P - Luiz, eu queria que você começasse dizendo o seu nome completo, o local e a data de nascimento. R - O nome é Luiz Fabiano Pereira. P - Local e a data de nascimento? R - Nasci em São Paulo no dia 20 de julho de 75. P - O que seus pais faziam, quando você era pequeno? R - Antes, acred...Continuar leitura
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Luiz, eu queria que você começasse dizendo o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R - O nome é Luiz Fabiano Pereira.
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Local e a data de nascimento?
R - Nasci em São Paulo no dia 20 de julho de 75.
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O que seus pais faziam, quando você era pequeno?
R - Antes, acredito que decerto os meus pais tinham suas profissões, meu pai trabalhou com várias profissões, mas uma que eu consigo lembrar com claridade é açougueiro.
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Quando é que ele se tornou catador?
R - Eu imagino que por volta dos meus 7, 8 anos de idade. Sou de uma família de cinco irmãos, e mais ou menos por aí, que eu me lembro que ainda ele levava a gente dentro do carrinho de sucata, saia cedo, 6 e meia, 7 da manhã, retornava a noite.
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E como é que era, você catava junto, como é que era?
R - A gente catava junto, para a gente era festa, né. Tinha outro meu irmão menor que ficava mais dentro do carrinho, a gente mesmo sendo criança tinha dó dele andar, porque às vezes atrasava um pouco, mas ele sempre dentro do carrinho. Tenho essa vista ainda até hoje, eu e o outro maior a gente de um lado da rua, ele do outro, meu pai levando. Quando era uma coisa que a gente não percebia meu pai mesmo parava o carrinho, ajuntava ali. Crescemos assim tirando o pão do lixo, como é uma observação sincera, e arroz, feijão e todas as necessidades, naquela época era bem mais rico, bem mais rico, nossos brinquedos, me lembro, que veio tudo de lá, as roupas.
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Que brinquedo você tinha que veio do lixo?
R - Garotada viu um velotrozinho, uma caminhonetezinha, para subir ee cima, paixão, tava sem uma roda, no depósito eu achava outra, outro lugar, era assim. Lembro até hoje a nossa primeira bicicleta, a gente vendo a necessidade da nossa família nunca fazia muita questão de cobrar, naturalmente em silêncio pensava, mas não falava muito porque via a dificuldade. Mas eu e meu irmão mais novo, a gente ensaiamos durante alguns dias e eu não me conformava de saber que aquela bicicleta, mesmo sem pneu e câmara de ar, não me conformava que aquilo ia para a sucata, mas ensaiamos lindo e um dia a gente conseguiu entrar, o cachorro acho que estava bem longe, lembro que a gente descia uma ladeira de asfalto, menos...
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Você ia entrar aonde?
R - No depósito de sucata que a gente trabalhava, que até então: disciplina, trabalhava e ia para casa, às vezes chegava cedo e ficava sonhando com aquela bicicleta e nós conseguimos.
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E aí, vocês entraram...
R - Até hoje, nem eu considerei como um roubo, mas estava resgatando alguma coisa, né.
Criança mesmo, não tinha noção de nada, descia a ladeira, sem freio, a bicicleta sem pneu e sem câmara de ar, usamos ela até estourar tudo, nunca conseguimos colocar os pneus mas de tanta vontade, isso é real, um dia eu espero poder registrar isso melhor. Às vezes me pego escrevendo as músicas do meu projeto e sempre me esforço para tentar traduzir isso, porque é muito forte, às vezes eu não consigo encontrar as palavras mais. Eu tive alguma sorte em outros pontos de vista e outros temas, sempre aparece, toda música que eu escrevo de alguma forma eu tiro exemplo daí, é forte, fica no ar. As pessoas compraram o meu disco recente, um pouco mais de 3 mil peças é legal ver que eles vão estar... "Volta de novo esse trecho".
Então nota que a gente está...
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Mas voltando um pouquinho, seu pai era catador, aí você se tornou catador?
R - Também, a gente era muito novo, ele não queria que a gente fosse muito longe no começo até ele observar melhor. Quando a gente viemos de Minas para cá, família, até uma história recente toda hora estou tentando falar isso porque eu não posso esquecer, que chegou a mudança no lugar que foi prometido, um terreno, um barraco para a gente em São Paulo, chegou lá o cara tinha enganado e meu pai disse que a gente foi apedrejado nesses dias, choveu muito, a idéia era, aquelas pessoas daquela favela, expulsar a gente e as coisas ficariam, foi muito difícil.
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Que favela que era, você sabe?
R - Não me lembro, mas tem alguma coisa a ver com zona oeste de São Paulo.
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E o que vocês fizeram?
R - Não entendi.
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O que vocês fizeram com os móveis, com...
R - Não, eu tenho certeza que até pela colocação dele, ele superou tudo, foi difícil, depois alguém, que naquela época já tinha aquele comando que existe, aquela sintonia, tem crime dentro na favela, mas tem alguém que às vezes eles escutam, e perceberam que estava sendo feita uma injustiça, estavam crucificando alguém inocente.
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E quando é que vocês foram para Itaquaquecetuba?
R - Exatamente eu não me lembro, porque eu sou nascido em São Paulo, mas eu não lembro, exatamente.
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Você não lembra. Quando é que você entrou em contato com a música?
R - Com a música, finalzinho da década de 80, que eu me lembro que eu comecei como DJ em 89, aniversário de uma amiga nossa, 15 anos, depois perdi a conta de tudo, todos os bairros eu conheço, já fui visitar na comunidade, algumas cidades do interior do estado. Percebi em 92 que eu não tinha problema nenhum se eu topasse uma seqüência de shows com os políticos de direita, eles estão pensando que estão me enganando e que eu vou enganar o meu pessoal, eu vou aproveitar a deles também, sete campanhas seguidas, sou muito conhecido pro lado de lá e hoje, graças a Deus, o Rio Grande do Sul entra no meu release pela primeira vez, essa experiências têm sido importantes.
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Como que é eu não entendi, você fazer a campanha para os caras de direita...
R - Fazia campanha, quer dizer, eu estou trabalhando.
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Como DJ.
R - Não como cantor de rap sempre, DJ eu comecei em 89, que eu não consegui..., é para resumir.
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Ah, tá.
R - Eu ia tanto para baile que um dia eu olhei, pô eu sou o cara mais relaxado da turma, da festa hoje, não tenho tênis, eu estou de chinelo na festa dos meus amigos. E está errado, estou sempre nas festas, eu tenho que descobrir um jeito de vindo para as festas ganhar dinheiro. Coincidência, foi uma coisa de coração, um amigo me convidou para fazer essa festa, lembro até hoje, 89, o tio dele era de equipe de som que herdou uns discos, daí começou tudo, reciclando discos antigos que eles não estavam usando, ficava para a coleção da família, mas vamos tocar eles de novo, funk, black music, música de proposta real, de lazer também, até hoje. Eu estou no terceiro CD, CD independente, mas tudo eu devo aí a esse esforço do meu pai, eles foram uns dos primeiros grupos de hip hop do lado de lá, e reconhecer que se o rap não trabalhar a família não adianta ir para a rua. Garotada pede conselho eu sempre lembro, falo: "a gente reforça o que os seus pais dizem, nada mais que isso, eu nem posso, não consigo". Porque é aprendizado da minha família, do jeito que eu vejo as coisas, mas eu preciso dar uma resposta sincera para os filhos dos pais de família que freqüentam, ainda hoje conseguimos convencer mais um pai de família que o rap não nasceu no crime. Houve um momento em que alguém resolveu colocar a história de um presidiário e deu certo e todo mundo veio fazendo, mas nasceu de uma brincadeira, dessa coisa minha de eu ter ido na festa, ô fazer alguma coisa e tal.
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Você veio no congresso, qual que foi a sua participação aqui no congresso?
R - Primeiro que um dos organizadores, eu acredito que um dos responsáveis pela comissão de organização direta do congresso, a gente se conheceu no rap e eu tenho absoluta certeza que ele hoje só tem essa referência maravilhosa, ele merece, uma família que eu estimo muito por causa das visitas que fazíamos e recebíamos das entidades negras, sociais da época. Desde quando o hip hop mostrou de fato o seu propósito aqui no Brasil, as entidades entenderam que a juventude precisa de acompanhamento, de orientação, para não desviar. Eu tinha que vim porque eu conversei com ele, a gente dividiu muitos eventos e quando ele fala é uma ordem. Quando eu lembro ele também entende que a gente é mesma geração, coisa rara, né, dez pessoas começam num projeto daqui a pouco que só ficam duas que separam e se encontram de vez em quando e a gente onde pode vai passando irradiando a esperança e a certeza de que é possível a gente acertar as coisas na periferia, fora dela. Porque a periferia tem todo o caos, todo o problema que existe mais nos grandes centros desenvolvidos, precisa desse trabalho, já a questão do amor, da fraternidade, tem problema dos dois lados sempre.
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Para terminar, qual que é o seu maior sonho?
R - Meu maior sonho. Não é ver o meu garoto continuando o meu trabalho, é ver ele optando por uma coisa sincera, ver ele feliz. "Ó, pai, resolvi tocar forró", maravilhoso, cultura riquíssima, "ó, resolvi ser doutor", melhor ainda, parte música. Mas o maior sonho real mesmo é continuar vivendo porque as coisas materiais vão se enferrujar, vão se acabar, vão ser recicladas, mas é viver. Devido tudo que eu vejo eu não imagino nada mais do que as pessoas terem direito de fato à saúde, à liberdade, a gente fala tudo que fala, nem sei se eu concordo muito com isso. Está tudo bem, está maravilhoso, estou disputando a associação de amigos de bairro, estou meio preocupado, vai, se é isso aí, é isso aí, então eu vi que ele não fez muita questão. O negócio é a gente estar vivo, honrar a família, fazer família e continuar. Tenho muitos sonhos materiais, muitas coisas, mas a paz eu acho que tem que ser a meta do milênio porque a gente não sabe de amanhã, né. Viver. Estamos aí, eu vim para a viagem, todo mundo me ajudando, vou lutar com mais força porque do dia que viemos para cá até agora já viramos uma família mais forte, cada um entendeu a posição de cada um, então na volta, todo mundo ajudando todo mundo. Até uma observação importante, é importante eu frisar isso aqui, comecei a fazer bailes eu não ganhava nada, tocava em tudo quanto é evento, mas depois eu pensava se todas essas pessoas dos bailes que me conhecem me dessem R$ 1, eu acho que eu estaria bacana, mas depois eu descobri que isso existe, que quando eu lamento alguma coisa sempre aparece alguma coisa assim, sempre ajudando sem olhar a quem for, o importante é estar fazendo direitinho e dar exemplo para os menores, a garotada depende disso. Está difícil hoje falar com os que estão com 17 no meio disso tudo, se eles não estão abrindo, não é possível, a qualquer momento eles percebem, como eu percebi, eu tive outros problemas também, mas o meu nome é limpo sempre, luto por isso, mas a preocupação maior hoje é com a garotada, bem profunda porque eles estão vendo o reflexo de tudo e dependendo da minha postura, exemplo, viver, não é muita coisa não, viver, é só isso.
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Legal.
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Ô Luiz, será que você poderia cantar um trechinho da sua música para a gente?
R - Eu posso.
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Só um pedacinho.
R - Não tudo bem. Tem uma que eu escrevi depois do desabamento lá num bairro que eu morei, desabou, passou duas semanas eu estava com essa coisa na mente, que eu estava ouvindo uma música lá que inspirou, acho que ela está mais completa, no momento é até importante de mandar ela. O refrão, back, não sou eu que faço, é um garoto que eu preferi tirar um pouco da minha companhia porque a gente precisa sofrer um pouco para garantir a humildade. Não adianta, se ficar tudo fácil eu vou achar que eu sou que nem essa turma da TV, e não está certo, fica muito contraditório e difícil de lidar. Mas eles estão aí, fazendo o trabalho deles por aí, eu continuo o meu, sempre lutando para conservar a amizade que eu
tenho com eles, então ele que faz o back dessa música, acho que vai ficar mais ou menos, mas a levada principal eu garanto. Ela tem o título de: Nativo lá do meio do mato, porque minha referência é São Paulo, moro em Itaquaquecetuba, divisa, né. Itaquaquecetuba começa o interior do lado leste de São Paulo, mas eu dou um passo eu estou ali na grande São Paulo, é rápido. Mas sempre quando eu chego em algum lugar em São Paulo, eu não sei o que acontece, que eles dizem que até o sotaque dele é diferente, mas não é por isso que fiquei magoado, mas pela distância. Eu imagino que eu saio da minha cidade e chego na Avenida Paulista em São Paulo cantando essa música aqui, que inclusive foi explosivamente recebida dia 20 de novembro de 2004.
"Nós viemos, sim, nós viemos lá do meio do mato.
É tudo cabra macho, não só falo como eu faço.
A corda sempre arrebenta no lado mais fraco,
invejoso os olhos dão aqui, toma
esculacho,
então me dê o microfone que eu falo o que que eu acho, Festa de peão eu ponho pânico, arregaço,
O bicho sempre vai pegar, a falta de respeito,
tá contigo calado irmão, é daquele jeito. Nós curte Racionais, Thaíde e DJ Hum,
o cara de outros grupos sem problema nenhum.
Aqui cowboy não tem espaço,
não tem chance, não tem vez,
seu bisavô lá no engenho olha só o que ele fez,
enganou os índio, escravizou os negro tal e coisa e coisa e tal. Não, não é mais segredo,
faculdade é um sonho, meu estudo é limitado, no Brasil do faz de conta, eu tô errado.
Nós viemos lá do meio do mato, nós viemos lá do meio do mato para mostrar como é que é, Nós viemos lá do meio do mato, nós viemos lá do meio do mato, mas aqui não tem mané, Nós viemos lá do meio do mato, nós viemos lá do meio do mato para mostrar como é que é, Nós viemos lá do meio do mato, nós viemos lá do meio do mato, mas aqui não tem mané.
Descalço, sem camisa, pastorando gado,
os moleque faz um Bit Box lá que eu estou ligado. Moda de viola, cultura sertaneja,
filho viciado e a família peleja,
quem trouxe foi um primo lá da cidade grande,
ó, disse que se quisesse mais trazia bastante,
Isso é pior que praga, que dá na plantação,
você fica sem família, fica sem opinião,
você fica mais perdido do que cego em tiroteio,
as folha do meu livro está acabando os meus conselho.
Se chove é muita lama, se esquenta é muito pó,
só Deus do céu para de nós ter dó.
Nós viemos lá do meio do mato, nós viemos lá do meio do mato para mostrar como é que é, Nós viemos lá do meio do mato, nós viemos lá do meio do mato, mas aqui não tem mané.
Lá do fim do mundo, onde Judas perdeu a bota
num pinote violento por causa de fofoca,
donde Caim inveja o meu sorriso,
esse tipo de felicidade, eu não preciso. A gente luta, né, Zé, batalha tanto, né, Seu Zé,
ninguém está na nossa pele para saber como é. Se os compadre desse mais apoio, né, neguinho, hã,
você não estaria batalhando sozinho. Mas o menino Jesus, carregou sua cruz,
e quanto mais você me despreza mais eu sinto a luz.
Capitão do mato, polícia, seja o que for,
o rei dos reis é o Nosso Senhor,
livrem os meus caminhos, não os deixem me ver, o sorriso das pivetada, das quebrada, para você,
que não agradou a todos, mas sempre deu exemplos. O amor vence o ódio no final dos tempos. Ê dona da periferia o seus menino está com nós, microfone a mão, toda fé solta a voz, e aê, toda fé solta a voz e que nem homem representa nós.
Nós viemos lá do meio do mato, nós viemos lá do meio do mato para mostrar como é que é, Nós viemos lá do meio do mato, nós viemos lá do meio do mato, mas aqui não tem mané. Não."
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Ai bom, parabéns.
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Muito bom.
R - Mas tudo bem preparado com back direitinho e show de bola. Eu estou lutando desde quando eu cheguei para tentar uma participação maior, poder mostrar essa minha preocupação com a linguagem e com a cultura, a música foi feita assim, eu quero que quem toca música sertaneja entenda que a gente somo tudo irmão, música é universal, e eles podem usar, eu não importo e vice-versa, né.
P - Bom, legal, obrigada.
R - Sem preconceito mesmo, para ninguém.
P -
Muito legal, muito legal mesmo.
R - Eu que agradeço, Deus abençoe, muito obrigado, mas mais legal mesmo é a iniciativa de vocês a participação, tudo isso é válido, não é.Recolher