me dá uma emoção, que hoje eu moro no centro, moro em Santa Teresa e não vou mais pra lá, quer dizer, raramente eu vou lá no Posto 6. Então quando eu passo de carro ali, me dá uma emoção assim, sempre ali naquela rua, naquela esquina ali, perto da colônia dos pescadores, onde eu ia muito com ele de manhã cedo, antes do trabalho, antes do colégio, a gente acordava cinco e meia da manhã, seis da manhã, ia ali ver os pescadores chegando com aquela rede arrastão, que não existe mais só existe em Niterói hoje aqui no Rio, a pesca de arrastão. E eu cansei de puxar arrastão ali no Posto 6. Foi uma infância maravilhosa que eu tive ali.
P/1 – Como que era Copacabana naquele momento?
R – Eu cheguei a pegar Copacabana com uma pista só Atlântica antes da reforma antes de ter duas pistas era uma só, mas eu quase não lembro disso. Eu lembro do Restaurante Lucas que existe até hoje, meio alemão o restaurante da... Uma pista só, aqueles fusquinhas parados assim, muito pouco. Copacabana é um bairro que você ama ou você odeia porque Copacabana é um bairro, é um lugar que já foi o local pra você ter um respiro. Você vê a Copacabana antiga, quando só existia aquele grande areal ali e algumas casinhas, já tinha o Copacabana Palace. O primeiro prédio no meio daquele areal, que era um hotel onde as pessoas vinham pra tratar de problemas de respiração, porque era o lugar do ar puro, era Copacabana. Você tinha que subir o morro pra chegar lá, não tinha aquele túnel do Rio Sul era aquela estradinha que vai por cima ali. Então já era um evento o Rio de Janeiro. Era no centro, o Flamengo, ali que era o Rio de Janeiro. Então Copacabana perdeu, virou uma pequena Cubatão, um caos de som e de poluição que eu acho um absurdo. Acho que uma das tragédias urbanas ecológicas do Rio de Janeiro é essa bagunça que virou a questão dos ônibus. Então eu cresci com essa barulheira em Copacabana, esse caos, Copacabana.
P/1 – Como que era assim a dinâmica? Como eram suas brincadeiras de infância? Você brincava com a tua irmã?
R – Brincadeira?
P/1 – Você tinha amiguinhos?
R – Eu era bom no esporte. No colégio eu tava sempre ali na liderança, junto com outros dois, três. Na hora de montar futebol, campeonatinho de time de vôlei, tinha muito vôlei no colégio, tinha muito olimpíada colegial, então era uma coisa que eu... Aí minha adolescência, infância toda foi muito esportiva. Meu pai era sócio do Iate Clube na Urca, na época, eu também cheguei a velejar de optimist com 12, 13 anos, até uns 14 assim, eu corri regata de barco a vela. Depois abandonei, fui andar de moto, meu pai começou a ficar doente também, foi uma fase bastante difícil por ali porque era uma fase que você meio que… Primeira vez que eu fui num enterro de alguém foi no do meu pai, então uma relação com a morte muito louca porque eu vi meu pai morto no caixão, não me emocionava, não ficava triste, não sentia. Parecia que aquilo não tava acontecendo na verdade. Então foi essa fase aí dos 16, 17 anos. Ele morreu eu tinha 17
P/1 – Voltando um pouquinho, e a escola? Que escola você estudou?
R – Eu comecei estudar no Brasileiro de Almeida, hoje uma escola que não existe mais, que ficava ali na Francisco Otaviano. Uma casa que também não existe mais, foi colocada abaixo pra virar um prédio. Eu fiz ali eu maternal. Depois eu fui pro jardim de infância do Gimk, que na verdade era Chapeuzinho Vermelho, uma escola ali em Ipanema, que também era uma casinha antiga, que não existe mais também. E depois eu fui pra escola Suíço-Brasileira, em Santa Teresa, que é onde eu estudei toda a minha vida quase até o final. Aí no final já, meu pai queria que eu aprendesse alemão, então estudei alemão, eu fui alfabetizado em alemão e português. Eu tinha todas as matérias nas duas línguas, quer dizer, biologia, matemática, química, geometria, física, era tudo dado em português e alemão, mas cada um setorizando uma parte do estudo. Então por exemplo, história em alemão era a historia de toda parte da Europa, história em português era a história das Américas. Aí no final, como eu comecei a fazer muita bagunça no colégio, comecei a virar o grande bagunceiro do colégio, eu era o cara mais popular da minha escola, até que eu fui convidado a me retirar da escola. Isso pra mim foi uma honra.
P/1 – Da escola suíça?
R – Na escola suíça. Aí tinha uma parte, metade dos professores que gostavam muito de mim e fizeram um complô pra que eu ficasse. E aí eu pedi ao diretor da escola que me deixasse ficar na escola. Meu pai estava doente, faltava só dois anos, pra terminar o científico, faltava dois anos pro vestibular, aí ele deixou eu ficar. Em Janeiro ele mandou uma carta dizendo que eu podia ficar, mas que eu teria que assinar uma carta, que tinham leis próprias para mim. Eu falei: “OK! Eu vou obedecer essas leis pra mim eu não posso fazer isso e aquilo e assinei e ele e permitiu que eu voltasse pra escola, aí eu fui aceito na escola. Aí deu uma semana depois, eu saí. Eu só não queria ser expulso, que eu não aguentava mais olhar pra cara dele, não aguentava mais a escola. A escola não me dizia mais nada. Eu não queria saber da escola, eu queria ir embora pra vida, porque a escola já não dava mais. Do maternal até o primeiro científico, pra mim já tinham ali quase 12 anos de escola, pra mim naquela época já tava bom, eu queria focar em outra coisa. Mas tinha que terminar aqueles últimos dois anos e eu não suportava mais o cara e
eu fui lá, atuei
pra ele, ele me aceitou, quando ele disse sim, uma semana depois eu liguei e falei assim: “Mas agora eu vou embora, não vou ficar. Eu só não queria ser expulso”. E fui pro colégio São Paulo, colégio de freira, que tem ali no Arpoador, uma escola de frente pra praia, que era uma escola super séria. Mas ali já era uma escola porque na escola suíça era o dia inteiro a aula. Então eu já não aguentava mais. No Colégio Brasileiro era só até meio-dia, uma hora. Aí meu pai morreu, eu não terminei a escola, eu abandonei as provas no final do ano. Isso foi em 86, ano que meu pai morreu, eu abandonei a escola no final do ano. E fui morar em São Paulo.
P/1 – Vamos voltar só um pouquinho?
R – Mas eu terminei a escola.
P/1 – Você pode contar?
R – Sim, eu terminei a escola. Foi aos trancos e barrancos no final, eu fiz o contrato.
P/1 – No Colégio São Paulo?
R – No Colégio São Paulo eu terminei a escola. Depois eu fiz faculdade, eu sou formado em Jornalismo, tenho a faculdade de Filosofia incompleta, fiz Escola de Teatro e sou autodidata em Cinema.
P/1 – Voltando um pouquinho atrás. No primário, você tem lembrança de professoras do primário, do ginásio?
R – Professores? Ah, eu lembro do Diretor Geral do Brasileiro de Almeida, lá onde eu fiz o maternal. Era um senhor careca, magro! Parecia um apresentador de circo. Ele tinha um bigode, era magro, alto, careca, muito alinhado assim no seu jalecozinho e tal. Depois que eu saí dessa escola eu passei a cruzar com ele em Copacabana durante anos e anos. Eu assisti ele envelhecendo, esse senhor. Porque ele sempre passeava, sempre com uma bengala, sempre esbelto. Parecia um inglês. Eu o vi durante anos e anos, eu não falava com ele, mas eu via “Olha lá o dono do Brasileiro De Almeida”. Depois nunca mais o vi, não sei se ele morreu ou não. É uma figura que eu lembro muito porque é o mais antigo. Ah, tem vários professores que marcaram a minha vida. Tem o Alexandre, que era um senhor engraçadíssimo da escola suíça que ele jogava muito futebol com a gente depois do almoço, porque sempre tinha o almoço na escola, depois tinha uma hora e meia de descanso e essa hora e meia de descanso era futebol. Não todo mundo, então a gente ia pras aulas da tarde todos molhados de suor assim, mas molhados, muito molhados. Às vezes a gente tinha que levar uma roupa. Então tinha professor que odiava isso e odiava o Alexandre que era esse professor, porque ele dava força pra todo mundo jogar bola depois do almoço. Era um cara… a gente ficou amigo. Já tem um tempo que eu não falo com ele. Ele é doutor, veio morar no Brasil três, quatro anos, ai adotou um garotinho peruano, junto com a mulher suíça também, mas era uma figuraça. Até hoje eles são figuras assim apaixonantes e teve aqueles professores que odiavam como eu era muito bagunceiro, eu tinha professores que me odiavam assim com toda a força, porque eu era muito… eu não baixava a cabeça assim, sabe? Eu fazia questão de responder a professor, essas coisas. E por outro lado também era respeitado por conta disso porque era muito exagerado sempre a questão da disciplina. Numa escola suíça tinha uma coisa que eu falei assim: Pô, não vai dar pra aguentar isso!”, mas aguentei, fomos quase até o final. Tem coisas da escola que até hoje eu agradeço por ter tido, num sentido que ficou, que tatuou no seu corpo, tatuou na sua cabeça. Então tem disciplina, a questão da caligrafia. Tinha uma rigidez em certas coisas que até hoje eu tenho. Porque eu fui entender o caos nesse sentido de fazer bagunça. O que era fazer bagunça do colégio? Essa coisa, ser o zoneiro do colégio junto com outras duas, três pessoas. O que era isso na verdade? Isso já era vontade de fazer arte na verdade. Tá vontade de quebrar certas coisas, entendeu? Não dá pra ser aquela coisa o tempo todo. Aí depois que eu comecei a fazer arte, fazer teatro, tudo o mais, toda essa disciplina ela se voltou dentro do estudo em relação à arte. Então não virou mais aquele bagunceiro. Aquilo era uma inteligência anárquica de uma criança junto com outras pessoas que queriam simplesmente desconstruir aquela rigidez que às vezes a gente não entendia também, entendeu? Porque tinha um lado interessante, mas a gente não entendia. Depois com os anos você vai ficando adulto, você
isso aqui é daquele professor vai “Ó! Isso aqui é daquele professor que eu tenho até hoje, que eu aprendi naquele ano, de que valeu a pena.
P/1 – O que que você gostava na escola? Alguma matéria que gostava mais?
R – Eu era muito bom em redação e gostava muito de História e praticamente era isso, redação, História e ginástica . Ah, tive alguns momentos bons em Biologia, Matemática nunca me entendi, e lamento muito porque eu acho Matemática uma coisa fantástica. Hoje se eu pudesse voltar no tempo, acho que eu teria uma outra relação com a Matemática, no sentido dos cálculos. Eu acho que a Matemática ela dá muito um jeito de cima pra baixo. Eu sempre fui das Humanas, não das Exatas mas hoje eu acho a Matemática fantástica. Assim, depois que eu fui estudar Lógica e Filosofia, como a Matemática é importante. Mas daquela época quem é que iria abrir a cabeça daquele garoto pra dizer: “Olha, Matemática pode ser dado dessa maneira e é legal pra cacete, sabe, vale a pena. Fotografia também, eram cursos livres do colégio, eu já fazia laboratório preto e branco.
P/1 – No colégio suíço?
R – É. Eu com 12, 13 anos era rato de laboratório. Tinha um laboratório bem bacana na escola, pra foto revelar, ampliar foto preto e branco, e eu já fazia, depois passei a ter um em casa. porque eu quase segui a carreira de fotógrafo na verdade, porque lá em casa o
meu pai era um super oitista apaixonado. Eu tenho lá em casa quilômetros e quilômetros de filme 16, de super 8, que ele já fazia, já nos anos 50 e fotografava demais nessas Pentax, nessas câmeras antigas. Então lá em casa respirava fotografia e super 8. Eu quase segui a carreira de fotógrafo, eu cheguei a ir pra França, quase fiz a escola, mas na última hora o teatro veio a tona num sentido assim: “Não, você é um ator, cara! Você pode curtir fotografia”, eu quando fiz um documentário, dirigi um documentário que eu fiz a câmera, até hoje eu tenho. Eu tenho uma relação com câmera que nem bicicleta, eu pego uma câmera e faz parte do meu corpo, assim. Mas eu não segui profissionalmente como fotógrafo, porque eu tive que escolher, você não pode ser fotógrafo e trabalhar com teatro, não dá! Se fosse jornalismo e fotografia você conseguiria ser os dois, mas teatro e… não tem como e aí tive que… Passei um tempo tendo que escolher, porque, sabe, ser metido a fazer tudo, gosta de fazer tudo, quer fazer tudo: “Não , não vou largar a fotografia, mas eu quero fazer tudo, mas eu quero fazer teatro também”, aí falei assim: “Não!”, aí peguei todo o equipamento fotográfico que eu tinha, Nikon, tudo o que eu tinha comprado e vendi tudo, pra me ajudar a não fotografar, pra poder fazer só o teatro, pra poder ir pro teatro. Depois eu comprei de novo. Acho que na época eu desfiz pra poder respirar uma coisa só, entendeu?
P/1 – Voltando um pouquinho, como que era na sua casa? Quem exercia autoridade, seu pai ou sua mãe?
R – O meu pai, sem dúvida nenhuma. Minha mãe tinha aquela autoridade invisível, mas autoridade, a coluna vertebral lá de casa era o meu pai, sem a menor dúvida. Quando a morte dele veio, a família toda deu aquela balançada forte.
P/1 – Você teve algum tipo de formação religiosa?
R – Sim, por parte de mãe, sou muito católico. Não hoje, hoje eu não sou mais assim, não sou nada católico, mas fiz primeira comunhão, que tá filmado em Super 8 . Eu de branquinho, a Cruz Mariana no peito, descendo a escada ali da Igreja da Ressurreição no Posto 6, mas não tenho mais essa ligação com a religião católica, até porque se depois você vai estudar a Igreja, vai estudar o Cristianismo, o Catolicismo, aí vai abrindo a cabeça, aí fui desmontando toda essa fantasia. Mas sou uma pessoa de fé, muita fé, tenho muita fé. Porque fé é muita coisa tá acima da religião você ter uma fé, você acreditar. Eu acredito nos homens, eu acredito no sol, na natureza, eu acredito nisso numa força absurda, mas essa figura de Deus eu não acredito, eu acredito na nossa ignorância. Deus é um sinônimo do mistério, a gente não sabe nada, a gente não sabe de onde vem isso, a gente não sabe nada.
P/1 – Na sua adolescência como que você se divertia? Quais eram os programas?
R – Jogava bola.
P/1 – Na adolescência?
R – Gostava muito de jogar bola e ir ao cinema, e teve aquela fase de ir ao cinema, de ver duas, três sessões à tarde e aquela fase de tentar entrar em filmes de 18 anos. Essa foi uma das fases mais engraçadas que eu tive assim com os meus amigos, que é aquela que você tem 13, 14 anos e fica tentando convencer ou então botando uma roupa pra parecer mais velho pra entrar em filme de 18 anos. Isto também é um passatempo maravilhoso, mas geralmente era jogar bola.
P/1 – E baile, festa?
R – Rolava também.
P/2 – Namoros?
R – Namoros. Eu namorei muito quando criança. Na adolescência não namorei nada.
P/1 – Qual foi a sua primeira namorada, você lembra?
R – Lembro, da Andrea. Até hoje a gente se fala. Andrea Wickert. Ah, eu devia ter uns oito anos de idade. Namorado mesmo, a gente namorava. Eu ia na Mesbla comprar bichinho da Lionela com o papai pra ela . Sabe a Lionela? Aqueles bichinhos de pelúcia que existia e que não existe mais? Lionela era marca de bichinho de pelúcia que tinha, maravilhoso. Era caro.
P/1 – Era Mesbla e Lionela!
R – Mesbla, como eu sou antigo. Eu lembro do meu pai, eu pegando um cachorro desse tamanho, lindo, que vem com uma escova. Era caro pra cacete! . E meu pai: “Você gosta mesmo dela, meu filho?”, “Gosto papai, gosto”. Eu cheguei no colégio com aquele cachorro e se bobear a Andrea tem até hoje esse cachorro. É, Andrea querida. Depois a gente teve, já com vinte anos, a gente teve… passou a adolescência, a gente se viu vinte anos. Aí teve aquela fase também, que é a fase das meninas da tua turma Andrea e as colegas todas, começam a dar em cima dos mais velhos, então aquela fase dos ciúmes. Você tá com 13, 14 anos, elas começam a paquerar os de 17! Então eu ficava pra morrer, porque você não tinha quem paquerar. Porque se as de 13 tá paquerando os de 17 e você tá com 13, você vai paquerar quem? As de oito? Não dá. Então aquela fase que você fica na tensão de quando vai transar pela primeira vez, quando é o primeiro sexo. Então, também tem essa fase. Mas as festinhas começaram mesmo a partir dos 17, 18, até porque a minha vida ali era muito no colégio e final de semana ia muito pra Teresópolis, porque como a escola era quase o dia inteiro, então era um esquema mais puxado, na escola as pessoas não faziam muita festinha, não tinha uma vida social muito intensa. Então quase não frequentei clube, essas coisa, então eu vivia muito a turma do colégio e final de semana sim e não meu pai obrigava a gente a ir pra Teresópolis, no sítio. Então a gente ficava lá a família toda lá enfiada naquele sitio. Então eu brincava com a filha do caseiro, me metia pra dentro do mato. Eu alugava cavalo. Meus amigos era a garotada que alugava cavalo, filho de caseiro. Era uma turma, era amigo dessas pessoas, e a gente aprontava lá pra dentro do mato, entendeu? Então eu só comecei a ter uma vida social mais intensa no Rio quando eu saí da Escola Suíça, quando eu saí e fui pro Colégio São Paulo e ali eu comecei uma vida social no Rio mais, mas muito mais intensa, assim, triplicou.
P/1 – O que que é uma vida social intensa?
R – Festas toda semana, futebol no colégio no final de semana, a gente conseguia organizar futebol sábado na quadra, com permissão da freira, da madre. A minha mãe tinha estudado na escola São Paulo. Colégio São Paulo é de Teresópolis, é escola de freiras de Teresópolis, que tem no Rio também. Ela começou lá. Geralmente a classe média toda estudava no Colégio São Paulo. É muita história vou ficar aqui quatro dias contando pra você a vida, cada detalhe. Não contei nada ainda e já falei uma hora.
P/1 – Pode contar. Você falou que seu pai, ele tinha uma pretensão que você seguisse alguma carreira. Quando que ele começou a cobrar?
R – Não, meu pai não tinha essa coisa, ele não me dizia o que eu tinha que ser. Ele só falava que eu tinha que... Porque às vezes ele ficava no perrengue de grana, e ele tinha estudado Administração de Empresas e tudo o mais, mas ele não tinha se formado, não era um economista, não era um engenheiro, um advogado, um médico, entendeu? Então ele achava que eu tinha que estudar, dizia: “Você tem que estudar, ter um emprego, fazer uma carreira”. No fundo ele tinha uma liberdade que ele amava e o sonho dele era fazer cinema o sonho dele no fundo era ser um cineasta, mas ele não falava sobre isso, mas eu sei, porque ele não tinha nem tempo de falar isso, mas eu sentia que ele tinha tido esse desejo nos anos 50, 60, mas ele não teve oportunidade de fazer, não era a turma dele e ele não tinha na verdade vocação pra ser isso, entendeu? Hoje em dia quando a pessoa tem uma vocação e a vocação é maior do que o talento, a pessoa pode vencer na profissão, sabe? O talento às vezes não faz você vencer na profissão. O que faz é a sua vocação, que é aquilo que você tem vocação, tem estomago pra aquele métier. Você sabe articular, você vai conseguir viver daquilo, entendeu? Eu vi muita gente, mesmo na escola de teatro, eu vi muita gente muito talentosa que sumiu, não que parou, mas sumiu de cena mesmo, porque não tinha vocação nenhuma. Tinha vocação pra ser advogado, pra ser não sei quê, pra trabalhar, mas tinha um talento assim nem fantástico, mas não tinha vocação pra ser. Daí logo desistiram, continuaram os estudos de economia, de direito e viraram outra coisa. E conheço gente que era aqueles alunos de teatro, atores que não chamavam atenção, que não eram tão talentosos, não resolviam rapidamente a questão cênica como do teatro, do palco, então até hoje vivem disso, porque amavam tanto o teatro, e tinham tanta vocação assim, estomago pra aguentar o dia a dia, de conseguir isso, fazer as coisas acontecer durante anos, anos e anos que todos são ótimos atores e vivem de teatro, nem de televisão, de teatro!
P/1 – Aí quando você tá lá no Colégio São Paulo, no colegial, você já pensava o que você ia fazer? Que rumo você ia tomar depois?
R – Ah, pensei em tanta coisa. Eu na minha adolescência, tenra adolescência, eu cheguei até a pensar a ser piloto de rally , eu cheguei a pesquisar escolas de pilotagem, eu queria correr o deserto, eu queria viver no deserto. Eu era fã daqueles rallyes Paris-Dakar, eu colecionava revistas francesas sobre o Paris-Dakar, sobre aqueles rallyes, porque eu queria ser piloto de rally, eu queria ficar dirigindo ali entre os tuaregs e correndo e ganhando milhões de dólares. Aí depois eu pensei...
P/1 – Mas você chegou a correr?
R – Nada, imagina, mas durou uns anos e meu pai levava a sério. Ele me ouvia falar sobre isso, ele falava assim: “Então você tem que fazer uma escola de pilotagem”, eu falei assim: “ Vou fazer escola de pilotagem”, e era sério a coisa, que eu levava sério aquilo, depois, entendeu, você vai caindo, foi logo depois eu passei um tempo no vácuo sem pensar nada sobre isso, e aí já tinha a fotografia e aí eu comecei fotografar mesmo, e aí comecei a fotografar muito!
P/1 – Você tinha um equipamento?
R – Tinha, do meu pai, umas coisas aí, comecei fotografar e comecei a viver essa história, comecei a comprar livros sobre isso, assinar revista, a fazer um curso aqui, um curso ali. Comecei a trabalhar com produção de filme publicitário, a estagiar. Era estagiário de assistente de produção. Eu fazia mais estilo do que trabalhava. O produtor ficava puto comigo, eu devia ter uns 20 anos na época, “Pô, você vai fotografar ou vai produzir?”. Eu dizia: “Eu vou fotografar!”, “Tu tá errado aqui, vai embora”. Hoje em dia ele é amigo. Aí eu fui pra França. Depois de um tempo eu queria fazer escola de fotografia pra cinema, pra ser fotógrafo de cinema, mas no caminho ali a coisa abaixou, vou fazer teatro, ficou claro. Não, escola de teatro, vai fazer teatro e foi embora.
P/1 – Foi o primeiro curso que você fez? Antes de jornalismo, você fez teatro?
R – Foi.
P/1 – Com quantos anos você entrou lá?
R – Vinte anos. Tava no colégio, mas não levei a menor fé no teatro. Não tinha a menor, nem levava a sério. Fazia teatro, eu fiz algumas peças na escola, mas nem brincava… Aquilo ali nem passava pela minha cabeça. O Sandro Martelli que era um grande amigo meu da época, ele era uma grande figura do colégio e ele era um cara que era um ator engraçadíssimo e ele queria ser ator. E ele desistiu, entrou na faculdade, virou um engenheiro mecânico, fodão. E nunca mias fez teatro, e eu fui fazer teatro e vivo disso, trabalho com isso até hoje.
P/1 – Como o teatro entrou na sua vida?
R – Teatro entrou naturalmente assim. Eu sempre fui muito palhaço, na verdade. Eu era muito fechado, ainda sou, na verdade. Porque você amadurece, cresce e vira um adulto e você domina um pouco mais os seus lados mas eu sempre assim fui muito palhaço, brinquei muito de teatro em casa, sempre interpretei muito, sozinho, sempre falei muito sozinho, passava horas interpretando assim, empresário, dando esporro em todo mundo, assim, com 14, 15 anos.
P/1 – Você lembra?
R – Lembro. Ficava, eu ficava. Pegava um papel desse e entrava, ficava, eu ficava. Eu via um filme qualquer na televisão, acabava o filme, eu desligava a televisão, eu começava a interpretar. Até hoje eu faço isso.
P/1 – Mostra pra gente.
R – Mas eu era muito tímido assim, eu nunca pensei em sair de casa, pegar um ônibus à tarde e ir ao Tablado, fazer teatro, por exemplo. Tomar providência em relação a isso. Pra mim era uma coisa completamente fantasiosa e brincalhona. Não tinha, não fazia, não pensava nisso, que eu podia fazer isso profissionalmente, não passava na minha cabeça, mas depois começou a ficar sério. Muita gente começou a falar, muita gente começou a dizer pra mim. Aí eu comecei a ver essa possibilidade e aí fui rapidinho atrás e fui fazer essa escola de teatro, e fiz outra.
P/1 – Que escola que foi?
R – Primeiro eu fiz na França, em Paris, uma escola que… eu tava lá pra fazer fotografia e falei assim: “Vou fazer teatro”, fui fazer teatro. Le Cours Florent, um curso bem tradicional lá, famoso lá em Paris, mas bem tradicional, não é um curso daqueles malucos. Eu tava conversando, então peguei uma amiga minha que fazia, ela “Vem pra cá, entra aqui”, aí fiz um processo de seleção, fiquei lá em Paris mais de um mês fazendo um curso, era um curso diário, me preparando pra fazer um monologo e cantar uma música pra uma banca que iria me aceitar ou não na escola. E assim eu fiquei lá fazendo esse curso.
P/1 – Mas você passou?
R – Passei.
P/1 – Você falava bem francês?
R – Não.
P/1 – Como é que você se virou?
R – Ah, não sei. Eu fui falando, fui aprendendo. Porque tinha francês na escola suíça, mas não era obrigatório e aí eu só fazia porque eu achava a professora muito linda, achava ela muito gatinha e eu sempre queria ir pra aula, por causa dela. Mas eu não queria mais aprender. Eu comecei a entrar em crise com 15 anos no colégio, eu não queria mais saber de colégio. Eu achava que tinha muita informação demais já, e na verdade é um pouco isso. Você fica, você tem um excesso de informação, como era a escola suíça, você ficava o dia inteiro na escola, então acho que chega uma hora, você estuda muito e não pratica nada daquilo que você estuda ao contrário de uma faculdade que você vai estudando e já vai estagiando, você vai praticando o que você vai estudando. Numa escola você fica ali anos só botando coisa pra dentro, aí chega uma hora que você quer enlouquecer e ir pra fora. Você tem um monte de informação! Então eu comecei ali já, mas era tranquilo. Foi aquela fase que meu pai tava morrendo que eu fiquei um pouco malucão assim, descontrolado. Ó, muita coisa hein? Não falei nada. Já contei muita coisa
P/1 – Como não falou nada?
R – Ah, falei tudo assim, já me perdi aqui.
P/1 – A gente tá aqui pra te…
R – Pra me ajudar, pra me guiar.
P/1 – E aí você fez esse curso na França…
R – Isso.
P/1 – Quanto tempo durou?
R – Um ano e meio.
P/1 – Ah, você ficou um ano e meio lá. Como que foi morar lá em Paris?
R – Foi ótimo, foi uma fase maravilhosa, foi muito bom. A França cara, é uma… Classe média lá é estudante, lá é uma festa! Você tem muita informação gratuita de alta qualidade e bem trabalhada. Você vai, tem aquele centro nacional de fotografia, centro nacional da dança, centro nacional do cinema. Você chega lá dentro tem uma videoteca, CDteca, incrível, de graça. Exposição, você tem museus, você tem festivais, tudo é perto, pega um trem, pega uma avião em meia hora você tá em Londres. A Europa nesse sentido, você realmente consegue ter acesso a milhões de festivais, mostras, pessoas interessantes, escolas. Aquela fase, né… muito perto
P/1 – E você viajou pela Europa?
R – Aqui no Brasil você ir pra São Paulo já é um evento quando você tem 20 anos de idade. No Rio pra Cinema é tudo uma porcaria, tinha só UFE. Hoje em dia tem, sei lá, dez faculdades no Rio que dão Cinema.
P/1 – E você viajou pela Europa nesse período?
R – Viajei. Primeiro eu fui pra Suíça sozinho e fiquei lá trabalhando. Fui carteiro, fui gerente de pensão.
P/1 – Foi seu primeiro trabalho?
R – Não, meu primeiro emprego na vida, foi de guia de turismo pra Amsterdam Sauer. Pegava turista de Kombi no cais no porto, levava passear no Rio, depois levava na Amsterdam ver se alguém queria comprar uma joia. Porque eu falava alemão, ne, e inglês já no colégio, então, 16 anos.
P/1 – Mas você foi pra França, fez o curso, de lá você…
R – Não, voltei… Antes fui pra Suíça trabalhar, trabalhei um tempo como garçom, fui garçom, fui gerente de pensão que foi o trabalho, foi o emprego mais divertido da minha vida. Escrevi um roteiro pra escrever um filme sobre essa época e o nome do filme é nome do hotel que eu trabalhei que é muito engraçado, cara!
P/1 – Qual é o nome?
R – Martha Haus e hoje não existe mais. Eu tive agora em Julho, 2012, eu tive na Suíça, 20 anos depois. Há 20 anos eu não ia à Suíça. Desde essa época da escola de teatro. Eu tomei uma pinimba com a Suíça e aí eu falei: “Eu não volto mais aqui” e aí não voltei mais. Aí esse ano eu falei “Eu vou”, passei meu aniversário em Chur, sozinho, uma cidade pequenininha, medieval, lá na montanha, “Eu vou passar o aniversário lá”, e fui. E foi engraçado, assim, foi bacana, mas é… O que eu tava falando? Eu me perdi. Eu fui falar de 20 anos atrás, aí afundei no túnel do tempo.
P/1 – Você ia falar do hotel.
R – Ah, eu fui lá no Martha Haus, preciso ver o Martha Haus. Cheguei lá agora é um hotel de moças, tipo uma congregação de moças, assim. Não pode ter álcool nem fumo. Um hotel barato pra viajantes. Você tem quartos individuais, um banheiro coletivo no corredor e quartos coletivos e quartos individuais, mas sempre banheiro no corredor. Barato, limpo, no centro da cidade. Tem vários assim pela Suíça e eu trabalhei sempre de 11 da noite às sete da manhã. E cara, era muito divertido porque assim, primeiro porque o hotel tava sempre lotado. Aí tinha os personagens que eram os hóspedes. Eu lembro que tinha uma turma - isso foi em 89, 90, foi logo quando caiu o muro de Berlim, então toda a Europa Ocidental começou a receber muita gente da parte oriental, que eram uns ETs, eram uma figuras. Sempre com casacão de couro preto, vermelho, casacão de couro vinho, assim meio fora de moda, bem antigo, anos 40. Você encontrava com umas pessoas da Alemanha Oriental, por exemplo, e eram pessoas de 50 anos atrás, porque eles tinham parado no tempo. Então eles estavam sempre assim olhando, eram ETs, era muito estranho. Foi uma experiência incrível, foi rápida porque logo eu fui embora pro Brasil, fui pra França, mas ali tinha muita gente assim. E no hotel tinha um grupo da antiga Iugoslávia, que era um grupo de caminhoneiros, todos cabeludos, aqueles cabelões assim, jaquetão de couro e era um grupo de caminhoneiros e por acaso, nunca entendi bem por que, mas era um grupo de homens mudos, que eles não falavam e toda semana eles brigavam entre si, e sempre queriam mudar de quarto. E aquilo virou uma ficção científica pra mim, virou um negócio maluco porque toda semana eles passavam na recepção 11 da noite, e já vinham com um bloco de papel, porque eles não falavam. Então eles vivam com um bloco de papel e ficavam assim (sons guturais), me davam assim, eu olhava assim, eu falei assim: “Entendi, tu quer ir pro quarto 23. Tá bom 24?”, aí ele falou assim (sons guturais), “Eu vou ficar com ele! Eu tô com ele no 4, quero ir pro 43 com ele”, aí eu falei: “Eu vou escrever o nome dele nessa merda, esses caras tudo maluco”. Aí depois tinha, aí eu conheci um… De vez em quando aparecia uma brasileira que apanhava - sempre tinha uma brasileira que apanhava. Não é preconceito não, mas sempre tinha uma brasileira que apanhava do marido suíço e ia dormir lá, porque apanhava e ia pra delegacia dar queixa do marido e o delegado falava assim: “Vai pro Martha Haus”. E às vezes tava lotado e eu ficava, eu falava assim: “Deita aí na recepção”, eu ficava conversando com elas, “Ah você é brasileiro? Que bom que você é brasileiro!”. Teve uma vez que eu conheci um garoto, que ele tava dando a volta na Europa de skate. Esse foi um cara que eu fiquei amigo dele na hora. O tio dele tinha sido piloto de helicóptero no Vietnam, então ele foi criado pelo pai na Califórnia, então ele tinha um espírito super libertário e ele tava dando a volta na Europa de skate e não tinha onde dormir e o Martha Haus tava lotado, que tava sempre lotado o hotel. E eu falei assim: “Cara, eu vou deixar você dormir aqui”, aí eu botei pra dormir na recepção, ele e o skate dele, passou a noite toda arrumando a mochila, desmontando a mochila, remontando as coisas e o canivete parará, a gente bateu o maior papo. A maior figura, mostrou foto do tio. O tio, aqueles ex-combatentes do Vietnam revoltado, com trauma. Depois eu conheci umas médicas alemãs, elas trabalhavam só com gente que tinha muito problema e tal, não sei que tipo de problema na época, mas elas dormiam todas no Martha Haus, todas elas chegavam tarde e saíam cedo e tinha uma que era maluquinha e linda. Um dia a gente se agarrou, aí eu fechei a recepção, fui trepar com ela no banheiro. Assim cara, era um hotel e eu fiz um roteiro chamado Martha Haus, casa da Marta com todas as histórias que eu passei ali dentro. Era muito engraçado! Era muito bom, cara. Eu não vou contar mais não porque eu tenho muita coisa proibida pra contar, não vou contar não. É divertido, cara. Ali, é uma fase ali que você tá totalmente aberto e era uma fase que tudo o que acontecia eu escrevia um roteiro, tudo que acontecia. Todo tipo de trabalho que rolava eu roteirizava, tal. Na máquina de escrever, não existia email. Isso é uma coisa interessante. Quando eu voltei pro Brasil em 92, não tinha email ainda, então vários amigos eu perdi o contato, porque o endereço e o telefone mudou. E o email eu só passei a ter em 95, o meu primeiro email foi em 95. E agora nessa viagem eu reencontrei uma ex namorada de 20 anos atrás, que eu achei ela pela internet, porque ela virou uma romancista razoavelmente conhecida lá na França e aí eu consegui achar por conta disso e a gente se encontrou agora 20 anos depois, que foi muito engraçado também, porque você ter uma namorada – a gente ficou sendo namorado, a gente foi amante sério, e aí você encontrar uma pessoa três, quatro anos depois já é uma coisa meio esquisita. Vinte, foi muito tenso porque a gente vinha se falando. Ela falou assim: “Você não vai ficar chocado não?”, eu falei assim: “Não, eu posso imaginar mais ou menos como você vai estar 20 anos depois”, falei pra ela: “Tô mais careca, mas a mesma cara de animado e garoto eu tenho”. E quando a gente se encontrou eu pensei assim: “Será que a gente vai se agarrar? Ou a gente vai ficar assim?, aí ficamos uma hora conversando num café, a gente se abraçou fortemente assim, a gente ficou se olhando, porque vinte anos é assim… A transcendência quer dizer, muito tempo. E aí foi engraçado, falei pra ela: “Vamos começar do zero? A gente não se conhece, na verdade”, então foi muito bom.
A gente passamos dois dias juntos, ela foi pra casa do marido, duas filhas. Duas filhas de 17 anos. Grande figura, Manuelle! Branca, branca, olho verde, ruiva. Aí três anos depois que eu fui embora ela casou com um camaronês, um negão, de Camarões e aí já separou desse cara, tá casada com outro cara, e ele tem duas filhas. São duas mulatas de 17 anos, enormes, quase da minha altura, mulheres. Aí eu olhei aquilo, foi um choque assim, de ver a Manuelle branca daquele jeito, ruiva, com duas filhas de 17 anos, duas mulatonas, assim, foi uma experiência. A viagem em Julho foi muita emoção porque não sabia o que sentir na verdade. Nunca tinha passado 20 anos pra reencontrar uma vida, porque na verdade fui reencontrar uma vida 20 anos depois. Passei na casa, revi um outro amigo, tentei achar um outro colega de escola de teatro que era meu melhor amigo, Frederic, era meio espanhol e meio francês, Frédéric Maman. E ele virou um super executivo de uma empresa de seguros francesa, assim um cara que sai no jornal, sabe assim? Então foi uma coisa que eu tomei um choque assim de emoções, mas esse trabalho no Martha Haus pra mim foi o emprego mais divertido. Ainda vou rodar esse filme, vou fazer um curta ou um longa com esses cinco Ds da vida. “no budget”, porque é assim, história de hotel, todo dia acontece alguma coisa, foi assim incrível
P/1 – Aí de lá você foi fazer esse curso na França?
R – É, ajuntei um dinheiro por causa disso na França, paguei a escola na França, fiquei lá um tempo e aí rodei o Brasil, aí fiz a CAL aqui um tempo, fiz a faculdade de Jornalismo.
P/1 – Por que você quis fazer Jornalismo?
R – Porque eu sei lá, queria ter outra profissão. Sempre gostei de documentário, ou foto jornalismo porque eu nunca deixei de estudar cinema nesse tempo todo, nem nunca fotografia, entendeu? Eu comprava muito livro de fotografia, eu ia no Centro Nacional de Fotografia, ei tinha esse acesso, nunca perdi isso. Eu só não segui a carreira no sentido de ser fotógrafo de trabalhar num jornal ou numa agência nessas agências internacionais que você tem que você começa fotografando ou de fotografia de publicidade, no sentido de você juntar um fotógrafo, entendeu? Eu conheço um fotógrafo que é um superfodão, Michel Comte, é um suíço, um cara que fotografa todo mundo aí internacional. Um cara que na época podia, a mulher dele tinha estudado comigo na escola, tinha então uns contatos que eu podia ter trabalhado no sentido de já naquela época fazer assistência, ou segunda assistência de um fotógrafo desse nível e ter seguido depois, mas eu recuei toda uma charrete, puxei a força dos cavalos e falei: “É pra cá rapaziada, a estrada é essa aqui agora, vamos pra cá”. Até hoje amo fotografia.
P/1 – Mas quando você volta desse curso na França, você vem fazer aqui
R – CAL no Rio de Janeiro.
P/1 – Aí você atuou em alguma peça?
R – Comecei a trabalhar com Hamilton Vaz Pereira
P/1 – Quando você voltou da França?
R – É.
P/1 – O que que você foi fazer?
R – A gente foi fazer a Ira de Aquiles, que era uma adaptação da Ilíada de Homero.
P/1 – Foi convidado por ele?
R – Não, foi uma oficina que ele fez com 70, 80 pessoas. O Sergio Porto depois selecionou 30, eu fiquei entre os 30, e a gente foi fazer, a Ira de Aquiles. Eu fazia o Aquiles, junto com o Celso, porque eu era o único personagem que o Hamilton botou dois atores. Então num dia eu fazia o Aquiles que era o protagonista, no dia seguinte eu fazia um soldado troiano que era um inimigo e não falava nada . Tão engraçado, as pessoas falavam: “Eu vou te ver no teatro”, “Mas vai na quinta e no sábado”, porque sexta e domingo é o Celso que faz, Celso Andre. Era engraçado assim, mas foi uma fase assim, tinha uma plateia de ensaio, foi por acaso, assim. Como o Hamilton tinha feito uma oficina na Globo, de atores pra comédia, tava a Paula Lavigne, trabalhava lá no elenco, a Camila Pitanga. Pô, a Camila tava com 16 anos, tava começando a fazer a primeira novela na Globo, foi em 93 isso. O Caetano tava no ensaio, então tinha assim aquele astral, Rio de Janeiro! Todas as pessoas conhecidas, tinha essa onda, então todo mundo era feliz, 22 anos. Era uma festa aquela porra daquele teatro, Daquele Sergio Porto ali. E eu fazia muito depois o CEP 20000, com o Chacal, o Guilherme Zarvos, esse pessoal do CEP 20000, que tá ali que é nessa cozinha de onde saiu também figura de sei lá, tipo Pedro Luís, Michael Malamed, Bia Ramoneda foi pra Globo, o Cazé foi pra MTV, ah, tem uma galera ali, anos 90 entre 90 e 95.
P/1 – Como é que você entrou nessa…
R – Entrei porque alguém, a Gisa Ribeiro que é uma colega minha da CAL, começou a trabalhar com o Silvio Yankelevich que é um poeta também carioca, que começou a preparar umas performances pro Sergio por lá pro CEP, que esse é esse Centro de Experimentação Poética do Rio de Janeiro, então organizado pelo Chacal Ricardo Duarte, famoso Chacal e Guilherme Zarvos, que era do Teatro da Faculdade da Cidade em 1990, apoiado pela…Puta, esqueci o nome dela agora, mas enfim, muita história. Vai dar um DVD isso aí, hein!
P/1 – Ou dois.
R – Ou dois! Aí trabalhei na Manchete, aí fazia Escola de Teatro. Fui trabalhar na Manchete com o Bigode, que é o Luis Carlos Lacerda. Lá eu fiz assistência de direção e dei várias pautas. Foi a transição do Nelson Hoineff. Nelson Hoineff tava terminando de fazer o Documento Especial. A gente fez o Documento Especial, tava entrando um outro cara que ia transformar aquilo num Documento Verdade, foi uma fase ruim ali o negócio. A gente não conseguiu fazer o que a gente queria, mas foi uma experiência. Tudo é experiência no fundo é tudo experiência. Então várias coisas que eu sei hoje são dessas experiências que deram errado ou que não foram boas, que na época você não acha que é tão bom assim, mas quando você vê, aquilo ali foi fundamental pra você ter aquele anticorpo. Quando você vai trabalhar com outro diretor, com outro produtor, vai ter um chefe não sei aonde, você já conhece esses arquétipos. Isso é uma fase importantíssima. Então eu fazia teatro e fazia esses bicos de jornalismo. Porque sempre quis fazer cinema, sempre quis estar atrás das câmeras, nunca perdi isso, então fazia isso e ia lá. Depois da Manchete eu trabalhei aonde? Aí comecei a fazer texto pra Revista Trip. Isso tudo fazendo teatro.
P/1 – Sempre o teatro aí?
R – Sempre o teatro. Nunca ganhava dinheiro. Teatro você paga pra trabalhar no início você não tem dinheiro pra nada. Você ás vezes faz uma peça com 20 atores em cena, tem seis pessoas na plateia, pagando ingresso de dez reais. Então assim que começa. Então eu tinha que fazer um bico em algum lugar. Uma fase difícil também, você vê, às vezes eu via outros amigos que tinham escolhido outra profissão, ganhando dinheiro, casando, comprando carro e a gente ali naquele perrengue de dinheiro. Aí começa a fazer bico. Aí fiz muita matéria pra Joven Pan e pra Revista Trip, também na época, anos 90.
P/1 – Matéria do que?
R – Matérias de saúde, entrevistar. Teve uma matéria que eu fiz que foi engraçado, era pra acompanhar o Ronaldo Fenômeno, bem novinho, começando a namorar a Suzana Werner ainda. Lembra dessa época? Que tinha que acompanhar o Ronaldinho dentro do estúdio da Cinédia, lá em Jacarepaguá, porque a Suzana fazia Malhação e a matéria era o Repórter e o Flávio Colatrello, que era o diretor da Malhação na época, tinha trabalhado comigo no grupo do Antônio Abujamra, Os Fodidos Privilegiados, então conheci o Colatrello e aí eu liguei pro Flávio, falei assim: “Flávio, Paulo Tiefenthaler, tudo bem?” a gente era do grupo, era mais velho, tal, diretor de televisão. Eu falei assim: “Eu preciso entrar no estúdio da Cinédia, na Malhação, pra acompanhar o Ronaldo com a Suzana Werner”, ele me botou pra dentro. Eu fui o único repórter que cheguei na porta da Cinédia, aquele batalhão de repórter querendo entrar junto com o Ronaldo – o Ronaldo no auge ele tava indo pro Barcelona. E aí ele me botou pra dentro e aí eu almocei com o Ronaldo e a Suzana Werner. Fiquei lá e eu escrevendo a matéria, a matéria saiu: “Repórter da Joven Pan penetra no estúdio da Malhação”. É uns bicos que eu fazia assim. E aí final dos anos 90 eu parei de fazer teatro.
P/1 – Por que?
R – Entrei em crise, no sentido que eu fiquei frustrado. Tive a frustração e antes de parar eu consegui um trabalho como freelancer na Globo. Eu fui fazer carnaval lá no núcleo do Legey, Aloysio Legey, que fazia réveillon, Roberto Carlos, um núcleo de eventos que cobre o carnaval e tudo o mais. E aí um trabalho de três meses que eu ficava colhendo, apurando assuntos e referências dos carnavalescos, pra poder montar aqueles scripts de transmissão, que o Luciano do Valle e Fátima Bernardes liam. Eles transmitiam o desfile durante toda a noite, então assim: “Aí está o carro alegórico de abertura da Beija-Flor. Aqui, esse beija-flor azul e essa bandeira amarela. Essa bandeira amarela significa todo um passado ligado ao sol e não sei que”, isso tudo tá escrito, dessa forma, super coloquial, eles tão lendo assim. Então tinha a Margarida Autran, tinha sido dos áureos tempos do caderno B do Jornal do Brasil, que escrevia isso e eu e outra menina a gente apurava tudo durante três meses, pra eles poderem montar isso de cada escola. Eu fiz uns três anos. No último ano, em 99, a minha irmã tinha comprado uma câmera, uma VX1000 que era a primeira mini Dv que tinha sido lançada no mercado, e eu peguei essa câmera e entrei na avenida com ela escondida e aí filmei três, quatro baterias, de dentro da escola.
O Lucas Paraíso que é um amigo meu que hoje é cineasta, e o Lucas tava conversando, mais moleque ainda e ele pegou e ficou fazendo o meu trabalho que era conferir se as escola estavam bem montadas, porque a gente tinha que bater o script com as escolas. Então tinha escola grande que tava vindo toda certinha. As escolas pequenas vinham todas tortas. Então eu cansei de montar escola, aquela escola pequena tipo Santa Cruz, assim, eu montava, porque o script tinha que tá certinho. E quando o cara bota os caracteres lá assim: “Fulano de Tal, destaque no terceiro carro da Mangueira”, o cara vai botar o caráter que tá no script, se for uma outra mulher, vai entrar o nome errado. Então eu tinha que conferir a escola inteira pra bater com o script. Escola pequena, às vezes a ala que tinha que entrar a terceira ala tava lá na sétima. Então eu dizia assim: “Cento e cinquenta pessoas, vamos lá, atrás de mim!”, e juntava os diretor de ala e falava: “Vocês estão errado, vamos embora”. E nessa era o trabalho que eu fazia na avenida. Fazia três meses antes e depois na avenida esse trabalho, e aí o Lucas segurava e eu fui fazer as baterias. Esse material virou depois um filme que ganhou alguns prêmios, rodou todos os festivais e virou referencia no mercado de áudio visual como curta-metragem, chama assim “Jorjão”, que fotografado, editado e dirigido por mim, foi filmado em 99, foi lançado em 2002 numa versão Beta e depois ganhou um editor da Rio Filmes em 2004 e virou um filme, passou pra 35 milímetros com som Dolby e aí rodou todos os festivais do Brasil. Foi pra fora, foi pro pessoal de Havana, Miami, pra Portugal, pra Alemanha, pra Suíça, o Brasil todo rodou. Só não passou no festival do Rio, mas virou um clássico assim. Até hoje ele passa, porque virou um filme de samba, o “Jorjão”, sobre o mestre de bateria. O “Jorjão” que fez aquela batida funk na Viradouro em 97, o último título do Joãosinho Trinta, inclusive. Esse, mas levou um tempão pra terminar, e nessa entressafra ali que eu tinha parado de fazer teatro, tinha filmado a bateria do “Jorjão”, a bateria do Salgueiro, tinha feito várias baterias, queria fazer um longa-metragem, como documentarista, eu peguei e caí em depressão, tive uma depressão aos 31 anos de idade. Uma depressão assim durante um ano e pouco, fiquei num mau humor terrível, e eu namorava uma pessoa na época que me chamava atenção: “Você tá doente, você tá deprimido”, e eu : “Deprimido o cacete!”, xingando, um mau humor e aí uma ia eu falei: “Eu acho que eu posso tá doente sim”. Eu tava com depressão mesmo, uma frustração absurda, porque tinha parado de fazer teatro e não tava conseguindo fazer cinema e tinha feito esse material e não conseguia editar! Porque as pessoas estavam começando a comprar aquele G3 ainda, começando a ter o primeiro Final Cut, que isso é um programa de computador pra editar vídeo. Pra quem tá assistindo não sabe, enfim, isso é um dado muito importante. Então ninguém tinha direito esse computador, sabe, não é hoje, todo mundo tem, você monta um laptop e aí eu caí, me deu uma frustração porque eu não conseguia nem ir pra um lado, nem pra frente, nada andava . e eu com muita energia, a energia entrou pra dentro e me jogou pra baixo. E aí fui me tratar, fui procurar uma psiquiatra que me explicou: “Isso é uma coisa contemporânea, moderna. Você tá na moda, inclusive”, tá tudo certo, se você não tiver depressão você tá errado. E aí ela falou: “Quimicamente eu vou resolver com remédio. Efetivamente você vai pra psicanálise ou você sei lá, abraça uma pedra no Arpoador e canta uma música, entendeu? Agora, quimicamente, eu resolvo isso com remédio porque frustração é quando a química começa andar”. Aqui dentro tá cheio de química e cada uma tem o seu lugar e se ela anda, ela troca de lugar com a outra e aí você pesa, aí você cai. É isso que é depressão. É remedinho, bota no lugar, você acorda feliz. É incrível, eu adorava remédio, eu me apaixonei pelo remédio, porque era fluoxetina que é o Prozac. Só que eu comprava o genérico, claro, porque ela falava: “Compra o genérico, é a mesma coisa, é mais barato.”
Ai eu tomava, era um comprimido, era maravilhoso porque eu, eu fiquei super-desconfiado disso tudo. Quando eu comecei a tomar o remédio, no terceiro dia, eu já tava às seis da manhã em pé, assim, pronto pra fazer tudo. Comecei a parar de fumar porque o remédio faz você parar de fumar naturalmente – depois você volta quem fuma. El: “Você vai tomar oito meses esse remédio. No café da manhã mete um pra dentro e vai viver. No dia seguinte a mesma coisa, um por dia.” E comecei no terceiro, quarto dia, que depois de uma semana eu tava todo assim (som). Deu super certo, eu tomei só quatro meses. Foi tão rápida a recuperação. Aí eu consegui, eu voltei pra faculdade que eu tinha abandonado, a faculdade de Jornalismo. Terminei, voltei, terminei a faculdade de Jornalismo. Consegui ejetar rapidamente a finalização do filme, não virou um longa sobre as baterias do Rio de Janeiro, virou só um curta sobre o “Jorjão”. Eu tenho até hoje 30 horas de material, só da bateria daquela época, que eu talvez resolva fazer alguma coisa com esse material ou não, e finalizar o longa sobre as baterias, mas não sei se precisa no mercado, se precisa desse filme agora e o “Jorjão” foi um filme que é um filme afetivo. Não é sobre ele o filme, é um filme com ele, 18 minutos com ele. Não dá pra contar a vida de um homem de 50 anos em meia hora. Então tem uma bateria fortíssima, aquele material deu certo. Deu tudo certo com esse filme na verdade. Então esse remedinho, esse tratamento, assumir que tava doente, que eu levei quase um ano pra assumir que eu tava doente, no sentido que não era um mau humor simples, que eu precisava correr atrás de alguma coisa, que existia solução pra aquilo, e aí nunca mais parei. Isso foi 2000, 2001, dez anos atrás. Então assim, eu agitei tudo
P/1 – Mas nesse momento, o que que te dava dinheiro pra sobreviver?
R – Nada.
P/1 – Fazia o que?
R – Nada, morava na casa da namorada ou morava na casa da minha mãe. Já tinha tido casa, mas aí fechava o apartamento. Ia morar no apartamento aí eu entrava numa crise, aí eu fechava e eu me metia em algum lugar. Aí depois dessa fase começou melhorar porque eu comecei, eu fiz esse material – a minha irmã trabalhou dez anos na Globo News, ela viu o material que eu tinha filmado das baterias, tinha feito uns depoimentos, ela achou o material muito bem feito. Essa coisa, eu tenho uma relação com a câmera assim, eu faço
é uma coisa que natural pra mim, porque desde criança segurando câmera e fazendo câmera. Ela achou o material muito bom e me indicou pra fazer câmera no Rock’n Rio e eu fiz câmera pra Globo News com a mini Dv. Foram as primeiras mini Dvs a fazer coisas pra Globo, porque tava faltando Beta, a Globo não tinha dinheiro. Quem tinha dinheiro era a Globo, a Globo News não tinha dinheiro. Era uma câmera Beta pra cada núcleo só, de reportagem. Então tinha que fazer vários palcos do Rock’n Rio. Aí minha irmã: “Você que fazer com a VX1000 mini Dv, o palco, a cena eletrônica, da tenda eletro?”, eu falei: “Eu vou, claro!”. Entrei num táxi, corri pra Jacarepaguá, entrei lá, tinha um cara me esperando já e comecei a fazer, e fiz um tempo as câmeras pra Globo News. Daí eu comecei a entrar e nessa eu fui fazer Big Brother. Aí eu trabalhei na equipe de edição do Big Brother, nos três primeiros, 2002, 2003 até 2004.
P/1 – Como você foi convidado pra fazer parte?
R – Fui convidado porque a minha chefe de reportagem na Globo News, passou a ser a chefe de toda a pós-produção e da montagem do Big Brother, que criou aquelas historinhas. Lembra do Big Brother no início? Começou a ter umas historinhas, uns desenhos, que depois ficou virou uma linha editorial. Aquilo foi a Eugenia Moreira que começou inventar aquilo junto com o Tartarotti, junto com o… sei lá, vai me dando branco, nome das pessoas, enfim, fui uma puta experiência aquilo ali. Eu odiava o Big Brother mas era uma oportunidade de conhecer um troço novo e pagava muito bem. Então ali comecei a, sabe, e não fazer mais teatro.
Aí comecei a mergulhar. Aí terminei, viajei muito com o filme.
P/1 – “Jorjão”?
R – É, viajei muito o Brasil todo. Fui pra fora, pro exterior com esse filme. Então comecei a trabalhar como editor. Comecei trabalhar editando coisa pra Petrobras, comecei editar muito vídeo arte, que eu tenho muitas amigos nas artes plásticas, e fazia de vez em quando como autor, um curta-metragem. E até fiz em 2002, se eu não me engano, um curta-metragem com o Gustavo Acioli, chamado Uma Noite Qualquer, que eu ganhei em Vitória, melhor ator, mas nem tava trabalhando como ator. Fiz, ele já me conhecia de teatro, ele falou: “Pô, eu quero você fazendo esse papel nesse filme”, e aí eu fiz e deu certo. Mas eu não trabalhava como ator. De vez em quando fazia umas pontas, não dava, e não conseguia voltar. E ai foi passando, e aí tem um monte de coisa no meio, várias coisinhas que rolaram…
P/1 – Que coisinhas?
R – Ah nem lembro mais. Fui pra Amazônia dar aula de vídeo, pela Funarte, em 2008.
P/1 – É mesmo? Como é que foi essa experiência?
R – Essa experiência foi caótica.
P/1 – É mesmo?
R – É, foi muito caótica porque a gente chegou lá com uma pretensão de querer ensinar arte pra uma localidade onde as pessoas não conseguem lidar nem com lixo ainda, entendeu? você chega no baixo Rio Amazonas ali e você vê muita garrafa pet numa localidade onde não tem nem luz. Garrafa pet jogada na água. Lugar que só tem casas, e sem luz elétrica, as pessoas vivem da pesca e daquela caça local – pode ser um boi, pode ser um pirarucu, pode ser até aquelas cobras, aquelas anacondas que aparecem na sua frente lá na Amazônia, as sucuris da vida, que nego mata tudo e come, e tem garrafa pet boiando no meio daquele paraíso porque as pessoas jogam ali dentro. A gente chegou lá, oito artistas, querendo dar aula um de escultura, outro de fotografia, outro de mídias independentes…
P/1 – Mídias independentes?
R – É, por acho que ao invés de usar o Windows, usar o Ubuntu, usar a rádio comunitária. Eu dando aula de documentário, vídeo, a gente comprou, dentro do prédio da Funarte,
a gente levou cinco PCs, HP novinhos, um projetor Epson, uma câmera Panasonic fotográfica e uma câmera Panasonic de vídeo. Levamos pra deixar lá. A gente chegou lá, a gente falou assim: “A gente é muito idiota mesmo, a gente é muito arrogante, não é possível! Você acha que a gente vem ensinar arte. Aqui tá precisando ter aula de várias outras coisas. Pra que que a gente veio ensinar arte pra essas pessoas assim? Porque eles vão usar aonde isso? Onde que eles vão usar isso? Então era um projeto maravilhoso, mas foi muito frustrante nesse sentido e lá a gente partiu pra outra. Eu comecei a filmar junto com as crianças, outro começou a fazer escultura. A gente meio que largou aquele roteiro de aulas e tudo mais, foi durante um mês, e a
gente foi viver. A gente começou a viver ali com eles. Isso virou experiência. Eu não tive que escrever o relatório . Amazônia não é brincadeira não, Amazônia é um bicho sério. Amazônia não é férias no Ceará, Bahia. Você vai no Amazonas você pode morrer mesmo. A gente quase morreu, por exemplo, também. Você pode morrer também à toa lá, lá você morre à toa.
P/1 – Por que vocês quase morreram?
R – Quase morri atropelado por um barco, gigante, porque o Rio Amazonas é tipo uma Via Dutra, sabe, você tá assim naqueles barquinhos cruzando pro outro lado, pra outra margem, uns barquinhos pequenininhos, barquinhos um pouco menores, um pouco maiores, uns barcos sei lá, como daqui até ela assim, mais ou menos, barcos de 15, 20 metros, e daqui a pouco entra o Queen Elizabeth, com cinco mil pessoas, aquele transatlântico gigantesco, ele entra, ele vem da Inglaterra, ele adentra o Rio Amazonas e vai embora até Manaus. Aí daqui a pouco passa um transatlântico de petróleo, um petroleiro gigantesco da Petrobras, assim daqueles megas, porque o Rio Amazonas, ele no meio ele é muito fundo e você tá com um barquinho ali. Então à noite, daqui a pouco passa uma daquelas balsas de areia, tipo assim esses rebocadores de navio, ele fica pequenininho, pra você ter uma ideia. Ele vem empurrando aquela balsa. A balsa é tipo assim uma bandeja de aço pesadíssima lotada de areia, descendo o rio, apagada, não tem lâmpada aquela porcaria. A gente quase foi atropelado por um. A gente tava indo pra um forro em Juriti, que era do outro lado do rio e tava todo mundo dormindo, que era tarde da noite, então levasse quase uma hora pra atravessar, de uma... é tipo daqui até lá assim, é bem longe o Rio Amazonas, do outro lado da coisa, e aí a gente passou, ela veio, vinha assim, a balsa veio aqui, a gente cruzou aqui e a balsa fez assim. E quando a balsa tava aqui – é um paredão assim um paredão de uns três metros de altura, de ferro, uma caixa, um negócio que você não acredita, que passou aqui, à noite ele veio passando aqui do lado e aí a gente gritou: “Vai bater!”, e o timoneiro na frente parou de acelerar o barco. Porque como a balsa vai empurrando a água então ela vai criando ondinhas na frente dela. Então ele desacelerou, pra essa ondinha da balsa empurrar a bunda do barco e salvar a gente. Aí a gente voltou pro rio pouco tempo depois que toda hora acontece isso “Balsa, navio atropela embarcação na Amazônia e morre todo mundo”. Foi isso, indo pro forró. Você tá passeando no mato, daqui a pouco passa uma sucuri. A sucuri vai da areia da praia vem até aqui e assim, dessa largura ela é isso aqui mais ou menos, uma bichona. Todo mundo lá assim, os caras sempre tem uns dentinhos de sucuri no braço. Você tá no barco assim... O rio tá aqui, a gente tá aqui em terra, aqui no meio tem um lago. Às vezes quando o rio sobe, isso aqui tudo vira uma coisa só, tanto que as casas lá o chão move, esse chão por exemplo, ele é solto pra água poder subir. Aí você tá no barquinho, no lago preto pescando, no barquinho assim com a mão no barco assim, daqui a pouco vem a sucuri, porque elas ficam debaixo da água e elas voam assim na tua mão e (som), “Bom dia, cheguei”. Amazônia cara, é uma experiência única, vale a pena, mas não aquele Manaus no hotel não, tem que pegar e rodar, mas tem que voltar vivo. Você volta mais forte. Eu cheguei aqui no Rio assim me sentindo um Tarzan, cara! Me sentindo forte assim. “Que frescurinha é essa aí?”. Você volta cascudo assim, é interessante.
P/1 – Aí você foi pela Funarte?
R – Fui pela Funarte, é.
P/1 – Que ano que foi isso?
R – Dois mil e oito.
P/1 – E aí você…
R – Não, isso foi convidado. O projeto não é meu, o projeto é de um amigo meu.
P/1 – Até então você não tava mais atuando no teatro?
R – Não, não tava no teatro. No ano 2000 eu não fiz teatro. Eu não faço teatro mais, inclusive. Tô querendo voltar pro teatro porque…
P/1 – Mas como ator ou só como jornalista?
R – Só como jornalista, editor, mas eu sempre soube que eu ia voltar a atuar, eu sabia que uma hora eu ia voltar a atuar. Existia essa coisa no ar. Aí em 2007 rolou um programa no Canal Brasil chamado Larica Total que aí um amigo meu tinha tido a ideia de fazer esse programa e aí ia ser um curta-metragem em 2006 que acabou não virando um curta-metragem nenhum, ficou aquele email, mandou um email que não tinha nem roteiro, era um email assim: “Tive uma ideia, fazer um programa, o Larica Total, que é um cara que não sabe cozinhar e cozinha. Fazer um curta-metragem com isso”, e não fiz o curta-metragem, no fim não fez nada e ficou aquela ideia no ar. Aí passou um ano, um outro amigo nosso trabalhava na Globosat, comentou essa ideia com um dos diretores do Canal Brasil, que falou assim: “Isso podia virar um programa seriado de um cara que não sabe cozinhar e vira, e é o programa de culinária do Canal Brasil”. E daí ele falou: “A ideia é ótima, produz uns pilotos”. E eu fazia e essa galera da produtora, da Carambolas, que produziu o Larica, porque o Terêncio teve a ideia, mas ele acabou não fazendo o programa. Ele ficou como produtor executivo. Quem criou, depois ficou o Leandro, Felipe e Caíto e eu entrei. Eles me conheciam do Circo Voador, porque em 2004 eu comecei a fazer – eu sempre frequentei muito cineclube, então 2004, não, 2002 existia um cineclube na Fundição Progresso, muito vagabundo, mas que era uma galera apaixonada, galera que tá aí hoje fazendo várias coisas. Mas naquela época tava todo mundo enfiado na Lapa, antes da Lapa bombar, a Lapa ainda bastante vazia, existia esse cineclube na Fundição, colado num botequim, que é o Arco-Íris, que hoje em dia o botequim é referência na Lapa, por exemplo. E a gente fazia uma mostra que chamava Mostra o que o Neguinho Tá Fazendo, é o nome da mostra. Essa galera se juntou três anos depois, 2003, 2004 e a gente montou um negócio chamado Atacadão dos Filmes, que era tipo um auditório do Chacrinha, tipo Discoteca do Chacrinha, no Circo Voador, que eram aqueles jurados. A gente botava umas cadeiras de cinema no meio da plateia e chamava. Por exemplo a Elke Maravilha foi de jurados, Zé Bonitinho foi de jurado. A gente passava seis curtas-metragens, eu entrava de Atacadão ou vestido de Curinga ou vestido com uma roupa que eu pintava juntos com uns amigos meus, e tinha as Atacadetes que eram as meninas do Grupo Pedras e a gente fazia um programa de auditório de cinema dentro do Circo Voador. A gente fez isso em 2004 e 2005. Então essa galera do Larica já tinha ido assistir, o Felipe já tinha me visto no teatro nos anos 90. A gente se circulava, mas não se conhecia direito e quando fizeram Larica então eles me procuraram porque precisavam de alguém que tinha feito lá umas coisas. O Adnet, o Wendel também já tinha feito, do Zorra Total, mas ninguém conseguia lidar com a comida, ninguém conseguia fazer comida, achava que era só um texto. E aí eles me procuraram e eu comecei a fazer. Aí fizeram lá em casa um teste.
P/1 – E o nome Larica Total é ótimo.
R – É, e daí deu super-certo e era muito tosco o negócio. E a gente assim: “Não sei se vai dar certo essa merda”. Eu tinha uma intuição, eu ficava feliz. Eu gravava e ficava feliz, e falava: “Isso vai dar certo”, e deu certo. O programa foi super bem a terceira temporada e aí começou a virar
um personagem esse cara.
P/1 –Tá passando ainda?
R – Tá passando ainda. Vai até Outubro, depois entra reprise. E aí eu comecei a soltar os cachorros na frente da câmera mesmo e comecei a misturar Nelson Rodrigues com Shakespeare com Santa Teresa com Lapa, e Copacabana e comecei a fazer um personagem que tem muito a ver comigo e meus amigos e ao mesmo tempo trazendo coisas que dá referência da minha vida toda. Por causa do programa eu comecei a ser convidado para atuar, de novo. Então tenho feito muito longa-metragem, fiz agora uma série que estreou na HBO que chama FDP, tô aqui fazendo uma série com o Luiz Fernando. Nos últimos três anos a minha vida mudou de novo, voltou pro ator, como eu tava intuindo,..
P/1 – Por causa do programa.
R – Por causa do programa, mas já tinha essa intuição forte. Eu sou uma pessoa muito intuitiva, eu tinha intuição de que alguma coisa ia acontecer muito forte na minha vida, como ator. Eu só não sabia por onde que eu ia voltar. Porque eu assistia peças de teatro no Rio, acho tudo um saco! Careta, chato, não gosto de quase nada que eu vejo. Aí eu tinha estado na Alemanha em 2006, fui com o “Jorjão” pra um festival, o último festival que ele viajou, em Portugal. Aí eu peguei o avião e fui pra Berlim. Em Berlim eu fui ver umas peças de teatro e vi uns caras, umas coisas, que fiquei apaixonado. Que teatro maravilhoso, que texto maravilhoso! Vi uns atores sensacionais que eu nunca vi no Brasil atores daquele nível técnico e de qualidade, coisa absurda. Aí me deu um tesão, falei: “É isso, é isso que eu sempre quis fazer na minha vida. É isso! É essa qualidade que eu sempre almejei, que eu quero”, entendeu? Aí eu cheguei no Rio, nada me satisfazia. Quando rolou a Larica, comecei toda essa liberdade de improviso e de criação junto com os meninos, eu comecei a soltar um cachorro ali que tava travado, entendeu? E foi uma coisa espontânea e teve a sua força, tanto que foi reconhecido tudo e estamos fazendo essas coisas todas que tão rolando aqui agora. E isso pra mim era exatamente isso, era uma intuição correta. Eu só não sabia como que isso ia se dar essa passagem, entendeu? Porque você voltar é difícil. Mas todo mundo que trabalhou comigo nos anos 90 sempre me cobrou isso, sempre assim: “Por que você parou? Você não tinha que ter parado. Você tinha que voltar”, e eu sempre assim: “É, uma hora eu volto. Não sei quando, mas uma hora eu volto”, mas tem que ser uma coisa bastante pessoal, tem que ser alguma coisa que tem a ver comigo. Eu não quero mais fazer, entendeu, eu não quero mais subir no palco, fazer sei lá, um Tchekov do jeito que eles faziam na Rússia em 1918, não quero. Eu quero fazer isso aqui. Eu quero enfim, o nosso rock’n roll, sabe assim, a nossa… fazer o que… assim como sei lá, todos os artistas pop sempre criaram, entendeu? Os Beatles criaram, como a Rita Lee criou, como sei lá aquele outro, tá falando do seu momento, tá falando da sua coisa. Por exemplo, Larica tá falando daquela vida Rio de Janeiro, solteiro, Santa Teresa, amigos, tinha a ver cozinhar, tinha a ver! Não é uma biografia, mas tinha a ver com esse afeto que eu não via no teatro. Ou o teatro tá muito experimental, ou muito experimental demais ou então muito de época demais. Não tava falando da gente. Tinha uma energia. Música tava falando da gente, entendeu, a música tava falando da gente.
P/1 – Como é que foi o convite pra você gravar o Suburbia.
R – Ah, o Luiz Fernando me telefonou…
P/1 – Ele mesmo?
R – É. Eu tinha feito uma ponta uma vez nos Maias, mas coisa muito pequena, tal. Então, e ele me ligou pra me convidar – ligou a Carla, assistente dele, avisando que o Luiz ia ma ligar e eu tava agora no Festival de Tiradentes de cinema em janeiro e tava tendo uma retrospectiva do Luiz. Eu fui rever Lavoura Arcaica, inclusive, depois de tantos anos que eu tinha vista quando estreou, então tava nesse clima do Luiz e aí o Luiz liga e fala assim: “Cara, eu tenho acompanhado você no programa, acho que você evoluiu muito”. Me convidou, me elogiou, fiquei super honrado com isso, que é um cara que eu admiro muito e lembrava de mim, diz que é verdade, mas ele lembrava de mim dos Maias. A gente ficou conversando sobre a trajetória,
a gente conversou muito sobre os trabalhos dele, como é que ele trabalha e aí ele me contou do Suburbia, me contou do Costa e me convidou pra fazer o Costa: “Acho que você vai fazer um bom Costa, acho que o Costa é você”. Eu fiquei super honrado, super feliz dele me ligar. Fiz nem teste, “Vamos embora fazer direto”, falei: “Vamos”.
P/1 – Não fez nem teste!
R – Não. Engraçado que o programa, ele me deu uma… O Larica, ele tem uma força cênica tão forte que ele… Os últimos três trabalhos, por exemplo, o FDP agora na HBO que eu faço um dos protagonistas, eu fui o único também que não tive teste, porque acho tão… tem uma força que o cara já me chama pra fazer mais ou menos aquilo. Aí eu tenho que tirar, que na verdade eu quero fazer sempre um leque diferencial de personagem, entendeu? A palheta da tinta do pintor ali, eu quero acrescentar cada vez mais outras tintas. Então na hora de fazer o Costa. Empresário do baile funk, Madureira, não é um cara poderoso. É um cara naïf, é um cara apaixonado pelo que ele faz e tem essa coisa toda dessa roupa toda dele, porque ele é apaixonado pela profissão. É aquele tipo dono de circo do interior, sabe assim? “É o circo que eu tenho”, sabe, “é o amor que eu tenho”, “Eu quero isso aqui, mas eu boto meu óculos, pinto meu carro, eu quero ser”. Ele quer ser um puta empresário e ele paga pau pro tráfico, ele se caga nas calças, ele se emociona. Ele não é um cara poderoso, ele é um cara um amor, na verdade, entendeu? ele se embanana, se enrola, é um pouco isso, eu vejo o Costa muito assim, uma figura quase que um dono de circo do interior.
P/1 – O que que o Luiz Fernando achou que você acha de proximidade sua e o Costa, pra você desenvolver esse papel?
R – Bom, eu não tenho a menor intimidade com o baile funk. Madureira eu frequentei muito por causa do “Jorjão”, por causa do documentário das baterias, 99, 2000 e 2001 eu ia muito lá, sozinho, muito sozinho, ficava rodando lá depois frequentei, não cheguei a frequentar não, fui a um ou dois bailes charme ali no Viaduto de Madureira, e só. Eu nunca frequentei baile funk. Acho que eu fui em dois do Marlboro lá no Rio das Pedras. Mas nunca fui muito fã da música. Eu tenho alguns funks em casa, que eu gosto, eu acho engraçado, mas eu não sou fã de funk, não danço funk. Às vezes eu admiro um cantor, uma cantora mais pela atitude do que pela letra, do que pela música, pelo estilo de música assim. Acho um pouco cansativo, enfim, normal. Agora, eu tenho Atacadão dos filmes que eu fazia como apresentador enchia o circo, o circo ficava cheio na época. Eu acho que tem muito do Costa ali também, e tem do… No Larica mesmo eu faço vários personagens no Larica, que a gente brinca muito com cada episódio. Então tem episódio que eu faço o barman, todo de gomex na cabeça, cabelinho, camisa listrada de croupier, o outro todo descabelado, o outro todo terninho de óculos escuros. Tem vários episódios, então ali tem vários trabalhos. Acho que o Luiz também viu aquilo ali, eu acredito nisso e aí acho que tem a ver um pouco. O Costa em essa coisa do ator. O Costa é um ator. O Costa tá falando com você aqui, tipo assim: “Gostei do seu cabelo”, ele pode parar e dizer assim: “Vou até dizer pra você de novo, gostei do seu cabelo”. Ele mesmo ele vai, é o jeito dele se aproximar.
É quase pra dar aquele bote, mas não no sentido de querer te pegar, no sentido de conquistar você e você vim trabalhar pra ele. Sabe assim, tem essa malícia que é uma coisa até naïf, porque qualquer pessoa experiente saca que ele tá armando, mas ele tenta do jeito dele. Quer dizer, eu tô fazendo o Costa também, não posso nem falar demais porque eu não terminei de fazer o Costa. Eu tô começando a fazer o Costa.
P/1 – Como é que tá sendo atuar com alguns atores mais experientes, outros menos? Uns que tão começando agora?
R – Os mais experientes sempre te dão um pouco mais de calma porque como eles têm mais experiência, eles têm uma ansiedade quase zero. Então geralmente eu observo. Eu pego um ator, eu tô trabalhando com o Haroldo Costa que é um ator que tem uma estrada imensa. A gente contracenou só uma vez, então já é uma… Eu fico olhando pro olhinho dele em cena assim pra ver o que ele manda pra mim, entendeu, o que eu posso tá com ele, sabe? é quase pra não decepcionar o cara. Contracenei uma vez com Reginaldo Faria, na Globo e eu sou fã do Reginaldo, principalmente no filme do Babenco lá, o Lúcio Flávio o Passageiro da Agonia, na sei se você viu esse filme. Acho que foi o melhor papel do Reginaldo. Ele faz um papel de um garotão de 27 anos, um bandido louro, louco, maravilhoso. Então sou fã d cara nesse filme e você fica prestando atenção. Eles são muito calmos. Aí você pega atores mais jovens, são mais ansiosos, são mais concentrados, ficam mais ansiosos pra entrar em cena, mais preocupados de não errar. Porque interpretar é quanto mais você… O Sérgio Brito dizia muito isso: “Teatro leva vinte anos”. Televisão é até mais rápido, cinema também, mas teatro mesmo, bom, você vai levar 20 anos pra aprender fazer, porque é a vida, o time da vida, na verdade. O segredo talvez seja esse, essa simplicidade que os grandes atores mais velhos têm. Já respiram (inspira), e têm muita carta na manga também. Você chegava pra um Paulo Autran da vida, pra um Lima Duarte, você: “Me dá um cozinheiro bicha aí”, tinha; “Me faz um padre”; “Me dá um empresário”; “Me faz um advogado”; “Faz um palhaço”; sabe, “Faz um jornalista”. Já tem muita experiência, o cara tira na hora: O que você quer? Você quer o que? Um padre? Um maluco? Tenho”; “Você quer um cozinheiro? Tenho”; “Quer um pai de família, que acabou de separar? Tenho”; “Quer um pai de família que vai casar? Tenho”. Sabe assim? É uma profissão maravilhosa por esse sentido. Você pode trabalhar até eternamente, você tem papéis dramáticos, na história do teatro, pra todas as idades e tudo o mais.
P/1 – E você pretende voltar pra carreira? Voltar a atuar? Você já tá fazendo isso?
R – Já to atuando, já to direto, já estou nela.
P/1 – Tem planos?
R – Tenho planos. Eu tenho também um trabalho em artes plásticas. Acabei de ganhar outro edital da Funarte. Agora esse eu ganhei. E andar e circular e se articular pra poder isso ser uma realidade no seu cotidiano. E como cineasta eu ainda devo bastante como cineasta, porque eu preciso fazer um filme longa que eu nunca cheguei a fazer. Num pais onde o cinema ainda é um sonho, na verdade, que esses filmes são todos com dinheiro público, quase nenhum dá lucro. Se não é o papai Estado que sustenta isso não tem como. Porque no Brasil, como produção, como indústria, só televisão. A televisão não precisa de lei de incentivo pra viver, mas o cinema pode chegar lá´, ou através da internet, enfim, mas isso é outro papo. Então tudo isso eu continuo trabalhando. Vou pra casa hoje, hoje eu to trabalhando no roteiro do meu próximo filme, do próximo curta-metragem.
P/1 – Olhando sua trajetória de vida, se você pudesse mudar alguma coisa você mudaria?
R – Eu mudaria o meu foco. Eu focaria mais rápido certa coisas que eu levei um tempo pra poder resolver.
P/1 – Como?
R – Talvez ter pego
uma escola de arte que me desse um leque de opções maior, de forma mais focada, mais rápido, por exemplo, lá atrás, com 19, 20 anos. Que eu tivesse trabalho, por exemplo, cinema, teatro e tudo junto. Na verdade sou tudo isso, mas você não tem, você é obrigado a escolher. Você tem que fazer uma escola disso ou uma escola daquilo. E por que não pode ter… não existe escola onde se trabalha multidisciplina, são multidisciplinares. E eu sinto falta talvez disso, de te focado mais rápido lá, com 19, 20 anos. Mas também cara, isso aí, é besteira? É besteira, mas também eu sinto falta por exemplo… eu tenho uma dívida, quando eu falo que como cineasta eu tenho uma dívida, eu tenho essa divida comigo. Eu acho que eu já devia ter feito uns quatro, cinco longas, pelas ideias que eu tenho. Mas é muito difícil. Eu não sou de família rica, não tenho poder. Não posso chegar assim: “Vamos embora, vamos embora!”. Eu conheço: “Não, meu tio tem firma tal e vai botar um milhão nesse filme”, por exemplo. Eu tô falando coisa bem específica de… Eu ao mesmo tempo eu não posso ter patrão, entendeu, eu não consigo. Todos os patrões eu briguei, todos professores eu briguei, todos diretores de colégio eu briguei, todos meus patrões eu brigo, não fico. Há mais de dez anos eu não sou empregado de ninguém. Então assim, to fazendo a carreira, por exemplo, de uma empresa, mesmo que seja de áudio visual, eu nunca funcionei, eu não funciono. Não é que eu sou um brigão, não é isso. É que chega uma hora que a minha cabeça para de funcionar, entendeu? e aí eu brocho de um nível que não trabalho mais. Eu não consigo, eu sumo, eu vou embora. E aí eu aprendi isso também, aprendi a me respeitar porque é assim: “Você é um cara que tem que você tem que trabalhar no máximo como freelancer, quer dizer, você é um artista, um cara de teatro, já fez dois filmes, já se vira, sabe ganhar teu dinheiro, mas você não pode ter, não pode fazer uma carreira de ficar lá de assistente de um não sei que dentro de
uma empresa, anos. Não vai dar certo, não funciona”. E as pessoas tem que aprender o mais rápido possível, logo. Quando eu falo do foco, resolver isso mais cedo. Às vezes é uma besteira, foda-se! Demorou, pode demorar o tempo que você quiser.
P/1 – Qual que é o seu maior sonho? Quais são seus sonhos?
R – Meu maior sonho é me divertir muito com meus amigos e ser feliz. Então eu já consegui em alguns momentos da minha vida, o meu maior sonho que é, eu preciso estar entre amigos. Amo trabalhar com amigos, amo me divertir com os amigos e amo fazer amor , e adoro escrever roteiro, amo escrever roteiro, que é uma das horas que eu mais me divirto, porque é uma hora que você cria livremente. Você não tá pensando no orçamento, não tá pensando se você vai rodar, não sei que, uma hora que você lendo uma história. Igual escrever um livro, igual escrever um conto. Eu acho muito saboroso, dá muito prazer intelectual e espiritual escrever o roteiro. Eu me divirto muito, é muito prazeroso pra mim. Me deixa feliz feito sei lá o que.
P/1 – O que que você achou dessa experiência de ter dado esse depoimento pro Museu da Pessoa?
R – To achando um caos, porque acho que eu falei tudo as coisas tudo torto, errado, não contei, esqueci, completamente não linear, acho que faltou um monte de coisa, não expliquei direito, mas é um prazer poder partilhar isso pra qualquer pessoa na Terra que queira ouvir uma pessoa contar sua vida um pouquinho. Mas deve ser difícil falar tudo. As pessoas que escrevem biografia, imagina! Biografia de você, lembrar de tudo, da infância, você vai ficar cinco, seis anos falando com a câmera.
P/1 – É o começo.Recolher