P - Vamos lá, Rute, eu queria que você começasse dizendo para mim o seu nome completo, a data e o local de nascimento. R - Meu nome é Rute Ribeiro de Souza, nasci no dia 29 de setembro de 1962. P - Aonde você nasceu? R - Em Mato Seco, estado, município de Goiás. P - Aí você ficou nes...Continuar leitura
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Vamos lá, Rute, eu queria que você começasse dizendo para mim o seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R - Meu nome é Rute Ribeiro de Souza, nasci no dia 29 de setembro de 1962.
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Aonde você nasceu?
R - Em Mato Seco, estado, município de Goiás.
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Aí você ficou nesse município até que idade?
R - Até os 8 anos.
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Até os 8?
R - É.
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E aí você mudou, você foi para onde?
R - Nós mudamos para o Distrito Federal.
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Ah, tá. E por que você foi para o Distrito Federal?
R - Nós fomos uma família assim, nós trabalhávamos na roça, meu pai, minha mãe trabalhava na roça, a gente tinha uma chácara já, meu pai achou que deveria ir para a cidade para a gente estudar. Meu pai, minha mãe, que era melhor a gente ir para a cidade para estudar.
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Você tinha irmãos?
R - Nós somos oito, mas a minha mãe é mãe de 13.
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Nossa Vocês foram para o Distrito Federal para estudar?
R - Não foi para estudar. Foi para buscar jeito da gente estudar.
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Algum jeito. E quanto tempo vocês ficaram?
R - No Distrito Federal, eu saí do Distrito Federal tem 20 anos que eu saí de lá, 20, 22 anos que eu saí de lá. Nós ficamos só que não teve estudo, não teve condições. A gente, ao invés de ficar melhor, ficou pior a situação. Eu posso ir falando, não precisa?
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Pode ir falando o que você quiser. Não precisa me responder.
R - Em cima do que você fala eu posso dar continuidade? Era isso que eu queria saber.
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Pode ir contando. Me conta um pouquinho como foi lá em Brasília.
R - Nós, quando nós fomos para lá eu era criança ainda, e a estrutura era pequena, a casa pequena, nós morávamos em uma chácara boa onde a gente tinha espaço, muito espaço, ar puro e para morar já em um lugar apertado, já começou o problema daí, todo mundo amontoado e não tinha também as condições, começou a faltar as coisas também. Meu pai teve que voltar para a roça, minha mãe ficou com a gente na cidade e aí já começou os distúrbios familiares que quem é de interior muda para dentro da cidade, já não tem a visão dos perigos, dos riscos. Minhas irmãs, que aconteceu coisas que não foram legais, então já começou distorção nesse sentido, dessa mudança. Depois foi crescendo, estudo, eu estudei até a quarta série.
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Você é a do meio, como é?
R - Eu sou, deixe-me ver, tem a Dalva, Josias, a Madalena, o Abraão, eu - eu sou a quinta, né? - aí vem a Angeli, a Joelma e a Ednalva. Eu sou a quinta.
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E vocês foram todos para a Brasília?
R - Todos. Meu pai teve que retornar porque senão a gente morria de fome.
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Sua mãe não trabalhava?
R - Minha mãe não, minha mãe cuidava, minha mãe nunca trabalhou fora, ela trabalhava, ela buscava forma de trabalhar dentro de casa. Meu pai trazia verdura, frutas da roça e a gente vendia na cidade, mas daí foi o ano que a gente, minha mãe é uma mulher muito batalhadora. Essa garra que eu tenho nasceu dela porque ela é evangélica, ela foi criada, ela nasceu dentro da religião e ali foi criando a gente também. Com essa fé que ela conseguiu ir contornando a situação, todas as dificuldades, porque ela sofreu muito também, tinha uma estrutura pensando em criar os filhos, ver as filhas casadas, constituir uma família de fato, mas foi distorcendo, foi quebrando.
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E ainda você começou a trabalhar vendendo verdura, vendendo essas...
R - É, vendia banana. A gente vendia as bananas, era engraçado que era um grupo de meninas, não era só nós, as vizinhas também que tinha situação idêntica, então chegava, meu pai trazia a quantidade de verdura e a gente trabalhava. A minha mãe começou assim, a minha mãe pegando de outras pessoas para vender. Graças a Deus tem pessoas boas no mundo, vê a situação e começou a oferecer oportunidade para ela para trabalhar vendendo, organizando e vendendo. As bananas começavam a estragar, porque era um espaço pequeno e a gente: "Não, vamos vender", e saía, vendia ajudando e ela também vendia com um carrinho na rua bananas, verduras em geral.
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De um modo geral?
R - Com isso eu trabalhei, nós fomos trabalhando, estudando, as dificuldades que às vezes não tinha caderno, não tinha sapato, não tinha roupa, e os outros melhores, aí foi desmotivando a gente... Eu era chamada, eu tinha um apelido, Nega Fubá, aí esses apelidos, essas coisas assim que tirava a gente da escola e a cor também, ainda tinha bastante preconceito, isso aí foi dificultando. Eu saí da escola eu não me lembro a idade, com 12 anos eu tive meningite, aí eu fiquei internada durante um mês em coma, já minha mãe grávida dessa minha irmã mais nova, Ednalva, e...
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Em coma?
R - É, eu fiquei em coma. A meningite foi uma coisa que eu não sei como aconteceu, foi uma epidemia, foi uma época que estava uma epidemia de meningite.Tinha umas que dava de mancha, a minha não, a minha foi ataque nervoso, eu sou um pouco nervosa devido a esses problemas que eu tive. Graças a Deus eu acordei com um tapa que eu levei da enfermeira porque eu tinha feito xixi na cama. Eu lembro que eu acordei com o médico brigando e me acolhendo, que eu assustei e ele me acolheu e a enfermeira, chamando a atenção dela porque poderia ter revertido, eu poderia ter morrido. Graças a Deus que eu não morri e estou aqui. Depois disso eu saí da escola, não fiquei mais, a escola, também teve preconceito na escola que uma professora, meu pai, a primeira vez que eu ganhei uma conga - na época era conga - ganhei a conga, uma meia, um uniforme, que eu nunca tinha usado uniforme, meu pai comprou esse uniforme, eu fui para a escola quando eu cheguei lá a professora não deixou eu entrar porque eu ia pegar a doença, a falta de informação, eu ia pegar a doença, ia transmitir a doença para as outras crianças, mas ali já não tinha risco nenhum, eu tinha que voltar para a escola. Foi onde começou a briga, ali que eu vi que a briga, eu não chorei nem nada, ali mesmo eu briguei, questionei, expliquei para ela que a minha doença já não tinha mais risco e eu sinto por uma palavra que eu falei com ela que minha mãe sempre ensinou que a palavra tem poder, foi aí que depois da conseqüência que eu vi que de fato a palavra tem poder. Eu falei para ela que onde eu tinha encontrado o mal, tinha ficado, que era para pobres e ricos, e não foi dois meses o filho dela deu meningite sem a gente ter nenhum contato, e foi da pior porque ele ficou com seqüela. Aí ela veio com revolta dizendo que eu tinha jogado praga, mas não foi uma praga, eu só falei para ela que hoje a vida é altos e baixos, hoje sou eu, amanhã é outra pessoa, tanto no bom quanto no ruim, isso com 12 anos de idade, eu já tinha essa forma de expressar. Isso foi me tirando a motivação do colégio e a falta de material, a falta de condições de ir para a escola e fazer um bom trabalho, apresentar um trabalho igual os outros faziam, e a necessidade do trabalho, de ajudar a mãe trabalhar. Foi que minha tia morava em São Paulo, mudou para Planaltina, Distrito Federal, e ela tinha condições melhor, aí ela pediu para minha mãe, que minha mãe estava com muitos filhos, para deixar eu ir trabalhar que eu sempre gostei de organização, desde pequena eu gostava de limpar, de arrumar, de ver as coisas, mesmo que eu pegava na roça, na roça eu pegava as verduras, as frutas eu pegava, gostava de fazer um ambiente bonito, gosto, não gostava, gosto. Ela viu, pediu: "A gente está precisando para me ajudar, para ficar com a gente, então eu mantenho ela na escola, dou as coisas para poder ela estudar". Eu vi aquilo ali como uma oportunidade de crescimento, só que foi o contrário, foi uma forma de ser mais humilhada ainda porque lá eu cuidava da casa, quase não tinha tempo para fazer trabalho, continuei quase uma escrava na família e não tinha, vestia era o resto dos outros e ficava feliz. Graças a Deus até hoje eu ganho sobras dos outros e vivo das sobras e sou feliz por isso, não critico por viver das sobras, eu critico a forma com que as pessoas doam com intenção de pisar.
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O que ela fazia?
R - Não era bem propriamente a minha tia, mas sim as primas. Me tratavam como empregada, não tratavam como família, tratavam como empregada, era sempre a humilhação e teve uma que teve a capacidade de me dar um cordão de prata, eu não sabia que era prata e eu sempre fui vaidosa, a pessoa que é limpa eu acho que é isso, eu gosto de mudar, então ela pegou e me deu um cordão grosso, bonito, e falou: "Olha, esse aqui eu não quero, você pode pegar", mas como eu vivia só do que eles me davam, aí eu peguei, limpei, ficou bonito, que ele estava sujo, aí eu lavei, lavei bem lavado, ficou bonito e fui para casa no final de semana porque eu só ia final de semana. Usei o cordão e vim embora na segunda-feira, minha tia não falou nada comigo, não disse nada, simplesmente chamou meus irmãos, meu irmão mais velho ele se tornou o pai, sabe? Ele se tornou o pai porque meu pai foi trabalhar na roça e construir, no início foi muito difícil que ele foi para a roça para construir ainda, ele reformava fazendas dos outros, trabalhava obtendo, não é meia, era uma porcentagem que ele tinha daquele desenvolvimento da fazenda, aí meu irmão mais velho teve que assumir todas as responsabilidades da casa, cuidar das irmãs mais novas, dos irmãos e da mãe. Essa tia minha chamou meu irmão e falou que eu tinha roubado o cordão, aí até que eu explicasse que eu não tinha roubado, eu já tinha apanhado demais, eu apanhei bastante
porque na nossa família tem tudo, menos ladrão, tem mulheres solteiras, tem tudo, mas não tem ladrão.
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Você apanhou do seu irmão?
R - Apanhei do meu irmão, ele era muito agressivo. Eu não culpo ele por, não era falta de amor, amor a gente via que ele amava, mas a expressão dele era grosseira, ele gostava muito de resolver no tapa. Aí me voltaram, não deixou sair da casa dela, eu tive que continuar lá, aí quando meu pai chegou, meu pai era uma pessoa calada, ele já faleceu, ele era uma pessoa calada, mas sensato, observador, ele observava as coisas e fazia, quando ele abria a boca também era para pôr ponto final. Aí meu pai chegou e eu contei para ele a situação, eu peguei as coisas, quando eu soube que meu pai chegou, eu já tomei logo iniciativa que eu sabia que eu ia ter apoio. Eu peguei as coisas e falei: "Olha, tia, eu estou indo embora.", "Ah, mas você não pode". Ela tinha uma chibata de couro, sabe? Ela passou a mão na chibata e falou: "Se você for, eu vou te bater.". No início o pivô foi isso, eu estava limpando a casa e tinha uma, ela alugava quarto para professoras, aí eu era humilhada pelas pessoas que moravam e pelas primas. Eu limpando, encerando a casa e a mulher passava para lá, passava para cá, passava para lá, assim provocando, então eu peguei falei: "Eu não vou ficar aqui mais não, tia, eu vou embora. Papai chegou e agora eu vou embora.", "Ah, mas você não pode, está aqui com a autorização da sua mãe, peguei vocês morrendo de fome", e não era bem assim. A gente regrava, às vezes a gente comia só cenoura picada, minha mãe preparava, às vezes a gente comia só feijão com farinha, alguma coisa tinha e sempre minha mãe falava assim: "Hoje não tem, mas Deus proverá", e Deus provia, alguma coisa, um vizinho chegava com alguma coisa, sempre a gente tinha alguma coisa. Eu peguei as minhas coisas e fui embora e ela foi atrás, atrás de mim com a chibata e meu pai falou: "De hoje em diante, passando fome ou não, filho meu não vai ficar mais com ninguém". Aí foi contornando a situação, eu passei a continuar vendendo as verduras na rua, e essa tia minha é falecida e outra coisa, eu tenho medo das palavras, eu tenho cautela com as palavras porque ela, eu falei também uma coisa que aconteceu, aí ela falava, quando ela falou no meio dos outros, juntou o grupo lá apedrejando, falando, acusando, e ela falou: "Eu peguei passando fome, sabe? Estava lá, bando de miserável", quer dizer, ela não só me xingou, ela xingou a minha mãe, ela xingou todos, ela é falecida, mas nem por isso a gente, eu gosto, é uma tia que eu amo de verdade, não tenho mágoa, não tenho nada, era uma criança nessa época. Aí: "Peguei passando fome e hoje ela vem aqui com essa arrogância dizer tudo isso", falei assim: "Não, tia, passando fome a gente não estava não. A gente é pobre, a gente estava passando necessidade, fome não. Fome nós nunca passamos". Porque as pessoas têm mania de dizer que está passando fome tendo arroz, tendo feijão dentro de casa, fome que eu creio é mais de um dia. Aí: "Deus é tão grande que um dia a senhora pode vir a ficar na nossa situação e Deus há de nos dar para vim ajudar e retribuir o que a senhora está fazendo pela gente". Isso foi acontecendo, acontecendo, ela, eu continuei na casa, continuei tendo os contatos, não me afastei porque eu desabafo, então eu não guardo mágoa, nunca guardei porque eu solto. Aí ela, passou uns anos ela vendeu a casa, desorientou, vendeu a casa, trocou a casa por uma chácara, perdeu tudo, aí voltou de novo e eu já nessa época eu já estava com o Irany, o pai dos meus filhos, então já estava com ele, já tinha um filho já, a gente já estava morando em outra cidade e eu cheguei, minha mãe: "Minha filha, graças a Deus que você chegou", você imagina a distância dos anos.
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Mas calma, peraí. Como você conheceu o Irany?
R - Eu vou chegar lá, vou chegar, só para concluir isso. Então, eu cheguei minha mãe falou: "Graças a Deus que você chegou que eu estou aqui, sua tia está lá passando necessidade e não tem ninguém aqui para levar para ela, não tem nem o sal". Quando eu cheguei com o saco, que era um saco grande que minha mãe tinha preparado de tudo, de tudo, que a minha mãe, meu pai trazia porco limpo já, arrumado, e ela fritava, não tinha geladeira, aí ela fritava as carnes e punha na lata com óleo. Ela fez uma lata de óleo grande assim, uma lata com manteiga e carne e mandou para ela. Assim que eu entreguei para a minha tia, eu não lembrava, assim que eu entreguei ela chorou, chorou e falou: "Minha filha, o que você falou está acontecendo". Aí que eu lembrei do passado. Agora eu tenho cautela quanto à fala, quanto, porque a dor é tão grande interna que é aceito o pedido, aquela, é aceito. Quanto à pergunta que você me fez, como eu conheci o Irany. E tudo isso a conseqüência de eu conhecer o Irany veio daí. Fui para a casa, começou a distorção, eu já não era vista como uma pessoa normal, já tinha sido acusada de ladra, eu já era acusada de baderneira porque cobrava os meus direitos, aí foi distorcendo, a família foi distorcendo, eu não sabia o que era uma menstruação, eu não sabia nem que homem tinha pênis, eu não sabia. Então isso eu fui sair, começou com as amizades e eu fui agredida e em vez de ter apoio dentro da família, eu fui expulsa, porque era vergonha, eu não era mais virgem. Ninguém me ouvia, era aquela conseqüência... P -
Você foi agredida na rua?
R - Não, pessoas amigas, confiei em um irmão, no meu cunhado, que chamou para a gente ir no cinema e ele estava com um amigo dele. E isso ele ficou, já foi combinado, hoje eu tenho certeza que isso foi combinado. E eu entrei dentro do carro, nós fomos para Sobradinho, que é uma cidade próxima à Planaltina, satélite, e lá no posto, não teve nada de cinema nem nada, curiosidade, nem televisão a gente tinha, então ele falou: "Vamos comprar um cigarro porque aqui não tem", aí meu cunhado ficou. Esse cigarro, ele foi para o cerrado lá, o fato aconteceu. Eu cheguei e não tive coragem de contar, eu não sabia o que tinha acontecido comigo, não tinha nem noção do que tinha acontecido comigo, eu cheguei e contei para uma amiga minha, falei: "Aconteceu isso, isso, isso.", e ela já tinha uma formação maior que a minha, que a família dela já tinha outra base. Aí ela pegou e tudo bem: "Você não conta, não conta para ninguém porque foi uma coisa esquisita.", foi uma coisa que eu não tinha nem noção do que, do risco, do perigo que era. Aí ela pegou, eu comentei assim, falei, minha mãe chegou e foi e contou para a minha mãe: "Rute já transou". Ela não contou o que tinha acontecido, ela só chegou e falou que eu tinha transado. Minha mãe chegou e falou, aí meus primos moravam dentro da minha casa e eram primos-irmãos, mais do que irmãos, eram os primos que respeitavam a gente enquanto os irmãos só agrediam. Aí eu peguei, acusaram , fizeram aquela coisa que eram os primos, que eu não queria falar, aquele tumulto, eu não queria falar quem era por causa do meu cunhado, para não causar a separação da minha irmã, do meu cunhado, e meu cunhado veio querendo separar da minha irmã, querendo casar comigo para reparar o erro, falei: "Não, não tem condição uma coisa dessa, não tem condição", aí eu fui para a rua. Fui para a rua, larguei tudo e fui para a rua. Fiquei grávida depois disso, aí virei uma louca, a realidade é essa, comecei a usar droga, comecei a beber.
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Mas você engravidou desse...?
R - Não.
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A gravidez veio depois?
R - Quando, aí eu já não queria mais nada, sabe? Porque tudo aquilo ali que a gente estava sonhando tinha desmoronado. Eu fiquei grávida desse meu filho, do Renato, que graças a Deus é um dos meus orgulhos hoje, ele tem 25 anos e, quando eu fiquei grávida, eu não sabia também de gravidez, não sabia nada.
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Você tinha quantos anos mais ou menos?
R - Eu estava com 16 anos. Ia completar 16 anos, nessa faixa, 17, ia completar 17. Nasceu no mesmo mês do meu aniversário. Foi que tinha pessoas, sempre tem pessoas evangélicas, eu me dou muito bem com jovens, com idosos, eu me dou muito bem nessa parte de jovens e idosos. As pessoas, essas senhoras me ampararam, sempre ia pela palavra de Deus, eu ia sempre no que minha mãe tinha me ensinado que era os cultos de doutrina, aos domingos tinha a escola dominical, então essa, foi isso que me ajudou a não cometer um suicídio, a não fazer coisas piores. Mas eu nunca fui para o lado do roubo, aí eu comecei a me prostituir, foi prostituição mesmo, aí eu me prostituía por uma bebida, me prostituía por um cigarro de maconha, aí foi essas condições. Quando eu estava próxima a ganhar o Renato eu conheci um casal de médicos que queria adotar, eu já estava convicta a entregar, eu não queria, eu não sabia o que eu podia oferecer para ele, né? Eu não tinha condições de dar uma vida digna para ele, e sempre fui sonhadora, sempre, eu acredito que as coisas se a gente correr atrás, se a gente lutar, a gente consegue. Então eu falei, fiquei pensando, teve a irmã Maria, que ela é falecida, ela, quando eu fui ganhar, já estava pronto os médicos para poder esperar a criança nascer para levar. Quando ela nasceu a irmã Maria me chamou, falou: "Minha filha, eu estou sabendo que você vai dar o seu filho em adoção", eu falei: "Eu vou porque a senhora conhece a minha vida, a senhora sabe como eu sofro, então não tem condições de eu ficar, criar ele, e lá eles têm condições. Eles têm dinheiro, eles têm condições de dar uma vida melhor", ela falou assim: "Minha filha, Deus dá o frio conforme o cobertor. E quem sabe esse filho não é para o seu crescimento? Pensa, Deus te deu, Deus vai te dar condição de criar". Eu recuei, eu ouvi o conselho e não me arrependi, eu estou com ele, graças a Deus, minha mãe, aí quando eu ganhei ele foi sério, eu tive que fazer cesariana porque eu não tinha condições de ganhar normal, quase morri, me deu infecção hospitalar, eles esqueceram gaze dentro da minha barriga, quase que eu morri, teve que abrir de novo, teve que tirar, foi uma carniça que tiraram de dentro de mim, já não sentia mais nada. Eu não pude nem amamentar ele. Aí começou, como alimentar essa criança? Aí os vizinhos ajudavam, graças a Deus, amizade, sempre eu conservei bastante amizade. Teve que comprar o leite, eu com 15 dias de cesariana tive que ir para Brasília, implorar por um emprego de doméstica, foi aí que eu comecei a trabalhar como doméstica. Eu explicava a situação, chegava: "Eu estou com um neném.", não contava quantos meses, quantos dias eu estava, andando ainda em passos lentos ainda, eu comentei, eu fui parar em um prédio, pedi um guarda para me ajudar, para o guarda eu contei a situação, que meu filho estava chorando, precisando de alimento e eu não tinha condição de dar aquele alimento, que os vizinhos também não tinha como ficar mantendo porque todo mundo era pobre. Ele falou: "Tem uma pessoa aqui que ela é jornalista, uma pessoa muito boa, e ela está precisando de gente para trabalhar". Era época daquela novela do vatapá, sabe, que era comida baiana, muita coisa, eu sou, minha mãe ensinou a gente desde pequena a cozinhar uma cozinha goiana, bem tempero, um tempero bom, meu pai é baiano, então uma mistura boa. Ela pegou e falou assim: "Você sabe cozinhar, Rute?", eu falei: "Sei", "Então tá. Você sabe fazer vatapá?", falei: "Sei", não sabia nem o que era vatapá.
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(RISOS)
R - "Sei.". Por que? Mas eu vi que na televisão estava mostrando a revista, a venda da revista, da receita, aí eu peguei e falei: "Sei, mas tem tanto tempo, que meus pais são baianos, minha mãe é goiana, meu pai é baiano", ela pensou que já vinha da origem o conhecimento. Eu falei: "Tem condição da senhora comprar uma revista daquela que está vendendo para eu poder, aí o que eu perder da memória a gente recupera", nada, eu queria saber o que era um vatapá e como fazia para garantir o trabalho. Ela comprou a revista, ela convidou pessoas para comer, e foi um sucesso Aí garanti, ela manteve, foi me ajudando, foi me ajudando um bom tempo, só que eu não permanecia no trabalho porque eu, a droga já estava, eu não usava droga no trabalho, o trabalho era uma fuga ao mesmo tempo para sair da droga. Eu tinha consciência que ali era a vida do meu filho, não era mais a minha vida, era a vida do meu filho que dependia daquilo ali e, mas o sangue queria a droga. Nos finais de semana eu bebia, eu usava droga, na segunda-feira eu chegava de ressaca, mas continuava trabalhando. Dava para perceber que eu tinha passado um final de semana bem agitado, mas nunca prejudicou no trabalho. Nisso, até ele foi crescendo, crescendo um pouco, minha mãe ficou, o pessoal do serviço social chegou a me ajudar, era mãe-crecheira, aí pagava para minha mãe cuidar, porque tinha outros netos também, pagava para cuidar dos netos enquanto a gente trabalhava, a obrigação da gente era trabalhar até dois, três dias na semana, mas tinha que trabalhar para garantir o benefício, se não trabalhasse, se saísse do serviço, perdia o benefício. E com isso a gente ganhava uma cesta básica também, para a criança, que vinha leite, vinha as outras coisas, então eu comecei a trabalhar dois dias e o resto dos outros dias era afundando. Era afundando porque dentro da casa eu trouxe mais um problema, um problema que já era mais um filho, aí eles me empurravam, mas a criança não, a criança eles acolhiam, mas eu tinha que me virar. Isso foi uma das bases. Nesse período a gente tinha também que participar de oficinas para trabalhar a cabeça, saber contornar essa situação, só que eu nunca comentei que eu usava drogas, nem a minha mãe sabia que eu usava droga.
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O que você usava?
R - Usava maconha. Aí ela, as assistentes sociais, que eram as educadoras, sempre com carinho, ali a gente foi aprendendo a fazer artesanato, a gente foi aprendendo a trabalhar o grupo, e foi assim, essa vida corrida. Aí eu tive a Keyla.
P - Aí então você saiu do trabalho?
R - Saí do trabalho e continuei trabalhando dois dias na semana como faxineira.
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Tá, e ficou fazendo essas oficinas?
R - Eu fui para ver se, tentando resgatar, porque eu estava cada vez mais só afundando, só afundando, afundando, um desespero porque eu tinha medo, eu não via futuro, não estava vendo futuro ali, cada vez mais as coisas acontecendo para afundar. Eu fiquei grávida de novo, tenho a Keyla, que foi a mãe desses outros cinco [filhos], e a Keyla foi a gota dágua. Fiquei grávida de novo, mais um problema dentro da casa, minha mãe segurou o Renato e eu tive que me virar, essa outra ela não queria dentro de casa, que eu me virasse. Isso com ela na barriga. Eu fiquei, voltei a trabalhar de novo.
P -
E você morava onde nessa época?
R - Nesse período?
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É.
R - Eu morava onde eu trabalhava.
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Mas quando você ficou trabalhando dois dias?
R - Eu trabalhava aí eu arrumava serviço uma semana na casa de uma, uma semana na casa de outra, porque eu não tinha equilíbrio mais para viver, para trabalhar, porque eu faltava no serviço, não era porque acontecia. Eu chegava, as pessoas: "Rute, o que está acontecendo? Por que você está faltando?", aí foi isso. Só isso que não tive equilíbrio para o trabalho. Daí eu ganhei a Keyla, continuei dentro de casa porque mãe fala que é para ir para fora, mas acaba trazendo de volta, não tem coragem de deixar o filho fora, ganhei ela e continuei, as conseqüências foram cada vez mais aumentando, aí eu fui para a rua. Ela pegou a criança e falou: "Agora você vai para a rua e trabalha e faz o que você quer.", porque muitas vezes eu me tornei agressiva, e eu fui para a rua e arrumei mais um filho.
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Depois da Keyla?
R - Depois da Keyla, que foi o Thiago, arrumei o Thiago, né?
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Só um minutinho.
R - Fiquei grávida do Thiago e usando droga, bebendo muito, eu bebia, chegava a ponto de arrancar a roupa, sair nua, era essa a vergonha da minha mãe. Ela queria que eu pudesse viver a minha vida do jeito que eu estava porque ela já não agüentava mais, não é por falta de amor, foi até por amor também, ela acolheu os filhos e falou: "Vai viver a sua vida, você quer viver a vida, vai viver a sua vida.". Eu, quando eu estava uns dias de ganhar o Thiago, eu clamei a Deus, eu lembrei as raízes lá e falei com Deus, falei assim: "Eu sei que quem dá os filhos, quem faz os filhos não é o homem, quem dá os filhos é o Senhor porque o homem não tem condição de pôr, fazer uma criança dentro de mim assim, acontecer isso tudo. Dá para o Senhor me pegar essa criança de volta e devolver ela em outro tempo?", falei desse jeito, essas foram as palavras que eu conversei com Deus. Foi no prazo de dois dias eu comecei as contrações, já estava de nove meses, comecei as contrações, quando eu fui para a sala de parto, quando o médico virou para colocar as luvas, a criança caiu. Aí ela faleceu.
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Nossa
R - Então eles queriam, aí minha família veio querendo entrar na justiça, negligência, mas eu tinha consciência do pedido que eu tinha feito. Fiquei com aquela dor dentro de mim: "Meu Deus, será que eu agi certo?", aí a terceira culpa, será que eu agi certo em fazer esse pedido? Será que eu não errei, será que não fui eu que causei a conseqüência, a morte do meu filho? Lindo, lindo, lindo o menino Lembro das mãos dele, aquelas mãos, lembro quando ele foi no caixão, a minha menina, a Keyla, brincando com a mão dele, era pequenininha, uma mão linda, aquela mão comprida, sabe, ele ia se um rapaz alto. Também para enterrar ele nós não tinha condição, os comerciantes que ajudou, mobilizou lá e ajudou. Minha mãe, continuou mais ainda o problema, a culpa, os vícios, a família, e eu fui para o mundo. Teve uma menina que chegou, falou para mim, teve uma mulher que chegou e falou assim para mim: "Rute, tem uma senhora que tem uma boate e lá você ganha dinheiro, você fica tranqüila, tem o quarto, ao invés de você ficar assim, é bem melhor você ir para lá. Você quer ir? Eu estou indo para lá a semana que vem", "Eu queria ir, mas como a gente faz? Não tenho dinheiro", "A gente pega carona, é fácil. Você pega seu registro e a gente vai. Quantos anos você tem?", eu falei: "Eu tenho 18". Nessa faixa eu já tinha 18, não já estava mais, acho 19, essa fase, 19 a 20, 21 anos, nessa faixa. "A gente vai para lá", isso foi em Uruaçu. Aí nós fomos para a BR, pegamos carona com o motorista muito gente boa, não teve nenhuma piada com a gente, deu carona sem interesse nenhum, deu almoço para a gente, alimentação na estrada, sem nada, uma pessoa bom caráter. Aí...
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E você estava indo da onde para onde?
R - De Planaltina, DF, para Uruaçu. Esse caminhoneiro, ele ia para São Paulo e ele deu carona para a gente. Quando nós chegamos lá eu vi que não era uma boate como tinha sido, mas sim um cabaré, era um ambiente, zona mesmo. Era um ambiente afastado, mas eu já estava na chuva, tinha que molhar. Quando eu cheguei, os cabelos meus era todo, eu tenho até foto na carteira do antes, era todo louco, tudo, não penteava cabelo há muito tempo, só molhava e batia, aí eu cheguei, a dona Ducha, dona da casa. Mas a casa que ela me levou não era a pior do local, não. Era casa tipo vip, aí a gente chegava lá ela arrumava: "Olha, está aqui o dinheiro, você vai lá no salão", tinha um salão, "Vai lá e se arruma". Eu fiquei, eu surpreendi quando eu me vi no espelho porque aquele cabelo que estava todo feio ficou aqui. Ela falou: "Eu sabia que você ia ficar a mais bonita da casa", respeitadora, ensinou, aí ela que me ensinou os riscos. Primeiro ela fez aquele trabalho para depois pôr a gente para, mas com cuidado com a clientela dela, não propriamente com a gente, mas com os clientes, era exigência dos clientes dela. Foi aí que eu comecei a aprender os cuidados que a gente tem que ter dentro de lá. Quando eu cheguei lá, ela falou assim: "Nossa, o Irany acabou", o Dantas, ele era chamado de Dantas, "Dantas é um rapaz tão bonito, ele acabou de sair daqui. Ele mora lá perto de você lá, Rute, mora lá em Formosa". Aí já aquela coisa assim: "Ele é caminhoneiro, ele é tão bonito Ele vive com mulher.", ele vivia com uma mulher também de cabaré, uma senhora de idade bem mais velha do que ele, e ela falou assim: "Se eu fosse nova, bonita igual a você, ah, minha filha, eu tomava", e se a pessoa me desafiar, aí que está o problema. Eu senti curiosidade, falei: "Eu vou ter que dar um jeito, vou ter que ir em Formosa ver quem é esse Dantas".
P -
Rute, você estava me contando que você foi desafiada a conhecer o Irany.
R - Eu fiquei lá, comecei, a primeira vez que eu fiquei por dinheiro foi uma sensação estranha, antigamente eu ficava por, mas ali ela me explicou a conseqüência e ali eu já sabia, já tinha noção do que era, que eu estava vendendo meu corpo, ali eu já era uma mercadoria. Tudo bem, levei na esportiva, ela: "Rute, eu sei que você usa droga", a gente conversou, foi igual uma mãe mesmo, desabafou, aí o que eu não pude falar com a minha mãe eu falei com ela porque ela me transmitiu segurança: "Eu estou aqui para ensinar", eu peguei e comentei todo para ela. "Você pode ter controle, então a gente vai controlar e tudo bem", aí eu passei a usar mais droga ainda para suportar aquela situação, mas na ansiedade eu vou conhecer, eu quero conhecer, eu quero saber quem é esse homem. Só que quando eu fui conhecer ele, eu fui para Formosa, eu voltei já para casa com dinheiro, aí a família já viu de outra forma, minha mãe sempre: "Errado, errado", mas a necessidade, eu chegava: "Mãe, esse dinheiro não é da senhora, esse dinheiro é dos meus filhos. A senhora mandou me virar", ela não aceitava, "A senhora não mandou eu me virar? É dos meus filhos Então é a minha vida, é a minha vida e eu tenho que alimentar meus filhos", e comecei a trazer coisas boas, eu era uma das mais procuradas, então ganhava a mais, sempre ganhava a mais, e não fazia horrores, o normal, eu falava mesmo: "Comigo tem que ser assim, se não quiser dessa forma, tudo bem, se quiser de outro jeito eu não vou", porque a dona da casa orientou as condições que era, o absurdo que era: "Aqui você tem o direito de dizer" - como é que se fala - lá fala dois jeitos, você é completa ou não, aí eles perguntavam, quem é completa faz tudo, quem não é, é o básico mesmo. Então eu já dizia: "Comigo não tem nada de completo, é só o necessário mesmo e pronto". Fui para Formosa para uma casa também, mas lá já era bem mais pior.
P -
Por que você foi para Formosa?
R - Para Formosa na intenção não do trabalho, mas na intenção de conhecer o Dantas.
P -
Nessa primeira casa você ficou quanto tempo?
R - Nessa casa eu fiquei em torno de um mês. Eu não fiquei muito tempo me vendendo não, foi pouco tempo, fiquei em torno de três, quatro meses prostituindo assim de fato. Quando eu cheguei em Formosa ele tinha acabado de sair, mas eu fiquei do lado da casa da mulher dele para conhecer ele. Daí ele sumiu, aí eu já vi o outro lado do Irany, ele era violento, perigoso, era o homem mais perigoso que tinha dentro do município porque ele não era caminhoneiro, ele era puxador de carro, era bandido, bandido mesmo, mas só que era o homem mais bonito que tinha lá no meio porque eu só queria ver ele, era o mais bonito que tinha. A primeira vez que eu vi ele, aí eu fiquei, eu cheguei na casa Madalena, que até hoje ela é dona lá da casa, aí eu cheguei, falei: "Madalena, eu estou aqui, eu quero assim que o Dantas chegar você me apresenta.", aí foi melhor para mim, eu pensava assim, ele é traficante, então eu já não vou precisar nem tanto estar comprando, aí já foi outro, mais outro motivo, aí já vai ficar melhor ainda a situação, vou unir o útil ao agradável. Quando ele chegou eu conheci, sem nem saber, e ele estava em Tocantins, já escondido nas matas porque ele já estava sendo procurado, e lá ele sonhou comigo, é uma coisa, é incrível, ele sonhou com uma mulher com uma pinta, ele só conhecia a pinta, ele não contou, ele tinha que procurar essa mulher. Um dia ele foi para Formosa, foi assim, amor à primeira vista, quando ele chegou, eu lembro como hoje, ele entrou, eu estava sentada na porta, era um corredor, eu sentada igual está ali, eu sentada lá no canto esperando os fregueses chegar, aí ele entrou, com uma calça branca, uma jaqueta, quando ele entrou as pernas tremeu, o coração disparou, eu chamei a Madalena: "Madalena, esse é o Dantas, não é?", ela falou: "Quem te falou?", falei: "Dentro de mim diz que alguma coisa é ele", ela falou: "É". Aí começou aquele bate-papo, aquela coisa, e ele também, falou: "Olha onde está quem eu estou procurando", aí já começou, ele falou: "Eu sonhei com você". O desejo meu foi tão grande de conhecer ele que eu acho que atraiu, atraiu ele até lá. Nós ficamos naquela amizade, a mulher dele não estava nem aí porque ela também era mulher de programa, não era propriamente mulher dele, era uma dona da casa que ele era gigolô dela, é uma história confusa, bagunçada. A gente começou a amizade e ela brigava muito com ele, ele já estava provocando uma situação de separação mesmo com ela, sem ninguém, sem chamar atenção, nunca teve paquera, só de olhares. A gente fumava uns baseados juntos, a gente conversava ali na rodinha, ela pegou e falou assim: "Você está com tanta amizade com Rute, olha lá , ela está lá", a Madalena já tinha entregado a casa para mim, já era dona de casa, isso em um período curto, ela precisava de umas férias e pôs para mim cuidar da casa dela. Eu já fiquei cuidando da casa lá: "Os quartos lá estão tudo vazio, vai dormir lá", aí ele foi para Planaltina, encontrou, na estrada ele encontrou com a Maria que era considerada Maria Peitão, porque ela tinha uns peitão, aí ele pegou e falou com ela: "Fala com Rute para ela pôr a cerveja hoje bem geladinha que hoje eu vou tomar a cerveja lá com ela". Chegou o dia Arrumei, fechei a casa, fiquei esperando deixei a casa fechada, e ele foi, só que a mulher estava esperando ele dormir em uma cama do lado, não na minha cama, ela mandou ele ir dormir na casa lá porque a casa, a dela estava cheia e ele é muito ativo sexualmente, até hoje ele é, então eu acho que devido a idade dela ela não estava querendo tanto. "Vai dormir lá, vai dormir lá, tem quarto, me deixa em paz", e ele foi, foi e não voltou mais. Aí nós, nisso a gente tem cinco filhos, foi uma situação, mais sofrimento, aí eu amadureci, por quê? Porque ele dava mais trabalho e eu não queria perder. Eu voltei às raízes, comecei a ir para a igreja, comecei a me consertar e levar ele também para a igreja: "Olha eu fui criada assim", a família dele criou ele muito solto e com muito amor, amor demais, excesso de amor, o que faltou neles foi mais um pouco de regras.
P -
Vocês ficaram morando nessa casa?
R - Não, não.
P -
Como foi?
R - Aí ele teve uma discussão, um bate-boca para causar a separação entre a outra, aí ela não queria, ela queria que ele dormisse, não queria que ele ficasse. Falei para ela: "Você mandou, você me deu. A partir do momento que você falou que ele podia vir para cá ele é meu. Agora é o seguinte, você tem que agüentar as conseqüências", aí ele falou: "Vamos embora morar junto. De hoje em diante você não fica com homem nenhum mais". Ele era perigoso, ele era perigoso que era daqueles que falava: "Eu mato", e matava, sabe? "Eu faço", e fazia, então ele deixou uma quantidade boa de drogas para mim, deixou dinheiro: "Hoje você cuida das outras, mas você não é mulher de mais nenhum homem. Eu vou viajar, vou fazer uma correria aí, volto para a gente alugar um quarto, uma casa e morar junto", eu falei: "Tem os meus dois filhos e eu não deixo meus filhos por homem nenhum, não deixo mesmo, se a gente chegar a morar junto e for levar eles, se você, e outra coisa, se você também me bater, porque eu sou nervosa, se você chegar a me bater eu espero você dormir e corto a mão que você me bateu". Então a gente se acertou antes de juntar, e nós já brigamos, aí foi, logo eu fiquei grávida, logo na primeira relação eu fiquei grávida do Cristiano, hoje tem, está com 18 anos, vai fazer 19 anos, e a gente foi vivendo a conseqüência da gravidez. Quando eu fui para ganhar Cristiano, a gente morava em uma chácara, nós saímos porque era um casal que não tinha suspeita, a gente se arrumava, era um casal perfeito, ninguém, não dava para ver a sujeira atrás. Só que a gente nunca prejudicou ninguém, nós dois, nunca, saiu para construir uma vida. Quando eu fiquei grávida, já medo porque ele andava com barras de drogas, era quilos mesmo, era ele que passava para as pessoas, graças a Deus a situação hoje é outra, bem diferente, e aquilo foi me dando pânico, a gente usar é uma coisa, agora a partir do momento que já está levando, eu vou para a cadeia junto com ele, eu não vendo, nem os papelotes eu não punha, eu usava, sabe? Mas eu pegar aquilo ali, nem carregar eu carregava, e tentando: "Isso é errado, isso é errado Olha como nós estamos por causa disso aí. Agora esse dinheiro é amaldiçoado". Minha mãe, meu pai trabalhando, meu pai
e minha mãe entrou em pânico porque eu contei para ele, eu chegava com eles com dinheiro, aí minha mãe: "Minha filha, isso é amaldiçoado, não tem condição. Nós não queremos", e não pegava, nem deixava eu dar para os meninos, nada que chegasse ela deixava levar para os meus filhos daquele dinheiro. Aí eu fui trabalhando a cabeça dele também e a minha para a gente mudar de situação: "Vamos para a igreja", e trabalhando e reduzindo cada vez mais. Ele é um homem muito trabalhador, ele era traficante, mas trabalhador, ele trabalhava. Aí eu pegava o dinheiro do trabalho, porque minha mãe não aceitava o dinheiro do tráfico, então eu pegava o dinheiro do trabalho e mantinha os filhos. Aí ele foi devargazinho, a gente ia à igreja evangélica, a gente ia, tinha dia que a gente chegava a ponto de ir no despacho para poder pegar dinheiro que era oferecido aos santos, que a gente morava na Granja do Torto, nós invadimos uma área lá e construímos, hoje está enorme, uma construção magnífica do povo que tem dinheiro, gente que tira, a gente vendeu, ele deu para o meu pai, eu fui para outra invasão para segurar a casa porque lá não era seguro, eles iam tirar a gente porque era pobre, mas eu acho incrível porque hoje tem mansões lá no lugar, porque meu pai passou recibo, construíram mansões, mas nós não podia construir uma casa, não podia. Nós pegava, ele pegava dinheiro, toda sexta-feira a gente ia, no sábado a gente ia para o culto com o dinheiro da sexta-feira do despacho, que o pessoal fazia o despacho, colocava lá as moedas, era certeza, colocava lá, a gente ia lá, pegava, ia para a igreja evangélica. Teve um dia que não teve, e estava dando resultado, ali a gente chorava, a gente ouvia, a gente via as conseqüências do que a gente estava causando, levando os filhos, não era pensando mais em mim e nele, já tinha uma criança, nesse período já era Cristiano e Carlos Henrique. Carlos Henrique está aí, também está. Já era Carlos Henrique, já estava grávida do Carlos Henrique, o Cristiano já estava morando com a outra avó, a mãe dele, a gente já estava pensando, já estava amadurecendo. E ele pegou e nós pedimos, nós fomos pedir carona: "Hoje nem que for com o diabo eu vou Nem que for com o diabo, hoje eu peço carona e a gente vai até a igreja", já para vencer o vício da droga e também o vício do consumismo que o dinheiro da droga causava. E eu passei a recuar cada vez mais, passei a recuar cada vez mais nesse dinheiro, a conseqüência, já estava tendo visão de quantas famílias estava sendo destruída com aquele ato nosso, vendo jovem morrer, por isso que a luta que eu faço hoje é devido a isso. Nós fomos para a beira da estrada, veio um carro, mas o carro bonito Nunca entrei em um carro, agora eu já entrei, mas antes nunca imaginava entrar. Eu bati o dedo e o carro parou, aí abriu a porta de trás, um homem sério, esquisito, fechado e já abriu o porta-mala com revólver para mostrar assim para a gente: "Eu te dou a carona, mas se caso for mexer, vocês também vão levar". Porta-mala não, porta-luva estava já um revólver bonito, assim no porta-luva, acho que ele era policial, sei lá. Quando nós estamos descendo a descida para, a gente ia na igreja em Planaltina, descendo já eu lembrei do que ele tinha falado: "Que nem que fosse com o diabo a gente pegava carona.", pensei: "Meu Deus, será que a gente está indo direto para o inferno?", aí comecei a orar, comecei a clamar por Deus, falei: "Senhor, eu sei que a palavra tem poder, mas reverte essa palavra porque o Senhor sabe que a gente está indo para a casa do Senhor para ouvir, para aprender. Se esse aqui mesmo for o demônio, que não deixe acontecer com a gente". Quando chegou na estrada, ele pegou e falou assim: "Eu estou descendo para a Bahia, vocês vão ficar em Planaltina, eu vou deixar até no Trevo. Está bom para vocês?", eu falei: "Tudo bem". Chegou no Trevo, a gente desceu, foi tranqüilo, mas é uma cena que ficou gravada e não dá para esquecer. A gente foi assim, passando, e a construção para fazer ele sair dessa situação foi pior. O pai dele, a gente já mudou para Planaltina, ganhamos a casa, o lote, teve as conseqüências lá dessa, que jovem, o jovem do lado morreu, daí ele ainda vendia droga, aí ele voltou com menos quantidade, mas consumir a cocaína, já ficou mais agressivo, já não queria trabalhar, aí da cocaína ele passou para mela, porque vai cada vez mais, graças a Deus eu até a maconha e o álcool, eu não me envolvi com as outras porque eu já estava vendo que aí era pior, eu ia reduzindo cada vez mais, quando não agüentava mesmo que eu estava querendo quebrar tudo é que eu fazia um cigarro, usava metade e guardava aquele outro, aí quando eu vinha eu só cheirava para poder segurar. E a família, eu já estava com a Miriam pequenininha, aí veio também a Miriam, veio o Gabriel e a Cássia. Então a gente foi trabalhando, eu sofri muito, cheguei a bater nele. Chegava a pegar ele de vassoura para prender ele dentro de casa para não sair porque já começou a roubar bujão dos outros, começou a roubar pequenas coisas para manter o vício, aí já passou a ser pior, já não era mais um traficante já, ele era um traficante usuário, já passou a ficar pior, um estado deplorável, aquele estado péssimo, aí eu já, além dos filhos ainda tinha que cuidar dele, mas nunca abandonei ele de expulsar ele, brigava, falava que não queria mais, não agüentava mais, que era bom ele ir para a casa da mãe dele, mas só para ver se ele tinha amor suficiente para revoltar, para levantar, entendeu? Aí a polícia federal foi atrás, soube, teve um companheiro dele próprio que denunciou, eu sonhei com ele sendo preso e vi o rosto da pessoa que estava vindo para pegar ele. Quando chegou na minha porta, no dia seguinte, eu alertei ele, falei: "Eu tive um sonho que você estava sendo preso. Você toma cuidado, você não mexe com isso, você pára com isso, deixa isso para lá. Põe isso em um canto e não mexe essa semana, deixa isso quieto", aí ele: "Tudo bem". Ele escutava porque, sabe, nesse ponto ele escutava: "O que foi?", "Eu sonhei com você sendo preso", aí ele ficou com receio. Chegou esse rapaz que dizia ser amigo dele e pediu, queria uma quantidade boa porque estava no cerrado, ele não punha dentro de casa porque eu não aceitava, se ele pusesse eu colocava fogo ou jogava igual a cocaína mesmo, várias vezes eu joguei dentro do vaso, isso tudo para ele pagar traficante, para a gente, as conseqüências, as brigas todas, esse transtorno, aí ele já deixava no cerrado porque sabia que ia gerar confusão dentro de casa. "Eu não vou ser presa por uma coisa que eu não estou fazendo E na hora que a polícia chegar, eu sei que vou ser presa porque estou sendo cúmplice", então ele deixava no cerrado. Esse rapaz chegou, quando o rapaz chegou já me deu calafrio, falei: "Dantas, não vai, esse é o rapaz do sonho", "Não, mas ele é chegado, ele não", eu falei: "Tudo bem", quando eu olhei para o lado eu vi o carro, falei: "Olha lá, é os dois homens do sonho, não vai", "Não, aquele cara é acostumado a comprar dele", eu: "Tudo bem, você quer ir, vai". Ele voltou de madrugada porque foi tiro para todo o lado, já tinha uma equipe da polícia federal já próximo ali onde ele escondia, então ele teve que correr, esconder, ele entrou dentro de uma água de um rio, pegou um canudo e ficou à noite deitado dentro da água e respirando com o canudo na boca. A polícia rondando, lá tem um matagal com água, não sei como fala, umas nascentes, e tem as plantas, e era fácil dele ficar escondido com esse canudo de mamona, sabe? Aí ele pôs na boca e ficou lá. A gente já estava dando ele como morto. O que eu fiz? Enquanto o pessoal chegou, o dito cujo voltou e falou: "Você me entrega tudo que tem aí, Dantas falou para me entregar tudo que tem aí de", como se diz? De coisas erradas, que pensava que a gente comprava coisas, furtos, essas coisas, só que eu não aceitava, não aceitava mesmo, nada, nada, nada. Nós não tinha nada dentro de casa, de furto, dessas coisas não. Ele só vendia mesmo, não comprava nada. Aí ele: "Me entrega o som que está aí, me entrega aí porque vai sujar. A polícia levou Dantas, daqui a pouco eles vão vim chegar aqui e vão revirar a sua casa para pegar o que tem. Me entrega que eu guardo tudo. Me dá o bagulho", eu falei: "Aqui não tem nada, não tem nada, e você sai daqui porque senão você vai levar", aí tinha um 22, eu nunca tinha pegado para dar um tiro: "Se você não sair daqui, você vai sair daqui morto porque aqui não tem nada E se a policia vim, pode vim, não tem nada", peguei fechei a casa e fui para a Quadra 6, chamei as irmãs e nós fomos fazer uma oração, ficamos o tempo todo em oração, foi feita uma corrente ali, orando para nada acontecer. Graças a Deus, quando foi à noite ele chegou, aí a gente teve que mudar para Formosa. Mudou para Formosa e lá ele não traficou não, lá ele começou a roubar, a trabalhar um período, trabalhou e o roubo, mas ele afundou mais para roubar foi quando o pai dele morreu. O pai dele morreu e ele afundou mais, mais ainda, aí já não queria mais nada. A coisa dele era o pai, até hoje o pai dele, ele não gosta nem de lembrar. O pai dele foi uma perda muito grande quando ele morreu. Ele foi afundando, eu tive que assumir tudo, assumi tudo Fiz um curso de agente de saúde, eu passei, eu quebrei esse braço, comecei a trabalhar de doméstica, aí eu quebrei esse braço, fiquei deficiente do braço e não tinha jeito de eu trabalhar mais de doméstica, não tinha como eu trabalhar e cuidar das crianças, não tinha condição, em Formosa foi pior porque lá a humilhação da família dele, as pessoas são brancas, arrogantes, na época, agora está mais humilde, eu sofri muito com eles querendo me ajudar, mas também não tinha estrutura, não tinha o conhecimento que está passando hoje. Essas confusões todas Foi quando eu fiz o curso de agente de saúde, tinha uma vaga de agente de saúde para aquele setor, eu fui lá, tinha 350 pessoas inscritas, entre professoras, pessoas que tinham magistério, já esperando a vaga, porque em Formosa não tem trabalho. É uma cidade boa de se viver, pacata, tranqüila, era pacata na época porque hoje não é mais, e eu fui, não pagava. Uma vizinha falou: "Rute, por que você não vai? Você mexe tanto, a sua vida é tão sofrida, vai lá Arrisca", aí eu fui. Tinha um chinelinho já quebrado que estava com um grampo segurando, a mais esquisitinha da tropa, estava lá, ficava em um canto lá, retraída. Teve três provas e eu passei, eu passei na da fala que teve com uma psicóloga que a gente passava, conversava, passei. Teve o resultado, o pessoal até estranhou, de uma vaga, 350 pessoas, eu passei. Eu fui trabalhar o conjunto ali, já comecei a trabalhar o bairro, bairro São Benedito, onde é um dos bairros considerados mais violentos lá de Formosa, aí a gente começou a pensar o coletivo, ia visitando, as pessoas confiavam a vida dela, a gente foi trabalhando, não tinha posto de saúde, as crianças não eram vacinadas, a gente tinha que fazer um mapeamento da área, teve capacitação, a gente ia fazer um mapeamento daquela área para poder se fazer. Outra coisa que eu deixei para trás, vou voltar lá no passado, como eu sustentava a casa para não pegar as drogas? Material reciclável, osso. Com as drogas se comprou uma carroça, aí eu peguei e tinha um depósito, hoje ele já visitou a gente lá, ele fica todo orgulhoso, esse homem do depósito, eu passei, aquele tanto de menino, arrastando esses meninos, ajeitando, lá na Granja do Torto, para evitar isso a gente ia pescar no lago, a gente saia catando latinha, a gente não vendia papelão ainda, era só latinha, eu não sabia que o papelão tinha, mas era só latinha que a gente catava o alumínio e o cobre. A gente catava isso aí. Em Planaltina que eu conheci, que lá se a gente juntasse os ossos, juntasse a sucata, tudo que juntasse ele comprava, aí a gente não passou mais necessidade. Porque eu passava necessidade mesmo, mas aquele dinheiro eu não pegava. Fazia frete, vendia água, tinha um chafariz e vendia água, saía coletando junto com ele, a gente saía na rua pegando, ia para o cerrado pegar restos de bicho morto, e a primeira vez que eu peguei ossos para pôr comida dentro de casa, eu chorei porque eu achava um absurdo esperar um animal morrer para pôr comida dentro de casa. Os meninos: "Mãe, a senhora está chorando por que?", falei: "Não, meu filho, é de alegria", mas era, o sentimento era esse. Aí a fuga de sair das drogas mesmo, de sair do vício da venda, porque é um vício, se torna vício vender para ter, isso se torna vício, então foi essa fuga, foi através do material reciclável que nós saímos da venda da droga. Em Formosa, aí fomos para Formosa, eu falei: "Pessoal, a situação aqui está feia", já era começando a ser liderança. Suja a cidade, imunda a cidade, sem posto de saúde, sem assistência, só um postinho de saúde muito longe e o governo queria saber como fazer para melhorar aquilo ali. Nós fizemos o mapeamento, se a gente unir, fizer abaixo-assinado, a gente tem o posto de saúde. Fizemos, temos um posto de saúde ótimo no local, a gente consegue isso, a gente vê se a gente consegue formação. Fizemos curso de capacitação para o pessoal, artesanato, tem jovem lá hoje que é dono de salão através desses cursos, foi a cooperativa onde surgiu a cooperativa Cooper recicla, disso tudo surgiu a cooperativa. "Vamos montar a cooperativa?".
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Quem surgiu? Da onde?
R - Essa idéia desse grupo de pessoas que estavam trabalhando, pensando como fazer para melhorar aquela situação de falta de trabalho. Aí conversando com as outras pessoas, como a gente faz, se a gente juntar, vai vender para quem, isso era o debate entre a coordenadora e nós, agentes de saúde. Como é que a gente vai fazer? Eu queria pegar esse material, eu sei que vende, eu sei que tudo, o que vende e o que não vende, já tinha o conhecimento, mas eu queria ajudar para ver se as pessoas saíam desse quadro. "Vamos pensar junto". Aí teve o Renato, que hoje ele faz um grupo teatral, está se formando para ser frei, está fazendo, não sei como se fala, está estudando para ser frei, o sonho dele era ser padre.
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Seminário?
R - Aí ele pegou e...
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O seu filho?
R - Não, outro. Meu filho é muito é lerdo, é pai de dois filhos já.
(RISOS)
R - Ele falou: "Ruth, tem o endereço da fulana, tem o telefone. Eles compram, se vocês tiverem grande quantidade, eu acho que dá jeito de fazer isso.". Eu comecei a entrar em contato, comecei a mostrar às pessoas, ninguém queria: "Ah, viver do lixo", porque vivia assistencialismo, cesta básica, "Não vamos trabalhar", aí eles me desafiaram, falaram: "Ah, Rute, se fosse tão bom você não estava com esse jalequinho, você não estava usando jalequinho. Você está tranqüila, se fosse tão bom você estava lá catando", eu pedi demissão do trabalho e fui para a rua. Já estava com a cooperativa estudada, um grupo de pessoas e fui ensinar na prática, para todo mundo: "Pessoal, aqui a gente tem que trabalhar, os cuidados, os risco", eu nunca me cortei, nunca furei e nunca usei luva, mas é porque aquele cuidado de abrir, de cuidar para não se machucar, e foi começando. Aí os carroceiros tinham a carroça também, o pessoal lá: "Vamos juntar, o outro levar.", e estava o trabalho. Nós temos a fita gravada desse período, nós gravamos, tem fotos, estão todas as fotos aí, de toda essa história tem tudo fotografado e filmado e também. Aí nós pegamos e começamos a trabalhar, aí surgiu essa cooperativa. Apoio da prefeitura, não apoio financeiro, mas apoio, não sei como fala, apoio moral, a única que entrou com apoio financeiro na constituição da cooperativa foi a Secretaria de Saúde, que era a doutora Bina. Eu tenho pessoas lá, eles não conhecem toda essa história minha, mas conhecem a minha história de luta.
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Isso foi em que ano mais ou menos?
R - Foi 98, foi 98 já essa construção. Nós procuramos a prefeitura, rádio dava apoio, divulgação das reuniões, tudo isso a gente mobilizou o município. Aí as pessoas já começaram a perder a vergonha para catar, os carroceiros, aí nós já conseguimos concessão de uma prensa e montou toda aquele, aí veio a idéia da eleição. Eu não tinha saído ainda de agente de saúde, nessa época de 98 até 99, quando juntou aquele grupinho para separar, aí foi esse grupo que desafiou. Eu catava no período da noite e durante o dia eu era agente de saúde, só que eles não me viam no meu período, a gente pegava o resto, a gente vive, ainda hoje nós ainda mantemos a mesma tradição. Nós não vamos na rua tirar primeiro, nós sempre vamos por último, eu mais o Irany, a gente só vai por último na rua, a gente só pega as sobras mesmo dos outros. Aí...
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O que os outros catadores não pegaram, né?
R - É, porque eles trabalham durante o dia, outros no lixão, agora, o lixão era fechado, nós conversamos com o prefeito que era uma problemática quanto a, era a céu aberto, mas fechado, ninguém entrava, chegaram até a matar, o guarda, puseram uma pessoa desequilibrada, teve um senhor que entrou para poder pegar material e foi morto lá dentro, então a prefeitura fechou e não deixou ninguém entrar, mas isso não era ordem da prefeitura, foi a pessoa que eles não souberam escolher a pessoa certa para arrumar. É um com vontade de cuidar e outro com uma necessidade de coletar, aí gerou esse conflito. Eu cheguei no prefeito e pedi: "Vamos colocar um grupo de pessoas lá para trabalhar? O senhor está deixando tudo aquilo ali ser queimado e aquilo ali pode levar alimento para as famílias", "Rute, se você tiver controle desse povo, então eu vou abrir, mas o controle vai ficar na sua mão", e até hoje o controle ainda permanece na mão da gente, nós temos a concessão de uso do aterro, aí nós fizemos assim, o direito à cooperativa, o direito aos catadores do município, mas quem responde por esse direito é a cooperativa, de organizar. "Você criou a situação, então você ajuda a gente a contornar ela, então vamos embora ver o que a gente faz.". Nisso a gente está aprendendo ao longo dos anos, então em 2000, teve a Eleni. Eleni nessa época, ela cortava cabelo por lá tinha esses cursos profissionalizantes, a gente levou esse pessoal, que eu procurei para começar, ajudar a organizar, falar o que era cooperativismo, sociativismo, só que as pessoas não pegaram bem, acho que foi pouco tempo de curso, é muito rápido esses cursos que dão, não dá para trabalhar a cabeça da pessoa direito. Nós fizemos esse contato, Eleni estava lá, foi muito bom, aí começou o ciúmes de que estava acontecendo, começou a brilhar, aí começou alguém a querer apagar, que eu não vou citar nome dessa pessoa porque ela está aqui e é uma pessoa que é respeitada também no todo, no Fórum, então a gente, é melhor deixar.
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Como assim apagar?
R - Apagou, tirou a Eleni e assumiu, entendeu? E foi querer conduzir, só que nem a minha mãe conseguiu me conduzir, aí não teve outra, desmembrou. Para mim conseguir digitar tudo o que a gente fazia, porque tinha uma estrutura montada para nós, tinha uma estrutura, computadores, era informática, a gente estava ali, tinha uma pessoa que ia lá, ela simplesmente fazia, digitava, sabe: "O que você quer?", a Eleni, uma pessoa excelente. Tudo isso foi construído, eu tenho essa formação hoje, foi ela também, parte dela, ela ia, ficava lá, arrumava, ela ia, debatia, brigava mesmo pelos direitos da gente, a construção, nós fizemos prestação de serviços para a prefeitura, que não tinha CNPJ, ela ajudou a arrumar o estatuto, ajudou a arrumar ata, a conduzir para contador, a doutora Bina, pagou a inscrição da ata que tinha que pagar na junta comercial, ela pagou e estava tudo muito bem, aí a partir do momento que essa outra pessoa entrou, desarticulou tudinho, estragou tudo, então acabou, aí começou os conflitos, aí nós tentamos tocar só, a gente já tinha uma prensa, a gente já fazia o trabalho de limpeza na pecuária, tudo bem organizado, tudo com apoio, aí foi desmembrando, desmembrando. Em 2000, eu lembro 2000, chegou a época da política, aí vieram "Rute, a liderança" - olha outro erro também - "Com a liderança que você tem, porque você não candidata?", "Ah não, o que eu vou fazer?", "O que você faz Ser vereador é o que você está fazendo, você já está fazendo papel de vereador, é geração de trabalho, é cuidar da saúde, direito da saúde, é o que você está fazendo, é o papel do vereador, é melhorar as políticas públicas", eu não sabia nem o que era política pública, estava aprendendo e estou aprendendo até hoje. "Mas eu vou fazer como? Não tenho camiseta, não tenho, só dinheiro que faz isso", "Rute, com a liderança que você tem", eles fizeram uma pesquisa, eu era, estava na ponta, mas sem dinheiro, sem um centavo. "Então tudo bem, vocês vão me ajudar?", "Vamos". Fui, foi uma catástrofe, porque a oposição pegou a situação anterior que já conhecia porque Dantas era criado na cidade, eles pegaram a situação de Dantas e jogaram em cima da minha imagem, aí foi tudo, mas eu não trabalhei política, eu não saí, eu chegava pedia voto, chegava perguntava se a pessoa tinha compromisso já com alguém: "Tem? Então tudo bem, eu sou candidata, se a senhora quiser desistir e passar", foi assim, eu consegui 84 votos, de 1500 votos que tinham feito no levantamento.
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Nossa
R - Só de pessoas que eu ajudava direto, assistência direta, direta, me procurando para pré-natal, depois acompanhamento de crianças, 3500 mulheres do município. Eu fazia já município, já não era mais só um bairro, já passou outros municípios a me procurar para chegar com criança, adolescente grávida pedindo socorro, como fazer. Já tinha, já estava distante por causa da rádio, eu falando em rádio, então tudo isso já estava muito grande. Aí foi a catástrofe, desmembrou a todos, chegou, afastei, fiquei triste, chateada, as pessoas não respeitam e fiquei com vergonha também do que tinha acontecido, dos outros me ver pela imagem dele. Não era eu que vendia, não era eu que roubava, mas na cabeça dos outros eu era cúmplice daquela atitude, aí afastei de todos, mas nunca abandonei quem batia na minha porta. Até hoje eu faço isso, afastei da política e cortei política da minha vida, política eleitoreira, e comecei, continuei trabalhando com as pessoas e continuei só catando, ajudando o município, encaminhando, eu mesmo não sendo, pedi conta para poder sair, para ser candidata tive que pedir conta, eu era contratada, aí foi quando o pessoal desafiou também, foi esse desafio que eles tiveram: "Por que você não faz? Você está aí, você está catando, você não tem necessidade mais de catar porque você tem o seu salário Por que você não vem viver igual a gente?", aí virou, começou a gerar já conflito entre a gente, falei: "Não, por isso não", eu ganhava 120 reais o salário, mas mantinha, mantinha. Peguei e pedi conta para passar para a política e continuei, não voltei mais porque o prefeito eleito, ganhou o que a gente estava apoiando, ganhou e queria devolver o cargo: "Volta, Rute.", "Eu vou continuar catando, vou continuar vivendo porque eu vou viver assim. Aqui tem muito material, dá para sobreviver.", já tinha para quem vender, já tinha conseguido compradores, e fui dando continuidade, isso trabalhando. Em 2001, a Eliena, do Meninos de Rua, de Brasília, Movimento Meninos e Meninas de Rua, chegou na minha casa, foi no lixão, o lixão é do outro lado da cidade, chegou lá no lixão, perguntou para os catadores - tem uns que querem a minha cabeça, outros - porque os catadores atravessadores, próprios catadores, esses aí já eram aqueles conflitos, já começou eu a conscientizar as pessoas quanto à venda, que a gente tinha que agregar valor ao material, sem antes de participar de nenhum congresso de conscientização, que a gente tinha que vender melhor, que tinha como vender esse produto melhor. Gerou esse conflito, eu tenho muitas inimizades, inimizades não, pessoas que querem desarticular esse trabalho lá dentro do município. Ela foi no lixão perguntar da minha casa, eu fiquei surpresa, eu fiquei feliz com isso, porque eles foram no lixão que é do outro lado da cidade e perguntaram onde eu morava, aí eles foram ensinando: "Você vai a tal mercado, desce essa rua, vai até outro mercado, tem um telefone...", ela que me disse, ela que contou a história, "Chega nesse orelhão, nesse bar onde tem esse orelhão, e pergunta onde que ela mora que eles te dizem.". E ela bateu lá, ela falou assim: "Rute, os catadores aqui te odeiam, mas me ensinaram onde você mora. Eu vim do lixão..." e ela me contou toda a trajetória para até me achar. Chegou lá a gente estava com uma pilha de material, que era eu e ele e as crianças que catava, que ainda não tinha consciência que criança, que os meninos ajudava, continuei a geração que minha mãe me ensinou de trabalho, que era ensinar os filhos a trabalhar para viver bem. Eu tinha medo dos meus filhos querer ganhar dinheiro da forma mais fácil, aí eu comecei a ensinar eles a trabalhar para poder não correr o risco: "Olha, meu filho, se você catar uma latinha, juntar, se você quiser uma bala, alguma coisa, ali você tira dali", já com medo de, eu nunca escondi a vida que a gente teve com drogas, com tudo. Pegava e mostrava: "Isso aqui é isso, isso aqui é maconha, a conseqüência disso é isso, isso e isso. A vida da gente está assim por causa disso", porque mesmo parando de vender continuou o uso, continuou o uso, não parou o uso. Convidou para o Congresso Nacional: "Rute, a gente vai ter uma reunião, vai catadores do Brasil todo, a gente vai discutir, você não quer ir lá?", "Ah, bem, querer eu quero, mas como vou fazer? Não tenho dinheiro". O dinheiro que a gente ganha é muito pouco, a gente vendia 5 centavos, 2 centavos, 3 centavos o material, então a gente tinha que juntar uma quantidade imensa só nós, porque quando era cooperativa, a gente agregava valor, mas eu não parei com a cooperativa. A minha vontade de continuar, eu podia ter pegado outro trabalho, mas a minha vontade de não deixar o trabalho morrer era tão grande, porque a gente trabalhava com jovens, já não era só o trabalho da reciclagem, era o todo, jovens. Esse, o Vanderli, ele também vai contar essa história dessa trajetória, que ele em 98, 99, ele começou junto com a gente, ele está junto, então eu peguei e falei para ela: "Não tenho dinheiro, o dinheiro que a gente ganha só dá mal para a gente pôr a comida dentro de casa.", a gente catava, tirava alimento, igual eu tenho uma expressão que eu uso e é verdade, que a gente tem que chegar nos contêineres antes dos cachorros, porque os açougueiros, eles colocam dentro do saco, não jogam não, eles colocam dentro do saco sobras lá do açougue e amarram bem amarrado, e quem vem na frente pega, aí a gente tem que correr antes dos cachorros porque se os cachorros chega primeiro eles estraçalha e joga e apronta. E tem os catadores de latinha também que reviram tudo, só cata latinha, reviram tudo, vira aquela bagunça os contêineres, não tem como. A gente estava vivendo assim, catando na rua e comendo também das sobras de verduras que achava nos contêineres, e carnes também, a gente pegava as coisas e arrumava, fazia todo aquele processo, aquele cuidado de ferver, limpar, higiene para, mas não faltava comida dentro de casa. Nós fomos, fui sem saber o que era um Congresso, "O que é isso, meu Deus?". Porque eu tinha cuidado com algumas coisas, mas não tinha o cuidado de pegar um dicionário também para saber o que era. Aí fui, fiquei lá, logo de cara nós ficamos, levamos um grupo de pessoas, arrumaram ônibus para a gente ir: "Você consegue juntar essas pessoas?", falei: "Consigo", aí fui trabalhando na cabeça, aí animou, injeção. (Saí?) da loteria, estão ali, vamos embora "Então pessoal tem uma menina aí que é igual a Eleni.", engraçado, a Eleni e a Eliena: "Ela vai ajudar a gente, ela mexe com criança, as nossas crianças, olha a situação das nossas crianças, vai melhorar. Então, vamos embora?", "Vamos", "Vamos lá ver, não custa, vamos ver". Começou todo o processo de novo, foi para o Congresso, lá eu fui indicada.
P -
Como foi chegar no Congresso?
R - Ver aquela quantidade de pessoas, ver a Bahia, ver o Pernambuco, alegria, já estavam que estava parado com a gente, lá já estava bem maior, então foi uma sensação incrível. Eu sou, sempre sou assim, os outros falam que eu gosto de me aparecer, mas não é não, eu fico feliz e eu não sei esconder, eu brinco, eu sou assim, sou espontânea, eu chego e brinco mesmo, e abraço um e abraço outro e vou continuando. Participar das oficinas com as crianças, os outros lá, foi construindo, e essa história de construção de Formosa serviu como base para algumas pessoas e me indicaram para ser a representante nacional, a suplente. Que era o seu Isaac que ficou como titular, e eu a suplente, só que seu Isaac saiu e foi quando a Eliena me procurou, sabe? Assim, depois, nessa outra trajetória, a Eliena me procurou já para assumir o lado agora, foi em 2002 eu assumi a liderança junto à nacional. 2001 seu Isaac, de 2001 até 2002, nesse período do nascimento do Movimento, o seu Isaac ficou, participou, viajou, fez todo esse trabalho de articulação e ele desistiu, saiu, e a Eliena veio e resgatou para a gente dar continuidade. Foi trabalhando, a gente trabalhando, e daí para lá, ano passado eu fui indicada para fazer parte da Comissão, da equipe de articulação, trabalhamos, já fizemos esse projeto para o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Social], trabalhando a consciência, mas em Formosa nós não conseguimos ainda trabalhar lá porque eu fico sempre fora, que é o que a gente estava conversando antes, estou com potencial enorme de trabalho, de conquistas, mas não na base, a base ainda está solta, a base ainda está fragilizada, a base ainda está desacreditada. O que nós pensamos esse ano? Depois do projeto do BNDES, o pessoal: "Rute, o seu pessoal?", mas eu trouxe pessoal, sempre vem caravana, de um município, trabalhando junto com Brasília, a Cáritas, sempre a Cáritas, a Eliena, o dia que ela procurou, que o projeto lá foi aprovado, esse que fez o discurso, foi a Cáritas, foi a prefeitura, foi um grupo de pessoas que juntou e fez. E desse grupo o CEA [Centro de Assessoria e Assessoria], nós recuamos com o CEA, nós não aceitamos mais o CEA devido ter tirado a pessoa que estava dando apoio para a gente e ficamos só. A Eliena veio: "Rute, você pode procurar a Cáritas porque o meu trabalho mais é criança. Agora a Cáritas é toda, ela vai indicar uma pessoa para poder ajudar vocês da mesma forma que a Eleni estava fazendo.", só que sempre quer indicar o CEA, mas com a atual a gente vive bem, a gente convive bem, a gente se dá super bem, mas no trabalho a cabeça não bate. A gente viaja junto, a gente trabalha junto, constrói junto, mas de forma, o coletivo mas não o lado do município, a gente não aceita assessoria deles lá com a gente, com essa pessoa por ela ser muito, gostava muito de conduzir, mas ela está melhorando também. Estão trabalhando a cabeça dela, já está melhorando. Nós viajamos, já fui até o Equador, foi uma experiência incrível, a Cáritas me levou até o Equador também, eu fui no Fórum, foi em Quito, eu esqueci o nome do Fórum - o efeito da maconha é esse, volta e meia dá o branco, volta e meia dá - é Fórum Social, não foi Fórum Social, Latino-Americano, se não me engano é esse nome, Latino-Americano mesmo, Fórum das Américas, eu não sei. Acho que não é necessário. Então, essas já são experiências e de lá eu já vim pensando: "Com tudo isso que a gente tem...", eu já era equipe de articulação regional, falei: "Então vamos trabalhar agora a região". Devido eu ser muito intrometida, e eu sou a única mulher no meio de quatro homens dentro dessa equipe, e eles conversam com os olhos, um olha para o outro já sabe o que o outro quer dizer, eles vivem mais próximo que é São Paulo, aqui o sul e o estado de Minas e o estado de, o norte, norte e nordeste que tem. Nós ficamos, eu, o Severino, o Alexandre, o Roberto e o Luiz, nós, a gente se dá super bem, mas quando chega a hora de opiniões assim dá uma discussão e eles são maioria, eu fico em minoria. Aqui nesse Fórum aqui, aqui nesse Congresso, eu tomei uma decisão que foi a de afastar da coordenação nacional, não do Movimento Nacional, mas da coordenação nacional para se trabalhar a base, se trabalhar a região. Nós realizamos em dia 10 e 11 desse mês um preparatório para estar aqui, nós conseguimos trazer Tocantins, porque Tocantins ficou para a gente cuidar, Tocantins, Distrito Federal, pessoas do Distrito Federal, pessoas de Cuiabá, Campo Grande e Goiás, Goiânia, aqui está Goiânia, Planaltina de Goiás e Formosa. Foi um resultado assim maravilhoso, que tem representante de todos os estados onde eu fiquei responsável para fazer essa articulação, então quer dizer, meu papel foi cumprido como articuladora. Agora cabe a eles decidir se continua comigo nessa articulação ou não, porque sozinha da forma que eu estava, não dá, porque quando chegava para a gente discutir que o apoio vinha eles não me viam como articuladora de uma região, a região nossa, centro-oeste, defendia o que as outras regiões estavam defendendo, não me defende, a minha posição não me defende, aqui mesmo a gente chegou a isso porque nós, o nosso grupo não participou das oficinas porque na hora de participar das oficinas a gente trabalhou, estou aqui desde terça-feira passada, a gente já está aqui um bom tempo trabalhando essa construção, ajudando a tampar os buracos, que foram vários buracos, a fragilidade, então a gente quer um conjunto, é o nosso nome que está envolvido, é o Movimento Nacional de Catadores, o Movimento somos nós, é a nossa vida que está em jogo. A nossa vida que pode ser um fiasco na mídia e tudo, então a gente tem a obrigação de tampar esses buracos. Eles fizeram reunião entre eles, decidiram o apoio e alguns representantes com as caravanas, representante de caravana e não foi no grupão, o grupo já estava todo preparado para participar das oficinas, que vieram para isso, cheio de ânimo para trabalhar isso aí. Quando chegou na hora: "Não, vocês vão para o colégio tirar as coisas de lá porque...", uma boa parte de São Paulo também foi prejudicada, de outro estado, estão super chateados, mas estão quietos, vão discutir isso na base, é coisa da gente discutir, discussão na base. Eu tomei essa decisão não foi por discussão, eu falei: "Agora é a hora de dar um basta Chegou a hora da região decidir quem é que vai fazer esse papel de articulação e se realmente eles vão apoiar porque eu não posso estar batendo de frente sozinha mais.". Esses anos todos eu estava batendo de frente sozinha, e sempre bati de frente, quando é para construção nacional a gente não tem problema, mas quando é para construção regional cada quem defende o seu lado, a realidade é essa. Aqui a região centro-oeste foi prejudicada por não ter conhecimento do que nós estamos construindo, o que nós estamos construindo? O que o Movimento Nacional quer construir? O Movimento está construindo a organização nacional, mas com divisões regionais. Isso não está ainda trabalhado na cabeça dos apoios, por que? Vieram quatro apoio do Distrito Federal, Goiânia veio com dois apoios, Tocantins veio com apoio, Tocantins não, Cuiabá veio com apoio, e Campo Grande, só veio sem apoio só foi o município. Porque começou lá do município para o estado, em Goiás, só veio nós do município sem apoio, Goiânia trouxe apoio, que é o estado, a capital, e os outros vieram com apoio. Todo mundo está assim, debaixo das asas, protegido, agora nós não, nós nos tornamos as ovelhas negras porque os apoios ficam: "Não fica porque ali é confusão. Não vai, você está vendo? Ali é confusão.", mas toda construção tem debate, toda confusão tem, toda construção tem discussões, e a discussão não quer dizer que é briga, é para construir, só que eu estou sendo vista como baderneira no Movimento por exigir o direito, que foi o início da conversa. Eu exigi o direito, eu sempre exijo os direitos, eu não quero o que é dela, mas eu quero o que é nosso, não estou exigindo um direito meu, é um direito só meu, estou exigindo um direito da região, só que a região ainda não teve essa clareza. A gente vai ter uma reunião, vai decidir porque a gente tem que realizar o Encontro, sou muito, graças a Deus fiz amizade com o pessoal do Ministério, todo mundo, a gente tem uma amizade boa, tem um relacionamento, foi ótimo esse trabalho que a gente fez de, na coordenação, é um trabalho, um movimento, se continuar nessa linha vai ser excelente porque eu não vejo o Roberto como meu inimigo, eu vejo ele como um concorrente na hora da região, porque cada, quem tem o dever, a sua tarefa, e ninguém pode ficar ensinando o outro, eu não vou largar de cumprir a minha tarefa para ensinar a dele, mas a gente pode trocar figurinha, não quer dizer que a gente não pode construir, pegar o que deu certo lá ou o que deu certo cá para poder trabalhar, não é briga, é uma construção, mas tem hora que tem que ter divisão. Igual a gente faz nas plenárias, nas oficinas, catador vai para um lado discutir só a situação do catador, e técnico vai discutir lá, depois reúne o grupo, é o que a gente quer fazer, o projetão é esse. A gente ver as regiões, as demandas das regiões, o que tem de bom, o que tem de ruim, o que está ruim que pode consertar, o que está mais ou menos que a gente conserta, essa, na minha visão, na minha ótica é essa. Isso que o Movimento está pretendendo, não é? Que depois esse conjunto, essa região vai juntar para formar o nacional, que é o ano que vem.
P -
Rute, deixa eu só te fazer uma pergunta. O que você sonha para o Movimento?
R - O que eu sonho para o Movimento é ver ele organizado.
P -
Daqui assim, 30 anos, o que você sonha?
R - Daqui a 30 anos? Daqui a 30 anos eu sonho ver meus filhos não sendo mais catador de carrinho, não estando puxando carroça, mas sim com caminhão, uma indústria, já sendo os protagonistas mesmo, os donos mesmo da história porque no momento a gente ainda não é dono ainda dessa história. Essa história ainda a gente está começando com ela agora, e é um longo caminho, só Deus é que sabe, e eu sei que Deus vai, eu falo para as pessoas, esse projeto não é nosso, esse projeto eu creio que isso é um projeto de Deus. É uma chance que Deus está dando ao ser humano porque é duas coisas: é a vida humana e a vida dos animais, das plantas que está em risco, e se o ser humano não cuidar dessa outra parte e os ambientalistas que estão aí cuidando, preocupando com a ótica só do ambiente, porque tem ambientalista que não vê o ser humano, vê só a natureza, e o meio ambiente é quem? É o todo, então a gente tem que pensar dessa forma, que daqui a 30 anos não é, eu não vejo questão de dinheiro, porque oportunidades, a gente consegue, já consegui várias oportunidades, vários convites para trabalhar e não fui por causa do Movimento. É uma luta, é uma causa que a gente está indo, não é para mim, é para o futuro, é para os meus netos, é para os filhos, para os bisnetos, e construir uma história de tragédias, há lutas e conquistas e vitórias. Esse é o pensamento que a gente tem de construção. O Movimento que a gente está fazendo, é a coisa melhor que já aconteceu para nós catadores, para pessoas excluídas, porque vocês podem avaliar a história, a exclusão não foi só minha. Começou dos pais, começou dos avós, a exclusão já vem lá de trás, de trás para a frente já está vindo essa exclusão, então a gente está tendo uma oportunidade da nossa geração de excluídos ser outra realidade no futuro, através do Movimento Nacional, que essas pessoas que estão aí, que somos nós, que são vocês que acreditam. Eu acho que é isso aí que é o Movimento Nacional, o Movimento Nacional de Catadores não são só os catadores de materiais recicláveis, os catadores no Brasil são pessoas iguais a vocês que catam pessoas para fazer, são os apoios que catam as pessoas para fazer elas acreditar em uma vida melhor. O catador ele não é, essa palavra catador, acho que ela tem que ser avaliada nesse sentido, porque são vários catadores, ela abrange vários setores: os catadores de esperança. E o sonho meu é que a gente possa viver com mais dignidade, com mais seriedade, com mais amor ao próximo, menos egoísmo porque a pessoa, a partir do momento que tem uma posição, não importa, um catador, principalmente a gente que é catador, quando pega uma posição, essa posição que eu peguei, se cair em mãos erradas ela pode se tornar prejudicial a um grande grupo, à construção do trabalho. Eu espero que essa saída minha venha ser para melhoras, não para a destruição. E é isto
P -
Muito boa Muito boa a sua entrevista Quer falar mais alguma coisa que a gente não tenha perguntado?
R - Eu acho que é só isso mesmo. Um pouco do movimento, foi mais um pouco de mim.
P -
Pode falar o que quiser, pode falar à vontade.
R - É só isso aí. A única coisa que eu não quis tocar foi...Recolher