Projeto: História da Farma Brasil - Johnson & Johnson
Depoimento de: Fermino Yamashiro
Entrevistado por: Luiz André e Cláudia Leonor
Local: Estúdio Telecentro, São Paulo-SP
Data: 9 de outubro de 1995
Realização: Museu da Pessoa
Código da entrevista: FR_HV007
Transcrito por: Rosália Maria ...Continuar leitura
Projeto: História da Farma Brasil - Johnson & Johnson
Depoimento de: Fermino Yamashiro
Entrevistado por: Luiz André e Cláudia Leonor
Local: Estúdio Telecentro, São Paulo-SP
Data:
9 de outubro de 1995
Realização: Museu da Pessoa
Código da entrevista: FR_HV007
Transcrito por: Rosália Maria Nunes Henriques
Revisado por: Grazielle Pellicel
P/1 - Luiz André
P/2 - Cláudia Leonor
R - Fermino Yamashiro
P/1 - Vamos começar então com o senhor fazendo a sua apresentação.
R - Certo.
P/1 - Eu queria que o senhor desse o seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Meu nome é Fermino Yamashiro, nasci em Miracatu, Estado de São Paulo, no dia 25/10/1929.
P/1 - Os seus pais?
R - Meu pai, Riukiti Yamashiro, nasceu em 1888, julho de 1888. E a minha mãe, Kame Yamashiro, nasceu em agosto de 89. Datas muito bem fáceis de serem guardadas, né, pelo menos aqui pra nós.
P/1 - O senhor podia falar um pouco pra gente das origens deles no Japão? A que famílias pertenciam? Onde moravam?
R - Bom. Eles são oriundos da Ilha de Okinawa. Naquela época muito pobres, né? E então, já tinham começado a imigração japonesa para o Brasil; o famoso Kasato Maru, um ano, dois anos antes, em 1906 parece. Então eles vieram na segunda leva de imigrantes, em 1910, se não me engano, né? E recém-casados: ele com 20 anos, ela com 19 anos; não tinham nada, então resolveram se aventurar no Brasil, quer dizer, descobrir o Brasil. Ficarem ricos aqui e retornarem ao Japão, né? Coisa que hoje os “dekasseguis” (trabalhadores estrangeiros no Japão) estão fazendo, os daqui estão indo pra lá, ganhando em dólares e mandando os dólares pra cá, né? Então, eles levaram, parece-me, 49 dias de navio pra chegar aqui no Brasil, não é? Foram primeiro enviados para uma fazenda aqui na Sorocabana, né. Todo o grupo que veio nesse navio, a maioria foi lá para a Sorocabana, não sei que cidade, tal. Ele me contava, né? Acho que era cultivo de café, alguma coisa assim, mas o patrão era muito rude, muito ruim. Não pagavam nada, só explorava, né, trabalhando de sol a sol. Então, um belo dia, eles - depois de algum tempo - simularam uma festa e de noite até de madrugada, ajuntaram os trapos, as trouxas e vieram embora fugindo, a pé pela estrada do trem, né? E eles vieram parar em Santos, meu pai foi trabalhar na docas em Santos, carregar sacos de café. Ele é até um pouco menor do que eu, troncudinho, mas aguentou o baque, né? Aí começaram a nascer os filhos, o meu irmão mais velho, hoje, o meu irmão é 18 anos mais velho do que eu, nasceu em Santos. Depois, ele resolveu trabalhar como auxiliar lá na construção da estrada de ferro que vai de Santos a Juquiá - não sei se vocês conhecem - aquela que passa por Peruíbe, né? Ele fez a linha até o fim da linha, teve maleita e outras coisas, né, mas chegou no fim da linha. Mas quando chegou lá, resolveu ficar por lá; comprou um pedaço de terra lá no meio do mato e foi queimar carvão, né? Aí depois, lá no meio do mato, voltou, arrumou um terreno melhorzinho no plano, na beira de um rio, comprou um terreninho e lá ficou. Foi o primeiro. Ele é que levou o cultivo de banana lá, ele foi não sei aonde, arrumou uns pés, umas mudas de bananeira e começou a plantar bananeira lá na região. Pelo menos no, como é que chama?! No livro de memórias dele, ele conta que ele foi o primeiro que começou a cultivar banana na região. Depois a coisa se espalhou lá naquele litoral, naquela região de Juquiá, de Registro. Só dá banana, né, bananicultores. E assim, começaram a nascer outros filhos até dez, nascerem dez filhos, né? Nesse ínterim acho, logo quando nasceu a minha irmã, no quinto filho, quinta filha acho, ele foi pro Japão buscar a minha avó, porque o meu avô tinha morrido; mãe dele, sozinha, foi lá e trouxe a minha avó e eu quase que nem conheci, porque logo depois ela morreu. Quando eu nasci, tinha uns dois anos quando ela morreu. Não me lembro muito bem da minha avó, né? Mas com aquela dificuldade pra criar, mas o meu pai a gente acha que...você vê todos os filhos têm nomes brasileiros, meu irmão mais velho é José, meu irmão é Pérsio e eu sou Fermino. (risos) Que quando ele foi registrar deve ter dito mais ou menos com aquele sotaque japonês, então ficou Fermino, né? Minhas irmãs são Laura, Flora, Aurora. Somos dez irmãos, já relacionei lá, né? E com aquela dificuldade, mas o meu irmão mais velho, ele também quis estudar, porque naquela época só tinha primário até o terceiro ano, depois não tinha mais nada, nem quarto ano naquela...acho que nem existia o quarto ano primário. Então o meu irmão ficou algum tempo ajudando o velho, depois terminou o terceiro ano. Mas o meu pai falou: "Você não pode ficar aqui perdido, tem que dar um jeito de estudar mais." Então ele falou com o amigo dele em São Paulo e mandou o meu irmão pra São Paulo pra trabalhar e estudar, né? Ele tentou fazer, parece que tentou fazer medicina, alguma coisa, mas não conseguiu porque não tinha muito boa saúde e também não tinha recursos, tinha que trabalhar e estudar, não tinha condições, né? Virou jornalista, tradutor público juramentado [de] inglês-japonês, né? Publicou alguns livros, trabalhou na Folha de S. Paulo, naquela revista Visão que tinha antigamente, na Revista Coopercotia.
P/1 - Como é o nome dele?
R - José Yamashiro. Ele é muito respeitado na colônia, modéstia a parte. (risos) Hoje está com...18 [anos mais velho], eu vou fazer 66. 84, está fazendo, né? Está firme, trabalhando, digitando lá no computador os livrinhos dele sempre ligados à história do Japão, sabe? Ele tem publicado alguns livros sobre a história do Japão. Bom, depois vieram algumas [das] minhas irmãs, no meio, né, e o meu filho que está no Japão... Éramos três homens, está certo? Então, o meu pai tinha um irmão...posso ir falando assim?
P/1 - Claro, fique à vontade.
R - Está boa a história?
P/1 - Está ótima.
R - Tinha um irmão do meu pai, né, eram em três irmãos: o meu pai, esse irmão e uma irmã dele. A irmã veio junto, solteira, está certo? Veio o meu pai, minha mãe e a minha tia, os três nesse navio. A minha tia se casou também aqui no Brasil, teve aí 12 filhos, né? Esse meu tio ficou no Japão, né, mas ele era muito rico, ficou muito rico trabalhando em indústria não sei aonde, ele sempre teve uma situação muito boa só que não conseguia ter filhos, né? Então a mulher não lhe dava filho, ele trocava de mulher, procurava outra e assim foi; casou quatro, cinco vezes porque nenhuma lhe deu filho. Mal sabia, acho que o culpado era ele, não elas, né? (risos) E chegou uma época, ele escrevia muito, se correspondia bastante com o meu pai, né? Então, ele chegou uma época, ele falou: "É, não dá mais porque eu já estou velho e não vou ter filho mesmo, vê se você arruma um. Me dá um dos seus filhos, você tem tantos aí, mas eu quero um filho homem." Aí disseram que eu era pequeninho, né, eu tinha uns dois anos. Falou: "Manda o pequeninho aí." Porque a gente também tinha nome japonês, no consulado japonês a gente era registrado, não foi registrado aqui, meu nome era Shiromi, né, o meu irmão, por exemplo, era (Yuse?), mas não está registrado. Isso que eu acho a grande coisa que o meu pai fez: já na época, sem ter muito estudo, ele deu, né, toda essa educação e essa formação pra nós, já previu o que poderia acontecer, né? Isso é que acho que é o grande mérito do velho aí, né? Então ele queria que eu fosse mandado, dado pra ele, mas a minha mãe não quis: "Ele é pequeninho ainda." "Então manda o do meio." O meu irmão tinha uns 12, 13 anos, né, e ele era um bom atleta, ele praticava muito, fazia, como é? Aqueles paus de salto em altura, extensão com bambu e tal. Ele saltava, ele era louco por esporte, né? Então o meu irmão do meio foi sorteado e foi dado pra ele. Foi lá todas as mordomias no melhor colégio, logo depois veio a guerra, né? Está certo? Depois de alguns anos que ele estava muito bem, estudando nos melhores colégios lá, tendo de tudo e nós aqui na maior miséria aqui, né, mal podendo sustentar porque banana na época era um problema sério, né?
P/1 - Era pra exportação a banana?
R - Tinha para exportação e tinha pra, os pequenos, os cachos pequenos - era chamado de descarte - e mandado pra São Paulo, né? (risos) Mas precisa ter muita sorte pra conseguir alguma coisa, né, mas eu sabia que a gente...ele lutava com muita dificuldade. De vez em quando, dava uma inundação lá ele perdia tudo, né, tinha que começar tudo de novo. Você sabe... No interior, quem tem boa vontade, o que comer tem: planta arroz, planta feijão, cria galinha, porco, né. Não precisa usar óleo, né, tira a gordura, a banha da gordura, vamos dizer assim. Plantava soja, ele comia muita soja, né. Pescava, comia muito peixe. Por isso é que ele durou tanto: a base de peixe e soja, o que você quer mais? Está explicado, não está, né? Então aí veio a guerra, quando veio a guerra acabaram-se as notícias; agosto de 40 e qualquer coisa que estourou a guerra ou terminou, não sei, só sei que foi mais ou menos agosto acho, quando eles...quando terminou. Mas quando eles invadiram - porque ele estava em Okinawa, o meu tio, o meu irmão também. Nesse ínterim, meu tio já tinha se casado quatro, cinco vezes, né, mas já tinha casado de novo também e quando o meu irmão foi pra lá, né, minha tia começou a ter filhos. Diziam que o meu irmão foi lá mandado pra ser o "ovo choco", né? (risos) Então o meu tio teve três filhos, né, dois meninos e uma menina; e meu tio já estava com mais de 40 anos na época, né? Veio a guerra, nós dissemos: "Pronto." Porque eles invadiram Okinawa e arrasaram com a ilha de Okinawa. Não foi [só] a bomba de Hiroshima, - que caiu em Hiroshima - mas também a invasão foi em Okinawa. Os “mariners” lá atacaram, - o meu tio era riquíssimo, tinha uma casa, um palacete na praia, - acabou, né? Isso foi em agosto mais ou menos, né? Eu falei: "Pronto, não sobrou ninguém pra contar história", né? Os meus pais estavam tristes, mas paciência...que remédio, né? Chegou no Ano Novo, eu estava lá passando férias com eles, né, veio um cartão postal do meu irmão, que estava são e salvo e que também tinha ouvido falar que o tio dele...o pai dele, porque ele chamava de pai. Tinha trocado lá, era o pai e o meu pai era o tio, né. Também estavam salvos, mas não sabiam onde estavam; ele também não estava mais junto, ele tinha ido pra outra localidade, que ele tinha participado da guerra, mas que estava são e salvo. Aí o meu pai falou: "Então vamos trazer de volta, porque ele tem dupla nacionalidade." “Não custa trazer o meu irmão de volta. Não casou ainda, está solteiro ainda. Vamos trazer pra cá.” Estamos lutando com dificuldades. Aí começou a vir cartas dele dizendo, então nós escrevemos logo pro meu irmão dizendo: "Aguenta firme aí, que nós vamos preparar pra você vir embora pra cá." E os meus tios, né, naquela corrida, ele disse que tinha perdido a casa. Fugiram pro meio do mato, passaram comendo raiz de planta, escondido lá, e ainda tinha a mãe da mulher parece, viva, mais os três filhos. Morreu a mãe, o filho mais velho e só ficou com dois, um casal, né? O velho perdeu a mulher dele também na guerra, né?
Falou: "Eu estou com dois filhos e eu preciso casar de novo pra cuidar dos filhos pequenos." Quando veio a outra carta, já tinha arrumado outra mulher, o meu tio; e o meu irmão também tinha se casado, aí atrapalhou tudo. Falou: "E agora complicou." Como é que vão trazer meu irmão pra cá se tem a mulher japonesa, né? Então nós achamos melhor... Meu irmão não queria vir: "Não, então vocês cuidam do meu pai, dos meus tios, que ele precisa mais, e eu aguardo aí uma outra oportunidade, vou me virando aqui que não tem problemas." Então os meus tios que tinham perdido tudo, nós trouxemos pra cá. Ele arrumou outra mulher, dois filhos pequenos, né?
P/1 - Aqui no Brasil ele arrumou outra mulher?
R - Não, lá no Japão.
P/1 - Lá no Japão.
R - Nós trouxemos pra cá já faz algum tempinho, tanto tempo também. Hoje os dois, - ele é falecido, ela está viva - e os meus dois primos estão bem aí. Vieram pra cá, aprenderam a falar o português, né. Ela casou com alguém rico do mercado, e ele também se meteu nesse meio aí e estão muito bem. As meninas que trabalham com floricultura, né? Então, onde é que eu parei? Dos meus tios, né, e o que mais agora?
P/1 - Bom. Recorde um pouco o ambiente da sua casa de infância, como era...
R - Pois é. Como eu disse, era maior miséria, né, mas era uma casa de madeira, de tábuas, na sala, nos quartos sem forro, sem nada. No início era de sapê até quando eu nasci, depois é que puseram telhado. A cozinha era de barro, né, e...mas era muito bom, que a gente sempre se
reunia. Ah, também, meus pais sempre orientaram a gente, que a gente devia estudar, tinha que estudar de qualquer maneira, mesmo ele não podendo... O meu irmão, por exemplo, ia trabalhar...ele arrumou um amigo jornalista de um jornal japonês, o meu irmão veio trabalhar com ele com esse jornalista, tanto é que virou jornalista, não é? E o meu irmão participou da Revolução de 32 também, né, ele não tinha idade pra ser convocado, mas foi de voluntário; acho que tinha 17 anos, pra defender São Paulo. O idealista e tal, né? Aí chegou na região de Mogi Mirim, sempre o inimigo atacando e eles recuando; ficou doente, foi parar no hospital, né? Um dos motivos também que ele não continuou os estudos, foi por causa disso, né? Mas então minhas irmãs também, né, à medida que terminavam o curso primário, chegava numa certa idade, vinham pra São Paulo trabalhar em...a minha irmã aprendeu corte e costura, aprendeu japonês. As mais velhas, todas vieram estudar e trabalhar em São Paulo, sempre que possível, né? E os que começaram a ter mordomia foi, mordomia, foi eu e a minha irmã menor: a minha irmã foi trabalhar; eu que como homem tive mais ajuda. Meu irmão nessa altura já estava ganhando razoavelmente, me ajudou bastante pra eu me formar, né? Mas como eu disse, pra comer eles tinham; não tinha era pra pagar os estudos. Eu, por exemplo, tinha que fazer ginásio; fui prestar exame para, tinha vestibulinho lá pra Colégio Estadual Presidente Roosevelt. Os bons eram o estadual, Roosevelt e Caetano de Campos, na época, está certo? Os particulares não valiam nada, né? Então eu fiz admissão, fiz o Paulistano, prestei concurso para o Paulistano e para o Roosevelt, não consegui entrar no Roosevelt, né, entrei em primeiro lugar no Paulistano. Aí o meu pai falou: "Eu não tenho condições de pagar a sua mensalidade. Você volta pra cá, trabalha um pouco na roça; mais tarde você volta", né? Aí o meu irmão ficou com dó de mim, falou: "Não, eu pago. Eu pago os seus estudos aí no Paulistano, só que no ano que vem ou daqui a dois anos você vai tentar o Roosevelt novamente." Eu falei: "Está bom", né? Aí depois de dois anos, né, ele me custeou dois anos lá no Paulistano, o primeiro e segundo. Prestei o vestibulinho, exame de transferência para o estadual, tinha 50 vagas para o terceiro ano, entrei em segundo lugar lá no Roosevelt. Saiu até no jornal como aparece hoje do Objetivo, não sei o que, né, porque o Roosevelt era puxado, né? A primeira coisa que os professores falavam: "Nós não gostamos desses alunos que vêm de outros colégios. Vocês não sabem nada", né? De 50 que formaram uma classe, passamos em 13 pro quarto ano, né, e assim depois misturamos com o pessoal do Roosevelt, com os alunos do Roosevelt. E aí fomos embora, né? E quase todos eram, tinha duas classes no colegial aqui do Roosevelt, quase todos entraram nas faculdades, né? Eu quis fazer um curso mais rápido, porque a situação não estava boa... Queria fazer medicina, mas como fazer, né? Fui fazer farmácia dando um jeito de trabalhar de alguma maneira; não tinha curso noturno de farmácia, só tinha diurno, né? Então tinha que me virar à noite, ajudar na pensão pra poder pagar menos, fazer alguma coisa pra poder me manter, mas meu pai sempre... Nessa altura, a gente já se unia lá pra alugar uma casinha, alguma coisa; as minhas irmãs trabalhando e estudando, né? E a gente só via com que sacrifício que eles faziam pra formar a gente, né? Depois ele ficou lá até os 70 anos, na roça, até todos já estarem em São Paulo trabalhando, né? Eu me formei em 51. Então depois que eu me formei, a gente já começou a ajudar o meu pai lá. Sempre que ele precisava, a gente dava uma ajuda e ele foi ficando, até que ano? Mas logo depois que me formei, né, acho que eu ainda já estava no Fontoura; nós aposentamos o velho e trouxemos pra São Paulo, porque ninguém mais podia ficar com ele e a situação estava ficando perigosa porque a gente morava mais de um quilômetro da vila onde tinha a estação do trem. A gente ia, voltava a pé; eu chegava lá tinha quanto? 14, 15 anos; viajava sozinho, à noite o trem atrasava, chegava meia-noite. Pegava um lampiãozinho e ia pra casa sozinho, não sabia o que era medo na época. Hoje os meus filhos qualquer coisa, tem medo disso, medo daquilo, dos trombadinhas, não sei o que. Naquela época ninguém falava em medo, só se falava em assombração, né, mula sem cabeça, mas a gente ia olhando e tal, ia embora. Mas será que não vai vir, aparecer alguma coisa aqui e tal. (risos) Mas contava história onde tinham matado alguém, então de vez em quando aparecia assombração, mas tudo era historinha e a gente nunca viu, né? Mas depois no fim lá, a coisa já estava ficando feia porque havia muitas brigas, ameaças, né, o pessoal já estava ficando...vinha gente de outros estados, né, essa migração de pessoal de outros estados... Já eram mais violentos, né? Eu só sei que o meu pai quando mandava embora alguém, já diziam: "Eu vou voltar pra matar o velho, não sei o que", ficavam comentando lá na vila, né? O meu pai começou a ficar com medo, porque até então, ele não tinha medo de nada. Nunca andava armado, tinha cachorro mais pra caça do que pra guardar a casa, né? Tinha um cachorro, era todo vira-lata, mas tinha um cachorro que era obediente. Quando os meus pais vinham pra São Paulo, não ficava ninguém em casa. Tinha uma irmã que morava na vila, [que] tinha um armazém de secos e molhados...o meu cunhado, né? O cachorro na hora do trem, ele saía de casa, ia almoçar na minha irmã e ia esperar o trem pra ver se vinha alguém. [Se] não vinha ninguém, ele vinha embora; passava o dia em casa e no dia seguinte, era a mesma coisa. Era vira-lata hein, né? Então, com esse sacrifício, a gente viu que ele lutou com muita dificuldade. Então quando ele chegou nos 70, nós trouxemos ele pra São Paulo e aí ele começou a ter mordomias; que aí todos os meus irmãos já começaram...os meus cunhados, né, uma irmã se casou com médico, né, outra irmã, no começo estava ruim, mas hoje é fazendeira em Ponta Grossa. O meu outro cunhado, falecido, o meu cunhado (mas) era funcionário da cooperativa, gerente da cooperativa, foi para Curitiba. Tinha outro cunhado aqui em Ribeirão Preto. Assim então, uma hora ele (pai) estava em Ribeirão Preto, outra hora em Ponta Grossa, outra hora em Curitiba, né?
P/1 - Passeando.
R - Fazendo algumas viagens pelo Brasil com um e com outro, né? Depois dos 70 aos 90, pelo menos, ele teve muita mordomia, né? A minha mãe ficou esclerosada, acho que uns dois ou três anos, mas o meu pai ficou lúcido até o fim. Lia muito: lia jornais japoneses, livros, sabe? Mas sabia levar a vidinha dele, mesmo porque ele morava comigo, né; eu casei tarde. Eu acho que casei tarde porque tinha mordomia, porque tinha uma irmã também que não se casou, então tinha tudo em casa. A gente não se preocupou em casar, casei com 40 anos, né, quer dizer que a minha filha hoje vai fazer 24, meu filho ainda está fazendo faculdade está com 21, né? Mas foi uma época boa, depois que eles vieram pra São Paulo, porque aí se reuniram todos sempre no Ano Novo, que a gente chama de (Sorgat?). Não o Natal, o Ano Novo. Reunia todos os filhos, genros, netos e bisnetos... Não cabia na casa, mas dava um jeitinho, né? E todos gostavam, todos faziam a festa, né? A única coisa que meu pai...ele nunca se abriu, acho que foi a maior...ficou meio desgostoso: é que nenhum neto aprendeu a falar o japonês. Nós todos falávamos em casa, porque nós aprendemos do berço; Okinawa era um dialeto, o japonês é diferente do Okinawa. Então com o meu pai falava japonês, com a minha mãe, no dialeto, e entre nós em português. (risos) Praticamente falava três línguas, porque o dialeto é totalmente diferente do japonês, né? E neto nenhum, né, aprendeu a falar o japonês e os mais velhos, então, entendiam mais ou menos, mas falar assim tinha...ele tinha que falar em português. Entre nós, filhos e irmãos, a gente respeitava, a gente falou sempre em japonês com ele e no dialeto com a minha mãe, e com os amigos deles. Bem entendido, né? Mas foi uma fase muito boa de 70 a 94 [anos], ele também, mas ele dizia que a maior riqueza são os filhos, netos e tudo mais, porque ele nunca teve dinheiro pra dar pra ninguém, né? Dos netos, temos hoje muitos médicos, engenheiros, né, advogados; e todos eles se formando em alguma coisa. Aqueles que não conseguiram se formar, foram pro Japão, foram trabalhar no Japão, né? (risos) Estavam lutando com dificuldades aqui, né?
P/1 - Fermino, voltando um pouco pra gente fechar esse ciclo: eu queria entender a sua formação escolar de primário, o senhor fez lá mesmo na vila? Como era a vila?
R - Não, como eu disse lá só tinha até... A vila tinha uma igreja, tinha uns três ou quatro armazéns de secos e molhados, armarinhos, etc., um deles era do meu cunhado. Na frente tinha a escola rural mista de cedro, né, no meio a estação do trem, então eu frequentava aquilo. Fazia amizade sempre com as professoras, porque todo ano mudava, né? O grupinho lá da vila, eu e alguns que estudavam, - poucos que estudavam em São Paulo, - nas férias se reuniam lá, né. E os sítios, vamos dizer, distantes um dos outros... [Se] dava muito à colônia japonesa, né? Então eles tinham também a associação deles que reuniam na escola né, meu pai muitas vezes era o presidente da, o representante, vamos dizer, da colônia japonesa lá e o meu pai então, na época, não tinha nem farmácia no começo: meu pai recebia os medicamentos aqui do consulado e distribuía lá. Então acho que por isso que eu resolvi ser farmacêutico, sabe, porque eu brincava com os medicamentos que ele recebia, eu arrumava lá. Inclusive, quando dava maleita (malária), - eu com pouca idade, acho que uns 10 anos, - ia aplicar injeção lá nos doentes lá, está certo? Porque não tinha ninguém, né, então tinha que aplicar (paludão?). Você nem esterilizava bem a seringa, né, não acontecia nada. Você pegava, aspirava e pá, né, outro pá, e salvava o pessoal doente lá, né? Então eu fiz o curso primário até o terceiro ano lá, né, e vim fazer...não tinha quarto ano. Então, o quarto ano eu vim fazer em São Paulo. Nessa altura, minhas irmãs já estavam alugando casa aqui em São Paulo, morando aqui e trabalhando. Então vim fazer o quarto ano aqui no Colégio Campos Salles, né, terminei no Campos Salles, aí que prestei admissão pro Paulistano, né, fiz dois anos no Paulistano, o resto: terceiro, quarto e quinto no Roosevelt. Colegial no Roosevelt e entrei direto na USP, Faculdade de Farmácia, na época Faculdade de Farmácia e Odontologia, né? Então a gente conviveu bastante com os dentistas, né, inclusive o famoso Rafael Baldacci, que chegou a deputado federal, né, ele que é o patrono, é o pai dos dentistas hoje, porque dentista tem tudo, farmacêutico não tem nada. Depois que a gente entrou aí na vida social associativa, aí recorreu muito ao Baldacci, porque eu estive bastante envolvido com o meio associativo: Conselho de Farmácia, União Farmacêutica, fui presidente do Sindicato dos Farmacêuticos na época da Johnson, né? E aí fiz pós-graduação, porque na época eram três anos só, diurno, né. Não tinha curso noturno na farmácia, hoje tem, todas as faculdades têm curso noturno. Fiz pós-graduação à noite em indústria química e farmacêutica, e depois fiz, no outro ano, fiz análise clínica. E praticamente, fiz cinco anos de farmácia, mas já trabalhando, né? Aí [foi] onde a gente mais aprendeu, né, porque já tinha a prática porque na faculdade é difícil, tanta gente, e você com aqueles recursos que eles têm, equipamentos e tudo mais antigo, né, e as indústrias estavam começando na época, as multinacionais, e eu entrei logo na Fontoura-Wyeth, que era uma multinacional, né, tinha tudo. Então foi um bom aprendizado, né? Aí fiquei na indústria, não saí da indústria, né, como eu mostrei lá e ela anotou, né, mas sempre no meio dos colegas, né? Na parte associativa, né, sempre participando de reuniões aqui, reuniões lá, curso aqui, curso lá, porque eu dos 20 e poucos anos que eu me formei até os 40, até casar, foram outros 20 anos, né, militando, dedicando à profissão farmacêutica, né? Foram anos muito bons, sabe? Hoje não existe isso, acho que porque a situação está muito difícil, porque eu sempre conto essa história pros colegas de hoje, né, a gente, por exemplo, se reunia uma vez por mês, ia tomar um chopinho, tá certo? Reunia 40, 50 colegas assim informal, né, a gente batia um papo, dizia como estava na empresa. Se estava contente, se não estava contente, né. Mas logo apareciam as oportunidades, não só pra gente, mas pros que trabalhava com a gente. Às vezes a gente tem um assistente muito bom, mas que ele não tem chance de subir. Então, quer dizer: "Olha, eu preciso de um gerente lá." "Serve o meu assistente? Ele já está muito bom, muito bem treinado. Você quer? Eu posso dispensá-lo. Sem problemas, eu preparo outro, mas ele já está num ponto que seria um excelente gerente aí pra você." E assim foi, tem muitos que foram meus auxiliares, chegaram até a diretores de empresa, né, então a gente também fica satisfeito em ver tudo isso e o coleguismo, né? Eu tenho colegas que eu convivo até hoje, de colega de faculdade, né, está certo? Militaram em empresas diferentes, mas sempre a gente convivendo, né, vendo os filhos nascerem. Agora estou vendo os netos já nascer e eu ainda estou nos filhos. (risos) Mas sempre a gente tendo essa satisfação de ver, ter, né, conhecer um monte de farmacêuticos de graça. Essa convivência aí que a gente teve, né? E também ser conhecido porque a gente foi farmacêutico responsável em todas as empresas a partir da Johnson que a gente trabalhou. Sempre dizem: "Teu nome ainda está na caixinha". Então, está pelo Brasil inteiro, né? Outro dia tinha um advogado que trabalhou comigo pra Pravaz Recordati, - hoje ele é juiz de direito em Pernambuco, numa cidadezinha de Pernambuco, - e me telefonou, sabe? Falei: "Ué, que milagre! Como é que me achou aqui em Atibaia?" "Vi na caixinha de remédio que você é..." Eu sou responsável por uma firma aí importadora de produtos naturais. "Eu vi na caixinha e foi indo, foi indo, telefonamos lá pra firma e me deram o seu telefone. E estou telefonando", né? A gente fica conhecido pelo Brasil afora.
P/1 - Como é que foi o início da sua carreira profissional? O senhor estava estudando ainda e teve que começar a trabalhar, não é isso?
R - Não, não. Eu não tinha como trabalhar, quer dizer...então como eu disse, eu morei em pensão quando fui fazer a faculdade, né? Então o meu irmão, que me ajudava... Mas eu, pra ajudar a me sustentar, pagava pouco, porque no fim foi ser o sogro dele porque ele acabou casando com a filha da pensão, que era jornalista, que no tempo da guerra confiscaram todo o jornal dele. Ele foi preso, o sogro dele depois foi preso, né, perdeu tudo. Então depois da guerra, ele montou um pensionato pra estudantes.
P/1 - Que jornal era? E como era o nome dele?
R - (Nipon Shibon?), Onaga, (Shuquenara) Onaga, José (Shuquenara) Onaga. O filho dele foi muito famoso na época, também repórter da Folha, Hideo Onaga, né. Se vocês forem nos arquivos, encontram hoje também. Acho que continua fazendo alguma coisa. Eram uma dupla, eles escreviam muito a página portuguesa no jornal japonês, eles também foram ameaçados durante a guerra, eles estavam sempre de guarda-costas, né? Quando moravam no pensionato foi, como é?! Eles não jogaram bomba, mas atiraram na janela do hotel, do pensionato. Chamava-se “Shindo Renmei”, era uma organização terrorista japonesa. Andaram matando muitos japoneses da colônia, porque eles não acreditavam na derrota do Japão. Diziam que o Japão era invencível. Então depois da guerra, diziam: "Não, os que estão acreditando na derrota do Japão são, não merecem ficar vivos", né? Então mataram muitos líderes da colônia japonesa e esse daí era ameaçado, e esse (Shuquenara?) Onaga, sogro do meu irmão, também foi ameaçado. Felizmente, acabou a onda. Ele morreu, mas não de morte matada, né? (risos) Então a gente, pra poder ajudar, né, às vezes ia trabalhar em farmácia. Mas lá na pensão mesmo, a gente lavava banheiro, servia de copeiro, fazia de tudo pra pagar o menos possível, né, quando eu estudava na faculdade, né? Fiz...depois fui morar na casa de um parente, aí já melhorou, porque aí fui fazer CPOR também junto com a faculdade, porque CPOR era só aos domingos, feriados e férias, então acabou a alegria de férias de faculdade, né? Férias, sábados e domingos; domingo mais, né, porque sábado tinha aula. Domingo era o CPOR, feriado era o CPOR, férias era o CPOR; dois anos, né? Mas foi uma época muito boa também, porque você faz amizade com outros colegas de outras faculdades, porque CPOR na época era só universitário, né, e na Infantaria que eu fiz tinha estudante de medicina, veterinária, de farmácia e odontologia; então a gente fez amizade com esse pessoal. Eu acho que foi muito válido. Hoje não existe, o pessoal tem que fazer à parte o CPOR, né? Mas na época foi muito bom, porque você aprende a ser gente porque quando você entra na faculdade, ainda está meio, né, não sabe o que vai ser, vai fazer... Você amadurece bastante no Exército, porque não tem moleza. Você vai nas manobras, não tem nada de levar a cama de campanha ou levar marmitinha aqui e lá, tem que comer a comida do soldado, que o soldado faz, tem que dormir no chão, né, geralmente no inverno. Então lá, no meio do mato com aquele frio quando muito tinha um cobertorzinho daqueles de soldado, né? Mas valeu a pena, né, mas depois que me formei, aí logo arrumei emprego no Fontoura; aí as coisas já mudaram, né?
P/1 - Como é que foi esse trabalho? O senhor já entrou... Como é que o senhor conseguiu trabalho?
R - Porque na época as multinacionais estavam se instalando no Brasil, Fontoura, Laborterápica; várias multinacionais já estavam começando a se instalar no Brasil, né. Então nós, quando entramos na, prestamos vestibular, nós entramos em 13º só pra farmácia. Eram 50 vagas, entramos em 13. Não tinha nada de segunda, terceira e quarta lista. Entraram [e] acabou, né? Mas completaram alguns, com [os] que sobraram na odontologia. Conseguiram a média, mas não conseguiram vaga [para fazer Odontologia], então alguns foram convidados pra fazer farmácia e completamos acho que 22 pra farmácia, né. E assim, viemos com os 22; alguns ficaram no meio, reprovados. Então, nós nos formamos acho que em 15, 16...em 51. E aí, no meio do ano, a gente já estava vendo [o] que ia fazer, e como as indústrias já estavam requisitando profissionais, né, os professores da gente, que eram diretores de indústria, já estavam conversando com a gente: "Olha, você quer trabalhar comigo?" Então no meio do ano, a gente já tinha mais ou menos uma oferta de emprego no último ano, né? E eu tinha dois empregos no Torres e mais um, porque era no LPB, né, de dois professores que davam aula lá na faculdade. Eu falei: "Está bom, não tem problemas. Terminou o ano, eu vou lá, procuro você e me arrumam a vaga", né? Um ou outro vai me arrumar a vaga. Quando eu terminei, fui procurar os dois...os dois tinham viajado. Tinham ido pra Itália, não sabiam quando voltavam. Aí eu falei: "Pronto. E agora não posso ficar parado." Eu ia sempre dar uma voltinha pela faculdade pra rever os amigos, os professores. Logo, num dos primeiros dias que eu fui na faculdade, encontrei um professor de farmacotécnica, professor (Liberari?): "Oi, Fermino, o que você anda passeando...aí na vida boa, aí?" Eu falei: "Não, me prometeram emprego aí e deram cano aqui. Não tem nem um, nem outro aí? Eu preciso do emprego, preciso começar a trabalhar. Estou desesperado aqui, porque eu não posso ficar parado." Ele falou: "Não tem problemas. Passa amanhã no Fontoura, você vai trabalhar comigo." Numa boa, né? No dia seguinte, eu fui lá com ele e falou: "Olha Fermino, eu vou te preparar. Você vai ser um chefe de laboratório de físico-química. Eu estou montando um laboratório separado aqui do químico, né, você vai responder pelo laboratório de físico-química." Que era n’outro andar, e ele ficava no primeiro e era noutro andar. Eu falei: "Está bom, está ótimo", né? E já me pagou um salário que todos acharam ruim, porque ele estava dando uma faixa maior pra mim do que pros outros, não sei porquê. Eu fui aluno assim: normal, regular. Porque eu frequentava muito o centro acadêmico, porque naquela época, você tinha associação esportiva, mas tinha que ser uma só, farmácia e odontologia, então metade tinha que ser de farmacêuticos e metade de dentistas, de odontologia. Como farmácia tinham poucos homens, a gente às vezes ocupava dois cargos, então a gente era muito ocupado no centro acadêmico, né? Eu era diretor de atletismo, não entendia nada de atletismo, mas não queria passar pra odontologia: "Não, eu tomo conta", do departamento de atletismo, né? Era diretor social e alguma coisa também. Acumulava, porque não tinha outro elemento. Então a gente ficava fora de hora lá; à noite cuidando do centro acadêmico, né? E...
P/1 - Bom, eu vou pedir ao senhor um intervalo pra gente trocar a fita, está certo?
R - Ok.
[fim da fita 007-A]
P/1 - Bom, então continuando de onde a gente estava conversando: o senhor estava contando como foi o seu primeiro trabalho, né?
R - No Fontoura-Wyeth.
P/1 - Então, continuando pelo Fontoura então, com essa...
R - Então, no Fontoura, eu passei nove anos e meio, né, ainda na época da estabilidade, diziam que se completasse nove anos e meio a gente, eles tinham que indenizar em dobro naquela época, está certo? Então foi tendo oportunidades, fui responsável pelo laboratório de controle físico-químico, primeiro comecei no químico geral, tinha o meu chefe que era o João Elu, que foi diretor da faculdade de farmácia há uns cinco anos atrás, né, era o meu chefe. Estava a nove anos lá no Fontoura, né? Dependendo do Liberari, que era o diretor técnico, professor Liberari né... O chefe do controle químico era o Elu, com ele é que eu comecei a aprender alguma coisa de análises químicas; por sinal muito bom, muito competente. E depois ele me deu físico-químico e eu separei do Elu, fui responsável pelo laboratório logo depois. Um ano e pouco de química, já fui ser responsável; reportava direto ao Liberari. Depois tive nessa possibilidade de passar pra outro, ter uma promoçãozinha para desenvolvimento de produtos novos quando o Fontoura começou a trabalhar para o laboratório ((Asti?)?), fazer produtos do laboratório ((Asti?)?), americano, né, porque tinha a fábrica de remédios, vamos dizer, comuns, normais, lá na Caetano Pinto, e tinha a fábrica de antibióticos, que tinha sido inaugurada em 51, por aí. Logo que eu entrei, foi inaugurada a fábrica de antibióticos do Fontoura Wyeth, - até foi inaugurada pelo Fleming - nós todos fomos lá, botamos uniforme e desfilamos lá para o Fleming. Em 51, 52, por aí. Então tinha duas fábricas: eu trabalhava na fábrica de medicamentos na Caetano Pinto, aqui em São Paulo; não na Via Anchieta, né? Aí o Fontoura passou a fabricar, tinha que fabricar produtos para o ((Asti?)?), um laboratório americano que ia se instalar aqui, né? Então eles não tinham ainda o laboratório e queriam desenvolver alguns produtos; mandaram um americano, então o chefe de desenvolvimento na época, né, me convidou pra ser o assistente dele pra desenvolvimento de produtos novos. Aí foi o meu aprendizado com a tecnologia farmacêutica. Veio o americano, me virava mais ou menos no inglês. Estava estudando inglês, então dava conta do recado, né, que o americano passou aí algum tempinho ensinando o pessoal a fazer remédios. Depois de algum tempo, depois que, depois então de algum tempo, a (Asti?) montou o seu laboratório próprio, separou, e aí veio o laboratório (Celi?) também querendo fabricar aqui, lá no Fontoura. E o (Celi?), foi contratado pelo Medicamento Fontoura - o outro era Fontoura Wyeth, né, eram dois laboratórios no mesmo prédio, mas a distinção era Fontoura Wyeth e [o] outro, Medicamento Fontoura. Eu era funcionário do Fontoura Wyeth até então, né? Depois como o (Celi?) vinha pelo Fontoura e eles não tinham ninguém que falasse inglês, o gerente de produção lá do Medicamento Fontoura me convidou pra ser assistente dele, pra eu desenvolver os produtos do (Celi?). Aí eu passei do Medicamento Fontoura para o Fontoura Wyeth... Trabalhar, fazer a mesma coisa, os mesmos funcionários, só que eu reportava pro gerente de produção do Medicamento e fazendo produtos para o (Celi?), né? Então aí, fiquei como assistente do Francisco (Perissinote?), um farmacêutico muito competente também, né, até nove anos e meio... Quando um belo dia, apareceu o José Novazzi, gerente de relações industriais da Johnson & Johnson. Um dia que chovia, chegou todo encapotado e me chamou lá, né? Ele falou: "É, Fermino, eu estou precisando de um gerente de produção pra Johnson & Johnson e alguém indicou você pra trabalhar com a gente." Eu falei: "Mas como, Johnson & Johnson tem produtos farmacêuticos? Porque eu conheço a Johnson & Johnson como fabricante de esparadrapo, de gaze, de “Band-Aid”, né. Só produtos cirúrgicos: tem algodão, absorventes higiênicos, só essas coisas aí...fraldas, né? Nunca vi Johnson produzindo, pelo menos não conheço nenhum produto da Johnson de medicamento." Ele falou: "Não, por isso é que você está sendo convidado, pra desenvolver a área de medicamentos", né? Ainda eu falei: "Está bom, você pode marcar a entrevista." Marcaram um dia lá, né, aí eu pensei: "Puxa, eu vou perder os meus nove anos e meio, dez anos de estabilidade? Já tenho estabilidade." Mas a oferta era, né, irrecusável. Ia ganhar mais que o dobro e o meu gerente estava muito bem...eu pra uma outra promoção quando viria, está certo? Eu falei: "Não, eu não posso tomar o lugar do meu amigo aqui. Já cheguei a assistente dele e acabou, é o segundo homem aqui na fábrica.” Ele dava todo o apoio, me virava lá, resolvia os problemas, me dava muito bem com todo o pessoal. E toda parte técnica, né, era minha, porque ele não entendia dessa parte; ele era o gerente, era o que mandava, mas o que executava mesmo era eu, graças ao americano que veio, as trocas de correspondência e material que vinha de fora, né? Então eu tive a entrevista lá na Johnson & Johnson, aqueles gringos, né, tinha uns quatro ou cinco fumando charuto e tal. O único que falou em português comigo foi o Sanches, que era gerente de vendas da Farmacêutica. Todos os demais eram gringos, né? Eu felizmente me virava no inglês, porque tinha estudado no Yázigi e alguns outros. Aí estava, pelo menos, porque a parte técnica é fácil, né, difícil é você no dia-a-dia, em política, não sei o que, quando complica a coisa. Mas inglês técnico, pelo menos pra mim...que a gente estava acostumado a falar com os americanos, a corresponder com os americanos, com a (Asti?), com o (Celi?) e tal, não tinha problema, né? Então a entrevista, mais da metade, foi em inglês. Ele disse: "Você fala inglês?" "Me viro." Então começaram a falar inglês, né, e tal, aí o Sanches e... Ah, tinha o Sanches e tinha o diretor que era o Josef Muka, que na época era o diretor geral da parte industrial, né. Mas eu percebi que quem mais fazia pergunta era o Sanches, os americanos falavam pouco. Inclusive, tinha o diretor de pesquisas, Bruno Vassel, - esse era complicadíssimo - eu me perdia bastante com ele porque ele não entendia muito da Farmacêutica. Ele ia fazer as perguntas, mas não entendia; depois é que eu cheguei à conclusão de que ele não entendia muito, não conhecia quase nada de produtos farmacêuticos, ele entendia da outra área. E o Muka também, o meu diretor não entendia quase nada. Quem entendia um pouco era o Sanches, né? Então eu tomei a decisão. Quando eles aprovaram, eu falei: "Bom, eu vou mesmo. Largo a minha estabilidade e vou pra Johnson & Johnson." Aqui na Avenida do Estado, né? Aí eu encontrei lá a parte farmacêutica começando, tudo velho. Num cantinho da outra área tinha o Oscar Bueno, que era o farmacêutico responsável; ele era o responsável pela fabricação, né, e controle de qualidade era geral. Era o Oleg (Greshenev?), que foi muito famoso, né, não sei, mas acho que se aposentou algum tempo atrás, mas ele era fora de série, né, que ele que comandava a garantia da qualidade na Johnson. Já na época a Johnson era, tinha, o “slogan” da Johnson era "Johnson & Johnson: nome que garante qualidade", né? Então eles não deixavam passar nada. Mas na época, o controle de garantia, da qualidade, era como se fosse polícia, né? (risos) A gente brigava por causa disso, né? Hoje não. Se fala em Qualidade Total, ISO-9000; então é tudo qualidade. Não é controle que garante a qualidade, produção faz errado e controle reprova. (risos) Nada disso, todo mundo tem que evitar que saia errado, né, hoje o conceito é esse. É qualidade total desde cima até os faxineiros, desde o gerente geral. Todo mundo tem que falar qualidade.
P/1 - Quais eram as regras naquela época pra se garantir a qualidade?
R - As regras?
P/1 - Como é que funcionava esse controle?
R - Bom, o controle estava tão bem montado na Farmacêutica, mas, né, tinham inspetores de qualidade, como existem até hoje. Hoje já está passando mais para a área produtiva essa responsabilidade, mas existiam muitos inspetores de qualidade: aquele pessoal que percorria as áreas, via qualquer coisa errada. A gente dava espirro, diziam: "Fermino espirrou quando estava mexendo no produto. Está reprovado o produto.” Mandavam cópia pra Deus e todo mundo, quer dizer, isso é brincadeira, mas era mais ou menos assim: eles faziam ocorrência de tudo durante o processo. É mais ou menos hoje, mas não a ponto de, como se diz, de ter uma ideia... Pros outros dava uma ideia que era a polícia, eles estavam, tinha aquela avidez em reprovar alguma coisa, mostrar que alguma coisa estava errado, mandar comunicado pra todo mundo, está certo? Pro presidente, pro gerente do produto. Mas felizmente, a coisa foi mudando na Farmacêutica, foi formando o time. Acho que eu saltei um pouco, estava no Fontoura e pulei pra Johnson.
P/1 - Não tem problema, depois a gente volta.
R - Na Johnson...no Fontoura, o controle de qualidade, o laboratório de controle analisava tudo também, porque por incrível que pareça, já na época... Hoje metem o pau nos laboratórios nacionais, mas naquela época, os grandes eram nacionais - antes das multinacionais - então o Fontoura já era grande. Teve que se associar ao Fontoura Wyeth - continua multinacional. Já tinha um laboratório muito bem equipado, técnicos competentes, como era o Elu. Como eu te falei, ele queria analisar tudo, né, nós, fazendo um parêntesis, nós desenvolvemos um produto lá, né, que onde um dos Fontoura, um dos filhos do Fontoura, trouxe meia dúzia de comprimidos num vidrinho sem nada, sem rótulo, sem bula, sem nada. Jogou. Eu já estava fazendo desenvolvimento, jogou na minha mesa e falou: "Olha Fermino, eu quero que você desenvolva esse produto", né? Aí eu falei: "Mas não tem nada, você não trouxe bula, não trouxe rótulo, não trouxe nada. Como é que eu vou saber?" "Não Fermino, você dá um jeito aí", né? Tinha duas camadas, está certo? Na época, não existia comprimido de duas camadas: metade uma cor, metade outra cor, né? "Esse comprimido é pra ressaca. Veja aí o que existe pra ressaca aí e tal. Mas você quer, você precisa de máquina pra fazer duas camadas?" "Eu preciso, lógico!” “Acho que preciso, porque eu não entendo disso." "Não, precisa sim. Eu já vi lá fora, é uma máquina que, né, precisa [de] uma máquina especial e eu vou fazer na oficina. Enquanto você desenvolve o produto, eu faço a máquina." "Então está bom. Então eu vou tentar no escuro." Aí cheguei no Elu, que era um especialista em análise, ele foi indo, foi indo, [e] ele descobriu o que é que tinha naqueles comprimidos, os princípios ativos. Então, se descobriu o que tem lá. Fazer a dose é fácil, porque tem nos compêndios. Você vai indo, descobre quanto tem que ter de um, quanto tem que ter do outro. Compatibilidade, incompatibilidade. “Você separou as camadas? Um não pode misturar com o outro, porque é incompatível. Então vou fazer em duas camadas, né?” Levou uns dois meses, aí eu desenvolvi o produto e ele fez a máquina. Agora, quando ele jogou os comprimidos: "Fermino, já vamos batizar o produto. Vamos dar o nome". Isso eu sempre conto, porque acho muito interessante. "Como é que é ressaca em inglês?" Ele falou: "É “end gover”, “end gover”, “end gover”, Engov". (risos) Vocês conhecem Engov?
P/1 - Como não, né? (risos)
R - Existe até hoje, né?
P/1 - Muito famoso, né?
R - Famoso e pegou, ficou. Desenvolvi duas camadas com uma tecnologia muito avançada, depois eles foram melhorando, mas a base ficou, né? Eu vejo até hoje. Teve outro colega que foi trabalhar depois de mim, ele deu uma mexidinha na fórmula, que ele me contou, né, mas está aí até hoje.
P/1 - E esse comprimido original, o senhor nunca soube de onde veio?
R - Nunca, né? Veio dos Estados Unidos, lá já tinha, né. Eu até fiquei surpreso, porque vende milhões, o que se vende por aí, nesses clubes noturnos, está certo?
P/1 - Bom, e na Johnson...
R - Então, eu tive a entrevista na Johnson e comecei a trabalhar na Johnson, né. Então era um canto lá da outra, porque eles tinham movido, mudado uma parte pra São José dos Campos: fiação e tecelagem. Então sobrou espaço, eles estavam reformando pra montar a farmacêutica. Aí, que eles queriam que eu fosse lá pra desenvolver essa parte, ajudar a comprar equipamentos, né, desenvolver produto, mas o controle de qualidade continua com o Oleg. Já estava estendendo porque eles já tinham algum produto, porque não era comigo que começou a farmácia, já vinham...eles tinham alguns produtinhos, mas não tinha aquele impacto no mercado, né. Eles tinham um produto muito bom, por exemplo, Hydrax (hidratante); foi desenvolvido lá dentro, muito bem pesquisado. Todo mundo copia hoje, mas eu garanto que ninguém tem aquela composição que teve que tem aquela quantidade de mil equivalentes lá dos sais que é imprescindível, importante, né? O cientista lá, o médico lá que desenvolveu, ele provava por A + B que tinha que ter. Aqui todo mundo copia, mistura um sal ou outro e está pronto o rehidratante, não é assim, né? Eles tinham o Rarical, existe até hoje - um complexo de cálcio e ferro. Ninguém tem, está certo? Quantos e quantos não quiseram depois que eu saí da Johnson, que eu vendesse a fórmula? Tem coisas que você não pode, é confidencial. É fórmula da empresa, está certo? Você tem que, até a gente tinha na cabeça, né, mas não pode, todo mundo queria copiar. Mas ninguém até hoje conseguiu copiar a fabricação, porque eles fabricavam lá esse complexo de cálcio e ferro, está certo? Que era a base do Rarical, que existe até hoje, não é?
P/1 - Quais eram os outros produtos importantes que tinham nessa época?
R - Isso já existia quando eu fui pra lá, depois foram... Tinha um soro glicosado que dava muito problema, né, porque os, eles não eram, vamos dizer, farmacêuticos que conheciam a parte tecnológica da coisa de análise, por exemplo. O soro injetável tem uma coisa que dava demais lá de pirogênio, porque é feito nos coelhos o teste, né? Se então o produto dá febre na pessoa...quer dizer: [se] dá no coelho, vai dar na pessoa. É rejeitado, é uma coisa que a gente chama de pirogênio, né. O que é provocado, como se diz, pela decomposição de bactérias, está certo? Então dava febre nos coelhos e eles rejeitavam muito, né, esse soro, não existe mais soro glicosado mais porque era muito forte, 50%, 25%, mas o índice de rejeição era grande, né? Aí, quando eu entrei, eu comecei a falar: "Pombas, mas se eu faço direitinho, né, procuro seguir a técnica aqui como manda, como tem que ser e só dá pirogênio. Alguma coisa está errada, vamos verificar", né? Então nós fomos atrás e vimos que o biotério onde estavam os coelhos, não estavam em condições adequadas, né. Os coelhos não estavam muito bons. Então a gente teve que mudar o biotério, reformular a criação de coelhos, né, está certo? Eu lembro que eu fui ao Instituto Biológico, né, consegui um casal de coelhos e depois, o meu diretor foi criar coelhos lá em São José dos Campos, né? Aí então a coisa começou a funcionar bem, mas tinha poucos produtos assim. Mas de expressão, era o Hydrax mesmo, rehidratante, o Rarical, né. E tinha alguns produtos: tinha os da Cilag, que estava começando, da Mcneil laboratórios, que estavam começando, né. Porque o senhor Sanches foi buscar, sei lá, trouxe lá desses laboratórios.
P/1 - Na área de vermífugos?
R - Vermífugos veio depois.
P/1 - Veio depois?
R - É. Vermífugo veio depois quando a Johnson Internacional comprou a Cilag lá na Bélgica, né? Então, o diretor, eles contrataram um diretor de pesquisas chamado Geraldo Shaer, que era na época muito famoso pra desenvolvimento de produtos, de produtos novos, drogas novas, vamos dizer assim. Ele foi fazer um estágio lá na Bélgica, lá na Janssen, e ele, esse produto, por exemplo, o vermífugo, o Tetramizol não era, parece que, segundo me contou depois, eles não estavam desenvolvendo como vermífugo, não sei que idéia teve ele de testar como vermífugo e deu certo, né? (risos) De dose única, um comprimido já, aí então começou a desenvolver a linha da Janssen e a Johnson cresceu com a Janssen, a Johnson Farmacêutica.
P/1 - Quando o senhor entrou, de laboratório que havia sido já incorporado pela empresa, era só a Ortho, isso? Da área farmacêutica?
R - Não. Eu não sei se eles tinham sido incorporados, mas eles tinham produtos da Cilag e da Mcneil.
P/1 - Já tinha?
R - Já tinha, né? E Ortho também.
P/1 - Em 51?
R - Em 51, veio praticamente naquela época, né, mas poucos produtos, não sei. Hoje a coisa parece que cresceu bastante, né? Se bem que a Ortho cresceu com a pílula, né, inclusive eu fui visitar a Ortho lá nos Estados Unidos, a Mcneil, a Janssen também. Mas quando se fala em Ortho, fora os diagnósticos, a linha de diagnóstico: a parte farmacêutica era a pílula, Novulon, né, anticoncepcional, que também não foi fácil no começo. Quando começamos a produzir a pílula no Brasil, inclusive o Fontoura que foi um dos pioneiros, aí teve problemas sérios com a questão trabalhista, né, funcionários que tiveram problemas. Denunciaram, né?
P/1 - Que tipo de problema?
R - Problema de hormônio, hormonal de cair a barba, crescer o busto, né, nos homens que trabalhavam, porque não tinham proteção nenhuma quando aquilo tinha que ser protegido. Tipo, escafandrista: todo coberto, insuflado a ar, etc., para trabalhar com hormônio. Hoje é proibido, ninguém pode trabalhar livremente, né? Na Johnson, nós tivemos algumas ameaças porque outros começaram na frente, outros tiveram problemas; por sorte pra nós, lá quando começou alguma coisa, nós já preparamos, compramos tudo o que era preciso, né, porque o Sanches não queria saber: ou se adequa ou então não faz, né. Ele tinha isso de bom, porque eles não pensavam muito quanto vai custar, mas tem um retorno... Vale a pena investir porque é um produto que tem retorno, né? Mas eu sei que o Fontoura, por exemplo, a gente via nos jornais, né, alguns outros laboratórios aí, no sindicato, que entrava muito, às vezes nem era problema, mas o sindicato pressionava tanto. (risos) Fazia aquele estardalhaço. Então... Mas todos se adequaram porque hoje não pode de jeito nenhum trabalhar livremente, né? Não só hormônios, tem alguns antibióticos aí que tem que ter uma separação de área, devidamente paramentado, principalmente derivados da penicilina. Eu tenho um que foi diretor técnico lá do Fontoura Wyeth, um amigo meu, ficou surdo por causa da estreptomicina. Afetou o ouvido dele. Isso é muito sério, hoje não se brinca.
P/1 - Com relação a essa questão de segurança, o senhor lembra de alguma ocorrência na Johnson ou sempre foi...
R - Não. Fora essas ameaças aí, né, teve um colega do laboratório químico também... Isso foi mais preocupação dele. Ele pipetou (transferiu líquido de um recipiente para outro) em desacordo com a técnica, né? Então ele engoliu um pouco da solução de hormônio que ele estava preparando. Ficou cismado que ele ia ter consequências. No fim, ficou afastado algum tempinho aí e não teve problema nenhum. Era mais efeito psicológico, né? (risos) E todos os outros que achavam que tinham algum problema foram afastados por algum tempo e voltou ao normal. Então, realmente... Já naquela época, nós começamos, a Johnson principalmente, começou a tomar muito cuidado com tudo, né? Hoje eles - não na área farmacêutica - mas eles trabalham com aqueles _________,
raios gama, cobalto, eles têm tudo isso, né, mas tudo mais moderno, [o] mais seguro possível. Acho que nem lá fora existe uma coisa tão bem montada, tão bem equipada, tão bem segura como eles têm em São José dos Campos. É uma outra área. A gente não tem acesso, mas a gente sabe das pessoas que tem visitado, né, porque o que eles investem na segurança não está escrito. O que eles hoje investem nas pessoas também, coisa rara [na área]. Hoje, as multinacionais estão investindo bem, mas na época aí, por exemplo, vocês veem no relatório do meu chefe... Eu fiquei de 61 a 73,
né? Ele disse: "Fermino." Só em 70 é que ele teve oportunidade de fazer uma viagem no exterior. Só ele, só entre eles, os diretores, que viajavam sempre. Qualquer coisinha estavam viajando, mas desenvolver pessoas lá dentro... Agora, a partir dessa mudança, depois que o Sanches assumiu e novos diretores aí, quase todos foram preparados aqui no Brasil, foram contratados ou teve o (Ian Simeson?). Não sei se vocês ouviram falar. Foi sucessor do Sanches, diretor presidente, moço. Eu quando saí de lá, ele era gerente de produto, né. Quando eu fui me despedir dele, falei: "Eu estou me despedindo do futuro diretor presidente da Johnson & Johnson." (risos) Mas o rapaz era fora do sério: o QI dele era...porque a gente, depois começou a ter reuniões conjuntas aí pra desenvolvimento de gerentes, está certo? E estava sempre junto os gerentes das diferentes áreas, mas esse sobressaía, sabe? E no fim ele chegou...hoje é executivo lá nos Estados Unidos, né? Então eles tinham uma percepção, sei lá, de formar pessoas, pegar pessoas pra ocupar aqueles cargos. Eles tiveram muita visão aí, pra preparar esse pessoal, começando no tempo do Sanches, né. Ele preparou o sucessor dele, e outros executivos de outros países começaram a visualizar. Então vocês precisavam [de] cabeças; cada divisão, cada fábrica, e foram arrumando sempre aqui. Não trouxeram mais ninguém de fora, né? Eu acho que isso foi uma visão deles, principalmente acho que do Sanches, que levou ou trouxe a Johnson onde ela está hoje, né? Vocês vão ver na trajetória da Farmacêutica. Parece que a Farmácia parou um pouquinho numa época aí; depois também por causa da situação do País, vamos dizer assim, né. Não foi por culpa da Johnson, mas a indústria farmacêutica deu uma parada algum tempo, eles não investiram quase nada, né? Eu fui visitar a Johnson acho que uns três anos atrás, né, com essa moça que teve agora, a Gleide. Era uma operária lá. Trabalhou comigo na embalagem, né, está lá até hoje. Atualmente é almoxarife, parece, quando visitei há três anos ela estava lá, mas surpreendentemente, tinha melhorado muito os outros equipamentos novos. Mas o pessoal de baixo praticamente eram os mesmos daqueles que eu deixei. E o Cláudio Niemeyer, que era diretor, não sei se já era diretor ou gerente industrial lá; acima dele para os operários, não tinha ninguém, né? Eu na época tinha dois assistentes, um de produção e fabricação e o outro de embalagem, então acho que foi uma fase... Agora a coisa deu uma reviravolta.
P/1 - Esse pessoal gosta de trabalhar na empresa?
R - O quê?
P/1 - O pessoal da linha de produção gosta de trabalhar?
R - Lá eles gostavam, porque era um pessoal muito unido, a Farmacêutica principalmente naquela época, né, era um recorde atrás de outro, sabe? Cada mesa era um recorde de vendas e era um time muito unido, porque o Sanches chamava, reunia todo o pessoal pra fazer as previsões de vendas. Ele era muito vivo, né? Tinha o gerente de produto, três ou quatro gerentes de produtos, que era responsável por uma linha de produtos, um grupo de produtos também estava sempre lá. Mas depois que eu entrei como farmacêutico lá, e realmente era atuante, - farmacêutico responsável, vamos dizer assim, que me passaram a farmacêutico responsável, - também nós começamos a contratar outros colegas lá. No desenvolvimento de produtos entrou o Ivo Radesca, né, o nome ficou famoso aí como farmacotécnico, vamos dizer assim. E ele formou o timinho dele de assistentes, todos profissionais que hoje um deles é vice-presidente da Sindusfarma: Lauro Moretto (foi diretor da De Angelis). Outro deve estar lá, deve ser diretor industrial, alguma coisa, da área de produtos infantis: Aristides Carvalho, foi assistente do Ivo. Quer dizer, formou um time aí, que, olha! Era muito... No controle de qualidade, começou entrar gente pra ajudar à desenvolver métodos de análise, né, como eu ia dizendo, aquela mentalidade política foi acabando. A gente foi [se] integrando bem com o Oleg (Greshenev?), que era o gerente de garantia de qualidade. Os inspetores de qualidade começaram a falar a mesma linguagem da área farmacêutica, né? Então formamos um ambiente muito bom e realmente já garantia a qualidade. Quer dizer, quando chegasse no fim, não tinha reprovação de nada, porque a finalidade dos controles intermediários é quando você chega, termina o produto. Controle não vai reprovar lá no fim, vai ter que jogar tudo fora, está certo? Garantia de qualidade é isso, né, e continua bom aí, pelo tempo de vida do produto. Então se faz todos os testes de estabilidade e tal, (mas) era muito bem controlado, porque o Ivo desenvolvia produtos pra lançar daqui a um ano, daqui a dois anos, mas quando ia lançar já tinha que ter todos os trabalhos feitos, de estabilidade, de incompatibilidade, tudo. Não o que se faz aqui em muitos laboratórios que copiam, vamos dizer, né, pegam a fórmula das multinacionais, no rótulo diz o que vai, mistura, né? Dá um jeito de formar o produto e manda, [e] ninguém sabe o que vai acontecer amanhã, né? Então era um ambiente, como diz a Gleide: "Era bom trabalhar naquela época, né?" Realmente era muito bom, você... Como tinha recorde de venda, a gente se reunia, o Sanches reunia o time lá, vamos dizer, da produção, de vendas, dos faturamentos, da contabilidade, num jantar, num almoço pra comemorar o recorde de vendas. Olha, se ele não se lembrasse, o homem do planejamento ia cobrar dele: "Ô, Sanches, você bateu o recorde e está aí quietinho, paga um almoço pra gente." (risos) Era nessa base aí, mas uma turminha muito unida, sabe? Ninguém vinha dizer: "Você errou, você não trabalha direito. Está errado, vamos tentar corrigir", né? Gerente dos produtos vinha lá, às vezes recebiam alguma reclamação do mercado: "Oh, Fermino, recebi essa reclamação. O que vamos fazer?" "Vamos ver, vamos passar pro Ivo ou vamos passar pra alguém pra estudar, ver o que houve [ou] não houve, e vamos fazer um relatório", né? [E] Não dizer: "Não aceitamos essa reclamação, tá?" Muitas vezes não tinha, como se diz, motivo pra reclamação: o produto estava bom, às vezes era mal uso ou era uma coisa desinformada que eles tinham, então acontecia alguma coisa. Mas de modo geral, os produtos eram muito bem desenvolvidos, muito bem estudados, né, porque vinha muito coisa da... a Janssen desenvolvia muita coisa, né? E o próprio Sanches, às vezes, ele tinha a ideia de fazer algum produto, né, então dizia lá pro nosso, o Ivo Radesca: "Ivo, vamos fazer uma fórmula assim e assado", né? Ele dava ideia e [o Ivo] desenvolvia.
P/1 - Ele descobria um filão de mercado?
R - É. Isso era muito interessante também.
P/1 - Qual o produto que foi desenvolvido a partir de uma ideia assim, de faltar isso no mercado?
R - Um deles acho que foi o Resprin.
P/1 - Resprin?
R - Acho que veio do Sanches, se não me engano, né, acho que foi, pelo menos a ideia principal acho que foi do Sanches. Depois, o Ivo deu uma ajeitadinha aí, e existe até hoje, né? Mas...
P/1 - Eu queria que o senhor lembrasse pra mim, pra gente poder ter uma visão de época, como é que era a empresa quando o senhor entrou? Em que ela se constituía? E qual foi a sua função dentro desse quadro?
R - Bom. Eu quando entrei lá, como eu disse, tinha o meu diretor que era o Muka, mas ele logo disse: "Olha, Fermino... Eu da Farmacêutica, eu não entendo nada." Porque ele entendia muito da outra linha, está certo? Ele desenvolvia máquinas, ele era sumidade nessa parte. "De remédio eu não entendo nada, você foi contratado pra tocar essa parte, então fique a vontade", né? Então quem mais cobrava era o Sanches, apesar dos outros estarem no mesmo nível, está certo? O Sanches vinha muito lá conversar pra ver o que faltava, né? O Muka decidia sobre equipamentos, ele entendia bastante. A gente dizia: "Olha, precisa disso aqui, equipamento assim é bom, tal.” Mas o Sanches também perguntava: "Olha, você precisa de um reforço lá no comitê executivo pra aprovar alguma coisa, a gente pode ajudar o Muka, né, porque às vezes ele está tão enfronhado na outra parte que essa parte que é pequena, que é nova aí. Ele também não conhece muito, talvez seja bom você me passar alguma coisa. Eu dou um reforço lá pro Muka.” E assim foi feito. Eu...depois começaram a comprar equipamentos, né, a área tinha sido reformada quando eu entrei. Já as áreas, estavam quase prontas com a reforma pra cada setor de comprimidos, líquidos e tudo. Os tachos que eles tinham já estavam mudando lá pra cima, né, e os equipamentos novos foram comprados a partir dali. Alguns já estavam encomendados e outros eu ajudei a comprar e formar o time também, né?
P/1 - Tinha algum andar específico onde funcionava a linha de produção lá na Avenida do Estado?
R - Era no segundo andar.
P/1 - Segundo andar?
R - Praticamente inteiro...o da frente, porque nos fundos tinha controle de qualidade, embaixo tinha ainda a parte da fiação e tecelagem. Mas a parte da frente, não do escritório, lateral... Vocês veem que passando lá, tem a frente e a lateral. Na lateral que no segundo andar era a Farmacêutica, [de] frente pra entrar nos escritórios, né?
P/1 - Que tipos de equipamentos você tinha nessa linha de produção?
R - Todos os equipamentos necessários que usam ainda hoje.
P/1 - São os mesmos?
R - Hoje já está bastante automatizado, né, mas tinha máquina de comprimidos, misturadores, tudo suficiente pra fazer comprimidos, drágeas, drageadeiras. Hoje as drageadeiras estão automatizadas, informatizadas, como diz o Cláudio, maiores, tecnologia diferente. Mas o essencial, tinha: máquinas de comprimidos rotativa pra dar, vamos dizer, mil comprimidos por hora. Hoje já tem máquinas pra dar, dez mil, 20 mil comprimidos por hora; não gera pó nenhum. Naquela época, a briga era como evitar de fazer pó, porque saía todo mundo branco aí de poeira. Hoje tem um sistema de aspiração, de exaustão muito bom, né? Então era o necessário para a época. Depois começaram a trazer, porque se fazia projeções para os próximos cinco, dez anos, - ainda era possível, o que a empresa ia crescer no setor farmacêutico, o que é que ia lançar. Baseado naquilo, a gente fazia o budget de vendas, vamos dizer. E a gente fazia o budget pra comprar equipamentos: quanto a gente precisaria gastar, né, ano a ano, mês a mês pra investir em coisas novas e maior capacidade e melhores. E então eu acho que tinha... Foram comprando, importando equipamentos já de uma certa, de uma boa produção já prevendo esse crescimento da empresa. O que eles importavam era de capacidade muito boa, não exagerada também pra nunca atingir a necessidade, mas o suficiente pros próximos dez anos, vamos dizer. Tem equipamentos, acho, que até hoje ainda sendo usado lá em São José. Ou tinha há três, quatro anos; quando eu fui ainda tinha muita coisa do meu tempo, né, apenas eles adicionaram algumas coisas, máquinas de...a linha de embalagem era tudo manual, a gente contava comprimidos com uma pazinha. Hoje é tudo automático... Se bem que, na época, já trouxeram um contador de drágeas da Inglaterra, da King, que já contava eletronicamente as drágeas nos frascos. Hoje não se usa mais frascos, hoje é tudo embalagem de bolso, é o strip, é o blister, né? Mas é tudo automático hoje.
P/1 - Vamos fazer mais um intervalinho pra gente trocar a fita. Eu estou achando muito legal.
[Fim da fita 007-B]
P/1 - Ok. Bom. Então vamos lá fazer a retomada da questão do desenvolvimento de produtos, linha de produção... O que é que mudou na tecnologia?
R - Bom, o que mudou de lá pra cá...porque, como eu disse, o Ivo desenvolvia os produtos, a área farmacêutica não tinha ainda crescido tanto quanto cresceu, está certo? Então ele recebia aquelas sugestões, recebia alguma fórmula de fora que já vinha mais ou menos pronta, mas nem sempre dava pra desenvolver por falta de componentes que não era igual, né? Então ele tinha que modificar pra evitar de importar incipientes (é o que compõe, tem os princípios ativos e os incipientes), então muitas vezes, não tinha aquele incipiente que era da fórmula original. Ele trocava, fazia os testes, dava certo e ia pra frente, porque tinha uma certa autonomia, né, de fazer aqui no Brasil,
porque praticamente a linha farmacêutica da Johnson no Brasil era que estava crescendo, fora a Janssen, mas a Janssen veio depois, né? Então ele tinha uma certa autonomia de mexer nas fórmulas, desenvolver produtos como ele achava melhor, fazer os testes de estabilidade, né, sem problemas. Hoje o que se pretende chegar é um padrão internacional, está certo? Hoje um produto da Johnson no Brasil, tem que ser igual lá nos Estados Unidos, no Japão, onde quer que seja, né? Esso não é só com a Johnson, isso é o que se chama Qualidade Total, quer dizer, qualquer remédio de uma empresa multinacional aqui no Brasil, tem que ser de padrão internacional. Não pode mudar nada uma vez
acertada a fórmula ou aqui no Brasil, porque o Ivo chegou a desenvolver produtos aqui aceitos lá fora... Eu não sei se ele vai dizer isso, mas eu tenho certeza, né, ele é muito modesto, talvez não fale essas coisas, mas eu sei que ele desenvolveu, formulou alguns produtos aqui e foram padronizados a nível mundial. Então hoje a coisa, como é que se chama? O padrão de qualidade tem que ser obedecido rigorosamente, né, todos têm que seguir algumas práticas de fabricação: o famoso GMP (Good Manufacturing Practics), está certo? Que ninguém pode fugir, quer dizer, todos os controles devem ser feitos, desde a matéria-prima até o produto acabado, durante o processo. Mas antes, como eu disse, na Johnson, tinha um controle em processo que era um monte de gente acompanhando a produção, brecando a hora que estivesse errado, né, e fazendo a análise final no produto terminado ou semipronto. Hoje tem que estar tudo padronizado, tudo escrito, passo a passo e cada operador tem que preencher passo a passo, assinar, datar e seguir à risca aquela fórmula de produção original. Isso não só na Johnson, em qualquer empresa. Agora está tendo uma inspeção aqui da Secretaria da Saúde em todas as indústrias. Hoje eu estive na Vigilância Sanitária [e] ela disse que já fiscalizaram mais de 130 empresas, tem muitas que estão interditadas, as nacionais, porque não têm condições de produzir medicamentos que não tenha problema com a saúde, né? Remédio não tem controle, é mal feito, mal controlado, não sabe se faz efeito ou não faz, né, porque a indústria de remédios, ela virou o quê?, Virou um bar qualquer. Quer dizer, qualquer esquina tem farmácia, qualquer um monta o seu laboratório e, tendo um dinheirinho, quer comprar esses equipamentos pequenos, fazer um comprimidinho com uma maquininha que fica dando uma pancadinha pra fazer comprimido ou misturar [os] pós, né? Qualquer um sabe, qualquer profissional tem que saber ou qualquer leigo, qualquer técnico que trabalhou já com isso tem que saber. Agora, fazer remédio bem feito que é o problema, né? Então na época, você tem que fazer remédio é pra funcionar, pra antitérmico... É uma Aspirina, tem que funcionar como uma Aspirina, tem que fazer efeito rápido, né? Então têm uns aparelhos pra fazer esses testes pra simular, pra realmente ver se o aparelho... A Aspirina é liberada rapidamente, né? Tem que ver se a compactação do comprimido é boa, então tem aparelhos pra ver se o comprimido está bem compactado, né? Mas tudo evolui. Os aparelhos que eram um beckerzinho, um aparelhinho, uma cestinha que a gente ligava o motorzinho, funcionavam assim. Hoje é tudo eletrônico, né, já é digital: dá o tempo, tudo no aparelho, né? Você vai quebrar um comprimido, é digital, já dá no... né? Essas coisas evoluíram muito, são praticamente os mesmos aparelhos pra fazer comprimido, pra comprimir, né, é uma rotativa simples de, como eu disse, daquela produção de mil por hora, qualquer coisa assim. Hoje têm aparelhos enormes, né, problemas de exaustão: está tudo fechado, isolado, que não gera pó de jeito nenhum. Antigamente, a gente tinha que nos virar pra dizer: "Não, vamos fazer uma peneirinha aqui, botar uma cobertura aqui pra não gerar pó", né? Hoje não, as máquinas veem todas protegidas. Se a gente vai ver aí, custa uma nota. Não é qualquer um que pode ter. E cápsulas...
P/1 - Na linha de líquidos, tinha algum problema?
R - Ah?
P/1 - De líquidos, a produção de líquidos.
R - Não. Você diz líquido, mas líquido tem xarope, tem suspensão, por exemplo, uma suspensão tipo o que vocês tomam aí pra diarreia, vamos dizer, Enterocin, da Johnson, né? Ele sedimenta. O maior trabalho da gente era ele não separar, porque ele separava [e acabava que] você não está tomando a dose correta, está certo? A gente apanhava pra evitar aquilo: usava, procurava matéria-prima de todo jeito, fazia os testes de estabilidade (demorava um tempão), fazia um teste acelerado, alguma coisa. E hoje, tem matérias-primas novas, inclusive feitas aqui no Brasil. Eles te oferecem a tecnologia de como você formular aí pra evitar aquela separação. Já têm fabricantes de matéria-primas pra te dar, levarem o que nós pretendemos, eles te ajudam nessa parte de tecnologia pra vender o produto deles. Cápsulas, né, você enchia a mão naquela capsulinha no começo... Depois veio a maquininha semiautomática com os discos que você montava a cápsula, né? Hoje, já tem grande produção de cápsulas, tudo também numa campânula, num ambiente fechado que não gera pó. Caía pó para todo o canto, né, por isso que aquele meu amigo que já citei que ficou com problema de audição, porque não tinha toda essa proteção. Hoje o que o Ministério da Saúde exige mais, é proteção também dos operadores, né, tem que ter teste de, como é? Exame de saúde, ficha individual, controle, principalmente aqueles que trabalham em áreas perigosas, né, controle rigoroso, senão eles não liberam o laboratório. Não é só ver e fazer o exame de raio X, nada disso. Se trabalha com produtos perigosos, tem que fazer exame de sangue, de urina, testes especiais que nós já fazíamos lá na época da Johnson quando deu o problema lá da pílula. Era um exame difícil, pouca gente fazia, mas a Johnson pagou pra fazer essas análises, custava uma nota, talvez até tenha feito no exterior, mas foi feito pra mostrar que não tinha mais nada de resíduo, né? Então, a coisa evolui nesse sentido: maquinário, coisas mais velozes, mais aperfeiçoadas, tecnologia, alguma coisa assim. Eu estava falando de líquidos: tem um xarope contra tosse qualquer, é açúcar e alguma coisa, aquilo não muda nunca; suspensão é uma tecnologia mais difícil, depende muito de matérias-primas que hoje estão entrando muitas matérias-primas novas, facilitando [pra] todo mundo, porque fazia 200 experiências pra ver se não separava porque tem muita gente que não liga, e quem toma também nem sabe, dá uma agitadinha, mas se vê bem, o negócio principal está grudado lá no fundo. (risos) Por isso é que não faz efeito, né? Agora tem muitos, por isso que a fiscalização está em cima, que simplesmente registram por similaridade... Fazem o produto, mas não é igual àquele outro, original; a gente precisa ter muito cuidado, né? Eu sempre disse e sempre fiz questão: eu vou na farmácia, não sei se aconteceu com vocês, aconteceu muito... Você levava uma receita do médico, ele dizia: "Esse produto nós não temos, mas temos outro que é igualzinho, né, muito bom, pode levar sem medo", né? Aí eu dizia: "Bom, você me prova isso? Você assina isso que você está falando?" Eu não aceitava de jeito nenhum. Hoje você já conhece indústrias nacionais muito bem equipadas com técnicos habilitados, mas houve época, né, que você não podia confiar, está certo? Agora, quem sabia disso? Um leigo ia na farmácia, né, e aquele balconista lá, nem um farmacêutico - não tem farmacêutico de modo geral na farmácia, - nós estamos brigando para que o farmacêutico volte pra farmácia, fique na farmácia pra orientar o povo, está certo? Então era a "empurroterapia", tem mentira. Aquele [atendente] tem que empurrar [o que] está guardado lá, né? Fazia o mesmo efeito? De jeito nenhum. O nome, embalagem, muito bonita, o nome parecido e tal, né? Agora, hoje aqueles que se prezam, os nacionais, mesmo alguns pequenos estão contratando técnicos competentes, estão procurando fazer conforme manda o figurino, né, mas ainda tem alguns que não estão sendo aprovados aí nessa reinspeção. Isso foi uma grande coisa aí do novo, do Jatene aí, vamos dizer, do secretário da Saúde que está fazendo, está certo? Está fazendo inspeção em tudo quanto é indústria farmacêutica. Eu não sei se vocês estão sabendo, né, sai notícias no jornal que foi fechado, foi interditado, mas hoje eu falei com a chefe lá: "Não tem choro, Fermino, você espera aí. Você acha que vão me quebrar o galho, né, como era antes? Não é não, pode demorar um pouquinho, mas quem não tem condições não se estabelece, vai ter que fechar mesmo", né? Porque eu disse: "Não, eu ouço falar que alguns passaram na inspeção, foram interditados, mas já desinterditaram, já estão trabalhando". Falou: "Não adianta, nós vamos atrás, voltamos lá. Se eles estão fazendo escondido alguma coisa, nós vamos pegar e vamos fechar. [Com] Saúde pública não se brinca", né? Eu estava falando de comprimido de, tem que fazer efeito rápido, tem que desintegrar rapidamente. Então uma tecnologia que você tem que fazer pra ele em alguns segundos já se abrir, se desintegra, que a gente chama desintegração, né? Outros comprimidos, né, tem uma drágea, por exemplo, tinha o caso típico do Glicin que eu vi no relatório e me lembrei aí do Konig. A gente já fazia, ele não pode passar, é irritante ao suco gástrico, então não pode estar abrindo no estômago, só pode abrir no intestino. Então a gente usava uma tecnologia, né, de ele passar inteiro no estômago e só abrir no intestino, e já na época se fazia. Hoje tem procedimentos novos e ingredientes novos, né, que fazem a mesma função e com aplicação automática, mas antes você ia dando, aplicando Gobala, Carla, um banho, outro banho, outro banho, outro banho, demorava horas. Mandava pro laboratório, fazia testes, então aguentava aquelas X horas que tinha que levar, voltava pra produção e ia aplicando, aplicando, aplicando, né, voltava pro laboratório, ainda não resistia àquele tempo, voltava, né? Hoje tem, isso é evolução, hoje tem equipamentos que já dá tudo certinho, você aplica tanto em tantas horas, qual é o volume, né, e acabou, sai prontinho, né? Você pega um comprimido, parece que é um comprimido simples, não tem nada por fora, tem um filmezinho por fora que aquilo já faz com que você não, ele não se abra no estômago, vai abrir no intestino, né, tudo isso é, são matérias-primas novas que permitam que faça isso, né? Como eu disse, a Johnson... Eu estou louco pra visitar a Johnson, o Cláudio já me convidou. Agora, acho que antes do fim do ano, está tudo informatizado segundo ele, né? Eu acho que é o primeiro laboratório industrial farmacêutico que vai chegar nesse ponto, né? Então eu falei pro Cláudio, ele me telefonou outro dia: "Faço questão.” Porque de vez em quando ele me chamava: "Olha, Fermino. Mudou aí do seu tempo, mudou alguma coisa?" "Se mudou!”
(risos) Equipamento principalmente, não, porque eu disse [que] funcionário quase todos, pelo menos da área produtiva, né, que nem essa menina. É invejável hoje, do jeito em que ela está tão desembaraçada aí, como ela estava conversando, né, parece que ela desenvolveu bastante.
P/1 - E quantos funcionários tinham quando o senhor entrou na linha de produção da Farmacêutica?
[Pausa]
R - Não sei, tinha uma linha de embalagem, umas 15 pessoas, mais uns, alguns operadores lá, uma meia dúzia de rapazes por aí, acho eu, né, porque às vezes misturava com o pessoal de outra área, mas não tinha mais do que isso não.
P/1 - Aumentou muito durante o período em que o senhor esteve até a sua saída?
R - Aumentou.
P/1 - Quanto, por exemplo? Quanto tinha lá quando o senhor saiu?
R - Tinha, seguramente, quando fomos pra São José dos Campos, acho que tinha umas 80 pessoas, tinham três linhas de embalagens, embora já algumas máquinas automáticas, né, e nós tivemos a sorte porque aqui na Avenida do Estado tinha problemas de enchentes. Não sei se alguém falou aí, vira e mexe dava enchente. A gente dormia lá, não tinha como sair porque vinha de repente a água, né? Eu me lembro que eu tinha um decave (carro antigo), que a antena tinha aqui na frente, sabe? Eles avisaram que eu tinha deixado o carro lá e que a água vinha vindo. Quando a água já estava pela metade do carro: "É agora que vocês me avisam? Agora deixa aí." Quando eu saí pra pegar o carro, só aparecia a antena. Parecia submarino, sabe? (risos) Mas o que eu estava falando?
R - Dos funcionários.
P/1 - É. Aumentou bastante e eles eram requisitados aqui no Brás, Avenida do Estado, então era fácil de requisitar, contratar funcionários, principalmente moças e tal, né, era a coisa mais fácil. E não se tinha o treinamento que se fala hoje, né, a nível de Qualidade Total, tinham que produzir bastante, o que mandava era a produção; tinha até setor quando eu entrei, acho, que não era na Johnson, no Fontoura, que pagava individualmente, produção individual, tinha que encher tantas ampolas. Quem enchia tanto, ganhava tanto. Quem enchia mais... Menos, ganhava menos. No fim, acabou com isso. É o grupo, né, vamos dizer assim, mas era fácil contratar gente. Então nós achamos que quando fôssemos mudar pra São José dos Campos, nós íamos ter algum problema porque já tínhamos as líderes formadas, sublíderes, né, especializadas em trabalhar com a parte que tem que puxar o resto. Porque a parte principal na embalagem, vamos dizer, é quem iniciou o processo, quem enche, dá o ritmo. O resto, né, dobrar bula, colocar em caixinhas e tal, quem dá o ritmo é quem, lá no começo... Então a gente tinha que treinar bem aquele pessoal, quem conta, [pra] não contar errado, né? E quando fomos pra São José tivemos a sorte porque, como até hoje, as professoras não ganham nada, né? Então aquelas que moravam lá pela região, sul de Minas, tal, vinham pra lá e achavam que era melhor deixar de ser professora e trabalhar numa fábrica, ganhavam mais. Então nós conseguimos muita gente boa pra ocupar o cargo de liderança, né, então em pouco tempo nós tínhamos um time muito bom lá em São José dos Campos, né? Os meus assistentes, eu tinha um assistente aqui, né, ele não foi pra lá também, ele não quis também, mas ele estava com algum problema que já não estava dando muita conta do recado e tinha outro farmacêutico. Na fábrica, nós éramos em três. Outro que não quis ir também, mas nós contratamos um farmacêutico pra trabalhar comigo, o da embalagem. Ele foi, acho que se aposentou há pouco tempo, não sei se ele vai dar o depoimento aqui. Mas o outro é um nissei também, Satoro Tabute. Ele foi, chegou, saiu da Johnson depois. Acho que ele trabalhou antes no Abbott. Nós levamos pra Johnson, depois chegou a diretor industrial de uma multinacional, né? Faz tempo que eu não falo com ele, mas parece que já saiu de lá, foi montar um laboratório próprio, né. Tem muita gente. O que sempre a gente sempre fez questão, é dessa honestidade de funcionários que fossem trabalhadores e bem competentes a gente treinava pra trabalhar daquela maneira, então eles sempre procuravam. Hoje tem as instruções, né, na época já tinha também, já existia, mas hoje é mais rigoroso, cada um tem que sacramentar tudo aquilo. Naquela época, só tinha o roteiro e tinha que seguir, né, hoje é muito mais rigoroso e, assim mesmo, tanto é que muitos estavam até três, quatro anos e hoje a Gleide disse que alguns já saíram e tal. Mas era um time muito bom, né?
P/1 - A gente podia falar um pouco da área de pesquisa, porque o senhor falou que tinha o biotério. Eu queria entender como é que funcionava o biotério e com que objetivos, né? E que tipo de atividade se desenvolvia em termos de clínica laboratorial?
R - Não, não. O biotério, naquela época, não se fazia pesquisa ou teste em animais. Pelo menos, nesse biotério que eu estou falando. Depois, quando a Johnson criou a divisão “desenvolvimento de pesquisa, pesquisa e desenvolvimento”, eu não sei como é que ele se chamava, só sei que era lá do doutor Geraldo Schaer que ele foi na Bélgica e montou aqui um biotério realmente, de pequenos animais: coelhos, camundongos e até cavalinhos, cachorros, vacas, foi aí que eles desenvolveram o vermífugo, né, mas o biotério que eu cito é só pra fazer esse teste famoso de biotério, que isso faz parte de todo injetável, que não pode ter pirogênio. Então, quando a gente trabalha com injetável, tem que fazer esse teste em coelho. Era em coelho até a tecnologia evoluir como eu disse, que melhorou, então hoje se faz também em, como é? Não em animais, mas por processos químicos, vamos dizer assim, né? Já tem nova tecnologia que muitos fazem, né, mas alguns ainda mantêm o biotério, né? E eu não sei se eles injetavam alguma coisa só lá no laboratório do doutor Schaer, eu não conheci, quer dizer, conheci um pouco aquilo lá quando estava na Johnson, mas pouco tempo, que logo eu saí da empresa, quando ele estava começando aquilo lá, né?
P/1 - Quer dizer que esse biotério pra pesquisa o objetivo inicial básico...
R - É diferente desse pra pirogênio.
P/1 - Mas não havia antes, nunca tinha havido antes, só passou a haver depois do Schaer?
R - Depois do Schaer.
P/1 - Que seria em...?
R - Não se fazia. Porque se fala em pesquisa e desenvolvimento de produtos, mas aqui no Brasil, era uma falsa pesquisa, porque vinha tudo prontinho lá de fora, está certo? Eles não investem quase nada nisso, ou não investiam, né? É melhor falar em desenvolvimento de produtos novos, isso sim, não em pesquisa, né? Porque é desenvolver um produto novo. Alguém deu a ideia e tal, mas desenvolver um produto é pesquisar uma droga nova, que é o caso do biotério, que tem que ter animais de todo jeito, de todo porte e tal, que nem tinha o Schaer, né?
P/1 - Ele chegou a fazer pesquisa de droga, né?
R - É.
P/1 - E a partir de quando é que foi implantado?
R - Isso devia ser, eu fiquei... acho 70 por aí, né?
P/1 - 1970.
R - Hoje eu acho que parece que não tem mais. O Schaer parece que também se aposentou, né, e não sei se tem alguém tocando essa parte. Mas acho que não.
P/1 - Quais foram os produtos mais importantes lançados nesse período da sua estada na companhia?
R - Minha estada? Ah, teve vários. Esses anovulatórios, por exemplo, foi lançado lá na época. Esses xaropes que eu falei do Resprin. Outros produtos da Janssen, né? Janssen então, vinha sempre alguma novidade. Janssen era, né, um atrás do outro, tinham vários, mas o Ivo, como eu disse: o desenvolvimento tinha que deixar o produto pronto, por exemplo, saía no, o mercado queria lançar tal produto pra daqui a dois anos, né, mas nesse ano o Ivo já estava desenvolvendo e fazendo os testes de estabilidade pra ver se não tinha problema, né? Bom, o que não se faz em muitos laboratórios, o que não se fazia, hoje é obrigado a fazer, mas o que não se fazia em muitos laboratórios nacionais; que tem aí vários laboratórios que fazem por similaridade, lançam o produto, né, copiam as fórmulas e lançam o produto, mas ninguém sabe se existe aquela estabilidade, né? Eu estava falando em desintegração de comprimido, né, hoje se fala em dissolução de comprimidos. Comprimido tem que liberar aos poucos, né, as drogas, porque manda tomar um comprimido por dia porque libera durante 24 horas, o comprimido de oito em oito horas. Quando veio o Fleming, penicilina tem que tomar todo dia ou duas vezes por dia e até à noite, então tinha que deixar na geladeira e acordar à noite e aplicar a penicilina. Não era assim, né, está certo? Hoje não se toma quase injetável, só em último caso. Hoje é tudo cápsula de antibióticos, toma a cada oito horas, por quê? É tudo controlado, esses que são bem feitos. Bem formulados, está certo? Né? Senão a gente teria que estar carregando no bolso; hoje eu tenho que tomar isso e daqui a duas horas tem [que] tomar o outro, né? No tempo do Medicamento Fontoura, do tio Candinho, o velho Fontoura... Não sei se vocês já ouviram falar do tio Candinho, o pai do Biotônico Fontoura?
P/1 - Eu tinha o almanaque do Biotônico Fontoura.
R - Fundou o Fontoura na época, né? Ele carregava no bolso os medicamentos que ele tinha que tomar porque ele sempre tinha problema de saúde, então: "Opa, 9 horas. Deixa eu ver o que eu tenho que tomar.” Tirava do bolsinho do colete e tal, vivia tomando remédio. Mas falando em Biotônico, quer ver uma passagem interessante lá do Fontoura? Uma hora o Fontoura... Estava sempre promovendo Jeca Tatuzinho da revistinha, né? Uma hora foram fazer uma promoção maior do Biotônico, então quando o Pelé começou na seleção, Pelé ficou famoso lá na seleção, contrataram Pelé pra fazer propaganda do Biotônico. O Pelé apareceu lá no Fontoura pra assinar o contrato, né, então ofereceram Biotônico pra ele, ele falou: "Tem álcool aí?" "Tem um pouco." Ele falou: "Não bebo." (risos) "Não, só faz um gesto que você está tomando o Biotônico." "Ah, então está bom." O “negrinho” já era danado naquela época, 17, 18 anos, eu lembro muito bem, né? Depois, quando eu fui aos Estados Unidos lá fazer um estágio, aí em 1970, acho que era nessa época também. Eu estava no hotel, descia de manhã pra tomar café lá na cafeteria lá, aí estava o pessoal do Santos, o time do Santos pra jogar lá contra o time dos Estados Unidos, a maioria de reservas e o Pelé no meio. Quando eu desci, a dona lá estava brava, porque ninguém queria pagar a conta. Tinham comido e bebido à vontade e ninguém queria, porque o dirigente não estava lá. O chefe da equipe, lá da turma, tinha ido pro quarto, não tinha ninguém. E ela estava brava já, ia pegando o telefone e reclamava lá do chefe da excursão. Aí apareceu o Pelé: "I will pay, I will pay." Mal sabia falar inglês, disse ele que pagava, pegou a carteira e disse: "Está aqui." (risos) Isso eu vi pessoalmente, eu estava lá sentado.
P/1 - Senhor Fermino, a gente já está com o tempo já chegando no final. Eu queria que o senhor fizesse uma avaliação e dissesse, que a gente ainda está na Johnson, eu queria saber um pouco mais da sua vida depois da saída da Johnson, o que o senhor fez. Eu queria então que o senhor fizesse isso e, ao mesmo tempo, fizesse uma avaliação desse período todo, o que representou em termos de realização pessoal pro senhor.
R - Agora, já?
P/1 - Isso.
R - Bom, como eu disse, né, eu tive essa oportunidade de fazer um estágio lá fora, nos Estados Unidos, na Ortho, na Mcneil, depois fui pra Janssen, né? Como eu disse, o Konig lá naquele relatório, depois de quase dez anos de empresa, né, que os técnicos tiveram, começaram a ter a oportunidade de fazer esse estágio lá fora, que até então nós nunca tínhamos essa oportunidade, porque só os diretores que viajavam, né, isso abriu, como é que se diz?...
P/1 - Universo de possibilidades.
R - Universo, né, pra gente também da Johnson, que quando eles começaram com seminários de treinamento, de tudo, de tudo quanto é jeito, se bem que era dureza, você perdia os fins de semana. Não tinha nada de: "Não, vamos parar o expediente e vamos fazer durante ele.” Não tinha nada disso, né? Então, vamos dizer, nesses últimos três anos praticamente na Johnson, de 70 a 70 e pouco... Lógico, até então era a convivência, aquele ambiente muito bom que a gente tem saudades como disse a Gleide, que a gente dava-se com todos, mas sempre crescendo. Sempre produzindo bastante, né? Eu sempre comento, às vezes, chegava a faltar alguma matéria-prima que não era colocado na época em tempo. Eu como homem de produção, precisava daquela matéria; saía com o carro, ia buscar lá fora - fora do expediente - e trazia, né? Mas a gente tinha dedicação plena, a gente fazia porque gostava, vestia a camisa, né, porque era a Johnson. Lógico que eu vesti a camisa de todas as empresas que eu trabalhei, mas na Johnson, eu não sei se aquilo era uma fase que, vamos dizer, a gente já ocupava um cargo de muita responsabilidade, né? Era o gerente de produção e o farmacêutico responsável. Porque, realmente, eles me, como se diz, apoiavam como farmacêutico responsável, né, a gente tinha voz ativa. Não é porque eu não mexia com controle que podia dizer: "Eu não aceito essa reprovação. Deixa ver essa análise. Vamos refazer, fazer novamente essa análise", né?
P/1 - Nós vamos ter que trocar a fita novamente. Está ok. O senhor pode agora então concluir.
R - Então foi uma fase muito boa pra mim na Johnson, que eu cresci bastante e aprendi bastante, fiz muitos amigos, né, como eu citei. Agora, eu admiro até hoje, embora esteja doente, o Sanches aí do que ele foi para a companhia, né, todos os gerentes de produtos; tem alguns que até hoje são meus amigos, nós temos, o Oswaldo Urbano, eu vi falar em cima do Oswaldo também de vez em quando ele me telefona. Mas tem outro da época que toda semana ele me liga e eu ligo pra ele, é o Ivo Radesca, que a gente não perdeu de vista, né? E eu acho que pra mim, depois na Johnson, eu tive essa oportunidade de ficar conhecido porque eu também na época... Eu casei em 70, então até 70 eu participava de muitas atividades fora da empresa e nunca, o Sanches, por exemplo, eu em 70 era presidente do Sindicato dos Farmacêuticos, nunca ele viu eu ser do sindicato com maus olhos porque antigamente diziam: "Você é do sindicato, você é da esquerda. Você é isso ou aquilo." Não, eles sempre me cumprimentavam, né, por eu ocupar um cargo desses e tal, e se colocavam à disposição. E a gente nem entrava no sindicato com segundas intenções de ter estabilidade, nada disso, né? E através desses contatos aí, dessas reuniões, não só dentro da empresa, mas fora da empresa, nessa vida associativa que a gente levava, a gente ficou bastante conhecido aí fora. Então quando a gente teve problema, porque eu em, vamos dizer, depois que ficou pronto eu ia de São Paulo pra lá por algum tempo, depois nós compramos uma casa em São José dos Campos e mudamos pra lá. Eu tinha, até então, eu casei com 40 anos em 1969 pra 70; no fim de 70 nasceu a minha filha mais velha, né? E 72 que eu saí da Johnson, ela estava com dois anos e a minha mulher estava grávida do meu filho. Nós já estamos morando já, quase alguns meses, lá em São José dos Campos, tínhamos comprado lá pra ficar lá, né? Mas infelizmente, começou a onda de assaltos e os ladrões entraram em casa quando a minha mulher estava em São Paulo na casa da mãe esperando nascer o filho e eu ia nos fins de semana e nos feriados de lá trabalhar, está certo? Então, numa semana tinha um feriado no meio, ele fazia ponte, eles acharam que nós não íamos estar em casa então foram, entraram, quebraram a janela e foram fazendo a limpeza lá dentro. Quando na segunda cedo que eles achavam que eu não ia trabalhar; eu fui trabalhar, que achei que estava atrasado, embora tivesse a ponte: "Não, eu tenho que ir. Fazer, adiantar alguma coisa." Quando cheguei em casa: tudo arrombado, as malas, todos os objetos jogados em cima da casa, algumas malas prontas pra levarem embora, né? Então aquilo foi uma água fria lá,
gelou todo mundo. Por isso que logo a Johnson providenciou segurança, mandou o pessoal da segurança tomar conta, entrar em contato com a polícia. E eu arrumei, depois que saiu a segurança da Johnson, eu arrumei alguém pra tomar conta da casa, né, um segurança, comprei um cachorro, tudo pra levar a coisa pra frente. Mas não é que os ladrões começaram a telefonar todo dia pra minha mulher, que infelizmente eles...não deu pra levar aquilo que eles queriam levar porque eu cheguei na hora, que eles estavam preparando tudo pra mudar devagar, porque sabiam que ninguém ia estar em casa, né? "Então nós vamos voltar, vamos fazer isso, aquilo, não sei o quê, e tal", ameaçando minha mulher e a minha filha que tinha dois anos, andava pela casa: "Medo, medo, medo, medo." Nós falamos: "Não tem mais condições de ficar aqui." E aqueles apartamentos que construíram lá ou existem hoje estava tudo começando, não tinha prédio de apartamento lá, então não tinha onde procurar moradia. Ou você ficava...era uma casa confortável, não há dúvida, mas ficar lá? A gente via, por exemplo, mataram um japonês lá no bar onde a gente comprava pão e leite, né? Então realmente dava medo. Então nós falamos: "Olha, não dá pra ficar aqui mais, vamos voltar pra São Paulo." Mas, né, logo quando nós pensamos em voltar pra São Paulo, o anúncio apareceu, um anúncio grande no Estadão, da Labofarma. Quando eu me candidatei, o presidente da Labofarma falou: "Fermino, eu te conheço e não é daqui, já nos encontramos aí nas reuniões do sindicato, não sei da onde. Te conheço, o farmacêutico é teu amigo, não sei o quê", né? Mas esse eu acho que foi, apesar do Fontoura também ter sido uma escola, porque eu fui fazendo aquela carreira de analista depois assistente de desenvolvimento de produtos novos, depois assistente de produção, né, na Johnson também, porque eu convivi com todo mundo. O homem desenvolvia um produto novo, o Ivo, eu acompanhava porque eu era o farmacêutico responsável. Eu estava interessado. O pessoal do laboratório fazia análise, método novo, eu acompanhava, eu queria saber porque esse equipamento novo, como é que está funcionando porque eles me davam, eu como farmacêutico responsável, eu tinha liberdade de discutir metodologia, de ler alguma coisa pelo menos. Não por meus esforços próprios, [mas] com a ajuda dos companheiros, né? Então isso fez com que realmente, eu crescesse, né? Quando eu fui à entrevista, ele falou: "Fermino, não vou entrevistar mais ninguém. Quando que você começa?" "Eu preciso dar os 30 dias e começo lá", né? A mesma coisa foi na Labofarma. Depois que passei para o Pravasp, porque quando eles me contrataram, eles falaram: "Olha, Fermino, esse prédio está velho. Você está sendo contratado aqui pra já trabalhar na fábrica nova. Nós já temos terreno, é aqui perto de São Paulo", né? Porque eu falei: "Se for longe pra eu mudar, pra morar em outra cidade, não dá porque aconteceu isso na Johnson. Só se morar em São Paulo e puder me locomover todo dia." Ele falou: "Não, não tem problemas. Você vai morar em São Paulo, vai poder se locomover todo dia", né? Veio um alemão lá, fez o projeto, o diretor técnico da Alemanha fez o projeto, mas infelizmente a firma não teve condições de mudar. Então quando terminou o projeto, eu estava há uns cinco anos, esse diretor técnico falou: "Fermino, agora nós dois vamos acumular a mesma função, porque eu já terminei o meu projeto e está aprovado. E nós não temos local pra ir, então nós temos que fazer a mesma coisa", né? Eu falei: "Bom, fazer a mesma coisa não dá pra mim." Eu precisava então procurar outra coisa, porque ele veio de lá, eu sou daqui e eu devo procurar alguma coisa. Aí comecei também a conversar com os amigos e logo depois apareceu um telefonema: "Fermino, você quer ir pro tal laboratório? Então procura lá o gerente industrial." Era do Pravasp, né? Então, quer dizer, a gente também sendo farmacêutico responsável, o nome da gente está lá, como eu disse, está lá na caixinha, então a gente fica conhecido em todo canto e acumulando o cargo de presidente do sindicato, mais fazendo parte das comissões do Conselho Regional de Farmácia, mais da Associação Farmacêutica, da União Farmacêutica que eu tive essa facilidade, de estar sozinho andando de lá pra cá, não tinha problema de família até 1970, né, depois de 20 anos então. Eu formei em 50, 20 anos praticamente, eu tive nesse meio, né? Depois que eu me casei eu falei: "Opa. Agora, né, primeiro a família, depois outras coisas." Mas é isso, acho que a Johnson eu devo bastante, eu admiro muito a Johnson. Eu estou acompanhando o crescimento da Johnson através dos colegas; hoje o Cláudio Niemeyer, que ele não cansa de me convidar, né? Por onde eu passei, eu tenho as portas abertas. Já voltei à Labofarma, voltei ao Fontoura Wyeth, já procurei colegas, né, pra me ajudarem em alguma coisa. Então eu me sinto muito feliz, realizado como profissional farmacêutico. Hoje estou meio aposentado, dando pequenas assessorias aí pra um e outro, mas eu acho que principalmente, a Johnson foi uma grande fase da minha vida profissional.
P/1 - Você quer arrematar com alguma pergunta?
P/2 - Não.
P/1 - Então eu agradeço ao senhor.
R - Deu pra...
P/1 - Uma entrevista excelente.
R - Obrigado.
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