Nasci no dia 20 de dezembro de 1971, às 19 horas e trinta minutos no Hospital e Maternidade da Vila Maria, o caçula de três irmãos.
Ser caçula tem seu lado bom, mas também tem seu lado ruim. O lado bom é que você é protegido por todos de sua casa, o lado ruim é que, em uma família pobre, ...Continuar leitura
Nasci no dia 20 de dezembro de 1971, às 19 horas e trinta minutos no Hospital e Maternidade da Vila Maria, o caçula de três irmãos.
Ser caçula tem seu lado bom, mas também tem seu lado ruim. O lado bom é que você é protegido por todos de sua casa, o lado ruim é que, em uma família pobre, você nunca tem coisas novas. Suas roupas são usadas, as minhas, no caso, já eram de terceira mão.
Filho de mãe dona de casa e de pai confeiteiro, tive uma infância muito pobre. Meu pai trabalhava de domingo a domingo para que não faltasse nada para a gente. Morávamos na Vila Maria e, entre pagar aluguel e se mudar para uma cidade da periferia de São Paulo, meu pai preferiu se mudar.
Nos meados de 1972 nos mudamos para a COHAB de Carapicuíba. Nessa época não existia essa coisa de COHAB 1, 2, 3, etc. Não existia nem asfalto. Eram apenas poucos prédios em meio a muito verde - e quando eu digo verde, é verde mesmo - eram poucos prédios no meio de uma floresta. Dos tempos de pobreza só tenho lembranças felizes.
Felicidade, sim, pois, morando em um lugar como citei acima, todas as famílias se encontravam num mesmo nível social, só fui conhecer a desigualdade social quando fui para a escola, mas isso é uma outra história...
O que eu quero falar aqui é como minha vida de pobreza (não miserabilidade) me fez ser o homem que sou hoje. Com a pobreza e com o meu pai, aprendi que para ter alguma coisa na vida tem que “ralar” muito. Aprendi muito com este pequeno grande homem a quem tenho muita admiração (pequeno, pois ele é mais baixo do que eu, mas seu tamanho não condiz com o tamanho do seu coração, da sua garra, do seu empenho. Se todas as qualidades que as pessoas têm influenciassem na estatura, meu pai seria um gigante).
Aprendi muito com a minha mãe também, mas quero ressaltar aqui apenas uma das coisas que aprendi com ela. Minha mãe que sempre foi uma grande mulher (e agora falo em ambos os sentidos), também sempre foi um grande menino (isso mesmo, um menino). Ela era a única filha em uma família de seis irmãos e acabou aprendendo as mais diversas brincadeiras de menino que você possa imaginar.
Então, com minha mãe aprendi a fazer meus brinquedos. Isso mesmo, fazer brinquedos Na época não se comprava brinquedos, se fazia. Até porque, como éramos pobres, não tínhamos dinheiro para comprá-los e mesmo se tivéssemos não havia lojas deste ramo em Carapicuíba.
Com minha mãe aprendi a fazer e a brincar de carrinho de rolimã, pipa, avião, brincadeiras de roda, brincadeiras de rua, etc. Minha mãe sabia emprestar magia às brincadeiras. Uma casca de melancia e uma faca nas mãos de minha mãe viravam um boneco e eu brincava com este boneco de casca até ele envergar no calor do sol.
Meu primeiro carrinho foi feito por mim com uma caixa de sapato, dois arames e quatro tampas de garrafas. Com o passar do tempo fui desenvolvendo esta habilidade manual de fazer brinquedos, mesmo depois que a situação do meu pai melhorou e ele podia comprar brinquedos para seus filhos, eu continuava a construir os meus.
Na adolescência isso foi ficando de lado e, na juventude, acabei enterrando essa coisa maravilhosa que é construir e brincar com os brinquedos. Cresci, virei adulto. Comecei a flertar com a música, virei músico. O sonho de criança de trabalhar com arte estava se concretizando, mas aí veio à responsabilidade.
Casei-me muito cedo e a música já não dava para pagar as contas. Fui trabalhar com o que “aparecia”: auxiliar de escritório, auxiliar de fotógrafo, auxiliar de expedição, auxiliar, auxiliar, auxiliar. “Cansei de ser auxiliar” Falei a mim mesmo: “- Vou voltar a trabalhar com música”.
É engraçado, quando você realmente toma uma decisão e a segue, as coisas acontecem... Fui estudar na Universidade Livre de Música Tom Jobim, fiz amizades, contatos e amigos. Nesse momento eu já estava conseguindo sobreviver com a música.
A música me levou a dar aulas e as aulas me mostraram que eu gostava de ensinar. Acabei me tornando educador. Foi na educação que percebi a importância do brincar na formação da criança e do adolescente. Então, comecei uma caminhada em busca de capacitação na área do brincar e, nessa caminhada, encontrei pessoas que vivem o brincar como filosofia de vida e me mostraram que eu já tinha uma experiência muito rica com os brinquedos e brincadeiras.
Comecei, então, a busca em minhas raízes, e como eu costumo dizer nas oficinas que eu ministro: “Existe um lago em nossa vida que é o lago do esquecimento e é lá que estão todas as brincadeiras e brinquedos de infância esperando para serem pescados. No momento que nós pegamos a vara da lembrança e pescamos um deles, é como se todos estivessem interligados por um fio, vamos tirando um a um. Brinquedo por brinquedo, brincadeira por brincadeira. Quando percebemos voltamos a ser crianças de novo e vemos o quanto é bom ser criança. E nos perguntamos: por que é que eu deixei de ser criança?”
A necessidade me levou a construir meus brinquedos, os brinquedos me levaram a ter um olhar diferente da vida e a sonhar com a arte, o sonho me levou a gostar de música, a necessidade me levou a ser auxiliar, a frustração me trouxe de volta a música, a música agora me levou a dar aulas, as aulas de música me levaram ao trabalho com a educação, a educação me trouxe de volta aos brinquedos e os brinquedos me mostraram como é bom ser criança.
E é isso que eu tento passar nas oficinas que ministro. Seja com crianças, adolescentes, ou adultos. Minha missão hoje é mostrar que não devemos deixar morrer a criança que existe em nós.
(História enviada em julho de 2010)Recolher