Projeto Centro de Memória CTBC - Telecom
Depoimento de Nilva Apossidônia Parreira
Entrevistada por Luiz Egypto de Cerqueira e Norma Lucia da Silva
Franca, 28/06/2001
Código da entrevista: CTBC_HV069
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Francisco Aurilo Azevedo Pinho
Revisado por Ligia Furl...Continuar leitura
Projeto Centro de Memória CTBC - Telecom
Depoimento de Nilva Apossidônia Parreira
Entrevistada por Luiz Egypto de Cerqueira e Norma Lucia da Silva
Franca, 28/06/2001
Código da entrevista: CTBC_HV069
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Francisco Aurilo Azevedo Pinho
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – Boa tarde, Nilva.
R – Boa tarde.
P/1 – Eu queria que, por favor, para início de conversa, você pudesse nos dizer o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Nilva Apossidônia Parreira. Eu nasci em Guaíra, São Paulo, no dia 17 de maio de 1954.
P/1 – O nome do seu pai e da sua mãe, por favor.
R – Meu pai, Antônio Parreira, e minha mãe Terezinha Russignoli Parreira.
P/1 – Você conheceu seus avós?
R – Conheci meus avós maternos, paternos não.
P/1 – O nome deles você saberia?
R – O meu avô era Pedro Russignoli e a minha avó Emília Mantovani.
P/1 – E da parte de pai?
R – Por parte de pai era João Parreira e Luciana Leite Parreira.
P/1 – Você sabe da origem desses seus avós, de onde eles vieram, se eles eram da própria região? O Mantovani ali tem um quê de italiano, não é?
R – É, mas não tem nada a ver não com o Mantovani. Meus avós paternos eu não conheci, a família do meu pai eu não tive muito contato. Eles eram de Orlândia, morreram e foram enterrados lá, e eu não sei mais nada. Na época eles foram bem de vida, tiveram fazenda ali em Orlândia, mas eu não sei muito. Agora, meus avós maternos, eles são descendentes de italianos, filhos de italianos e trabalhavam em fazenda como meeiros. Assim: trabalhavam; depois, o que colhia, dividia com o patrão. Eles tinham sete filhos, e criou três, que éramos nós, porque minha mãe se separou do meu pai. Quando eu tinha um ano de idade, meu pai foi embora e nunca mais ninguém ficou sabendo [dele]. Só depois de 38 anos que ele voltou, e quem criou eu e meus três irmãos... Porque era da época... Foram os meus avós, entendeu? Então eu tive minha mãe, minhas tias – que eram minhas mães também –, meu avô, que era meu avô e meu pai; e meus tios todos, que eram meus pais. E eu tinha um carinho muito grande por eles. Hoje todos já morreram, só tem vivo... Eles tinham um carinho por nós muito especial, sabe? Tinha muito amor por nós. Então a gente cresceu... Assim, faltou o amor do pai, mas a gente foi rodeado de amor dos tios, dos avós, de primos, a gente era o centro da atenção de tudo, sabe?
P/1 – São três irmãos, então?
R – É... Legítimo, né? Depois, quando eu estava com seis anos, minha mãe se casou e teve mais duas filhas com o meu padrasto. E o meu pai, ele teve mais seis filhos com outra mulher. Mas até dois anos atrás nós não sabíamos, ninguém sabia que existia esses irmãos, sabe?
P/1 – E ele apareceu como?
R – Depois que o meu pai morreu. A gente descobriu que ele havia morrido por um acaso, tentou ligar para um telefone que a gente conseguiu e caiu na casa do filho dele. Na época eles não acreditavam, porque eles não sabiam da nossa existência e nós não sabíamos da existência deles.
P/1 – E para onde ele foi?
R – O meu pai?
P/1 – É.
R – Ele morava aqui perto de Jundiaí, chama Campo Limpo Paulista, a cidade. Eu tenho duas irmãs por parte dele que moram em Campinas; tem outra que mora em Campo Limpo Paulista, e tenho mais três que moram em São Paulo.
P/1 – Qual que era a atividade do seu pai? Embora ele não estivesse presente, você sabia da atividade dele, o que ele fazia?
R – Meu pai ele mexia... Olhava chácara, tomava conta de chácara, essas coisas. Era mais atividade rural.
P/1 – E o seu pai postiço, que acabou sendo o seu pai, de fato?
R – Esse era meu pai, esse foi...
P/1 – Como era o nome dele?
R – É Mario. Eu me emociono (choro).
P/1 – Qual era a atividade dele?
R – Ele era caminhoneiro. Caminhoneiro assim, nunca saía para as estradas. Ele ficava... Por exemplo, pessoas que trabalhava na roça, buscava leite; frete, essas coisas. E ele que me criou desde os seis anos. Ele faleceu em janeiro de 2000, tem um ano e pouquinho que ele faleceu. Mas ele era uma pessoa muito especial. Eu acho que ele, como se diz... O povo fala assim: “madrasta e padrasto não presta”, mas pra mim ele foi meu pai, sabe? Eu era apaixonada por ele.
P/1 – Como é que era a sua casa de infância, a casa da sua meninice?
R – Minha casa era cheia de gente, alegre. A gente morava na roça, mas era assim, não existia televisão. Existia rádio, para ouvir as notícias, as coisas que estavam acontecendo... Meus avós ligavam o rádio. Eu já entendia um pouco, apesar de que eu fiquei na roça em que nasci até os seis anos de idade. Não tinha televisão, não tinha chuveiro, não tinha energia, não tinha nada. Mas a gente brincava demais, era muito alegre, porque era muita gente. Nas fazendas existiam as colônias, não é? E não existia televisão, então o pessoal ia muito na casa do outro. Existia muita festa, baile, reza: dia de São Pedro, Santo Antônio, São João. Existia muita brincadeira à noite, todos se reuniam; a moçada, os moleques iam brincar. A moçada ia tocar violão, cantar, e era uma coisa muito pura, não havia a malícia de hoje. Existia assim, era uma amizade pura, uma coisa muito bonita.
P/1 – Esse teu tempo na roça, desses primeiros seis anos, era em uma fazenda também, em uma colônia, com esse mesmo esquema...
R – Foram em várias, porque o meu avô tinha sete filhos, e eles eram pessoas que trabalhavam mesmo, então os fazendeiros ficavam de olho para pegar eles para trabalhar. Então, às vezes, ofertava uma coisa melhor, oferecia uma coisa melhor aonde ele ia. E aonde o meu avô ia, o irmão dele – que tinha também sete filhos – acompanhava. Então, na verdade, sete e sete, quatorze; mais os dois, que era meu avô e minha avó, que trabalhava na roça também. Era muita gente para trabalhar, aonde estava um, estava o outro. O outro acompanhava, sempre foi assim.
P/1 – E a lavoura era de que, de café?
R – Não. A lavoura era de arroz, algodão... Plantava feijão, milho, essas coisas.
P/1 – As crianças tinham alguma tarefa, assim, na casa? No dia a dia da casa tinham as suas responsabilidades, vocês ajudavam?
R – Tinha, mas para mim não, porque eu era muito pequena. Meus avós, meus tios, a gente era muito chique para eles, eles não deixavam a gente fazer nada. Todos trabalhavam para a gente. Trabalhava e curtia os três meninos. E eles tinham muito medo do meu pai mandar nos roubar, sabe? A cabeça, não é, porque meu pai estava para lá, nem... Às vezes, não sei, talvez lembrasse, mas... Eles tinham muito medo de a gente ficar sozinho e passar alguém, roubar, ou então meu pai mandar roubar nós. Eles tinham aquele ciúme, aquela coisa, protegiam demais.
P/1 – E como é que foi a mudança do campo para a cidade, para Ituverava?
R – Foi quando minha mãe casou novamente. Já foi uma época que a gente precisava estudar. Eu tinha seis anos, meu irmão já tinha sete, necessitava da escola. Foi onde ela foi para a cidade e nós fomos para entrar na escola.
P/1 – Em Ituverava?
R – Ituverava.
P/1 – E qual a primeira lembrança que você tem de Ituverava?
R – Ah, era uma cidade... Onde eu morava não tinha asfalto, era uma cidade pequena. Não tinha asfalto, a casa muito humilde. Mas para a época, para nós estava bom demais. Hoje eu vejo assim, que era humilde, mas na época era como se eu tivesse a minha casa hoje, que eu acho que é uma casa que eu tenho condição de ter, sabe?
P/1 – E essa mudança do campo para a cidade, o que significou na cabeça daquelas criancinhas, como é que foi para você isso?
R – Para mim, eu fui chorando, porque eu não queria. Eu não queria separar dos meus avós. E eu achava estranho a minha mãe estar com um homem, porque eu não estava acostumada. Depois ele foi cativando a gente e foi pegando amor, mas num primeiro momento – eu me lembro que eu fui até de caminhão – eu achava muito estranho aquilo, eu não aceitava. Aí com o tempo eu fui me acostumando.
P/1 – E a escola, essa primeira escola, você se lembra dela?
R – Me lembro. Minha primeira escola era aqui pertinho da minha casa, dois quarteirões da minha casa.
P/1 – Chamava...
R – Grupo Escolar Fabiano Alves de Freitas, é a escola mais antiga de Ituverava. O pessoal da minha época para cima, todos estudaram lá. O pessoal de 40 anos para cima, todos estudaram nessa escola.
P/1 – Tem alguma professora que tenha te marcado, ficado forte na sua memória?
R – Normalmente fica a do primeiro ano, não é? Eu acho que todas marcaram, mas a do primeiro ano marcou mais. A do segundo ano, que na época a gente falava, ela era muito nervosa, muito enérgica, então eu tinha muito medo dela.
P/1 – Essa primeira, como era o nome dela?
R – Ela se chamava Odete.
P/1 – E o que tinha ela de tão especial assim, que te cativou?
R – É aquela coisa de você chegar e a pessoa te acolher, te dar amor, te acolher, te ensinar, principalmente, porque era tudo novidade.
P/1 – E em Ituverava, na casa nova, já com a sua mãe, você tinha obrigações na casa? Como é que era o seu cotidiano?
R – Eu tinha, por exemplo, a tarefa... Porque minha mãe tinha criança pequena, e a gente, de manhã, tinha que limpar a casa, varrer o quintal. Mas lavar roupa e passar, nunca. Mesmo depois de grande, nunca. Mas tinha as tarefas sim. Tinha o horário da escola, o horário que tinha que ajudar a limpar a casa, arrumar as coisas, e a hora de brincar também, a hora que reunia com as crianças para brincar, que por sinal era muita gente, porque era muita criança, então a gente brincava demais.
P/1 – Que tipo de brincadeira?
R – Brincava muito de casinha, de boneca, hoje não sei como fala. Mas brincava muito de boneca... A gente não tinha, mas pegava os caquinhos, as coisinhas, caixotinho, tábua, e ia fazendo, construindo as coisas. Pegava, tipo assim, aqueles buchas, fazia cavalinho, fazia vaquinha, essas coisas. Sabuguinho, punha roupinha, esses retalhos; quando tinha alguém que costurava, a gente pegava o retalho e fazia as roupinha para a boneca, sabe?
P/1 – Sabugo de milho?
R – É, sabugo de milho. Porque a gente não tinha brinquedo, a gente não tinha condições. Eles não tinham condições de dar brinquedo para nós. Mas eu ainda tive algumas bonecas, que na época quase ninguém tinha, sabe? Meu padrasto me dava, pelo menos no dia de Natal, ele não deixava sem dar uma boneca. Então eu tinha alguma coisa, mas tinha menino que na época não tinha. Era só quem era rico, da classe pobre ninguém ganhava presente assim de brinquedo.
P/1 – E a escola, como é que continuou? Depois desse grupo o que você foi fazer?
R – Bom, depois do grupo eu fui fazer o ginásio, já foi em outra escola. Nós também nos mudamos daquele bairro, e onde fazia o ginásio era só naquela escola também. Aí moramos assim, um quarteirão também perto da escola. Fiz escola, depois eu fiz o colegial. Na época que eu fiz o colegial foi difícil, porque eu era telefonista, eu trabalhava muito à noite. Trabalhava um mês durante o dia e um mês à noite, então me atrapalhava. E às vezes os professores não aceitavam, porque tinha até alguns que tinham, parece, uma imagem negativa da CTBC, e às vezes queriam punir a gente. Às vezes eu tinha que, num mês, ir durante o dia, e no outro mês, à noite; e às vezes eu não acompanhava o [conteúdo] que estava sendo dado o dia, com o da noite. Porque normalmente, o estudo à noite era – ainda é – mais fraco, então eu não conseguia acompanhar. Eu custei a chegar até o final, mas consegui. Depois eu fiz uma escola particular, que foi Contabilidade, e terminei. A Contabilidade eu fiz normal, já deu para eu fazer normal, já não me atrapalhava mais o meu trabalho para estudar, o horário meu.
P/1 – Como é que foi essa decisão de conseguir um trabalho, quer dizer, além das tarefas da casa, conseguir o primeiro emprego? Seu primeiro emprego foi na CTBC?
R – Não, eu comecei a trabalhar eu tinha dez anos.
P/1 – Conta como é que foi isso.
R – Bom, o primeiro emprego que eu comecei foi lavando quintal. Lavava o quintal de uma senhora já de idade, e a calçada dela. Mas eu fiquei pouco tempo, devo ter ficado uns quatro meses só, porque eu me molhava demais. Eu chegava na minha casa molhadinha, e a minha mãe começou a ficar preocupada, de medo de eu ficar doente, aí ela me tirou dessa pessoa. Eu passei a trabalhar de pajem, de babá; trabalhei em dois lugares como babá, depois eu fui para trabalhar em uma loja, trabalhei sete anos. Nessa loja eu era apaixonada.
P/1 – Que loja era essa?
R – Chamava Casa Mogiana.
P/1 – Lá em Ituverava?
R – Lá em Ituverava. Esse pessoal, eles me tinham como filha. Eu dormia na casa deles. Eles iam para os bailes e eu ficava com a criança deles. Dormia na cama deles para ficar com a criança deles. Eles tinham uma menininha, e eu era apaixonada por ela. Ela, até certa idade, inclusive, me chamava de mãe, às vezes. Então eu trabalhava nessa loja, mas também pajeava a menina, porque eu gostava muito da menina, e ela gostava muito de mim. Às vezes a mãe dela batia; quando ela batia, eu era tão criança ainda, que eu chorava no lugar da menina. Aí eu fiquei [por] sete anos.
P/1 – Fazendo o quê? O seu trabalho lá nessa loja o que era?
R – Vendedora. Eu vendia e às vezes também pajeava a menina. Tinha vezes que até limpava a casa deles também, ia lá ajudava a mulher dele a limpar a casa. Às vezes estava sem empregada, eu ia ajudar.
P/2 – Era uma loja de quê?
R – De confecções. Tinha de tudo: roupa para mulher, para homem, para criança, tinha tudo. E eu fiquei sete anos, e tinha a maior... Assim, lá eu era de dentro de casa.
P/1 – Era uma boa vendedora?
R – Eu acho que era mais ou menos. Hoje eu acho que eu não era muito boa vendedora não. Eu gostava muito deles. Eu gostava de arrumar a loja, de enfeitar vitrine, de ficar com a menina. Vender eu não gostava muito não. Fazia, mas não era o meu forte.
P/1 – Como é que era Ituverava dessa época, a cidade?
R – Era naquela fase de adolescência, então tudo era muito bonito, muito bom. Era aquela fase que você estava aprendendo, conhecendo, aquela fase que você está... Eu gostava muito, porque eu tinha muito amigos na escola. Eu trabalhava nessa loja, a cidade inteira me conhecia – e me conhece, ainda. Mas eu era muito conhecida. Todo mundo me conhecia, eu conhecia todo mundo e participava de tudo. Era convidada para tudo quanto é festa, tudo quanto é...
P/1 – E tinha footing, assim, nos domingos?
R – Tinha, tinha os footings. Tinha em volta do jardim, aos sábados e domingos, só que tinha horário. Você tinha que sair sete horas; nove e meia, no máximo dez horas tinha que já estar em casa. Não é igual hoje, porque o povo hoje sai meia noite, é diferente.
P/1 – Tinha cinema lá em Ituverava?
R – Tinha dois cinemas. Tinha muito baile. À época, a gente... Era aquela coisa de fazer baile para arrecadar dinheiro para formatura, para bacharel, essas coisas, então a gente fazia muito. Fazia chá dançante, muito chá dançante na casa da gente. Às vezes em algum clube para poder cobrar, na casa da gente não... Existia muita serenata, muita quermesse, muito correio elegante, essas coisas assim.
P/1 – Correio elegante, como é mesmo?
R – É um cartãozinho que você faz uma mensagem e manda para alguém que você gosta, tem amizade, essas coisas.
P/1 – Uma cidade festeira então, pelo jeito?
R – Era.
P/1 – E por que você resolveu sair dessa loja?
R – Tinha uma menina que trabalhava comigo que trabalhava na CTBC, aí surgiu... Porque na época da telefonista saía muito, e tinha muita vaga para telefonista, aí ela me falou. Eu fui fiz uma ficha por fazer, mas eu não queria ir para a CTBC, queria trabalhar na loja, porque eu gostava da loja. Eu fui, prestei, fiz o teste. Na época era muita coisa, não é igual hoje. Hoje faz dinâmica, não é? Mas na época você fazia teste psicológico, aqueles gráficos, matemática, português, história, geografia, sabe? Pedia uma sala nas escolas. Na época acho que encheram três salas na escola para poder... Aí as que fossem melhor eles iam escalando, e na medida em que fosse aparecendo vagas, eles iam chamando. Às vezes era primeiro, segundo, terceiro, e ia, não é, até... E eu fiz esse teste, essa menina pegou e falou: “Eu vou sair da CTBC e você é a próxima. Você vai querer?” Eu falei: “Ai meu Deus, não quero não, eu gosto muito da loja”. Mas esse pessoal da loja, a situação deles não estava muito boa. Talvez eles tivessem que mudar de cidade, mas eles tinham falado: “Se eu mudar eu levo você, você vai comigo.” Aí apareceu essa oportunidade eu falei: “Como que eu vou? É difícil também eu deixar minha família.” Eu chorei muito, porque eu era muito apegada. E fui trabalhar, minha avó me deu muita força. Eu me lembro que no dia eu cheguei chorando no meio da rua para ela e contei que tinha essa vaga. Ela falou: “Você deve ir, eu acho que ali você vai crescer, ali é uma empresa muito maior.” Aí entrei na CTBC. Entrei e já me apaixonei.
P/1 – Entrou para fazer o quê, Nilva?
R – Telefonista.
P/1 – Assim de chofre, de supetão? Chegou lá já assumiu uma posição?
R – É, já entrava e já assumia a posição.
P/1 – Sem nenhum treinamento, nem nada?
R – Não, não tinha. Era assim, você chegava, tinha que ler uma norma. Eles tinham uma norma. Sigilo principalmente, porque telefonista, na época, escutava, conhecia, sabia a história de todo mundo da cidade, porque eles faziam ligações, você escutava tudo o que o povo falava. Então, primeiramente, você tinha que ter o sigilo, e decorava também uns códigos, porque a gente, para falar com outra telefonista, tinha que falar tudo através de código. E decorava também os códigos das cidades, de todas as cidades. Então São Paulo, Uberlândia, Uberaba, qual era o código de cada cidade, porque a gente tinha que fazer os bilhetes e codificar para ser rápido. Porque até que você escrevia Uberaba... Demora, então era tudo codificado, e os códigos a gente tinha que falar uma com a outra.
P/1 – Como é que eram esses códigos entre telefonistas?
R – Era assim: “OK, VA, RL, LO, LD”.
P/1 – O que quer dizer cada um deles?
R – Por exemplo, “LD” era Linha Direta; “RL” era Retenha na Linha. Por exemplo, eu ia pedir uma ligação para outra telefonista de outra cidade, que era para eu aguardar na linha. “LO”, Linha Ocupada. Tinha vários, é que eu esqueci.
P/1 – Na verdade era uma linguagem própria...
R – Era uma linguagem de todas as telefonistas. Você não podia falar para ela: “Olha, a linha está ocupada”, você tinha que falar “LO”. Discou o número lá, se estiver ocupado é “LO”, se estivesse liberado, “OK”. Você não podia conversar, tinha que falar tudo através de códigos, a linguagem era através de código.
P/1 – E nesse seu princípio, assim, você teve alguma dificuldade? Arrependeu-se de ter ido pra lá?
R – Não, eu não me arrependi. Eu acho que eu, na CTBC... O pessoal hoje fala assim: “Ai, mas naquele tempo era muito difícil”. Não foi para mim, eu nunca acho assim. “Ah, você trabalhou naquela época difícil da CTBC”. Não foi, foi a época dela. Naquela época era daquele jeito, e eu sempre fui muito feliz, sabe? A gente era muito unida, entre as telefonistas, porque trabalhava muito pouco no escritório, na parte de apoio assim, não tinha. Existia uma encarregada, uma monitora e 30 telefonistas. O forte era o nosso serviço. Então era assim, a gente entrou, tinham aquelas mais velhas, que eram mais enérgicas. Existiam os chefes... Mas eu não acho assim que foi difícil, que eu sofri. Eu não sofri, eu sempre fui muito feliz.
P/1 – Como é que era o ambiente, o local, como é que se distribuíam lá dentro? Tenta descrever como é que era esse prédio onde funcionava a CTBC, onde você trabalhava.
R – Você quer que descreva o prédio?
P/1 – É, e ali dentro, como vocês se distribuíam lá.
R – Ah, era assim. A mesa comprida – me parece que tinha seis ou sete posições. Eram seis ou sete meninas a cada seis horas. Das seis ao meio dia; do meio dia às seis; das seis à meia da noite e da meia noite às seis da manhã. Das seis à meia noite eram só duas ou três meninas. Na madrugada era uma menina só, e durante o dia eram sete em cada horário, depende do tráfego. E tinha uma monitora que era aquela que olhava, supervisionava o serviço. Tinha outra que fazia a codificação dos bilhetes, porque todas as ligações eram manuais, através de um bilhete, tratava de bilhete. Existia essa menina, que codificava todos os bilhetes; tipo assim, Ituverava: 9469. Ela codificava em canetinha vermelha para mandar para Uberlândia. Cada cidade tinha um código em número, ela codificava todas as cidades e mandava para Uberlândia para poder cobrar do cliente.
P/1 – Isso nas ligações interurbanas?
R – Agora, as locais já eram normais ter o contador de chamada. Existia também aquela mesa de semiautomático. Semiautomático é aquela mesa onde não era direto. Você tem um telefone e eu tenho outro, aí, para você falar no meu telefone, ele tirava o telefone do gancho – que é a linha direta, o LD –, e eu atendia, a telefonista atendia, discava para ele falar no outro. Ele dependia de uma telefonista para falar na cidade. Esse aí algum tempo depois ele já...
P/1 – E a dificuldade de fazer um interurbano? Demorava muito?
R – Eh! Demorava. Era muito... Tinha cidade que às vezes você não falava no dia, você não conseguia. Por exemplo, a gente falava muito, na época, parece, que Ituverava tudo mudou para Goiás. Santa Helena, Centralina, aquela região ali tinha muita gente que tinha ido de Ituverava pra lá. E era muito difícil, porque a gente dependia de muitas cidades para chegar até lá. Às vezes, quando você conseguia, às vezes levava seis horas. Para Santa Helena, às vezes se dava uma demora, você marcava com a telefonista. Por exemplo, ligava para Uberlândia: “Quantas horas de demora?” “Quatro horas, seis horas para ela poder me...” Porque existia muito pouca linha, muito pouco circuito, então levava esse tempo todo. Às vezes, quando você conseguia a ligação, você não conseguia o cliente, porque ele estava com o telefone ligado, falando. Aí você quase morria, porque você queria... Porque se perdesses aquela, não tinha mais, só no outro dia. E outra vez também, uma telefonista às vezes desimpedia, ou arrancava aquela pega e caía a ligação. Era muito complicado. Dependendo da cidade, você tinha que falar... Pedir para chamar, pedir táxi para ir chamar, carrinho, ou então tinha uma pessoa de bicicleta, que ficava naquele postinho só para poder chamar as pessoas na casa. Isso dava muito ali no Piauí, nesses estados assim. Eles ficavam ali, devia ganhar, porque a pessoa... Quando era com mensageiro, a ligação era mais cara, porque tinha a parte do mensageiro. Então ficava aquela pessoa ali, às vezes de cavalo, de bicicleta, qualquer coisa assim. Ele ia, chamava, marcava o horário – era mais caro também porque marcava o horário, era uma ligação mais cara. Chamava a pessoa, ela ficava ali esperando e de repente você não conseguia nem voltar a ligar para a pessoa, porque não conseguia mais linha. Às vezes a pessoa ficava ali o dia todo aguardando a ligação e não conseguia falar, então era complicado.
P/1 – E como é que você, sei lá, estava tocando duas ou três ligações, assim, procurando, mais gente ligando para você e o assinante já desesperado, mal educado... Como é que você ficava administrando essa confusão?
R – A gente pega tanta agilidade que você domina. Era a melhor coisa você conseguir chamar. Às vezes você falava com duas, três pessoas ao mesmo tempo, entendeu? Às vezes, se a pessoa estava nervosa, você tentava contornar: “Não, aguarda que eu vou chamar”. Se conseguia uma ligação – que era muito difícil –, a gente se sentia muito bem, a gente ia embora muito feliz. A gente pegava, às vezes, muito as dores das pessoas, porque existiam casos de morte, doença, pessoas desesperadas falando com a gente. Então muitas vezes a gente ficava deprimida também. Às vezes a gente chorava de ver as pessoas, o desespero das pessoas. Às vezes morria um da família, aquele desespero de tentar falar com a mãe ou com o pai; não conseguia... Aquela coisa, aquela loucura, sabe? A gente fazia de tudo para conseguir, quando a gente conseguia era uma glória, porque tinha ajudado alguém, sabe?
P/1 – Acabava fazendo parte desses pequenos dramas, não é?
R – É, junto. E Ituverava centralizava as localidades ali, tudo em volta. Então tinha uma posição que era Guará, outra era Miguelópolis – que a gente fazia o serviço –, outra era Ituverava, Ribeirão Corrente; essas localidades todas pertinho a gente fazia também. A gente fazia, porque nessas cidades não tinha telefonista, então a região centralizava ali. A gente fazia toda aquela parte ali, e existia aquela posição, que era onde a telefonista fazia aquelas ligações [para] mais longe, tipo para São Paulo, para... As mais difíceis, que demoravam mais tempo. Então ela ficava ali para isso.
P/1 – Como é que era o atendimento, assim, desde que o cliente pedia uma ligação para São Paulo, o procedimento de controle dessa ligação para o posterior faturamento?
R – Existia um bilhete. A gente atendia, acendia a luzinha, enfiava o pega no buraquinho da luzinha... Tinha hora que a luzinha parecia uma árvore de Natal, acendia tudo. Ia atendendo, atendendo... Porque se você demorasse... Muitas vezes o assinante ligava e não chegava sinal para a gente, aí ele ficava muito nervoso por a gente não ter atendido, mas não tinha chegado, dava muito defeito na mesa. Às vezes quebrava, queimava o fusível e a gente não via que estava tocando. E a gente atendia informação também, dava informação da cidade inteira, tudo por apelido. As cidades todas pequenas,
então você conhecia todo o pessoal da sua cidade e das cidades vizinhas. Era o Zé não sei do que, o João não sei da onde, sabe? Tudo assim, e você tinha que atender informação também. A gente atendia... Existia um bilhete branco e verdinho, grifadinho de verde, a gente colocava a data, mas fazia com tanta rapidez, tinha um treino tão grande, era incrível. Hoje eu não dou conta. Aí já colocava lá a data, a localidade. Por exemplo, Uberlândia é o ULA, o número do telefone da IVR, por exemplo, o número do telefone do assinante, o nome dele, o horário, o meu número – que existia um número –, eu era o número quatro, e completava a ligação. Completava a ligação, quando tinha um relógio para marcar o início e o fim da ligação, aí tudo bem, mas às vezes não tinha, no começo não tinha isso, a gente tinha que pôr atrás. Olhava o relógio na parede, escrevia lá 12:01, não tinha um controle. Aí você esquecia daquele cliente... Porque você ficava envolvida com aqueles outros e aquele lá ficou: “E agora, quanto falou?” Aí você ia mais ou menos assim, sabe? Chutava, muitas vezes você chutava. Às vezes falava dez você marcava três; às vezes falava três, você marcava dez, porque não tinha um controle, você ficava louca com aquele mundo de luz, aquele mundo de coisa para você fazer ao mesmo tempo. E ficava, não é? Depois que fazia, no final passava para a menina, a menina codificava e encaminhava para Uberlândia.
P/1 – Eram muitos assinantes em Ituverava?
R – Perto de hoje eram poucos, mas na época era, eu não me lembro quanto.
P/1 – Como é que as telefonistas eram vista pela cidade, esse negócio de mulher trabalhar fora, trabalhar de noite, como é que era a imagem das telefonistas?
R – Antigamente, às vezes pegava muito a telefonista e a enfermeira, às vezes pegavam, achavam que não prestava. Mas a gente era bem vista, acho que no geral era bem vista. Era muito bom. A gente participava muito, ganhava muito presente. Ganhava presente assim, porque eles tinham interesse em dar o presente para a gente conseguir para eles as ligações, porque eles dependiam de nós. Uma empresa dependia de nós para poder também sobreviver, não é? E quando tinha quermesse, o pessoal que tomava conta ali... As primeiras a serem convidadas éramos nós. A gente ia nas quermesses, tinha as pessoas lá, o pessoal das empresas... Porque na época uma quermesse era muito importante, o pessoal ia e tal, e eles chegavam lá, a gente ganhava prenda que a gente comia, levava para casa, ainda levava para a CTBC, sabe? E ganhava muito no dia... Hoje fala dia do telefônico, mas era dia da telefonista, dia 29, ganhava muita festa deles.
P/1 – Vinte e nove do quê?
R – Vinte e nove de junho. No mês inteirinho a gente tinha festa, porque as empresas pagavam para nós, sabe? Eles davam jantar, davam churrasco, davam as sedes das fazendas para fazer churrasco para nós. Porque a CTBC, na época, não fazia isso. Hoje existe uma verba destinada a isso, mas na época a gente não tinha. Por exemplo, se tinha uma festa aqui em Franca, eles emprestavam a Perua, porque a gente não tinha carro e nem a CTBC tinha. Emprestava Perua, carro com o motorista deles para trazer a gente para a festa. E fazia as festa lá, eles faziam jantares. Na Páscoa, tinha cama, porque a gente dormia ali, a gente enchia as camas de ovo, tudo grande. Uísque importado, cesta de natal, vestido, cada empresa te mandava aquilo que eles trabalhavam. Até copo, às vezes, a gente ganhava. Mandavam muito lanche para nós, quem trabalhava à noite, sabe? Os donos das casas, eles faziam nas vésperas de natal, ano novo, eles viam que a gente estava trabalhando, pedia ligação para os familiares deles e já mandava aquela comida. A gente ficava até assim, porque tinha demais, mas a gente era muito bem vista.
P/1 – Paparicada.
R – Era muito paparicada.
P/2 – Você disse que vocês dormiam lá. Como é que era isso?
R – Dormíamos, porque quem trabalhava à noite, quem trabalhava das seis à meia noite, ela tinha por obrigação dormir lá para poder ficar com a que trabalhava da meia noite às seis, tinha que ficar com a plantonista. Existia um quarto, lá existia uma sala que tinha um sofá, o banheiro nosso e um quarto no fundo. E ali tinha as camas e os armários para a gente guardar a roupa, guardar o uniforme. E ali a gente dormia. Às vezes a gente emendava a noite com a plantonista, a gente conversava, ria, ficava, às vezes, até amanhecer com a outra, sabe? Aí a gente ia dormir e essa plantonista ficava sozinha até às seis horas da manhã.
P/1 – E essa história de não poder trabalhar se casasse?
R – Tinha também, se casasse tinha que sair. Muita gente ficou ali e não casou, mas muitas também entravam, ficava um ano, arrumava um namorado e saía, não queria nem saber. Porque na época a gente tinha que trabalhar muito por amor, porque a gente ganhava um salário... Era um salário mínimo. Eu trabalhei uns 11 anos na CTBC, acho que ganhando um salário, um salário e meio, entendeu? Por o salário ser baixo, você tinha que gostar muito do que fazia e gostar muito da empresa, para ficar. Normalmente as pessoas entravam e, se tinha namorado, logo casava e deixava. Outras arrumavam namorado, também saíam. E tiveram algumas que talvez não tinham que casar, ficaram. Ou então, por amor, ficou.
P/1 – Mesmo com todo esse desprendimento, todo esse amor, na hora de encarar aquele assinante bem mal educado, bem casca grossa, que já começava a te xingar, como é que você fazia?
R – A gente ia até certo ponto. A gente ia conversando, tentando, porque também a gente não podia conversar muito com assinante. A gente não podia ficar conversando com assinante, tinha que fazer o serviço, porque se você estava conversando com assinante, sua mesa estava cheinha, e a hora que você fosse atender os outros, os outros iam acabar com a sua raça. Aí a gente passava para a monitora, a monitora é que ia conversar com ele, ia ver o que estava acontecendo, ver o porquê da reclamação, para poder apurar. Porque a gente não podia perder tempo assim também, e ficar ali discutindo, tinha que atender os outros.
P/1 – Durante todo esse processo vocês passavam por algum treinamento, vinha gente de Uberlândia dar cursos?
R – Não, nunca fiz. Eu fui conhecer Franca eu já tinha uns 13 anos de empresa, não conhecia outra localidade. Conhecia assim, em festa; mas não a CTBC, porque a festa na região inteira, convidava todo mundo, todo mundo ganhava muito dos clientes que convidava a gente. Às vezes a gente vinha, mas era em algum clube, e ia embora. A gente não tinha treinamento, não existia treinamento.
P/1 – As pessoas, por exemplo, o senhor Alexandrino ia lá em Ituverava?
R – Muito pouco.
P/1 – Você conheceu o senhor Alexandrino?
R – Conheci. Inclusive, quando eu fiz dez anos de empresa, que eu fui para a Pousada do Rio Quente, ele nos recebeu lá em Uberlândia. Mas era muito difícil, porque ele era muito ocupado, não é?
P/1 – Que impressão você guarda dele?
R – Ah, eu admirava muito ele. Eu, assim, me emociono quando falo nele. Eu tenho um carinho muito grande por ele. Eu acho que tiveram pessoas, tudo, mas ele quem fundou, não é? Então eu tenho uma admiração muito grande. Tinha e tenho, sabe, onde ele estiver, eu tenho uma admiração muito grande.
P/1 – Mesmo sem ter tido tanto contato?
R – Mesmo sem ter contato, porque a gente tinha a Teleco, tinha a fotografia dele. Em todas as CTBC existia um pôster dele, um pequenininho lá, todo lugar tinha que ter, e só de ver a gente tinha amor, sabe? Eu, sinceramente, me arrepio a hora que eu falo nele. Inclusive agora, na Convenção, um associado foi cantar uma música dele, eu desabei a chorar. Eu achava ele mil.
P/1 – Uma música sobre o senhor Alexandrino?
R – Sobre ele. Foi muito bonita, eu derreti na hora.
P/1 – Isso vem de que, do exemplo que ele deixou? Essa admiração nasceu por que motivo, pelo trabalho?
R – Eu acho que pelo trabalho, dignidade, pela pessoa dele, por tudo. Eu acho que ele foi muito forte, foi um herói.
P/1 – Nilva, como é que você foi acompanhando... Você e o seu trabalho foram acompanhando a evolução que veio surgindo? Quer dizer, aquelas mesas começaram a se sofisticar, dali a pouco entrou o DDD [Discagem Direta à Distância]. Como é que você foi acompanhando essa evolução dentro do seu trabalho?
R – Na medida em que ia diminuindo mesa, na cidade entrava o DDD, aí ia diminuindo as meninas. Mas na época tinha também aquele negócio: se você tivesse suspensão, advertência, pesava. Tinha isso. Você não podia responder, tinha que aceitar, tudo você tinha que aceitar dos chefes. E se você fizesse qualquer coisinha, o mínimo, se você chegasse atrasado dois minutos, você podia ter uma advertência. Aí, na hora de avaliar, na hora de diminuir as mesas, ia eliminando aquelas pessoas, ia filtrando. E foi diminuindo, diminuindo, uma cidade foi passando, outra cidade foi passando, daí a pouco estava tudo... Não restou mais mesa, acabou. Na época eu fui para Guará. Terminou, acabou, ficaram poucas meninas, eu e mais umas duas ou três que ficaram ali no escritório, e não tinha mais lugar para mim, porque o nosso setor acabou e não tinha outra coisa para fazer. No Escritório tinha uma encarregada e um apoio dela, só. As 20, 30 meninas que tinha lá, foram tudo para a rua. Na época existiam as encarregadas. As encarregadas tomava conta da cidade, das coisas. E surgiu uma oportunidade em Guará, porque a pessoa de lá aposentou, a Emeralda aposentou, apareceu essa oportunidade para ser encarregada, e eu fui para Guará, fiquei nove anos.
P/1 – Quando foi isso?
R – Foi em 1985. Eu trabalhei de telefonista, depois fiquei dois anos no PS, de telefonista para OS. Imagina, já era subir de cargo. Fiquei dois anos trabalhando no PS e depois fui para Guará; fiquei nove anos, de 1985 até 1994.
P/1 – É próximo?
R – É, dez quilômetros, é pertinho. É uma cidade bem menor, pequenininha, mas na época tinha que ter o escritório. Tem ainda, não é? Mas tinha o pessoal de rede, DG, área técnica, central, tinha tudo. Tinha toda uma estrutura, igual tem aqui em Franca, Ituverava. Hoje lá só tem uma menina, mas na época tinha tudo isso.
P/1 – E você manteve a residência em Ituverava?
R – Em Ituverava. Eu viajava de ônibus, ia e voltava todo dia, mas era tudo pertinho.
P/1 – E nesse seu trabalho de encarregada, você encarrega-se de quê?
R – Eu tomava conta de tudo o que acontecia na cidade. Eu tomava conta do escritório, eu limpava o chão. Chegava, fazia café, limpava a CTBC. Eu tirava o meu uniforme – porque o nosso uniforme na época do senhor Alexandrino era preto e branco, calça preta e blusa branca. Tirava o uniforme, colocava o meu uniforme de limpeza – porque eu já deixava uma camiseta, um chinelo Havaianas e uma calça –, já passava na padaria, pegava o pão, fazia o café, limpava. E lá é pequenininho, mas para limpar é muito grande, porque tem muito corredor. Tinha uma mangueira que caía muita folha, tem um quintal muito grande lá. Eu limpava o chão, varria, limpava tudo, aí chegavam os clientes, falavam assim pra mim: “A moça que trabalha aqui está aí?”. E era eu, não é? Limpava, lavava a calçada, fazia de tudo e depois tirava o uniforme da limpeza, colocava o uniforme: meia, saia, tudo bonitinho, tal, e atendia o público, atendia informação, reclamação de conta, cadastro, serviço de banco. Até central também eu fazia. Se desse um defeito na central, dependendo do problema eu ia lá e arrumava. Queimava fusível, DG, religava, ligava telefone e testava se estava com defeito ou não. Eu aprendi tudo. Quando foi a época que eu falei assim: “Agora eu [vou] sair para a rua para aprender a fazer serviço de rua, instalação de telefone e poste”. Aí foi terceirizado para a Engeset. Mas eu fazia tudo, ajudava os meninos, o pessoal da área técnica a consertar telefone. O moço da Central não estava lá, deu problema, dava alarme na Central, eu ia lá e sabia onde é que era o alarme. Mexia onde tinha que mexer, nos botões lá, trocar fusível, fazer as coisas que tinha que fazer; subia nas escadas, ia lá em cima, mexia e voltava.
P/1 – Você ia para a rede, então?
R – Eu ia para a rede, pena que foi terceirizado.
P/1 – Ia ser a primeira mulher a ir para a rede?
R – Eu ia para a rede. Eles brincavam comigo, falavam que iam arrumar um capacete cor de rosa para mim. Mas eu fazia de tudo, serviço de banco... Fazia tudo.
P/1 – Isso de que horas até que horas?
R – Das sete e meia às seis horas, e trabalhava aos sábados também. Como lá tinha o PS e era só eu... A área técnica trabalhava até meio dia, eu ficava o dia todo e folgava nos domingos. Época de vender telefone... Teve muitas vezes de Natal... Ano novo eu estava vendendo telefone pra segurar preços para as pessoas, sabe? Porque às vezes ia subir no outro dia, então as pessoas me procuravam. Faziam aquela fila, eu não dava conta de atender, aí eu pegava o nome das pessoas, essas coisas. Quando chegava na minha casa, Natal ou outra coisa, eu estava preenchendo documento para no outro dia já depositar o dinheiro, pra entrar, pra pessoa não pagar mais caro. Para pegar aquele cliente.
P/1 – Então você foi uma maneta dos sete instrumentos.
R – É, eu fiz bastante coisa. E tenho saudade, viu?
P/1 – Guará como era, uma cidade pequena?
R – É uma cidade pequena. Hoje trabalham duas meninas lá, porque hoje centralizou tudo. O PS hoje é tudo cartão, não tem aqueles negócios feitos na mão. Eu tinha que preencher um documento, eu discava 101, caía para a telefonista, a telefonista chamava da cabine. Eu chamava na telefonista para ver quantos minutos, olhava o degrau que eu tinha num caderninho – que a gente tinha os valores em um caderninho marcado. Cobrava da pessoa e depois depositava no outro dia. Era tudo muito manual. Cento e dois caía na minha mesa... Minha mesa tinha 102, 104, era tudo assim, tudo reclamação de cliente, informação de telefone, defeito. Tudo cai só na cidade, tudo centralizado.
P/1 – E sobrava algum tempo, assim, para você se divertir, ter algum lazer?
R – Sobrava à noite... O domingo sobrava. Tinha muita energia, não é? Sobrava sim.
P/1 – O que você gostava de fazer, nesses momentos de folga?
R – Ah, baile, eu gostava muito de baile. Carnaval, eu era apaixonada por Carnaval. Quando eu era telefonista, nos dias de Carnaval eu trocava de horário. Trocava, porque a gente... Tinha muito assim, quem não gostava de ir, porque às vezes tinha alguma menina que era crente, alguma outra religião que não ia, [então] eu trocava com elas. Saía do Carnaval, já ia para a porta da CTBC, ia trabalhar. E brincava as cinco noites
P/1 – Nilva, como é que foi isso, quer dizer, acabou o PS, acabou a necessidade dessa pessoa lá, atendendo diretamente o público; como é que essa trajetória sua continuou a partir de Guará e como você foi adaptando o seu trabalho aos novos tempos que foram surgindo?
R – Foi assim, eu não ficava só no meu serviço. Eu fazia de tudo, então eu conhecia tudo. Quando terminou Guará, por exemplo, eu vim para Ituverava para o financeiro, porque eu conhecia o financeiro, eu fazia o financeiro lá em Guará. Na CTBC, de todas as áreas eu fazia um pouquinho, então qualquer área que me chamasse, eu tinha condição de ir. Eu saí de Guará, surgiu uma vaga em Ituverava, me convidaram; fui para Ituverava, fiquei mais cinco anos no financeiro. Depois centralizou o financeiro, centralizou pra Franca, eu vim para Franca. Cheguei em Franca, trabalhei uns seis meses, centralizou pra Uberlândia. Aí eu fui para o jurídico. E hoje eu estou voltando para Ituverava, segunda-feira eu volto para Ituverava.
P/1 – Você circulou na área, então.
R – Circulei. E eu não trabalhei só assim. Eu trabalhei em Guairá, trabalhei em Miguelópolis, trabalhava em todo lugar ali, se precisasse de alguém eu estava.
P/1 – Você se casou?
R - Não. Eu não me casei, eu vivo com uma pessoa, eu não casei de papel passado.
P/1 – Essas mudanças de cidade não atrapalhavam a sua vida pessoal, não?
R – Não. Faz pouco tempo, não é? Tem quatro anos. Na época atrapalhava um pouco sim, porque dependendo da pessoa, não aceitava, principalmente quando eu era telefonista. A gente tinha certa dificuldade de arranjar namorado, os namorados não aceitavam, porque eu trabalhava muito à noite, eu não tinha condições de namorar. Chegava sábado e domingo eu estava trabalhando, se tinha um casamento eu estava trabalhando, se tinha uma festa eu estava trabalhando. Então você tinha muita dificuldade até de encontrar uma pessoa. E quando encontrava, as pessoas não aceitavam que a gente chegasse seis horas da tarde, você ia trabalhar e ele ia ficar sozinho. Tinha certa dificuldade... É complicado.
P/1 – Naquele momento em que a empresa passou por uma reestruturação forte sob a gestão do senhor Mário Grossi, como é que isso se refletiu lá no local do seu trabalho?
R – Foi assim, um ‘auê’, não é? Porque a gente estava acostumada com uma coisa e de repente tudo mudou. Então era muito treinamento, muito para ir para Uberlândia. A gente ia em muita reunião ao sábados, muita reunião depois das seis horas, sabe? E na época tinha assim, tinha uma pessoa na empresa que... Essa pessoa queria mostrar resultado. A intenção dele era das melhores, mas a forma dele fazer, ele fazia humilhando as pessoas, forçava as pessoas a mostrar resultado, pra ele chegar e mostrar resultado, entendeu? E aquilo me doía muito, porque às vezes tinha pessoas que choravam. Não tinha paciência, queria... Sabe? Aí foi aquele negócio da rede ser terceirizada. E aquilo doía muito, você via aquilo, 80 pessoas indo embora, outras indo para a Engeset ou para a Engeredes, eu não me lembro mais como era, na época. E a maioria indo embora. Tinha esse pessoal que trabalhava em caminhão, com Munck, que fazia limpeza na beira dos postes, essas coisas... Era um pessoal muito pobre, humilde, e foram perdendo tudo. Aí foi aqueles... Foi CPCT, que tinha, eles criaram a mantenedora deles, hoje eles estão muito bem. Tiveram aqueles que conseguiram se sobressair, aqueles também que perderam, e outros que estão na Engeset até hoje. Porque terceirizou, e eu tenho muitas pessoas da época que trabalharam comigo no início que ainda estão na Engeset, trabalhando. Outros são terceirizados pela Engeset, assim.
P/1 – E essa sua maleabilidade de trabalhar no financeiro, depois ir para o jurídico, é por que você metia o bedelho em todas as áreas? Esse era o motivo pelo qual você se adaptava a essas áreas?
R – Bom, do financeiro eu já conhecia, não é? De telefonista eu fui para o PS, porque eu já conhecia, estava ligado um com o outro. Depois eu fui para Guará como encarregada; cheguei lá, aprendi todo o serviço, e de lá... Lá me deu muita base. Hoje fala assim: “Ah, cidade pequena e tal”, mas naquela época me deu muita base, porque eu conheci todas as funções, então aquilo me ajudou, aí eu fui para o financeiro. Primeiro eu fui para o ‘Contas a Pagar’; ‘Contas a Pagar’ acabou, eu fui para o ‘Contas a Receber’; eu fazia de tudo. Aí eu vim para cobrança, depois a cobrança centralizou em Uberlândia, eu fui para o jurídico, e um puxou o outro.
Eu não achei dificuldades.
P/1 – No jurídico, qual era a sua atividade?
R – Apoio, não é? Tem a advogada e eu ajudo ela.
P/1 – E como é o seu trabalho, hoje?
R – Hoje eu trabalho no jurídico. Ah, eu gosto. Hoje eu viajo, moro em Ituverava, viajo todos os dias, então hoje é complicado. Eu vim para Franca –Franca é uma cidade muito melhor do que Ituverava –, já tinha amizade com o pessoal, porque faz muito tempo. Mas eu peguei uma afinidade muito maior. Eu amo cada um deles, como eu amo cada um que está em Ituverava, porque eu trabalhei lá 20 e tantos anos. Mas eu vejo assim, eu vou para Ituverava, eu... Lógico, lá é a minha cidade, lá é minha origem, é minha realidade. Então eu tenho que voltar, porque hoje, para eu morar em Franca, não tem condição. Não tem condição nem financeira. Lá eu já tenho uma estrutura montada, tenho casa, tenho minha família, e para eu morar aqui, tenho que mudar tudo. E eu já estou mais perto da aposentadoria. Se eu fosse mais nova, se fosse há algum tempo atrás, tudo bem, mas fica mais complicado. Então surgiu uma vaga, eu estou indo embora.
P/1 – Em que área?
R – Eu vou para o atendimento. Lá, hoje, é só atendimento que tem. Atendimento e área técnica.
P/1 – E nesse atendimento o que você espera fazer ou poder fazer? Porque também é uma área que é nova para você, não é?
R – Não, eu trabalhei sete anos, em Guará.
P/1 – A sim, claro, mas lá você fazia de tudo, não é?
R – É. Hoje para mim existe assim: eu vou ter que aprender, tem muita coisa que eu vou ter que aprender, não é? Porque quando eu trabalhei no atendimento, não existia celular. Então hoje eu vou ter que aprender tudo sobre celular, mas é coisa que é certeza que eu consigo. Tenho que aprender umas coisas, porque muita coisa mudou. No jurídico a gente faz muita coisa do atendimento, muita reclamação de cliente a gente faz, do PROCON [Programa de Proteção e Defesa do Consumidor], existe muita reclamação do PROCON. Então, para evitar que vá para a justiça, a gente atende muito por telefone o PROCON, para evitar que eles abram uma reclamação. Então tem uma parte que eu já conheço, eu só vou ter que ter um maior conhecimento sobre o celular, habilitação, essas coisas.
P/1 – Qual você acha que é a receita, entre aspas, de um bom relacionamento com o cliente, com um potencial cliente? Como é que é esse trato com o público?
R – Eu acho que é você trabalhar com amor. Acho que, você fazer aquilo que você faz com amor, você faz qualquer coisa. Você gostar do que faz, não é?
P/1 – E você gosta?
R – Gosto.
P/1 – Como é que você, depois de toda essa trajetória, esse tempo todo que você está aqui, como é que você vê o futuro da CTBC? O que vem pela frente aí?
R – Eu acho que vai haver um crescimento grande. Ela vai ter muitas dificuldades, porque existe muito concorrente, está vindo aí, abrindo para mais concorrentes. E ela tem que evoluir, tem que correr mais do que ela corre atrás de cliente, tem que ter um pessoal... Hoje já tem um pessoal muito bom, e tem que estar qualificando mais as pessoas, e as pessoas também trabalhando com amor e sendo dedicada. E procurando, lógico, conhecimento para ajudar a empresa, não é? Porque ela depende das pessoas que estão nela.
P/1 – O que você diria para uma pessoa que fosse começar a trabalhar amanhã na CTBC?
R – Ah, eu diria o seguinte: “Você pode ir que lá é muito bom, lá é dez. Você vai, que você vai se apaixonar”. Porque eu acho que todo o pessoal que trabalha na CTBC apaixona. Só que tem que ter amor e respeito pelas pessoas, a pessoa não procurar subir através de outras. Tem que respeitar, tem que ter a humildade de ajudar e pedir ajuda também quando precisa. Eu acho que é isso.
P/1 – Nilva, tem alguma coisa que você gostaria de ter dito e a gente não te provocou a dizer?
R – Acho que não. No momento acho que eu não estou sentindo não.
P/1 – Como é que você se sentiu dando esse depoimento para nós?
R – Normal. No começo eu estava nervosa, porque eu sou muito tímida, mas eu me senti bem, foi muito bom. Gostei.
P/1 – Está bem, muito obrigado.Recolher