Projeto Fundação Banco Brasil
Depoimento de Cesar Aceti Lenz Cesar
Entrevistado por Tatiana Dias e Eliete Silva
Local de gravação e data completa: Brasília, 31 de janeiro de 2006
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº FBB_HV016
Transcrito por Gustavo Prudente
Revisado por Paulo Rodrigues F...Continuar leitura
Projeto Fundação Banco Brasil
Depoimento de Cesar Aceti Lenz Cesar
Entrevistado por Tatiana Dias e Eliete Silva
Local de gravação e data completa: Brasília, 31 de janeiro de 2006
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº FBB_HV016
Transcrito por Gustavo Prudente
Revisado por Paulo Rodrigues Ferreira
P: Cesar, bom dia.
R: Bom dia.
P: Obrigada por ter vindo dar seu depoimento para a Fundação. Queria que você começasse este depoimento dizendo o seu nome completo, data e local de nascimento.
R: Cesar Aceti (Lens?) Cesar. Nasci em 29 de março de 1953, em Niterói, no Rio de Janeiro.
P: E os nomes de seus pais?
R: (Héber Xavier Lens Cesar?) e (Ofélia Aceti Cesar?).
P: Quais eram as atividades profissionais dos seus pais?
R: Meu pai era analista de sistemas. Começou quando o computador entrou no Brasil. Entrava no computador ainda, em pé [risos], aquele troço imenso, com válvulas, aquele negócio todo. E minha mãe, do lar.
P: Qual era a formação dele?
R: Não tinha curso superior. Tinha segundo grau.
P: E como é que ele aprendeu a mexer em computador?
R: Começou! Eu não sei exatamente como ele começou. Começou na (Olerite?), (Ducal?), foi para o IBGE, para o Instituto de Resseguros do Brasil, e ficou na área. Tanto é que quando eles passaram a exigir curso superior, ele não precisou, porque ele é quem ensinava a quem chegava. Aí ele foi confirmado no cargo, mesmo sem ter o curso superior.
P: E você tem quantos irmãos?
R: Três.
P: Você quer listar o nome deles, por favor?
R: Paulo, que foi do banco também, saiu no PDV de 1995. O Daniel, que é do banco – trabalha em Niterói. E a Beatriz, que se salvou [risos] – é psicóloga.
P: Você é criado em Niterói?
R: Fui criado lá.
P: Como foi a infância em Niterói?
R: Ah, super legal! [risos]
P: Então conta [risos]
R: Até esses dias eu estava lembrando com os amigos. A gente estava lembrando... Vai ficando aquela coroada no trabalho, e aí, a gente, de vez em quando, para amenizar um pouco o ambiente, vai lembrando de umas coisas assim.
Niterói era muito bom. Antes da ponte, Niterói, você podia considerar como lugar mais ou menos de roça, em frente ao Rio de Janeiro. Então, tinha muita rua de terra, tinha cachoeira em final de rua. A gente brincava muito em rua, em morro, não tinha perigo. O que tinha de favela, só o pessoal “decente”, vamos dizer assim, porque não tinha os traficantes ainda. Eram pessoas que, só porque eram mais pobres, tinham que morar no morro. Mas eram colegas nossos também – a gente ia na casa deles e lanchava lá e tomava café de tarde, com pão, com manteiga...
P: Mas que história é essa de antes da ponte era de um jeito?
R: Porque depois da ponte a cidade cresceu, inchou. Foi muita gente do Rio morar em Niterói. E aí começou a inchar, inchar, e ela virou aquela metrópole, não é? Ainda tem aquele arzinho assim, não vou dizer de interior, mas de uma cidade mais um pouco bucólica, alguma coisa assim, mas inchou muito. Aí foi violência, os traficantes foram também – acharam um caminho mais fácil – aí ficou um pouco violento também. Não é a mesma coisa, apesar de ser muito bom ainda.
Mas todo mundo tinha galinha, tinha-se porco em quintal, não era muro – era cerca, sabe? Frutas à vontade – tinha muita fruta nos quintais. Era muito gostoso.
P: E os estudos, Cesar? Você começou estudando lá? Como é que foi?
R: Estudei. Comecei no Jardim de Infância público - ainda existe até hoje, Júlia Cortines, lá em Icaraí. Depois, às vezes, a gente ia de carroça com meu tio, descia de ônibus com minha tia, com a mulher dele – uma levava, a outra mãe buscava, aquele negócio de sempre assim. A gente ia de ônibus com minha tia. Era bom porque a gente se pendurava no ônibus, fazia todas as bagunças possíveis, porque ela não cortava a gente – ela deixava.
Depois eu fui para uma escolinha de bairro, de rua, lá da rua mesmo. Era muito comum: as moças faziam Normal, aí montavam uma escolinha em casa, tinham um galpãozinho em casa, uma garagenzinha, uma varanda, e aí elas iam até o casamento. Quando casavam, o marido proibia de trabalhar. Parava tudo, ia para dentro de casa e ia cuidar dos filhos e do dito cujo.
Então essa... Eu não me lembro o nome dessa professora. Foi onde eu alfabetizei. Era muito gostosinho. Aliás, tinha várias salas de aula, tinha até umas amigas dela que davam aula e tudo, porque ficou uma escolinha mesmo. Depois acabou.
Eu fui um pouco rebelde no primeiro dia. Quando o portão fechou, eu não queria ficar na escola, joguei minha pasta por cima, comecei a dar o maior escândalo, tiveram que me levar embora... [risos] Joguei a pasta lá no meio da rua.
Aí, ali eu alfabetizei. Eu fiz até a segunda série. Depois mudei lá daquela rua. Naquela rua morava toda a família de minha mãe. Todo mundo morava na mesma rua, a Martins Torres. Até na casa onde eu nasci mesmo.
Aí, depois, eu fui para um colégio público. Hoje se eu falar: “Eu fui para o colégio público, fiz o Jardim no colégio público”, é meio assustador. “Pô, que nível de ensino esse cara teve?” Mas era bom para caramba. Naquela época – década de 50, de 60 – era muito bom. Aí, eu fui para o Guilherme Briggs, lá em Santa Rosa, perto de minha casa. Era uma coisa, assim, muito legal, porque estudávamos nós - meu pai trabalhava no Rio, analista de sistemas, aquele negócio todo - e estudavam os filhos da empregada. Todo mundo no
mesmo colégio, na mesma sala de aula. Era uma coisa que, se hoje pudesse existir, seria muito legal.
Aí, depois, eu fui para o Colégio Salesiano...
P: Em Niterói mesmo?
R:
Em Niterói. Fiquei no Salesiano até passar no vestibular – passei para Engenharia Civil, na Federal Fluminense, na UFF. Aí estudei dois anos e meio – o curso era de quatro anos – e vi que eu não queria ser engenheiro.
P: Como é que você escolheu Engenharia?
R: Ah, porque eu ia ser engenheiro e meu irmão ia ser médico. Os outros vinham depois e ninguém tinha definido nada para eles! E aí eu fiz o vestibular para Engenharia, passei. Meu irmão, supostamente, tinha feito para Medicina. Depois ele apresentou o resultado dele para Matemática. Ele se rebelou e fez para Matemática sem ninguém saber, que é o que ele gostava.
Eu não atinei, na época, que eu deveria ter feito para Arquitetura, que eu gosto de
Arquitetura – de Engenharia, não. Mas aí eu já tinha feito inscrição para o concurso para o Banco do Brasil. Eu ia passar no Banco do Brasil, ia morar no interior, ia ter uma casa muito grande, ia receber os amigos e minha casa ia ter dois andares, ia ter aquela escadaria que abre assim, sabe? Aí, minha mulher ia descer toda bonita! [risos]. Ia descer a escadaria para o jantar que a gente ia dar para os amigos, para os colegas do banco, sabe? [risos]
E era esse o sonho que a gente tinha. Eu já estava casado quando fiz o concurso do banco e ia viver muito bem quando entrasse no banco... E foi assim. Aí eu fiz o concurso, fui para Carinhanha, na Bahia. Uma aventura, porque recebi um telegrama do banco no mesmo dia que o dono da casa que a gente morava pediu a casa.
P: Mas era a casa da escadaria?
R: Não, não. Essa era uma casa em que morei, uma casinha de fundos que aluguei quando casei. Quarto e sala, bem bonitinha, bem bonitinha mesmo. Vou te dizer que era aquele ninhozinho de amor. A gente fez um jardinzinho, com flores. Bem gostosinho. Aí o cara pediu a casa, que ele ia reformar, porque o filho dele ia nascer e ele ia voltar para a casa com a mulher e o filho. E, nesse dia, chegou o telegrama do banco perguntando se eu aceitaria ir para qualquer lugar do país, e eu aceitei. Me chamaram para Carinhanha.E eu fui na agência do centro lá de Niterói perguntar onde era Carinhanha, como é que eu fazia para ir e eles falaram para mim: “Olha, pega um mapa aí e olha, porque ninguém sabe onde é esse negócio”. Aí eu olhei no mapa – vi que era perto de Bom Jesus da Lapa, não sei o quê, não sei que lá – embora pareça estranho para nós, essas espécies de gírias também devem ser colocadas na transcrição. Não tinha estrada asfaltada, aí eu peguei...
Eles pagaram a passagem de avião até Salvador – eu andei pela primeira vez na vida, de avião. Pela primeira vez saí efetivamente do Rio também. Em Salvador, eu peguei um ônibus para Bom Jesus da Lapa, porque na rodoviária de Salvador ninguém sabia o que era Carinhanha – ficava mais de 1 mil quilômetros de Salvador. Aí fui para Bom Jesus da Lapa, e fui bem arrumado – tinha comprado calça nova, camisa nova. O sapato que era do casamento ainda, mas o resto era tudo novo. Aí eu sei que eu acordava assim, e olhava: o ônibus estava passando em porteira, passando dentro de fazenda, aquela confusão! Aí eu dormia de novo:
“Não quero ver, não – vou dormir”. [risos]. Uma hora lá perguntaram se eu era médico, porque eu estava muito bem arrumado... Entrava galinha no ônibus, entrava tudo. Aí eu cheguei em Bom Jesus da Lapa e fui saber que eu tinha que ter saltado em Caetité, para de Caetité ir para Carinhanha. Então, Carinhanha estava para cá e eu fiz assim. Mas eu não sabia, não é? Isso foi no domingo. No domingo?... Não. Ou foi no sábado?
P: Quando foi isso?
R: Isso foi em 1977. Eu sei que eu consegui uma carona. Ninguém me convidou para almoçar em casa – achei que alguém do banco ia me convidar para almoçar em casa. Engraçado, tinha expediente no banco, então isso era dia de semana. É, foi na segunda-feira isso. Saí do Rio no domingo e isso era segunda-feira.
Aí, me indicaram um restaurante, eu fui, a mala enorme – 48 quilos tinha pesado minha mala. Deixei tudo no banco, fui almoçar, voltei e o Prefeito de Carinhanha já tinha passado por lá, já tinha ido embora. Eu não tinha carona, não tinha ônibus para ir para Carinhanha... falei: “Gente, eu preciso ir para lá para trabalhar”.
Aí passou um pessoal que estava instalando extintor de incêndio desde o Ceará, ia até lá no sul da Bahia. Tudo pelo interior. Eles estavam com uma Caravan, um desses carros aí, uma Belina. Acho que era Caravan, acho que Belina nem existia. Eles falaram: “Eu te dou uma carona”. Eles foram os dois na frente, eu atrás – as malas tudo em cima de mim – e a gente desceu para Carinhanha - eles iam passar por lá. Só tinha uma garrafa de mate e a gente no sertão. Tinha dois anos de seca. Eu lembro daquele negócio, tudo novo para mim. E, na verdade, eu estava achando tudo lindo, porque eu me apaixonei pelo sertão. Fiquei apaixonado até hoje. E aí, aquele sol começou a se pôr, aquele dourado parecia ouro, assim, embaixo de uma fumacinha branca, e só os cactos e os mandacarus, e tudo seco... Estava muito lindo aquilo. Uma paisagem muito bonita.
E aquele mate, a gente só botava um gole na boca e falava pouco - e bebia pouco - para poder só manter a umidade da garganta. Porque não tinha nada no caminho, nada. Aí, chegamos em Carinhanha de noite, chamamos um balseiro e atravessamos o rio São Francisco. Aí cheguei lá, jantei, não tinha luz e tomei banho frio. De noite, fazia um frio danado e de dia, um calor insuportável; de noite, um frio danado. Passei na porta do banco – banco bonitinho, dois andares, novinho -
e perguntei ao guarda a que horas começava o expediente. Ele falou: “Às oito horas”. Levantei cedinho, tomei meu banho, me arrumei todo bonito, abri aquela mala que eu nunca mais consegui fechar – depois que eu abri parece que estourou aquilo!
Mas aí, antes, quando eu saí todo arrumado do Rio e cheguei em Carinhanha, de boné do Flamengo, de sandália havaiana, o sapato pendurado aqui pelo cordão, no ombro, e de poeira da cabeça aos pés. Cheguei marrom, completamente marrom.
P: O que significava entrar para o Banco do Brasil? Você era recém-casado... Você estava estudando na universidade ainda?
R: Eu tinha largado há alguns meses.
P: O que significava entrar para o Banco do Brasil?
R: Significava um grande futuro. Uma tranquilidade. Eu já tinha trabalhado em empresa particular – eu tinha sido demitido por uma armação de uma pessoa lá. Ela achou que estava correndo risco com minha ascensão lá dentro, fez uma armação e me demitiu. Então achei que no Banco do Brasil eu teria essa tranquilidade. Tranquilidade para trabalhar, estabilidade, e uma boa carreira – uma carreira promissora.
Até porque... Foi até o que senti em Carinhanha, depois confirmou isso: o lado social do banco. Porque era uma empresa do governo, um banco do governo, que financiava a Agricultura, que fazia aquelas localidades do interior crescerem... Isso era muito gostoso. Você trabalhar sabendo que seu trabalho tinha algo de social.
P: E lá em Carinhanha, na Bahia, como era a rotina de trabalho, depois de toda essa paisagem do sertão?
R: A gente chegava ao banco às dez para sete. O banco funcionava de sete até meio-dia. Depois tinha uma hora de expediente interno, a gente saia para almoçar – duas horas de almoço, voltava de três às cinco. De noite, a gente ia passear na praça, andava... Aquele negócio mesmo de interior. Lá em Niterói eu ria disso, e fui fazer em Carinhanha, com o maior prazer. Aí ficava andando na pracinha, comia aqueles docinhos, aquelas pipoquinhas doces industrializados... Coisas assim. Comida muito boa. Carne fresquíssima, amarrada num barbante, que a gente trazia para casa. Tinha uma geladeira a querosene, tinha um papagaio...
Comprei um papagaio e um rádio de pilha para minha mulher – presente mesmo do sertão, e ela ficou feliz para caramba com todos dois.
P: Ela topou tranquilo ir para lá?
R: Tranquilo. Eu passei um mês lá – ela foi um mês depois. No segundo mês é que eu consegui uma casa, porque não tinha uma casa. Pelo menos em condições para a gente morar.
P: Cesar, me explica um pouco essa história de você sentir o lado social do banco em Carinhanha. Como é que era isso? Como é que isso despertou e você percebeu?
R: Olhe, em Carinhanha, por exemplo, teve uma época em que o governo cortou alguns financiamentos do banco e o pessoal cercava a gente na rua. “Cesar, quando é que o banco vai soltar o meu dinheiro? Eu estou precisando! A lavoura está lá e está tudo esperando para plantar”.
P: Qual era o seu cargo?
R: Eu era Caixa. Eu era inicial do banco, escriturário, e logo, logo eu fui Caixa. Tracei logo um plano de carreira para mim e vi que a empregabilidade estava no curso de Caixa, e de cara eu fiz ele.
P: E eles te paravam na rua para perguntar?
R: Para perguntar sobre financiamento. Quando é que o banco ia soltar o dinheiro, não sei o quê... Você sentia: tinha o Banco do Brasil, a cidade crescia, o povoado crescia. Se tirasse o Banco do Brasil, encolhia.
P: E você ficou quanto tempo lá?
R: Um ano e quatro meses.
P: E como foi o retorno? Você foi para qual cidade?
R: Fui para o Rio, para a agência Cinelândia. Eu tinha acabado de fazer a prova do concurso interno – um concurso muito difícil, bem puxado – e aí eu falei: “Deixa eu ir embora para o Rio”. Porque o que eu queria era ir embora. Lá não era o lugar para morar. Foi gostoso ficar lá uma temporada, mas não ia ficar lá de jeito nenhum: tinha barbeiro em casa, esse negócio todo. Aí, voltei para o Rio, para a agência Cinelândia. Passei mais um ano e dois meses lá.
P: E como foi voltar para a civilização? [risos]
R: Foi um choque. Eu tive que me readaptar.
P: E você trabalhou em agência?
R: Em agência, na Cinelândia.
P: E você trabalhou como?
R: Como Caixa... Meu plano estava certo. Minha ideia estava certa: tinha emprego como Caixa. Sempre teria emprego no banco, na época.
P: E você ficou lá e depois foi para onde?
R: Fui para o Depin.
P: O que é o Depin?
R: Era o antigo departamento de engenharia do banco. Depois passou a chamar Departamento de Administração do Patrimônio Imobiliário.
P: E no Rio mesmo?
R: No Rio, um mês só. Porque o Depin estava vindo para Brasília e, como eu fui aprovado nesse concurso interno que eu tinha feito, o banco queria me mandar de volta para Carinhanha. O banco tinha umas políticas meio malucas naquela época. A minha agência tinha 12 vagas de Caixa. O banco pegou e fez uma concorrência nacional. Teve um rapaz de Rondonópolis que foi trabalhar do meu lado, com tudo pago pelo banco, e eu estava trabalhando como Caixa. Ele tinha que sair para Carinhanha, com tudo pago pelo banco, porque a Cinelândia não pertencia à relação de agências que, na época da inscrição de meu concurso, tinham vagas.
Era uma coisa maluca. Nesse ponto, tinha muita falha porque o dinheiro era “público”, porque era estatal. O pessoal não dava valor e criava uns regulamentos totalmente doidos, e o dinheiro ia.
P: Cesar, só voltando um pouquinho. Em 1975 – você não tinha entrado no banco ainda – mas o banco já tinha, desde essa época, aqueles financiamentos – a FUNDEC [Fundo de Desenvolvimento Comunitário] e o (CIPEC?). Quando você entrou no banco, você teve algum contato com isso?
R: Não. Eu não trabalhei na área rural do banco.
P: Mesmo estando no sertão?
R: Mesmo estando no sertão. Me ofereceram cargo de fiscal – (CREAITE?) que chamava – para fiscalizar fazendas e tudo. Como eu ia voltar para o Rio, eu tinha que traçar uma meta – um plano de carreira para eu poder ter empregabilidade no Rio. Me ofereceram o cargo e eu falei: “Não quero. Eu quero curso de Caixa.”.
P: Aí você fica até 1984 no Depin?
R: Até 1984.
P: Como foi?
R: Foi legal. Uma experiência super agradável. Eu trabalhei na área administrativa. Entrei no setor de controle de custos, fiscalizando os gastos das agências, a contabilização dos pagamentos com reformas, compras de terreno, esse negócio todo. Depois, fui para a área administrativa. Fiquei uma boa temporada lá. Cresci lá e saí quando fiz um concurso para programador. O concurso foi todo de psicotécnico, todo de lógica, e eu adoro lógica, adoro a psicotécnica, aí passei em primeiro lugar. Aí fui.
P: Isso no Rio?
R: Não, aqui em Brasília.
P: Você veio para Brasília em que ano?
R: Em 1980. Fiquei no Depin um mês no Rio só preparando a mudança para vir para Brasília. Em março a gente veio.
P: Para quem tinha ido para Carinhanha, Brasília era mais...
R: Não, era inegável. Não tinha como negar Brasília: ganhei apartamento funcional, três quartos com suíte, dependência completa, garagem... O banco deu muito dinheiro para a gente vir. A gente já ganhava bem na época. Eu fui promovido, porque saí do Caixa e fui para a direção-geral. Fui para o nível médio. Quer dizer, isso tudo foi promoção. Mais dinheirão que o banco deu!... Era muito engraçado, porque a gente trabalhava lá na Sede Um, e na hora do almoço encontrava todo mundo no Conjunto Nacional comprando máquina de lavar, geladeira... Foi um festival de comprar Fusca zero também, porque era carrão ainda, em 1980. Um monte de gente comprando Fusca zero. Foi uma festa na vida da gente.
P: Cesar, como era Brasília em 1980, quando você veio para cá? Isso lhe impactou?
R: Olha, eu sempre gostei de lugar muito arborizado. Isso me incomodava em Niterói: Niterói agora está bem arborizado, mas antigamente não era tanto assim. A pessoa, se quisesse fazer um portão de garagem, fazia um portão de garagem e ponto final, não é? Então, isso eu gostei. E a minha ex-mulher já tinha uns parentes aqui, eles levaram a gente para conhecer muito lugar e eu achei super gostosa a cidade. Não achei nada de depressão. Aquele negócio de depressão de domingo, não senti nada disso.
E aí, imediatamente, eu fiz vestibular e passei. Fiz Ciências Contábeis, voltado para o banco. Se eu tinha entrado no nível médio, e o banco tinha básico e médio, obviamente o nível superior, que ainda iria ter concurso, iria exigir o curso superior. Eu peguei e fiz uma coisa voltada direto para o banco. Aí estudei, depois ela engravidou, aí veio filho, tudo. Eu que vim passar dois anos aqui, estou aqui desde 1980 – nós estamos em 2006.
P: Cesar, quando a Fundação surge, em 1985, 1986, você teve notícia?
R: Não... Não me lembro.
P: E quando é a primeira vez que você ouve falar dela?
R: Olha, eu ouvia falar esporadicamente, mas não tinha me chamado a atenção. Quando ouvi mais foi quando eu estava na Agência Central, aqui em Brasília, e eu estava pensando em sair, porque era Caixa e estava me dando muito problema na coluna. E aí eu falei: “Eu tenho que sair da agência”. Então o médico falou: “Deixa o guichê de Caixa, porque isso te dá problema de coluna – você tem que ir para outro tipo de serviço”. E aí, uma colega minha trabalhava na Fundação. Ela falou: “A Fundação tem vaga, é um lugar super legal”. E eu tinha pena de sair da agência. Eu gostava muito dali – o ambiente era muito gostoso.
P: Qual era a colega que te deu essa dica?
R: Deixa eu ver se eu lembro o nome dela. Fugiu agora. Ela era esposa do Fernando, que trabalhava comigo. Ô, meu Deus, não lembro se era Lúcia... Não estou lembrando. Ela saiu da Fundação acho que antes de eu ir para lá.
Aí, quando eu comecei a procurar vaga em outros lugares, a minha antiga chefe na agência falou que o Dudu, que trabalhava na Fundação, tinha oferecido a vaga para ela. Mas ela não ia, porque era na área de informática, e ela lembrou de mim, que eu tinha sido programador... Aí eu fui falar com Dudu, e realmente havia três vagas: uma na área contábil – eu era contador, uma na área de informática – eu era programador, e uma na área administrativa, que era o que eu gostava. Aí eu escolhi a administrativa.
P: Aí você começou a tomar pé do que era a Fundação?
R: Exatamente.
P: Qual era o panorama da Fundação nessa época?
R: Sei lá... Foi uma época de muita mudança. Eu cheguei em fevereiro de 1995. Trabalhei dois meses e veio aquela paulada daquela mudança no Banco do Brasil, que o banco tinha que cortar o cordão umbilical com os funcionários, e a relação maternal que tinha, de banco e funcionário, tinha que acabar. Tinha que ser uma relação empresa-empregado. Então,
como o banco criou o PDV, aquele negócio todo, e fez uma série de reestruturações, a gente se perdeu daquela ligação com o banco. Ficou sem saber exatamente qual era o nosso elo com o Banco do Brasil. Nós, antigos, ficamos sem saber que elo era esse.
E a Fundação fez também isso. Quer dizer, no início, eu não tive uma imagem do que era a Fundação. Eu tive nos primeiros meses uma imagem do que era a área administrativa. Eu trabalhava ali ao lado da Diretoria Executiva – que não era presidência, na época, era Diretor Executivo – e da assessoria dele também, então tive mais ideia disso aí. Depois é que fui tomando pé.
P: Como era?
R: Era um... Como eu falo? [risos] Acho que era uma coisa que precisava mexer. Tinha um ambiente bom, legal, muita gente legal – tanto que a maioria ficou – mas me dava a impressão de uma coisa um pouco, assim, estava um pouco entravado. Foi a impressão que me deu, porque a mudança foi muito rápida. Não tenho muita noção do que eu sentia na época. Eu estava preocupado, porque eu estava saindo da agência e indo para lá. Tinha que fazer um serviço legal e tudo, trabalhar legal, me firmar ali dentro, me adaptar com o clima e o tipo de serviço... Tinha um monte de siglas novas e atendia muita gente. Eu lembro de que, na época, tinha uma confusão com o negócio da Lucélia Santos, que tinha dado cano na Fundação, tinha recebido um dinheiro financiado, e não sei se ela não tinha feito o que era para fazer... Eu não fui atrás mesmo do que aconteceu. Só sei que o pessoal estava por aqui com ela – ninguém suportava aquela mulher.
Lembro dessa confusão. Lembro daquela confusão da intervenção, na época do Lafaiete, que ele fugiu. Foi em 1992. A Fundação ainda estava se recuperando disso. Então, uma Fundação que estava tentando sair daquela imagem ruim, aquela imagem de ingerência política. O pessoal estava querendo achar uma saída. Acho que era essa a impressão que dava. Estavam querendo achar uma saída para a Fundação, de um lugar de trabalho honesto. Como eu vi o Banco do Brasil, como eu sempre imaginei o banco. Quando eu cheguei lá, ela estava manchada ainda com tudo isso.
P: E você entrou então, Cesar, na época em que a Fundação era lá no edifício Camargo Corrêa. Você pegou aquele momento da reestruturação do quadro de funcionários. Como foi esse período? Você pegou em 1994...
R: É. Eu peguei em fevereiro de 1995. A reestruturação foi em abril, na Semana Santa.
P: E como foi esse período?
R: Duro. Foi difícil. Toda vez que eu falo disso eu fico com um nó na garganta, pelo sofrimento que meus colegas passaram.
P: E você trabalhava em que área?
R: Na área administrativa, que eu não sei se ainda hoje chama NUCAD, Núcleo Administrativo. E foi muito duro, porque o pessoal teve que fazer... Porque era política do banco cortar esse cordão umbilical. Então, as coisas tinham que ser bem de impacto, para sacudir mesmo as pessoas e mudar os paradigmas, mas eu acho que o preço foi muito alto. Não deveria ter sido assim. As pessoas não podiam ter sido tratadas daquela maneira que aqueles excedentes foram. E nem quem ficou. Porque ficar lá pagando o preço de ver o sofrimento dos outros colegas que saíram daquele jeito! Foi muito difícil.
P: Cesar, embora tenha sido um período difícil, houve uma mudança muito grande mesmo, como se pretendia. O que sobrou de bom?
R: Nós. Nossa vontade. Nossa união. A Fundação levou um tempo para cicatrizar. Apagar, não vai apagar nunca. Mas para cicatrizar levou um tempo. Se lutou muito por isso. Mas nós, funcionários, lutamos também para cicatrizar. Nós sempre fomos muito unidos. Eu tive experiência só de dois meses antes disso, mas eu tenho a impressão de que depois disso nós nos unimos mais, sabe? Mas em compensação me parece que houve um racha com a administração, e as administrações posteriores, pelo que eu vi e vejo de fora, sofreram as consequências disso, porque se passou a ter uma desconfiança da administração.
P: E em relação aos projetos, o que você viu melhorar e o que você viu piorar?
R: A Fundação foi caminhando para diminuir essa ingerência de políticos. Chega lá: “vamos gravar um CD de um coral tal”. Pediam à Fundação coisas bem específicas, que beneficiassem alguém, ou que beneficiasse alguma coisa que era um projeto de um político, para se beneficiar, na verdade. E era meio difícil cortar isso, até porque é do Banco do Brasil, que é um órgão do governo, então as ____ políticas sempre vinham.
E daí para frente, eu vi que o pessoal começou a tentar ir acabando com isso, aí foram criando os programas da Fundação. Tanto que é que quando criou o programa “Homem do Campo”, foram escolhidas as Prefeituras – foram 60 cidades, se não me engano – e o dinheiro não era pago para a Prefeitura. O dinheiro era pago diretamente ao beneficiário que estivesse fazendo o serviço, que tivesse sido contratado. E teve Prefeito que não quis: “Ou entra na conta da Prefeitura ou eu não quero”. Prefeituras paupérrimas, não é? E a Fundação não fez. Quer dizer, já foi uma libertação da Fundação desse tipo de política.
Melhorou. Houve bastante dinamismo depois disso. Depois de conseguir... Das pessoas se levantarem, sabe, e ver: “A gente tem que continuar. Vamos fazer um trabalho legal, vamos fazer esse trabalho social”. Essa utilidade social, diria assim, da Fundação, é uma coisa muito boa. Eu falo na Fundação com muito respeito e muito carinho. É uma alegria para mim lembrar que eu trabalhei lá. Gostaria até de ainda estar lá, mas a vida muda, as situações mudam e a gente vai mudando também, de acordo com as necessidades ou com as oportunidades. Mas eu falo com muita alegria da Fundação. Carinho de verdade. A utilidade social dela dá qualidade para aquilo que a gente faz, para os sonhos profissionais. É outra coisa.
P: Como era o seu trabalho lá? Você entrou em 1994...
R: Em 1995. Fevereiro de 1995. Até setembro de 2002.
P: Você chegou a transitar em outros setores além do administrativo?
R: Fiquei no administrativo, quase sempre. Passei um ano na área contábil, depois voltei para o administrativo para ser o gerente de núcleo lá. E eu cresci na Fundação. Entrei na menor comissão, fui crescendo, crescendo, e cheguei à Assessoria. Mas o que eu gostei mesmo foi da área administrativa. Adorei gerenciar. Achei fantástico. Eu acordava de manhã e sentava na cama, agradecia a Deus porque eu ia para o trabalho, de tão feliz que eu ia, sabe? Era muito gostoso, um monte de gente trabalhando, e gerenciar tudo aquilo, deixar as pessoas botarem para fora, criar. O pessoal estava a todo vapor criando e fazendo da forma como gostava, e o setor crescia. E eu pensava que quanto mais as pessoas crescessem, mais eu crescia também, e todo mundo crescia, gente. Então aquilo era muito gostoso.
Era gostoso quando eu chegava do almoço, por exemplo. Uma vez me disseram que a recepcionista e outro menino, contratados, quase tinham se batido. Quase saíram no tapa. Brigaram. Aquilo para mim era um desafio gostoso, de levar um para a salinha, ouvir um, depois ouvir outro... Eles sabendo o que eu estava fazendo. Eu não omitia opinião nenhuma. Depois juntar os dois e deixar os dois se acertarem. Eu ficava ali como mediador, quando preciso. Foi muito legal aquela vez, porque eu só virei para eles e falei: “Eu só não abro mão da boa qualidade do relacionamento dentro de meu setor. É a única coisa de que eu não abro mão. Agora, o resto vocês se acertam”. Quer dizer, o rumo estava dado. Deveria se tomar um rumo nesse sentido. Aí os dois falaram, e no final os dois se perdoaram, aquele negócio todo, e ela era crente e ia ter a ceia por aqueles dias, e ela não queria ir para a ceia com aquela mágoa. E os dois saíram abraçados, e eu vim atrás, como se eu nunca tivesse estado ali. Os dois saíram abraçados, conversando, melhores amigos. E isso era muito gostoso.
P: E qual era o maior desafio? Esse era o gostoso, mas qual era o desafio de verdade? [risos]
R: Olha, o desafio do trabalho, para mim, sempre foi um prazer. Eu sempre gostei muito de criar, de inventar coisas, de buscar o que tinha de melhor. Então, eu nunca fui parado ali na Fundação. Eu fiquei num setor, depois eu fui saber, quando o pessoal foi embora naquela mudança... Porque eu cheguei e botei o setor abaixo para reorganizá-lo. Botei mesmo: tudo! Tirei tudo de dentro dos armários – ninguém andava dentro do setor, de tanta coisa, e eu reorganizei tudo. E aí ficou essa imagem para a administração de que eu aceitava mudança. Eu vim com um novo paradigma, e aí eu fiquei. E os outros até saíram de lá.
E eu sempre gostei disso mesmo: de questionar por que a gente estava fazendo daquela forma, e se não tinha uma forma mais legal. E sempre que tivesse, ou vindo de mim, ou vindo de algum funcionário, a gente analisava, para melhorar.
P: Cesar, então você pegou a mudança do edifício Camargo Corrêa para o edifício Number One.
R: Peguei.
P: Como foi essa mudança?
R: Olha, essa mudança, tinha horas que era legal, tinha horas que a gente se aborrecia um pouco. Mas foi um período gostoso. Foi um período legal de a gente olhar as plantas... Eu gosto disso – eu gostaria de ter sido arquiteto, não é? Então, era legal você olhar e você imaginar, e ver o que ia precisar, e acompanhar... Aquele negócio todo.
P: A Fundação se expandiu, depois?
R - Se expandiu. Ela tinha encolhido, depois ela foi para o Number One com um determinado quadro, aí ela começou a expandir, aí não cabia mais, tinham um andar e meio, aí tiveram de comprar outro meio andar... Ela tinha que crescer mesmo – estava trabalhando muito. O trabalho estava crescendo muito. Se trabalhava muito na Fundação – principalmente as áreas-fim.
P: Que área-fim?
R: Como é que chamava lá? As que lidavam diretamente com os projetos. Eu era de área-meio, não é? A área administrativa dava apoio para eles, para a Fundação funcionar.
P: Cesar, algum projeto que tenha lhe chamado atenção, ou algum sobre o qual você gostaria de falar...
R: Olha, eu gostei muito do “Homem do Campo”. Acho um projeto interessante. Apesar de não ter vingado. Foi engraçado, porque foi tanta coisa, assim: “Vamos, vai fazer!”. Viajou todo mundo, não é?
P: Todo mundo comenta que foi numa viagem...
R: Era o seguinte: eu participei. Foi uma viagem. Eu estava doido para ir numa viagem lá no Amapá, em Roraima – um lugar que eu nunca vou por minha própria conta. Tenho que ir a serviço, não é? Mas eu fui para Irecê, na Bahia, também sertão da Bahia. Com algo de Carinhanha, mas já mais evoluído, mais desenvolvido. E a gente ia lá... As Prefeituras eram escolhidas – de acordo com comunidade solidária, alguma coisa que trabalhava com comunidade solidária junto – e a gente ia lá para fazer os projetos junto às Prefeituras. Nós, como técnicos da Fundação, íamos fazer os projetos na área de Educação, de Saúde... Isso daí você construía posto de saúde, você reformava, você preparava escolas, você preparava alguma coisa na área de agricultura familiar... Uma série de coisas bem interessantes. Então a gente os auxiliava na formulação desses projetos. Passava quatro, cinco dias lá na cidade. Eu fui a uma só – foi bem interessante.
P: Você foi com quem?
R: Eu fui com o Marco... (pausa) O Marco, que aposentou. Era um Marco que eu achava ele assim, parecia meio de cara feia, mas o cara era super legal. Depois, viajando com ele, eu vi que não tinha nada a ver. Ele era assim, meio fechadão, mas um cara muito bacana.
P: Você teve alguma história dessa viagem? Alguma lembrança em particular?
R: Não... Tenho a lembrança de que... A gente chegou em Salvador à noite e tinha que ir com a Superintendência. Uma lembrança excelente foi o hotel maravilhoso em que colocaram a gente e eu tive que sair de manhã do hotel. Eu queria ter passado um dia inteiro aproveitando lá no Corredor da Vitória. Uma vista lindíssima, tudo envidraçado. E eu pensei: “Meu Deus, só uma noite! Que desperdício!” [risos]. Queria ter passado o dia inteiro lá.
Foi gostoso. Não teve nada de especial. Só questionamentos – pobreza no interior. Por exemplo, eu saí de lá questionando, e questiono até hoje, por que tudo para pobre tem que ser pobre. Por exemplo, você faz uma sala de aula no interior – “Não, as crianças estão tendo aula”. Estão tendo aula: pega uma casa velha, uma sala grande e põe quatro turmas ali dentro, com uma só professora – as quatro turmas no mesmo horário. Por que para pobre tem que ser assim? Por que não faz quatro salas de aula com quatro professores?
P: E vocês foram para lá para estruturar qual ação?
R: Aí os Secretários é que diziam à gente das necessidades. A gente não colocava as necessidades para eles. Quais eram as necessidades deles. A gente ia ver junto com eles – até dava opinião. Foi na área de Educação, foi na área de Saúde... Tinha posto de saúde fechado, abandonado, então a Fundação ia reequipar, para voltar a funcionar... Na área de Educação, a gente estava com um projeto – não estou me lembrando agora, porque tem tempo, isso foi em 1997 – um projeto muito bom na área de Educação, que entrou também. Na área de Agricultura também, a questão de mudar – eles iam fazer plantios nas casas. Não lembro se eram frutas, se era de hortaliças também... Parece que frutas.
P: Você teve um feedback, se deu certo?
R: Eu não era da área operacional, então eu não acompanhei, porque fiquei na área administrativa. Mas depois o programa acabou. Eu não sei, eu realmente não sei como é que ficou.
Na área administrativa, eu olhava: o meu cliente, quem é? São os funcionários. É a Fundação funcionando. Então, eu procurava fazer de forma que aquilo fosse o melhor possível, para que o que saísse dali também fosse o melhor possível - da Fundação para fora.
P: E nessa época em que você trabalhou lá, como era o relacionamento entre os funcionários? Existiam confraternizações?
R: Só existia! [risos]
P: E como era?
R: Se você vê as fotos que eu trouxe, tinha só foto de festa! Quando não tinha, eu te falei: a gente chegava de manhã, comprava pão com mortadela e levava. E era a festa: pão com mortadela - café da manhã. Sexta-feira, happy hour, e a gente se virava – fazia festa sempre. Eu achava um relacionamento muito bom. Eu sentia que os funcionários se gostavam, mas tinha um problema de clima, que eu nunca consegui entender o que era aquilo – porque o clima... Quando fazia uma pesquisa de clima, os indicadores eram baixos. Os resultados eram baixos, mas o relacionamento era alto.
Nunca entendi isso direito. Talvez por essa cisão que houve. Houve a cisão, então eu acho que, para o funcionalismo, a cisão ficou: nós e a administração. Porque a administração representava o banco. Não estou questionando se a administração era boa ou não era boa, estou falando que ficou o sentimento. Talvez esse tivesse sido o problema, que não sei como é que está hoje, mas que acompanhou a Fundação durante um bom tempo.
P: E essa relação com os contratados. Existia? Como era esse relacionamento entre funcionários e contratados? Porque foi na sua época que começaram a existir novos contratos...
R: Foi. Foi o seguinte: o banco extinguiu o cargo de contínuos, e aí um contínuo saiu no PDV e outro voltou para o banco – a gente ficou sem contínuo. Aí saía eu, Estrela e Edimilson distribuindo material promocional na rua... A gente pegava táxi – o serviço abandonado e a gente fazendo serviço de contínuo. Aí eu pesquisei, estudei e ________ de contínuos lá. Propus, foi criado, aí fizemos o processo licitatório. Contratamos contínuos. Depois, nós vimos que precisava mais gente, porque só tinha comissionado – não tinha o chamado “posto efetivo” do banco.
Aí fiz um quadro de carreira, pesquisei – pesquisei até muito na Câmara dos Deputados que já tinha um quadro de carreira, entre aspas, de contratados. Então, a gente pegou e fez o processo licitatório para colocar em todos os níveis. A gente criou os níveis salariais – aí eu não deixei mais que as empresas disputassem em cima do salário deles. Porque quando foi para contínuo, eles botaram o salário igual ao do pessoal da limpeza, e contínuo tem que ganhar um pouco mais que o pessoal da limpeza. Que as empresas concorreram em cima dos salários, aí eu estipulei salários, e elas tiveram que concorrer em cima do lucro delas. Aí, contratamos.
P: Mas aí contratou terceirizados para quais áreas? Só para contínuos, ou teve outros cargos?
R: Não, para contínuos, para auxiliar e técnicos. Tinha alguns cargos técnicos: tinha técnico na área de comunicação, técnico na área de informática... eram un dois ou três cargos técnicos. Ganhavam um pouco mais. Tinha a secretária do Presidente – Diretor Executivo, na época -,as recepcionistas. E o pessoal da limpeza e da copa a gente continuou pegando do banco, a gente não contratou direto não. Aproveitou a licitação do banco e trouxe, que era mais prático. Melhor administrável.
P: Ficou bom isso?
R: Ficou. Eu achava que, apesar de ser mais dispendioso, deveria vir pessoal iniciante do banco - pessoal posto efetivo - para a Fundação. Porque a Fundação podia investir neles. A Fundação começou a investir nos contratados. Aí, não me lembro qual auditoria – se foi da CISET [Secretaria Federal de Controle Interno] ou se foi da (AUDITI?), do banco – e alertou que a Fundação não podia investir em quem não era do quadro – eles eram de outra empresa.
Então, era ruim, porque na época em que investiu, foi muito legal. Se investiu muito na qualidade do atendimento, então o pessoal cresceu. Aí, depois, vinha gente nova e você não podia investir neles. Ao passo que se fosse funcionário, o funcionário viria e ficaria um pouco mais caro? Sim. Mas você poderia investir neles e eles crescerem ali dentro. E a gente sair de férias ou qualquer coisa assim. Qualquer tipo de ausência, eles poderiam substituir – até os cargos comissionados.
Mas foi um pessoal bem alegre. Pessoal muito dinâmico. E era esse pessoal mais festeiro. Tudo que fazia, poderia até ir pouco funcionário, mas os contratados estavam todos lá. Pessoal muito unido... Bem legal. E foi muita gente bacana, entre os contratados.
P: E o relacionamento entre funcionários e contratados?
R: Eu acho que era bom, porque na minha área era [muito] bom. Em toda área administrativa era muito bom. A gente teve uma gerente, a Nilda, que ela... Hoje teve divisão, não sei, a (KP4?) lá...
P: Gerente de área.
R: Gerente de área, não é? Pois é, a Nilda era gerente, acho que de divisão. E ela fez muito trabalho de integração no setor. Então, foi muito bom, porque o pessoal até comentava da Fundação, como é que a gente conseguia ter tanta união. Toda área administrativa era muito coesa e trabalhava muito legal. Nós nos ajudávamos. Éramos muito solidários. E foi esse trabalho que ela fez. Foi um trabalho muito interessante e que, para mim, está valendo até hoje. Viu?
P: Cesar, como você avalia sua trajetória na Fundação?
R: Eu avalio uma trajetória de subida. Em termos, assim, de carreira profissional, eu fui subindo. Tanto é que nos oito anos de contenção salarial, eu não senti tanto, porque eu fui sempre sendo promovido. Então, o salário estava sendo contido, mas eu estava ganhando mais, porque eu estava sendo promovido. Então, manteve o padrão, não é?
E essa trajetória foi uma trajetória gostosa. Teve muito sofrimento? Sim. Teve períodos bem difíceis, teve algumas pessoas difíceis de lidar... Sabe? Teve alguns momentos em que me vi com o pé na porta, com vontade até de sair. Mas fiquei, pelo próprio apoio dos colegas, que eu nem chamava mais de colegas, mas de amigos. E isso não aconteceu só comigo – aconteceu com outras pessoas também. Mas eu acho que, no cômputo geral, foi bom. Foi muito bom.
P: Teve alguma fase que foi mais marcante?
R: De boa ou de ruim? [risos]
P: Pode ser uma de cada. [risos]
R: De ruim, eu acho que foi esse corte. Essa foi a mais marcante. Essa atingiu muita gente. E, de bom, foi o período quando a (Heloisa?) entrou. Foi quando eu fiquei liberado de um problema sério que eu tinha lá, de uma certa perseguição. As pessoas que lerem vão saber do que estou falando. Foi uma pessoa lá, que atazanou. E meu setor pôde trabalhar. Foi nesse período que eu agradeci a Deus que eu ia para o trabalho. Porque a gente cresceu. Foram poucos meses, porque depois eu fui para a Assessoria, mas nesses poucos meses a gente cresceu. O setor cresceu, e cresceu alegre. Esse foi o período mais alegre.
P: E pessoas marcantes que você gostaria de comentar?
R: Pessoas marcantes? Nilda, João Portela, Estrela, Maria Helena... Ô gente, é tanta gente marcante, vou ter que dar todo mundo assim! O Edimilson, a Dulce... Essas foram marcando... É muita gente! A Rosáuria... Isso eu falei dos funcionários. De contratado, a Rosáuria. A gente sempre foi muito amigo, até hoje... Eu poria o nome de todo mundo. Eu vou falar 60, 80 nomes aqui! [risos].
P: E o que significava, Cesar, trabalhar com projeto social, trabalhar com o Terceiro Setor? O que isso significou para você?
R: Em primeiro lugar, uma escola. Ali é uma escola. Eu aprendi muita coisa. E acho que uma das coisas mais bonitas - eu não sei se vou saber dizer, exatamente, como eu aprendi. Eu não me lembro o nome dela, uma senhora que trabalhava com pessoas com, talvez, necessidades especiais - não sei que nome dar para isso, mas deficientes não. E ela mostrou à gente como essas pessoas eram iguais a nós. Simplesmente diferentes (naquele?), ou na perna, ou no olho, ou nas cordas vocais, ou nos ouvidos. Essa diferença. Mas eram pessoas como nós.
Então, ela delu uma nova visão de como ver isso. Porque a Fundação estava preparando um programa para trabalhar com pessoas especiais. Então, acho que essa foi a coisa mais bonita que aprendi ali: que somos seres humanos, todos. Cada um de uma maneira. E nem devemos querer que se altere, porque pode ser feliz daquela maneira – ele ou ela. Eu sou feliz da minha maneira, mas a outra pessoa não precisa ter tudo que eu tenho para ser feliz – ela é feliz também. Isso foi o mais bonito que eu aprendi.
P: Você pode traduzir a Fundação em algumas palavras?
R: A Fundação está em meu coração. Eu me emociono ao falar da Fundação, sabe? Por isso não queria ficar falando só um nome ou outro. Eu citei só alguns nomes, mas todas as pessoas, tudo o que aconteceu, os sofrimentos e as alegrias, tudo foi um imenso aprendizado. É uma coisa como eu já falei aqui: eu tenho carinho imenso - muito, muito grande. Chega a dar um negocinho na garganta para falar. Eu tenho, de verdade.
P: Cesar, tem alguma coisa que você gostaria de falar que a gente esqueceu de perguntar? Algum momento que você quisesse registrar aqui?
R: Olha, de experiência minha, por exemplo, eu registro uma coisa: quando eu fui convidado para ir para a Assessoria. Chegou (Heloísa?), a gente tinha sido programador junto, no antigo (DEPRA?), aqui no banco, e ela achou que como eu tinha todo aquele preparo em programador... Não gostava de ser programador, nunca gostei: passei em primeiro lugar no concurso e em último e penúltimo no curso para programador. Fiz segunda época – tive que fazer recuperação, porque eu não gostava daquilo. Mas fui, porque eu tinha passado muito bem no concurso e fui me aventurar. E trabalhei quatro anos e trabalhei direito. Então, eu aprendi que se a gente consegue trabalhar no que a gente gosta, fica. Junta o que você tem que fazer com o que lhe faz feliz. Eu aprendi isso. Foi outra coisa marcante também. Eu fazia o que eu gostava. Por que iria mudar? Eu não gostava, Assessoria não era minha praia. Não é que fosse ruim não, mas não era minha praia. Minha praia era lidar com gente ali, a parte administrativa. Deu confusão, era melhor ainda! Para resolver...
P: E hoje, Cesar? Você saiu da Fundação em 2002, não é? O que você foi fazer?
R: Por problemas familiares, eu precisava trabalhar seis horas. E aí tinha uma comissão muito boa na Tecnologia, uma (P-9?) lá, que eles depois consideraram aquilo uma distorção, tanto que foi extinto. Então, eu ganhava muito bem para trabalhar de sete da manhã à uma da tarde. Eu não perdi quase nada de sair da Assessoria da Fundação para ir para essa Comissão. Perdi muito pouco de dinheiro. Aí eu fui para lá.
Era um cargo técnico. Não tinha nada a ver com o trabalho de Fundação, não dá nenhuma empolgação fazer aquilo, mas foi uma necessidade e eu peguei o melhor que eu podia pegar, dentro da minha necessidade.
E agora estou lá. As seis horas foram extintas. Fui feliz durante dois anos – soube que fui – e aproveitei. Aproveitei o máximo. Foi muito bom. E agora eu tenho que completar o tempo: faltam três anos para aposentar. Quer dizer, eu também não sei se vou aposentar em três anos – eu não sei como as coisas vão estar, não é? Se eu estiver muito feliz trabalhando, eu não saio não.
P: E você acompanha notícias da Fundação?
R: Acompanho. Recebo os jornais e tudo. Tenho contato com o pessoal. Vou quando tem alguma festa, alguma comemoração. Estou até com saudades de lá. Estou precisando tirar um tempinho e ir lá.
P: E como é que você recebeu a notícia desse projeto de registrar a memória da Fundação?
R: Eu achei muito legal, porque a gente sempre falava nisso. Fez-se algumas tentativas na Fundação de registrar alguma coisa, mas não foi um trabalho profissional. Tem que pegar profissionais que conhecem e trabalham com isso para poder montar. Eu achei muito legal, muito bom.
P: Você gostou de dar o depoimento?
R: Eu acho ótimo [risos]. Estava um pouco nervoso, mas fiquei calmo. [risos]. Mas achei bem legal fazer isso. A Fundação sempre teve isso de guardar a memória. Até a Cristina Souto Mayor, ela guardava muito a memória da Fundação. Mas precisava de uma coisa maior. Que tivesse exatamente isso que está tendo: fotos, e gravar depoimentos, filmagens... Isso é muito interessante. E a história não deve ser esquecida, porque as experiências que se teve, elas servem para que seja melhor, se aprender e ao mesmo tempo não repetir as coisas que não devem ser repetidas.
P: Pelo fato de você não estar lá mais, você gostaria de dar algum recado ou registrar alguma mensagem para as pessoas que estão lá ainda?
R: Uma mensagem?... O que eu deixo é que o trabalho que eles fazem é um trabalho muito bacana. O fato de estar trabalhando pela melhora de alguma coisa. Chamar só de trabalho social fica muito comum, mas essa utilidade, ser útil. Fazer alguma coisa efetiva. E eu vejo que a Fundação cada vez está fazendo um negócio mais efetivo, de trabalhos que o resultado seja auto-sustentável, que produza algum fruto mesmo. Isso é muito legal. Muito gratificante. Melhor que você sentar numa mesa e ficar fazendo um trabalho que seja só burocrático. Lá, mesmo que ele seja burocrático, ele tem um fim. Ele vai desembocar em alguma coisa para melhoria de uma comunidade, ou de pessoas. E é muito gostoso trabalhar assim.
Eu quero dar um abraço bem gostoso para todo mundo e desejar que eles sejam muito felizes e que eles vejam como é bom trabalhar no que eles trabalham. E que façam disso o melhor possível: o melhor ambiente, o melhor trabalho, o melhor resultado.
P: Então, em nome da Fundação, em nome do Museu da Pessoa, gostaria de agradecer o seu depoimento. Você viu que não doeu! [risos]
R: Nada! [risos]
P: Você ficou calminho!... [risos] Obrigada mesmo.
R: Obrigado a vocês também.Recolher