Projeto SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Célia Regina Feltrin Carrilo
Entrevistada por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
São Paulo, 05 de janeiro de 2005
Realização Museu da Pessoa
Código: SOS_HV019
Transcrito por Susy Ramos
P/2 – Célia, para começar, queria pedir que você dissesse p...Continuar leitura
Projeto SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Célia Regina Feltrin Carrilo
Entrevistada por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
São Paulo, 05 de janeiro de 2005
Realização Museu da Pessoa
Código: SOS_HV019
Transcrito por Susy Ramos
P/2 – Célia, para começar, queria pedir que você dissesse para a gente o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Célia Regina Feltrin Carrilo, sou recém-casada, então confundo meu nome antigo de solteira. Eu nasci no dia 21 de abril de 1969 em São Paulo.
P/2 – Seus pais, o que seus pais fazem?
R – Minha mãe é do lar e meu pai era desenhista mecânico e agora é aposentado. Meu pai tem setenta e dois anos, ele aposentou quando eu tinha catorze anos, então faz bastante tempo que ele está aposentado (RISOS), está aí curtindo a vida.
P/1 – E eles eram de São Paulo?
R – Não, meu pai é de Piracicaba e a minha mãe, ela é de Paraisópolis, Minas Gerais e eles se conheceram aqui em São Paulo, em Moema. Meu pai conta muito da época do bonde ali de Moema, que eles moravam ali na Avenida Bem-te-vi, ele relembra quando ele passa, quando chega uma certa idade só fica lembrando do passado – então passa em um lugar, fica lembrando: “Ah, aqui tinha bonde, aqui tinha não sei o quê, aqui não tinha isso aqui...”. Eu estava até conversando com você, com o Rodrigo, que eu sou até um pouco apaixonada por essa coisa de descobrir o antes, o porquê, a história das pessoas também.
P/1 – E você quando era pequena, você morava onde?
R – A gente morava no Capão Redondo, que é a periferia de São Paulo. A gente morava em um lote inteiro e a casinha lá no fundo, uma casinha pequena, mas tinha um terreno enorme. E a minha mãe plantou de tudo lá, ela fez uma parte de frutas, uma parte de horta e uma parte de flores. Eu e os meus irmãos, eu e mais três, só que na época que a gente morava lá era eu e mais dois – a gente era os reis daquele cantinho. Eu lembro que quando a gente era criança, eu acho que eu tinha uns dois ou três anos de idade, a gente brincava de alienígena. As bananeiras crescem todas juntinhas assim, então a gente entrava dentro delas porque a gente era criança, minúsculo, e colocava palito de fósforo e ali era nossa nave espacial, você acredita nisso? E a gente saía da nave, eu e meus dois irmãos, e a minha mãe estava lá plantando: “Olha lá o alienígena!”, aquela coisa de criança. A gente foi criado assim, não fui criada em interior, mas a minha mãe tinha galinha, meu irmão gostava muito de subir em árvore. E quando meu pai teve mais condição, a gente veio para morar em Interlagos, que era uma casa grande, normal – porque a que a gente morava era só quarto, cozinha e banheiro – com um quarto só para a gente, a gente odiava porque era pequeno. A gente falava: “Odeio esse lugar, é pequeno!”. Meu irmão não tinha árvore para subir, a gente não tinha lugar para correr. A gente tinha muito espaço, na verdade a criança valoriza, ela tem outra valorização de mundo, então ali a gente valorizava o quê? O espaço, a natureza que a gente tinha. E os adultos valorizam outra qualidade de vida para eles que é a casa, os cômodos, um bairro mais centralizado. E a gente entrou em choque, a gente ficou acho que um ano de mal dos meus pais porque a gente mudou de casa. A gente estava mudando para um lugar melhor, mas a gente teve que perder tudo aquilo que a gente tinha, inclusive foi junto cachorro porque o cachorro não coube no sobrado. Para nós três, a gente ficou assim um ano meio revoltado. Depois a gente foi acostumando porque criança faz amizade muito fácil, faz amizade com os vizinhos, cria um outro vínculo. Mas o que eu percebi em mim e nos meus irmãos é que a gente nunca rompeu com aquilo que a gente tinha. A gente sempre lembra daquele lugar, que é um bairro superafastado, uma casa pequena, mas para a gente isso daí não pegava. O que a gente gostava era do espaço, muita terra, plantas, cada um tinha uma árvore – sabe “O meu pé de laranja-lima”? – a minha era a goiabeira que era a menorzinha, da minha irmã era maior que era o pessegueiro, do meu irmão era uma outra goiabeira. Então eu acho que nisso, eu trabalho com criança, eu acho que a criança valoriza, ela tem uma harmonia natural com a natureza, e depois que a gente cresce, eu não sei o que acontece, a gente começa a estragar tudo.
P/2 – E você mudou para Interlagos com que idade?
R – Eu fui para lá com uns quatro anos.
P/2 – Mas você tem lembranças bem fortes, então, de Capão Redondo?
R – Eu era pequena lá, mas a gente lembra muito porque fazia festa junina. Minha avó – minha nonna, mãe do meu pai – gostava muito de lá, as pessoas gostavam muito de ir para lá, apesar de ser pequeno, um lugar assim gostoso, agradável. Minha mãe transformou em um lugar lindo, porque um terreno é um terreno, mas ela plantou de tudo, até abacaxi tinha, na época do milho: “Ah, vamos lá colher o milho”. O que acontece, hoje em dia eu estou saindo de São Paulo, indo para o interior, porque eu quero voltar naquilo, eu quero, como fala?
P/1 – Resgatar.
R – É, eu quero resgatar isso porque eu não tenho filho ainda, mas quando a gente tiver nossos filhos, a gente quer aquilo para eles. Um lugar para eles andar com o pé no chão, empinar uma pipa sem ficar: “Olha o fio aqui, fio ali”. Bicicleta: “Olha o carro!”. A gente quer aquela coisa mais de antigamente, não sei se isso é possível, mas a gente vai tentar.
P/2 – E Interlagos, como era? Você já falou que sua casa era um sobrado, mas e o bairro, como era? Já era bem urbanizado quando você mudou ou ainda tinha?
R – Interlagos é muito próximo do autódromo. Na época não tinha, a nossa rua era de terra, a avenida principal de agora era de terra também, estava em época de tubulação. A gente, muito comportado, a gente se jogava naquela terra vermelha, entrava naqueles canos enormes que aquilo é uma maravilha para criança. Eu lembro de lá muito da terra vermelha, a gente brincando, e na época de corrida era totalmente diferente de agora. O pessoal, os estrangeiros vinham e acampavam, em qualquer graminha que tinha, eles acampavam. Era muito legal, então você tinha mais facilidade de falar com as pessoas. Agora não, já está tudo assim, hotel, ficou aquela coisa mais organizada lógico, mas perdeu essa coisa mais espontânea. Lá, a gente conseguiu estabelecer, perdemos a nossa terra, nosso paraíso, mas a gente conseguiu estabelecer um lugar lá para a gente. Então quando não estava asfaltado, a gente deitava e rolava na rua, brincava à vontade. E, mesmo quando asfaltou, a gente quase conseguiu transformar a nossa rua em rua de lazer para a gente ter um pouco daquilo que a gente tinha. Só que a gente não conseguiu porque era uma rua que facilitava retorno para a Avenida Interlagos, então não foi permitido. Mas a gente até tentou batalhar, infernizou os pais para tentar fazer lá a rua. O que acontecia, a gente acabava até fazendo com corda, andava de bicicleta, bola, tudo, aí chegava o carro, a gente recolhia com aquela cara, saía, botava de novo porque a gente queria bastante essa questão de ter um lugar para a gente, só que a gente foi vendo que isso não era possível, mas até onde a gente conseguiu, a gente lutou.
P/2 – E os seus estudos foram em Interlagos mesmo?
R – Me formei em escola municipal, depois em escola estadual, a parte do colegial, que eu fiz normal.
P/2 – Você fez o normal?
R – É, normal, não sei por que chama normal, magistério (RISOS), antigamente falava normal, quem não fazia era anormal, sei lá.
P/2 – E você sempre quis trabalhar com criança? Sempre teve essa propensão ao magistério?
R – Não, eu era assim: a minha irmã mais velha sabia tudo o que ela não queria e também não sabia o que queria. Eu não queria nada, estava bom do jeito que estava. Eu não sabia: “O que eu vou ser?”, “Ah, não sei.”, não tinha noção do que eu ia ser. Minha mãe conversando comigo falou: “Faz magistério”. Mas não que eu tivesse... Algumas pessoas já tinham falado que eu tinha dom de tratar com criança, mas eu não tinha sentido isso dentro de mim, falei: “Está bom, vou fazer, tem que fazer alguma coisa, e como eu não gosto de matemática, aí vamos para o magistério”. Eu era muito tímida, ainda sou, só que agora a gente consegue disfarçar, mas na época, um show de horror. Então, eu fiz o magistério, gostei, comecei a trabalhar com criança. A criança gostava de mim, só que eu não gostava da criança, não que eu não gostasse da criança, mas criança pula em cima de você, gruda, os alunos, eu ficava: “Nossa!”. Eu andava um passo, vinha um monte grudando, eu falava: “Gente do céu! Sai, sai, sai!” E eles: “Professora, professora”. Eu acho que eu tinha um pouco de receio, não digo das crianças, mas de me entregar totalmente, então estava um pouco reservada, quando eu falei: “Que se dane!”. E com as crianças eu também virava uma criança, aí caiu esse receio que eu tinha. As crianças gostam muito de mim e, agora, já trabalho com criança há quase vinte anos, sou apaixonada por criança, só que morro de medo de ter filho.
P/2 – É?
R – É engraçado, né? Eu acho que fazer filho é muito fácil, educar, ainda mais no mundo que a gente vive, é muito complicado. Eu até conversei com a minha mãe: “Eu não sei se eu ia conseguir ser uma mãe como você foi”. Porque o que eu vejo de educação é que dá muito trabalho. Eu como professora, também digo isso, a criança que tem que fazer, não o outro fazer pela criança. E o mundo de hoje está muito assim, está tudo muito fácil, e você fica: “É você que tem que fazer”. Cansa, é mais cômodo falar: “Eu faço para você, ou fulano faz, ou eu pago fulano para fazer”. É muito mais fácil, muito mais prático, porque não tem tempo. Mas o correto não, o correto é deixar a pessoa que está aprendendo, tanto faz a idade, fazer. E acho que no dia a dia, nessa confusão do rápido, tudo tem que ser rápido, o produto rápido, rápido, você acaba encurtando esse caminho e o que acontece? A pessoa não se forma como indivíduo, porque o indivíduo tem que errar para aprender, a partir do momento que ele erra, ele aprende. Só que a nossa sociedade ensina que errar é feio. Dentro da escola, eu falo para os pais o contrário, eu falo que errar é bom, a gente tem que errar. Nas reuniões de pais, eu converso com os pais, eu falo: “Olha, comigo aqui funciona assim, derrubou o negócio no chão? ‘Ah, por que você fez isso?’ Não é assim, é assim: ‘Olha, caiu, pega?’ Sem drama.”, por quê, o que acontece? A nossa sociedade não trabalha a questão emocional das pessoas, a sociedade fala: “Tem que ser assim!”. Você fica sendo assim, mas não que você aceite ser assim, você é assim porque a sociedade mandou, mas e os conflitos internos, como você trabalha? Como professora eu coloco isso para os meus pais, a criança errou? Claro que tem que ter alguém do lado para dar o suporte, essa é a função do pai, da mãe, do professor, no caso se estiver dentro da escola, mas eu já mudei o assunto, nem sei mais do que eu estava falando.
P/2 – Está dentro do assunto sim. E como foi essa experiência, você já falou que tinha certo receio no início. Mas quando você realmente entrou para o magistério, na prática, como você foi trabalhando com criança, como foi seu contato com elas?
R – Eu senti uma super-responsabilidade, falei: “Caramba! Estou com quarenta – na prefeitura são trinta e cinco, quarenta – estou com quarenta na minha mão, meu Deus do céu, o que vou fazer? Será que eles vão gostar, vão se formar direitinho, vão alcançar os objetivos?”. Eu ficava atormentada, eu vou dizer para você, eu não superei isso, ainda sou atormentada, mas eu organizei esse tormento anualmente com projetos, então eu faço assim no começo do ano: “O que eu vou trabalhar com eles esse ano?”. Por quê? Porque a gente não pode cair na rotina de dar sempre a mesma coisa. Tem professores que dão a mesma atividade oitocentos anos sendo que a nossa criança, ela a cada segundo já é outra, com acúmulo de conhecimentos que a gente corre atrás e não consegue alcançar. Eu falei assim: “Eu não vou ficar louca, eu vou trabalhar em projeto”. No começo do ano, eu penso o que eu quero trabalhar com eles, e a partir do começo do ano, eu vou estabelecendo atividades, então foram acontecendo várias coisas interessantes. Como professora, eu comecei na prefeitura com dezenove anos. Eu terminei a faculdade com dezenove e eu fiz a faculdade em uma situação bem estressante. Porque eu fiz o Magistério, são quatro anos, o último ano de Magistério, eu fiz o primeiro ano da faculdade e comecei a trabalhar, então eu fiquei louca porque fazia Magistério de manhã, trabalhava no meio e fazia faculdade à noite. Chegou uma época do ano que eu já não sabia o que era da faculdade, o que era do Magistério porque as matérias são todas parecidas, no meio do ano me deu um estresse que na sala da faculdade eu falei: “Eu vou desistir de tudo, eu não aguento mais!”. Minhas amigas: “Calma, calma”. Porque era muita coisa, e elas: “Fica tranquila, você vai conseguir, depois quando você conseguir, você vai ver que foi bom para você fazer tudo de uma vez”. Eu falei: “Ah, está bom”. Então, quando eu terminei a faculdade, eu senti falta de novos conhecimentos, só que eu não tinha condições de fazer outra faculdade, o que aconteceu? A prefeitura disponibilizava vários cursos, então eu sempre corria atrás de muito curso que a prefeitura desse, alguns eu fiz na USP também, que tinha desconto para professor, eu sempre fiz muito curso. Na rede eu era conhecida por fazer muito curso. Eu estava em uma escola, tinha convocação, porque quando tem convocação tem que mandar alguém, se é no caso para professor, tem que ir um professor, quem vai? “Ah, vai a Célia, põe a Célia.” Me mandavam, eu ia fazer coisa que eu nem sabia o que estava fazendo. E tinha o que eu escolhia e tinha os que me mandavam fazer, eu ia fazendo. Eu chegava a fazer, trabalhar e no mesmo dia fazer uns dois, três cursos, e sempre querendo mais. Até aí eu trabalhava normal com as minhas crianças com a linha pedagógica da prefeitura, a gente estudou, tudo direitinho. Mas em 1992, se não estou enganada, teve o Fórum de Educação Ambiental, que foi lá, acho que foi no Anhembi, depois foi na PUC, acho que foi o Segundo Fórum de Educação Ambiental, eu fui. Na época, eu trabalhava em Parelheiros, eu fui parar lá no Anhembi, longe pra caramba, e era uma semana, eu fui para lá. Eu lembro que eu falei: “Cheguei na lua, aliás, em marte”. Estava todo mundo falando marciano e eu não entendia nada. Participava das oficinas, o pessoal falava bla, bla, bla, meio ambiente, e eu boiava. Naquela época eu lembro que participei de um tipo de oficina, grupo, que a pessoa falou assim: “Desenha o que é meio ambiente para você”. Aí todo mundo desenhando arvorezinha, plantinha, não sei o quê, e quando a moça falou que meio ambiente era o lugar onde nós estávamos, eu falei assim: “Hããã”. Descobri o mundo porque eu não sabia, aí: “É mesmo, né? Meio ambiente não é onde tem arvorezinha”. Aí começou a abrir meus horizontes nesse sentido. Voltei para a escola e todo curso que você faz, quando você é a única, você tem que repassar para os colegas. Eu repassei para os colegas tudo e quando eu fui nesse fórum, eu tenho uma mania, que tudo quanto é lugar que passei fui recolhendo panfleto. Peguei panfleto, voltei, estava com um monte de panfleto. Cheguei em casa, botei tudo na mesa, comecei a olhar, olhar, e liguei para os lugares. Então tive minha primeira decepção, porque muitos lugares para os quais eu liguei... e eu tenho o caderno até hoje porque eu fui ligando e fui anotando o que existia e o que não existia. E tinha muita coisa que não existia, não que não existia, mas eram aquelas coisas assim pró-forma que você liga e só sei que não chega a lugar nenhum, você acaba vendo que aquilo é só fachada. E foi aí que eu conheci a SOS Mata Atlântica, eu peguei o panfleto, liguei, me passaram para o Belô, conversei com ele e ele falou: “Deixa seu telefone, quando tiver alguma coisa eu ligo, entro em contato”. Eu falei: “Ah, está bom”. Depois disso, no ano seguinte teve outro fórum, eu quis ir, Educação Ambiental, falei: “Posso ir?”. Como é no Anhembi, tem que pagar, as pessoas não tinham muito interesse. Eu fui só que não era no Anhembi, era na PUC. Eu fui e lá eu vi o Belô, só que eu não sabia que ele era o Belô. E ele era assim, chamou a atenção porque hoje, 2004, estou aqui falando com vocês, mas naquela época eu não sabia que ia virar tudo isso, então estava olhando o Belô, e na época que eu o conheci, ele tinha cabelo muito comprido – não sei se ele chegou a comentar – e o cabelo dele é lindo, liso, brilhante, mulher já olha, “que cabelo lindo!”. E ele estava de chapéu e um colete, eu falei: “Que índio lindo!”. Nada a ver, não é índio. Eu olhei, só que tímida não abri a boca, cheguei à barraquinha dele, peguei os panfletos e saí. Aí aconteceu aquilo que eu falei, liguei para todo mundo, liguei para ele até que ele começou a me chamar: “Olha, vai ter um curso aqui, tal, você quer vir?”. Ai eu fui na instituição para conhecer. Desci lá no Parque Ibirapuera, fui à pé para achar a Manuel da Nóbrega, subi todo aquele morro, falei: “Putz, era aqui em cima, se eu soubesse tinha descido lá e vindo para cá”. Cheguei à instituição e era super diferente do que é hoje. Era uma casa, continua sendo uma casa, mas era bem diferente do que é hoje. Tinha uma lojinha, eu comprei algumas coisas, às vezes eu voltava lá para comprar coisa da lojinha. Mas voltando à questão da sala de aula, eu comecei a trabalhar com essas coisas dentro da sala de aula de maneira muito tímida, tipo: “Estou fazendo certo? Não sei se estou fazendo certo, será que esse é o jeito certo?”. E sempre quando tinha cursos de educação ambiental eu ia, e lá eu via com as outras pessoas que ninguém sabia se estava fazendo certo, não tinha uma receita, as pessoas contavam suas experiências: “Eu estou fazendo assim”. Aí eu falei: “Então eu vou tentar do meu jeito, não tem o jeito certo, eu vou tentar do meu jeito”. Comecei a fazer algumas atividades com os meus alunos. Dentro da escola você percebe, o pessoal falava assim – eu comecei a ser esquisita – “a esquisita”, e comecei a falar o que eu achava, o pessoal falava: “Ah, meu Deus do céu, lá vai a Celinha”. Teve uma época que tinha Mamãe Natureza na televisão, então eu era a Mamãe Natureza. Quando eu abria a minha boca para falar as minhas coisas: “E viva a Natureza!”. E eu: “Ai, meu Deus, tudo bem, agora vamos aguentar o chavão”. Mas eu sempre fui fuçando, fuçando e então muitos cursos da prefeitura, entrei em contato com o pessoal do meio ambiente da prefeitura, teve momentos que o pessoal da prefeitura do meio ambiente, da secretaria, me ligava, inclusive foram na escola que eu estava porque a gente fez parte de alguns projetos da prefeitura, eles me convidavam como professora, na parte da educação para participar. Meus alunos plantaram árvores pelo projeto deles, e uma vez eu criei coragem e falei com a coordenadora: “Vamos trabalhar coisa de meio ambiente com os professores?”. Só que eu não sabia como introduzir, já era difícil trabalhar com criança, com adulto é pior ainda. Falei com ela, ela falou: “Está bom, vamos. O que a gente pode fazer?”. Eu falei: “A gente pode colocar um vídeo”. Porque eu já tinha visto muitos vídeos interessantes nesses lugares que eu fui, Acqua e outros vídeos, no meu caderninho tinha tudo anotado, e a prefeitura tem uma seção de vídeos, então eu fui no catálogo da prefeitura, da educação, olhei e tinha bastante dos vídeos, era uma coisa que eu tinha acesso. Eu fui ao órgão que tem esses vídeos, selecionei alguns vídeos e o que eu percebo é que a direção da escola em que eu estava, na época, me dava liberdade para expor as minhas ideias, em uma reunião, eu consegui levar os professores e assistir esse vídeo. O vídeo que eu escolhi, eu não me lembro o nome agora porque faz muito tempo, mas falava do lixo, e tinha uma imagem que mostrava o lixeiro recolhendo lixo, e mostrou uma imagem que para mim, na época que eu vi, foi fortíssima, talvez as pessoas olhem e nem liguem, mas passou um carro, a roda passou no pé do lixeiro. “O lixo não é nada, o lixeiro também não é nada”. Então eu fiquei horrorizada com aquela imagem, mostrei para os meus colegas, e a gente conversou a respeito e o pessoal começou, parece que a gente está em outro mundo e eles estão em outro mundo porque eles começaram a, não digo a pensar, mas porque não é importante para eles e não sei por que é importante para mim, mas para eles não era muito importante, começaram, sabe assim: “Hã?”. Eu consegui ligar para a Secretaria, já tinha feito um contato lá, do Meio Ambiente, e elas são muito solícitas, pedi para elas virem na escola conversar com os professores, elas vieram na escola, conversaram com os professores e tudo, foi interessante. Na época também tinha a Latasa, aí conversei com a direção, falei: “Vamos fazer o projeto da Latasa?”. Porque para mim era o olhar de educação ambiental, mas para a escola era o olhar “o que eu vou ganhar com isso?”. Mas tudo bem, deu uma pequena abertura, a gente, ela falou para mim: “Está bem, então você monta o que nós vamos fazer, você vai organizar”.
P/1 – Deixa só voltar um pouquinho, aí a gente já pega. Quando você foi fora, você começou a ter esse contato que você até ligou para a SOS e tal, e você voltou e fez um retorno com essas crianças com quem você trabalhava. Como era isso, essa coisa tímida de trabalhar com as crianças o meio ambiente, o que você falava, o que você dava para as crianças?
R – Eu fiz alguns projetinhos, então à primeira vez foram plantar árvores, então a minha sala ficou como os padrinhos da árvore. Então a gente ia lá, sentava embaixo da árvore, cuidamos da árvore, regamos todo dia: “Olha só se não rega o que acontece”. Para que serve a árvore, então sentava na sombra: “Como é gostoso!”. Escutava os passarinhos, e a gente conversava também, eu fazia outras atividades, porque você tem que fazer também a prática de sala de aula, e em um outro momento também a gente tinha um espaço morto dentro do parque, aí eu falei: “Vou fazer um jardim aqui”. É assim, tinha um parque cimentado e no muro tipo uma jardineirinha mesmo, só que só tinha areia e mato lá, aí eu falei que ia fazer uma jardineira ali com os meus alunos. Fui a um final de semana na escola, pedi para a direção, arrancamos toda a areia que tinha, colocamos terra e, no dia letivo, a gente foi lá e falei: “Nós vamos fazer um jardim aqui. Vocês estão vendo como está? Nós vamos fazer um jardim, vai ficar gostoso, vai ficar bonito, e vocês que vão plantar”. Minha mãe sempre teve muita planta apesar da gente ter saído de lá, ela entulhou um monte de planta onde deu, então falei: “Mãe, dá umas mudas aí”. Ela me deu muitas mudas e nós fomos fazer esse plantio. A partir de certa época, eu percebi que era importante eu registrar, até então, algumas coisas que eu fiz eu não tinha registrado, e a partir de certa época eu fotografava tudo, tudo eu fotografava, tenho tudo fotografado, aí a gente tirou a foto do lugar, morto, sem vida, sem graça. Eles foram plantando as plantinhas, nós fomos acompanhando durante o ano porque, foi um processo do ano inteiro, então eles iam para o parque: “Quem vai tirar os matinhos?”. Aí iam as crianças, tiravam os matinhos e eles ficavam assim: “Essa daqui fui eu que plantei”. “Olha como a minha está mais bonita!” E regavam, e tinha briga para regar, aí eles ficavam cuidando. A gente ia trabalhando com eles também a questão da água. Mas nesse caso era uma prática objetiva, eles viram a mudança, nós convidamos os pais depois, todos os pais foram lá ver o que isso trazia de melhor, que mudança isso acarretava, o amor da criança pelo cuidar da natureza, a importância de ter esse amor de cuidar da natureza, não só da natureza, mas das coisas, começar a cultivar o amor a, o amor ao ser humano, o amor à sua casa, o amor ao estudo, o amor, cultivar o amor. E os pais sempre incentivaram, e o jardim ficou, está até hoje, a planta cresceu, teve que cortar porque ela estava invadindo tudo. E o que eu vejo, a nossa árvore também cresceu, eu passo perto da escola, isso cria uma ligação forte. Eu não trabalho nessa escola faz anos, só que eu sei que a minha árvore está lá e eu sempre estou preocupada com ela, às vezes eu passo lá só para ver a árvore, ver o jardim como está. E outro trabalho que a gente fez, foi na época da seca. Teve aquela seca e eu moro lá perto da represa, que os meios de comunicação iam lá e mostravam o recuo da água, que dava para andar com carro, então eu como educadora infantil, não tenho muito essa prática em educação infantil, é mais para fundamental, mas eu quis levar meus alunos lá, falei: “Eu quero levar meus alunos para a represa”. Então a direção facilitou no sentido de transporte e nós fomos lá, eu e a minha sala, eu falei: “O que vocês estão vendo?”. E era lixo, mas era lixo, cada lixo que você nem podia imaginar que tinha na água que a gente bebe. Eu falei: “Sabiam que isso aqui é uma grande caixa d’água? É a nossa grande caixa d’água, e olha o que tem na caixa d’água”. Aí eles olharam aquele monte de lixo e eu fotografei os lixos, eles ficaram assim ó, eles não conseguiam nem falar, aí um virou para mim e falou: “Professora, mas por que isso está aqui?” Aí eu falei: “Porque alguém joga”. “Mas por que a pessoa joga?” E começa aquela história de uma embalagenzinha inocente de bala e se forma o hábito, quando você vê, você está jogando latinha pela janela do ônibus como se fosse a coisa mais natural do mundo. A gente entra nesse âmbito de conversa, e a gente trabalhou uma coisa específica de água, mais água do que lixo. A gente caminhou daquele ponto da Rede Globo que eles colocaram lá, a gente caminhou, fomos caminhando até chegar à água, estava muito longe. Eu fiz uma parceria com o Corpo de Bombeiros que tem ali perto, o bombeiro foi conversar com eles, mostrou as instalações do Corpo de Bombeiros e também conversou com eles sobre isso, sobre aquele grande reservatório de água. Então voltou todo mundo matando em casa a questão da água, a importância da água na vida das pessoas, não ficar utilizando a água de forma sem responsabilidade, deixar a torneira aberta, esse foi mais um tópico. Um outro foi que a gente trabalhou o lixo, a gente fez um mutirão do lixo em que a gente saiu com o saco lixo só pelo quarteirão da escola – tudo isso que eu estou te falando não é prática de educação infantil, professor de educação infantil não costuma fazer isso – e a gente saía. A direção confiava muito em mim porque eu ia saindo com os meus alunos, saímos e fomos pegando os vários tipos de lixinhos inocentes que a gente foi achando, só sei que a gente deu a volta no quarteirão e chegou em um terreno baldio, mas aí tinha osso de não sei do quê, fêmur, não sei como foi parar aquilo lá e eles queriam catar tudo, eu falei: “Não, pára!”, porque também tem vidro, você tem que tomar cuidado, não pode: “Peguem tudo! Limpem tudo!” Não é esse o objetivo de ficar limpando terreno baldio dos outros. Aí pegou só uma quantidade, voltamos para a sala, para a sala não, foi para o pátio mesmo, fizemos uma roda, jogamos todo o lixo lá, e fomos verificando, classificando os vários tipos de lixo que a gente tinha encontrado e o porquê de cada lixo, porque tinha lixo estranho ali. Chiclete, chiclete é uma coisa que todo mundo acha normal jogar, bituca de cigarro, e os outros tipos de lixo, muito plástico, embalagens, então eles iam reconhecendo lixos que eles mesmos jogavam. O que a gente fez? A gente trabalhou um texto coletivo sobre o lixo e fizemos uma exposição de lixo mais estranho que a gente encontrou no corredor para os pais verem também. Um outro trabalho que a gente fez, esse eu fiquei muito feliz, foi a minha realização também. Eu fui para uma outra escola também de periferia bem longe, no Jardim Eliana, e lá tinha uma horta. Eu tentei formar horta com os meus alunos, em Parelheiros eu fiz todo aquele processo, pedi semente para os pais, uma mãe veio até capinar um cantinho da escola, mas é muito complicado porque tem que ter uma pessoa disponível para, não dá para você atuar na horta só no período em que você está em sala de aula porque também você não vai dar aula, você vai ficar só cuidando da horta, então não tinha dado certo as experiências de horta que eu fiz. Cheguei nessa escola e já tinha uma pessoa que cuidava da horta, em fevereiro estava tudo assim, a terra revolvida e eu vi, eu reparei que essa pessoa cuidava. Perguntei para a coordenadora: “Escuta, essa horta aí, qual a função dessa horta?”. Ela falou que era só para complementar a merenda das crianças, eu falei: “Então eu posso trabalhar com os meus alunos?”. Ela falou: “Pode”. Aí fomos lá, o que eles estavam plantando? Estavam plantando cenoura, fomos lá, todo mundo sentou direitinho, olhou a terra, não tinha nada, só terra. Tudo eu fotografava, e eles olhavam: “O que tem aqui?”. Aí o senhor Pedro, que também eu achei uma expressão muito interessante trabalhar com as pessoas da comunidade. Senhor Pedro, uma pessoa super simples, humilde, que a maioria das pessoas trata como se fosse uma parede, sabe essa questão? Então eu falei: “Olha aqui o senhor Pedro, o senhor Pedro é quem cuida da nossa horta, vamos ver como o senhor Pedro faz?”. Então eu consegui inserir o senhor Pedro na questão e eu senti uma integração e valorização do que ele fazia, e o que ele fazia para mim era bárbaro (RISOS) e para os outros era, sei lá o quê. Uma vez por semana, a gente ia e conforme eu percebia desenvolvimento, ia brotando, eu ia fotografando a horta crescendo, no caso, a cenoura. Eles conversavam: “Professora, aí não tem nada”. E a gente chegava mais perto, um pá, pisava, eu falei: “Gente, vocês estão esmagando a sementinha”. “Mas professora, não tem nada”. Então passei esse conhecimento para eles de que está adormecida, de que vai desabrochar, e quando começou a desabrochar, eles: “Olha, professora, olha uma folhinha!”. Aí ficaram loucos: “Uma folhinha aqui, uma folhinha ali”. A gente foi acompanhando todo o crescimento e quando ficou em ponto de colher, eu ia me remover dessa escola, então eu falei: “Não posso me remover sem fazer alguma coisa com eles e a cenoura, senão eu vou ficar frustrada!”. Aí eu falei para eles: “Então agora nós vamos colher a cenoura”. Fiz um por um tirar a cenoura porque isso foi uma coisa que eu não fiz, porque quando a minha mãe tinha eu era muito pequena, então depois tá, tá, ta, tá, tirava foto de todo mundo e eles ficavam assim: “Aahhh!”, sabe? “Essa cenoura é minha!” Depois a professora foi tirar a cenoura: “Essa cenoura é minha!”. Tirei foto do senhor Pedro, todo mundo beijou o senhor Pedro: “Obrigado, senhor Pedro!”. Aí aquela questão da educação não cruzar muito com a questão administrativa, não que eu tive problema, mas meus alunos saíram com a cenourinha cheia de barrinho e fomos até a sala, então ficou aquele rastro de barrinho até a sala, eles estavam com a cenourinha. Chegaram com a cenoura e o matinho, a parte verde da cenoura: “Vocês vão levar para casa essa cenoura” – cada um levou uma, e a cenoura estava bonita – “e vocês vão me contar como vocês comeram essa cenoura. Algumas cenouras eu reservei porque eu fui fazer um bolo de cenoura, fui fazer um trabalho mais pedagógico mesmo com eles. E no dia seguinte eles vieram para a escola e eles contaram, cada um como comeu a cenoura, um comeu a cenoura no arroz, outro comeu a cenoura crua, estava tenra, estava crua, outro dividiu a cenoura com os irmãos, porque eles têm muito disso, tudo que eles ganham: “Posso dar um para o meu irmão?”, “Tem mais um para dar para o meu irmão?”. Então dividiu com todo mundo, comeu na maionese, tomou suco de cenoura, um monte de jeito de cenoura. “E agora nós vamos fazer o nosso bolo de cenoura.” Levei todos os ingredientes, liquidificador para a escola, todas essas coisas, e eles limparam a cenoura, eu fui fazendo, coloquei os ingredientes, aí a questão de pré-escola, você escreve o nome “ovos” e põe um ovo lá, escreve “cenoura”, e a gente fez o bolo. Levamos lá, já tinha avisado a escola para poder usar o forno, levamos e depois fiz uma cobertura de brigadeiro para pôr em cima, fomos comer a cenoura, olha se tinha alguém que não gostava de bolo de cenoura, comeu, fala que é bolo de cenoura: “Ai, não vou comer”. Criança é assim, e eles comeram, foi outra coisa muito gostosa. Outra coisa que eu também já queria fazer a partir dessa experiência que eu tive com o senhor Pedro, era fazer um trabalho com os pais também.
P/1 – Antes de você falar dos pais, só queria te perguntar uma coisa. Na verdade o que você fez com essas crianças foi uma conscientização, você apresentou uma outra coisa que estava ali na frente deles, mas que eles não tinham essa noção. Você conseguiu perceber que houve uma mudança com elas?
R – Comportamental?
P/1 – É. Com relação ao meio ambiente, ao lixo, à água...
R – Sim, mas é aquela questão, você, de quarenta, você não pega quarenta, entendeu? Você pega dez, porque tem uns que se engajam, que trazem até o pai e a mãe para conversar com você: “Olha, professora, falei para a minha mãe que a gente combinou que não pode jogar lixo na rua, mas a minha mãe está jogando”. Eu via isso na reunião de pais: “Ah, você está trabalhando isso? Então é por isso que ele vive me enchendo o saco por causa...”, ou uma questão de lixo, ou a questão da água, eu via isso através dos pais também como reflexo em casa, de uma fala deles em casa, de uma atitude deles em casa que o pai não entendia por quê.
P/1 – Mesmo para você, você falou que o seu primeiro contato com essas questões foi no fórum, aí, logo depois, você foi ao outro fórum. O quanto isso mexeu com você, não só na escola, mas como pessoa mesmo? Como foi essa descoberta por outras questões? Não que você não soubesse, de uma certa forma ficou mais consciente o que as ONGs estavam fazendo, o que se trabalhava.
R – Eu, quando fui aos fóruns, eu era muito crua, crua, crua, e o que aconteceu? Eu vi que a coisa era interessante, eu acho que eu até conversei com alguém e falei assim: “Eu não entendi, mas gostei”. (RISOS) Bem assim, não entendi direito o que aquele povo estava falando porque aquele povo que estava lá é tudo, Nossa Senhora, gente! Era o Marco Sorrentino que organizava, ele fala de trás para a frente, de frente para trás, e eu lá, boiando. Não entendi, mas gostei. O que era a minha obrigação? Ir atrás. Então, a partir daí, eu comecei a contatar as ONGs e, em todos os cursos que tinham a palavra educação ambiental, eu estava lá dentro para entender esse processo. A gente vê que até hoje, não tem uma cartilha de como se trabalhar a educação ambiental, então as dificuldades da minha classe de professor para trabalhar a educação ambiental é enorme, é, eu há anos atrás. Todas as pessoas com quem eu tenho contato hoje em dia, eu já sei qual é a fala que eu tenho que falar porque eles são eu ontem. Eu falo algumas coisas mesmo assim, que era a minha fala de antigamente que eu vejo neles agora, então eu sei como responder sem ficar naquela soberba: “Ah, eu sou a eco-chata, eu sei tudo e você é um burro. Você está matando o planeta, eu estou salvando”. Não isso. Para mim, o sentimento que ficou quando eu participei desses negócios foi realmente esse, “eu não estou entendendo nada, mas eu gosto”. Eu fui atrás porque como eu sou muito emotiva, a questão ambiental também é emotiva, no sentido de você, não tem como você obrigar a pessoa. Conscientizar é um processo interno, eu não te conscientizo, eu sensibilizo você para que você chegue a, mas com certeza eu não posso chegar e dizer: “Eu conscientizei a minha sala em educação ambiental”. Eu dei o start do processo de, só. O que eu via naquela época, vamos supor, era por que eu entrei nisso? Por que eu tive mais afinidade com isso? Eu sou voluntária há sete anos da SOS hoje, mas eu já tenho um processo de ser voluntária sem saber que eu era voluntária. A gente era da igreja católica, então de todas as festas a gente participava, isso é um voluntariado, você ter um compromisso, você estar sempre ali, então a gente já era voluntário nesse sentido, e outras manifestações também, mas não era consciente, entendeu? Da questão da natureza, de preservação da natureza que a gente também trabalhou, mas não era esse olhar. A partir do momento que eu tive esse contato com o fórum, tudo aquilo que foi falado, eu acho que eu fiquei uma semana lá e depois um mês para tentar entrar, tentar digerir o que foi falado, para entender a amplitude daquilo. Eu lembro que quando eu era criança, você tem uns disparates, não só criança, mas também adolescente, tipo assim, uma bobagem, bobagem entre aspas, mas todo aquele asfalto sempre me incomodou, eu ficava pensando “como a terra respira?”. Eu ficava imaginando tudo sufocado. “Como a terra vai respirar, vai absorver a chuva com tanto...” Antes dessas épocas de enchentes horríveis que a gente está tendo agora, isso há alguns anos atrás. Como a terra vai respirar? Essas coisas incomodavam e também a gente, no sobrado em que a gente morava, tinha uma árvore, uma quaresmeira, e a nossa vizinha, porque a árvore estava em frente à casa dela, ela matou a árvore porque as folhas ficavam caindo. Essas coisas assim, eu acho que são acúmulos de algumas coisas. Na minha escola o pessoal falava o seguinte, que existem várias inteligências, inteligência emocional e as inteligências que foram estudadas, e tem a inteligência verde, eles falavam que eu tinha inteligência verde (RISOS), por quê? Porque eu só que me dava conta dessas coisas, as outras pessoas não se davam conta disso, se davam conta de outras coisas e eu ficava vendo essas coisas que ninguém via de certa forma, está ali para todo mundo ver, mas as pessoas não viam. Eu acho que fiquei mais sensível à essas coisas. Não sei explicar direito.
P/2 – E você disse que já é voluntária há sete anos na SOS. Antes de você ter aquele contato com o Belô naquele fórum, você nunca tinha ouvido falar dela, da SOS?
R – Já, a SOS apareceu acho que foi em 1986 quando surgiu aquela propaganda “Estão tirando o verde da nossa bandeira, xiiiiiiii”. Aquilo impactou, fez tum, gravou na minha mente. Mas eu acho que nem gravou SOS Mata Atlântica, gravou mais a imagem da bandeira. Quando eu fui ao fórum e vi aquilo, lembrei de alguma coisa, mas no fórum eu peguei de tudo, mas como eu disse de tudo que eu peguei a única coisa que me deu retorno, que teve essa preocupação de ter uma ligação, foi a SOS.
P/1 – Você foi à SOS, o Belô te deu um retorno depois da segunda ligação, chamou para algumas reuniões, qual foi a impressão que você teve quando chegou lá?
R – Eu me senti acolhida porque ele convidava para cursos ou para palestras, e eu ia à algumas palestras. Ele é uma pessoa extremamente acolhedora, ele chega, você chega, ele te acolhe, você se sente bem, você se sente com vontade de voltar. E eu não lembro, agora eu não sei qual delas que eu fui que eu cheguei para ele e falei assim: “Se você tiver, bom, não sei, mas sei lá, se precisar de alguma coisa, se quiser que eu faça alguma coisa...”, porque o termo voluntário não é uma palavra muito comum. Tanto que aí em 1997, em julho de 1997 ele me ligou, falou: “A gente vai ter um grupo de voluntários, você quer participar?”. Eu já fui. Mas até essa época eu já frequentava bastante, já ia lá bastante, às vezes eu ficava lá, porque eu trabalhava de manhã, dependendo do ano, eu trabalhava em um período, o outro ficava vago, aí eu ia para lá, ficava lá com ele, ele conversava comigo. E as palestras, quando eu ia, era outra coisa, porque lá tem muitas palestras de qualquer assunto. Então tinha muito assunto que eu não entendia nada, agora eu entendo, mas naquela época, APA, não sei o quê, SNUC, todo aquele palavreado, aquelas siglas que quem trabalha sabe, quem não trabalha, bóia. Aí você não entende, a gente vai frequentando, frequentando, eu comecei a entender melhor e a gente criou o grupo de estudos, mas aí eu já estou entrando em outro âmbito já de voluntária.
P/2 – Quais foram os trabalhos de voluntariado que você desenvolveu junto à SOS? Pelo menos os que mais te marcaram.
R – A gente começou fazendo um trabalho de educação ambiental na Estrada Parque, lá em Itu. Eu lembro que, naquela época, a gente custeava tudo, o voluntário. A gente rachava gasolina, levava lanche e tudo. Lá, a gente fazia um trabalho com as pessoas, era corpo a corpo porque a estrada de Itu é uma estrada pequena no meio da mata, paralela ao rio Tietê, onde tem já há anos, consagrado já, os romeiros, a romaria, passagem dos romeiros. Eles faziam muito lixo, é uma coisa impressionante, um dia vocês têm que ir lá ver como é, porque como é que cabe tanta gente em uma estradinha tão pequena? E tem vez que passa só bicicleta, eles passam tudo buzinando, outras vezes são só cavalos, eles vão, param, é impressionante. Domingo tem uso normal, é Estrada Parque porque lá é um parque mesmo para eles, uma beirinha de terra, aqui tem o rio, aqui tem a estrada, eles fazem churrasco, é uma coisa de louco. E largava tudo uma bagunça, então, a gente começou com o trabalho lá de conversar com as pessoas, de dar saquinho, de falar para levarem o seu lixo, porque aquele lugar é uma APA, explicava o que era APA, Área de Preservação Ambiental, e para eles manterem aquele lugar gostoso e agradável porque as futuras gerações, os filhos deles também vão ter esse prazer que eles têm agora. Então, o princípio que a gente trabalhou, trabalhamos lá um ano ou mais, foi esse, porque a gente tinha uma rotatividade muito grande de frequentadores, não adiantava ir lá um dia só e pronto! Tinha que ir com constância, mas era muito legal essa questão do corpo a corpo, de conversar com as pessoas. Porque aí tem umas que se fecham: “Ah, está bom”. Têm outras não, que falam, arriscam a falar, tem gente que fala absurdo, mas é porque não sabe. Você fala assim: “Você sabe o que é Mata Atlântica?”. “Ah, é Amazônia, né? Mata Atlântica...”, confunde um pouco as coisas, mas isso é normal, a pessoa não sabe.
P/2 – Célia, agora focando um pouco mais a questão do voluntariado, eu queria que você falasse que tipo de pessoa que são seus parceiros nesse grupo. São homens, mulheres, adolescentes, como é o grupo?
R – No começo eram pessoas, vamos dizer assim, mais adultas, na faixa de vinte e cinco para cima. Tinha gente de tudo quanto é formação, dentista, advogado, engenheiro, agora, o interessante é que até hoje só tem eu de professora. Eu quero fazer um protesto para a classe dos professores! Acho que professor trabalha demais e fica estressado, não tem tempo. No começo, o grupo, como se formou o grupo? O grupo se formou a partir da primeira reunião onde foram colocados os objetivos, e acho que as pessoas, teve uma empatia muito grande, por exemplo, uma pessoa como que ela pode se tornar voluntária? Primeiro lugar, acho que a partir de alguma coisa que a incomode muito. Se a pessoa é uma pessoa ativa, tem uma coisa que incomoda, sabe, vai à luta, tipo assim. Eu tenho algumas amigas professoras que quando eu falo que sou voluntária: “Ah, eu queria também ser, ajudar, mas só tem meio ambiente para ser voluntário?”. “Não, tem o centro de voluntariado de São Paulo onde lá você vai e se informa sobre a gama enorme de possibilidades de ser voluntário.” “Ah, tá, pensei que só tinha do meio ambiente.” Então o perfil do voluntário é aquela pessoa que tem uma coisa para ela, para mim é a questão ambiental, mas tem gente que mexe com a questão da criança, ou então hospital, pessoas que já estão em fase terminal, vai atrás porque é muito bom ser voluntário, é muito bom! O Belô é testemunha, o que eu fazia para chegar na SOS, porque eu moro longe, e quando eu chegava lá, eles ligavam para mim no celular: “A reunião vai começar, onde você está?”. “Eu estou dentro do ônibus, espera aí que eu estou chegando.” O que eu fazia para chegar lá, um dia o Belô foi na minha casa, quando ele foi na minha casa, falou: “Nossa Senhora, mas você merece um prêmio, você mora muito longe”. Tem uma outra questão também, as pessoas que são voluntárias, pelo menos do meu grupo eu posso falar, tem um nível social bom, o que eu posso ver nisso? Eu posso ver que quando você tem outros problemas também fica mais complicado você destinar um pouco de atenção sua à uma causa como essa, você está sobrevivendo, quem já tem certa estabilidade na família, no emprego, eu vejo que tem essa possibilidade de se tornar voluntário também. Se você tem alguma coisa que está pegando, até tenta, mas aquela coisa te puxa muito. E a partir do momento que você se torna voluntário, aquilo na sua vida ganha importância como a sua família ganha importância. Eu me dividia antes de me casar entre a família e o voluntariado, era uma coisa para mim tão importante quanto. Dedicava-me assim final de semana, durante a semana tinha reunião, eu estava lá, quando não ia, eu ligava, você tenta ter aquela questão de responsabilidade.
P/2 – E para você, analisando a situação atual do meio ambiente, quais você acha que são os principais problemas ambientais hoje em dia?
R – No nível de quê? De São Paulo?
P/2 – É, pode ser São Paulo. Fala no geral, meio ambiente como um todo mesmo, pode ser São Paulo, quais são os principais problemas?
R – Um problema mundial é a questão da água. Eu me mordo quando eu passo na rua e vejo alguém brincando de empurrar folhinha com água, sabe? Para mim tem uma importância muito grande como, sei lá, o que tem importância para uma outra pessoa. Mas eu vejo aquela água potável indo para o ralo (RISOS), ou então quando alguém joga lixo, TUM, aquilo também me mata. A questão da água é gritante, acho que ela é de extrema importância. Você tinha me perguntado como isso tinha acontecido na minha vida. Eu esqueci de falar que a questão da reciclagem em casa se tornou um hábito, eu consegui implantar na casa da minha mãe, agora, na minha casa, eu estou reinando, então está uma beleza. Para conscientizar os outros é difícil, a minha mãe comprou a ideia rapidinho, eu colocava bilhetinhos na geladeira: “Não deixe a geladeira aberta.”, “Verifique se ela está aberta”. Na torneira, no lixo: “Esse é lixo orgânico”. Ficava assim dentro de casa com essa consciência, lavar a calçada nunca mais com xiiii, e eu era uma que ficava assim, brincando de empurrar folhinha: “Vai embora, folhinha, vai embora!”. (RISOS) Gastando água, agora eu fico: “Ai, meu Deus, o que eu fazia?”. Isso na minha vida mudou nesse sentido e a questão do meio ambiente e a questão da água. Mas tem uma grande problemática que é o que eu vivo, e eu trabalho com a periferia, a questão de um mínimo de qualidade de vida para o nosso povo passa pela questão ambiental também. Eu vejo a importância da água, algumas coisas, a gente entra até em conflito, porque, por exemplo, a população com a qual eu trabalho não tem tanta água assim para esbanjar, você tem que trabalhar com eles outras coisas. Quem tem água para esbanjar que a gente tem que trabalhar também essa questão da água, não digo que com eles também não tenha que trabalhar, mas existem as importâncias. De questão ambiental, fora a água, eu acho que é uma qualidade de vida mínima para as pessoas da periferia, que é o que eu trabalho. Saneamento básico, posto de saúde, tudo isso é meio ambiente, a questão das doenças, do esgoto ser um vetor de doenças, e o que acontece? Fica complicado você falar de algumas questões ambientais para uma população como essa. Por isso eu queria fazer um trabalho que eu estava te falando, que eu queria fazer um trabalho de educação ambiental com os pais, eu conversei com eles no final do ano e falei: “Fiquei frustrada esse ano porque eu tinha planejado fazer um trabalho com vocês e não consegui”. Eu queria fazer um projeto de jardinagem com eles, de sábado, dentro da escola, aproveitando esse momento porque você tem que ter um chamativo, não vou falar assim: “Quem quer fazer curso de educação ambiental comigo?”. Ninguém nem sabe o que é. Então vamos fazer uma jardinagem e, com isso, trabalhando com os pais essa questão, estar mais próximo, saber como eles vivem, para daí até trabalhar melhor com os alunos. Você parte de um conteúdo geral de educação ambiental, que muitas vezes você está chovendo no molhado, então primeiro você tem que saber qual é a situação deles para poder desenvolver um trabalho. Esse já é o meu novo foco, fazer um trabalho paralelo com os pais para saber que conteúdos eu vou eleger para trabalhar com o meu aluno na questão ambiental, então o meu problema ambiental principal é a questão dos desfavorecidos.
P/1 – Célia, nesse tempo que você está de voluntária, trabalhando com voluntariado na SOS, quais os movimentos que mais te marcaram? Dos quais você participou.
R – O voluntariado, ele tem algumas ações contínuas que a gente fala, e tem os movimentos, por exemplo, de abaixo-assinado que são pontuais. Eu gostei muito de fazer um trabalho que a gente fez, aí já foi uma ação contínua, em Paraty. Todo carnaval a gente ia para lá, os voluntários se subdividiam em pontos turísticos e lá faziam trabalho com o pessoal, com os turistas que chegavam. Eu fui várias vezes, tive a oportunidade de cada ano ficar em um lugar e conversar também de novo, corpo a corpo, com esse turista, a questão de estar levando o lixo embora porque ali não tem... É incrível, mas a gente de cidade está tão tapado que a gente falava: “Aqui não passa coletor de lixo, não tem caminhão de lixo aqui”. Está tão acostumado a chegar ao lugar e só receber, receber, receber, que esquece de dar. A gente conversava bastante com as pessoas, as pessoas se animavam e conversavam bastante com a gente também: “Puxa, é assim?”. Acabava até estabelecendo uma conversa, um relacionamento. A pessoa: “Puxa, você é voluntária, eu quero ser também! Que legal o trabalho que vocês fazem!”. A primeira coisa, você fala com a pessoa, a pessoa retrai: “Já está me enchendo o saco”. Aí a gente vai conversando, eu acho que é a questão do corpo a corpo. Tanto nesse evento como outros eventos que a gente tem trabalhado com as pessoas, porque você tem que saber falar, e a gente aprende, foi aprendendo também, não sabia como falar com as pessoas de forma a cativá-las para o seu lado, para sensibilizar para a questão ambiental.
P/2 – E você já tem contato há sete anos com a SOS?
R – Isso.
P/2 – Estando dentro do grupo do voluntariado você tem contato necessariamente com a Fundação. Fazendo uma análise, um balanço, você acha que existem pontos que precisam ser reformulados dentro da Fundação?
R – Na questão do voluntário?
P/2 – Hum hum.
R – O que eu posso dizer, na questão do voluntariado, a gente deu um passo muito bom. Porque agora a instituição reconhece, tem um programa de voluntariado. A gente começou assim meio, tipo paralelo: “Ah, tem, tá”. A gente não tinha uma atenção do corpo administrativo da Fundação em relação à gente. A gente batalhava porque o Belô estava na frente e a gente ia atrás de teimoso, tanto que o nosso trabalho foi reconhecido e a instituição falou: “Vamos agregar um programa de voluntários”. Eu acho que para o voluntariado, você falou ponto negativo, alguma coisa assim?
P/2 – Isso, um balanço.
R – Um balanço. Eu acho que a gente tem muitos pontos positivos. Agora a gente tem uma assessoria maior da instituição, o programa de voluntariado está inserido dentro dos projetos da SOS. No final do ano, quando eles fazem o balanço para as próximas ações, planejamento, o grupo de voluntariado está dentro desse planejamento. Antigamente, a gente não estava, a gente tinha um planejamento à parte, agora a gente está dentro da instituição mesmo, o grupo de voluntários se firmou na instituição. Isso para a gente que começou desde o começo, é uma supervitória, quem já entrou agora, não sabe o que já pastou, mas para a gente que está desde o começo é uma grande vitória porque a gente foi teimoso. Muita gente desistiu no meio do caminho, tanto que de voluntário antigo, antigo mesmo, que começou desde a primeira reunião, são pouquíssimos, por quê? Porque era difícil, era complicado, a gente não tinha ainda uma organização, a gente estava se formando quanto à organização, de reunião, planejamento, o que a gente vai fazer, como a gente vai fazer. Então, um ponto positivo muito bom é que agora a gente faz parte da instituição como um todo, e a instituição reconhece a gente, a gente é agora realmente um programa de voluntários.
P/1 – E como funciona? Vocês fazem planejamento no começo do ano para o ano todo, é mensal? Como que é esse planejamento do voluntariado?
R – Existe o planejamento agora. Existe o planejamento da instituição, então ela vai ter já alguns programas dela que a gente já está incluído e existem, mensalmente, outras atividades que vão surgindo. Agora nós estamos trabalhando no Guarujá, na Prainha Branca e na comunidade da Cachoeirinha. A gente está desenvolvendo atividades lá, mas paralelamente a isso pode existir um mutirão, pode existir uma coleta de assinaturas. Mas a gente tem o nosso planejamento fixo, que no caso é a comunidade, a SOS tem os eventos dela dos quais a gente também participa e tem as coisas que vão acontecendo durante o ano.
P/1 – E Célia, quais os trabalhos que vocês estão fazendo lá no Guarujá? Você podia falar um pouquinho?
R – Como é o trabalho?
P/1 – É, o que vocês estão fazendo?
R – A gente está trabalhando com as comunidades. A SOS está desenvolvendo um projeto de gestão da área e a gente está trabalhando com a comunidade no sentido do fortalecimento de identidade da comunidade. A gente faz um trabalho com os jovens. Lá na comunidade da Prainha Branca, eles já têm um grupo de crianças, crianças e adolescentes que é a Patrulha do Verde, porque eles têm uma demanda de turistas muito grande. Temporada, feriados entope lá e aí é lixo, é problemas com a comunidade mesmo, turista que abusa demais. Então, a gente está fazendo um trabalho com a comunidade, de fortalecimento da comunidade, a gente trabalha com as crianças, com os adolescentes. Existe uma associação de moradores, a gente faz um trabalho paralelo da associação também com a igreja, a gente está desenvolvendo esses trabalhos lá. Neste ano, a gente vai se organizar para ver que atividades a gente vai fazer a mais neste ano. No ano passado, a gente fez algumas atividades, e neste ano, o projeto também, ele tinha terminado, conseguiu prorrogar, aí a gente vai elaborar mais atividades, porque também, antes eles estavam se organizando primeiro, e depois os voluntários entrou nesse projeto da Serra do Guararu, e, agora, a gente vai se organizar mais efetivamente como a gente vai trabalhar com eles A gente vai agora em janeiro organizar como que a gente vai trabalhar com esse grupo. A gente percebe, lá é um trabalho diferente do que a gente já tem trabalhado. A gente já trabalhou muito com escola, não sei se já comentaram do Plantando Cidadania aqui. O Plantando Cidadania é um trabalho com escolas. A gente trabalha com escolas da rede municipal de ensino e em um sábado, o Belô entra em contato com a escola através de algum link, e a gente vai à escola, o grupo de voluntários, os alunos vão normalmente e dividem em grupos e os voluntários fazem uma ação de educação ambiental, é teatro, roda de conversa, pintura com as crianças envolvendo isso. E concomitantemente, tem com os pais uma palestra, um teatro também, alguma conversa em relação à questão ambiental, esse é o Plantando Cidadania que a gente já trabalhou vários anos. Agora, a gente está com esse projeto da Serra do Guararu, é um trabalho diferente, por quê? Porque é uma comunidade que já vive em lugar privilegiado, que já tem um comportamento diferente das crianças de escola. Então, a nossa fala e as nossas atividades são diferentes, tem que ser diferentes, vão ter que ser diferentes, por quê? Porque lá eles convivem com o verde, convivem com a mata, convivem com os animais, é uma coisa diferenciada. A gente já conversou com o pessoal da comunidade, estamos conversando ainda para saber como que a gente vai trabalhar com eles, porque é um trabalho diferente. A gente fez no ano passado primeiro um contato com eles para sentir neles o que eles estão precisando, porque uma pessoa da comunidade falou que até procurou livros para trabalhar educação ambiental, só que o que ela achou de produção para eles não serve porque são diferenciados. Eles já têm uma prática diferenciada com a natureza melhor do que, no caso, as crianças que a gente trabalhava. Então no início desse ano a gente vai ver como trabalhar com eles.
P/1 – Célia, a gente está terminando. Você queria falar alguma coisa que você não falou sobre o voluntariado, algum projeto, alguma coisa que a gente não perguntou?
R – Deixa eu ver... Ah, não sei.
P/1 – Enquanto você pensa, eu vou te fazer uma outra pergunta. O que a Fundação SOS Mata Atlântica representa hoje para você na sua vida?
R – Ela faz parte da minha vida. Eu estou indo para outra cidade, estou me mudando, mas eu sei que não vou perder o vínculo com a SOS. Porque eu sou só uma voluntária, mas acabei me transformando em uma referência da SOS onde eu estou. Se eu estou na escola, me perguntam, me falam, eu me coloco, eu me sinto tipo assim falta só a chapinha. (RISOS) Porque o meu marido também se engajou junto, porque eu não conseguiria ficar com uma pessoa que fosse contrária a isso: “A SOS ou eu!”, “Então sai!”. Porque eu descobri que tem muito a ver comigo, a SOS, o trabalho que a gente desenvolve me ajudou a crescer como ser humano, me ajuda a crescer como ser humano. Eu resolvi fazer essa pós de educação ambiental por causa da SOS para saber mais, para poder passar melhor para as pessoas. E eu quero trabalhar, meu TCC é educação ambiental nas comunidades tradicionais, então, eu estou me envolvendo cada vez mais. Então, eu vejo que mesmo eu mudando de cidade, eu vou continuar o contato com as pessoas, desenvolver algum trabalho junto com a instituição, tentar desenvolver algum trabalho junto com a instituição no local onde eu vou estar. Vou chegar lá, já vou agitar, vou querer saber como é o plano diretor da cidade, já vamos ver com alguma ONG, não dá para você ficar sem isso, você sente falta. Eu sinto falta dessa parte ativista porque a gente vê tanta injustiça no mundo, não dá para ficar com o braço cruzado e você ainda vê mais essas catástrofes ambientais, que teve isso daí, está para acontecer pior, por quê? Por conta do descaso do ser humano em relação à natureza. Faz, faz, faz, chega uma hora que ela vem em uma tacada só, é cento e vinte mil que vai embora. Então é para a gente lembrar que aqui, esse planeta, não é nosso, a gente faz parte, a gente mora junto com outras pessoas, outros seres, a gente tem que respeitá-los, viver em harmonia, não dá para a gente fechar o olho e falar: “Ah, não, tudo maravilhoso”. Porque se falta como faltou na época do Apagão. Chega nessa hora o engravatado lá do executivo, tem que cair na real, precisa de água, não tem jeito, você também vai ter que se mexer, vai chegar uma hora você vai ter que se mexer, todo mundo. Aquela coisa, é o bem coletivo, não é uma coisa individualista porque o capitalismo vai para a questão individualista: “Tudo bom para mim, ar condicionado só para mim, carro importado só para mim, shopping maravilhoso só para mim”. Mas não, a gente tem que cair na parte de todas as pessoas, todo mundo merece igual porque só fica para uns, e outros, a maioria, sem nada, é um desequilíbrio e uma hora a bola vira.
P/1 – Então fazendo um balanço, nesses anos que você está em contato com a SOS, não só desses sete anos de voluntariado, mas desde que você teve o primeiro contato, ela transformou a sua vida?
R – Transformou.
P/1 – E você se vê como uma multiplicadora agora?
R – E é uma multiplicação involuntária já. Quando eu vejo já estou falando, estou colocando. É engraçado que vocês entrevistaram outras pessoas, vocês sabem como é, eles também já devem ter falado isso, a gente respira isso. Alguns trabalham na área, eu trabalho na educação, não trabalho na área, mas você está também respirando, quando fala alguma coisa, você já: “Oi?”, está antenado. Na escola a gente está sempre conversando com todo mundo, com os pais também, a gente está sempre articulando, colocando todo mundo para ver essas questões.
P/1 – O que você falaria, deixaria um recado para a SOS nesses dezoito anos de existência dela?
R – O que eu falaria? Nossa! Eu adoro todo mundo lá dentro, eu conheço todo mundo, eu sei do trabalho e do esforço de cada um lá dentro. Eu vou ficar emocionada (CHORO). O que cada um lá dentro passou, ainda passa porque é difícil, é muito difícil. O Mário com o trabalho dele, é espetacular porque não é fácil você ser aquela agulha que fica só cutucando os outros, enchendo o saco porque... O pessoal, a Elci, a Márcia, o Adalto, o Belô, o pessoal do staff, o Plínio. Depois que o Plínio chegou à SOS o voluntariado fez assim, o Plínio ajudou muito mesmo. Eu falaria assim que eles moram no meu coração. É um lugar gostoso, é onde você vê que as pessoas trabalham com alma, muita dedicação, e a gente já passou por momentos difíceis, mas a gente está sempre unido. Eu acho maravilhoso a SOS estar fazendo dezoito anos e ter acompanhado a melhoria dela, ter visto nesses anos como ela melhorou como organização interna também. Porque teve uma melhoria muito boa interna, de instituição. As pessoas lá dentro, porque tudo é um processo, então as pessoas realmente cresceram junto com a instituição e eu acho que a SOS agora, como o Plínio disse: “Nossa, a SOS está fazendo dezoito anos!”. Aí eu fico pensando, desses dezoito anos, eu conheci a SOS com onze anos e eu vejo todo esse crescimento dela, eu estive junto, eu sou um pedacinho pequenininho, mas estou junto. Eu fico orgulhosa, eu fico muito orgulhosa e muito feliz de estar junto de todo mundo.
P/1 – Então Célia, nós agradecemos o seu depoimento, por você ter vindo, e foi ótimo!
P/2 – Obrigado.
R – Obrigado a vocês.Recolher