P - Bom, doutor Elias, o senhor poderia dizer o seu nome inteiro, local de nascimento, data. Identificação geral. R - Meu nome é Elias Abdo Filho, eu nasci no dia 31 de agosto de 1957, na cidade de Martinópolis. P - Qual é o nome dos seus pais? R - Elias Abdo e Ivone Abdo. P - Eles nasce...Continuar leitura
P -
Bom, doutor Elias, o senhor poderia dizer o seu nome inteiro, local de nascimento, data. Identificação geral.
R - Meu nome é Elias Abdo Filho, eu nasci no dia 31 de agosto de 1957, na cidade de Martinópolis.
P -
Qual é o nome dos seus pais?
R - Elias Abdo e Ivone Abdo.
P -
Eles nasceram em Martinópolis também?
R - Não, eles nasceram na cidade de Mirassol.
P -
Como é que vocês foram parar lá? Qual era a profissão do seu pai?
R - Meu pai era funcionário público. Falecido. Ele começou a carreira pública como agente fiscal de rendas. E recém casado foi designado para cidades do interior. Então, ele começou em Indiana, onde nasceu minha irmã Eliane, depois ele foi para Martinópolis, onde eu nasci, depois foi transferido para Presidente Prudente, onde nasceu meu irmão Eduardo. Aí, em 60, nasceu meu irmão Edson. Ele nasceu em São Paulo, mas a gente morava ainda em Presidente Prudente. Em 66 ele foi transferido para São Paulo, onde a gente mora até hoje.
P -
E qual é a origem familiar?
R - Descendentes de árabes, neto de libaneses.
P -
Seus pais são brasileiros?
R - São brasileiros.
P -
E seus avós?
R - Por parte de pai, os dois libaneses; por parte de mãe, um libanês e a minha avó brasileira.
P -
De qual lugar do Líbano? R - De um morro próximo à cidade de Beirute, numa vila chamada Karrene.
P -
É mesmo?
R - Conhece? (riso) Uma coisa interessante no nome da gente é que quando meu avô veio para o Brasil, ele era Rashid Sulemein Abdo Bigene, que era "fulano, filho de sicrano". Então, o tronco da família deveria ser Bigene. Só que, quando chegou no Brasil, não registraram o Bigene. Então, Abdo se costuma ver no primeiro nome de algumas pessoas, não como sobrenome. Então, é um nome que não tem uma raiz. A raiz da família, no Líbano, seria Bigene.
P -
Entendi. Aí seu pai já nasceu aqui porque seus avós emigraram para cá. Porque eles vieram para o Brasil?
R - Ah, provavelmente fugindo de guerras, perseguições, ou para tentar - essa história a gente nunca soube ao certo - uma vida melhor aqui.
P -
Qual a memória mais forte do senhor, em termos de lembrança da casa de infância do senhor, já que seu pai...?
R - Eu me lembro bem da casa da gente em Presidente Prudente. Era uma casa como se fosse uma chácara. Tinha um pomar com goiabeira, abacateiro, manga. E se queimava as folhas que caíam em um tambor. E eu tive a oportunidade de me queimar brincando com isso. Isso me marcou bastante. Em uma outra casa que a gente morou em Presidente Prudente, a gente morava colado... A vila fazia fundos com o estádio da Prudentina. Então, na minha casa era só abrir a janela e você via o estádio. E teve a oportunidade de o Pelé jogar com o Santos, na Prudentina, e minha casa lotou.
P -
Foi um jogo do Santos contra quem?
R - Contra a Prudentina. A Associação Atlética Prudentina. E tinha a camisa do São Paulo. Era tricolor.
P -
E como foi esse jogo? O Pelé marcou algum gol?
R - Eu não lembro. Eu só lembro que foi um tumulto. (riso)
P -
E quem exercia mais autoridade na sua casa?
R - Meu pai. Minha mãe levava a gente numa boa. Meu pai era mais autoritário, mas não era castrador. Ele era autoritário, a gente obedecia. Eu falo para os meus filhos que a gente não respondia para pai e mãe naquela época, a gente obedecia e pronto. Estando certo ou errado? A gente obedecia.
P -
E você teve alguma formação religiosa?
R - Olha, eu vou falar para você que, como deveria, não. Era mais por obrigação que a gente teve que fazer a catequese, primeira comunhão, e a gente vai seguindo isso. Eles deram essa orientação para a gente, mas não freqüentavam.
P -
E que lembranças você tem do seu período escolar? Com quantos anos entrou na escola?
R - Eu não fiz jardinzinho, prezinho. Eu entrei com seis anos no primeiro ano primário, já em São Paulo, aqui no Externato Anchieta. Então, eu tinha quase que um ano de diferença, porque o normal era ter sete, e eu com seis anos já estava no primeiro primário. E naquela época ainda tinha admissão, era diferente.
P -
O Externato Anchieta fica onde?
R - Na rua das Rosas, perto de onde mora a minha mãe.
P -
Logo que vocês vieram para São Paulo sua família foi morar lá?
R - Não nessa casa, na rua das Camélias, no bairro de Mirandópolis.
P -
Como era o bairro nessa época, você lembra?
R - Lembro, era super tranqüilo, você podia sair, as casas eram grandes. Tanto que eu, com seis anos, ia sozinho para a escola, que era três quadras para cima. Sem problemas.
P -
E você sentiu muito essa mudança do interior para cá? Para São Paulo?
R - Não, porque eu era muito pequeno. Eu sentia, sim, a diferença de você brincar praticamente no mato, você tinha mais campo, tinha terra, andava descalço. Você tinha uma outra vida, completamente diferente.
P -
Como era essa casa na rua das Camélias?
R - Ela é ainda. Minha mãe está lá, viúva, mora lá sozinha. Aquele casão de avó mesmo. O pessoal gosta bastante de ir lá. É uma casa bastante ampla, com garagem grande, com rede. Uma casa gostosa. Sobrado.
P -
Você também fez o ginásio nessa escola?
R - Não, eu fiz até o primário no Externato Anchieta, aí fiz a prova de admissão no Colégio Arquidiocesano, que é o colégio em que eles estão. E lá eu fiz todo o ginásio e todo o colegial.
P -
Você se lembra de alguma doença de infância que você teve?
R - Lembro: verminose. Eu tive que ser internado no Instituto de Gastroentereologia para fazer tratamento de verminose. Com sonda, tomando remédio. A única coisa de que eu lembro da infância é isso.
P -
O que você fazia na adolescência? Quais eram os seus programas?
R - Quebrei o braço também. (riso) Caí da bicicleta e quebrei o braço. Isso aí foi brincadeira de menino de rua mesmo, no bom sentido. Jogar bola na rua, isso ainda dava para fazer. Sair com o pessoal. Isso a gente tinha bastante.
P -
Nessa época, tinha alguma expectativa para que você seguisse alguma carreira?
R - Não, nenhuma. Eu fui decidir por fazer biomédicas no colegial porque era obrigado a optar entre exatas, humanas e biomédicas. E eu achei que tinha mais facilidade com biomédicas. Aí, no último ano do colegial, eu falei: "Quer saber de uma coisa? Eu acho que eu vou ser médico."
P -
No último ano? Você tinha algum parente que era médico?
R - Nada. Eu tinha um primo que era neurocirurgião, mas não era exemplo. Dentro da minha família, eu, meu primo, que entramos juntos, optamos pela medicina, mas sem ter um espelho, alguma coisa para seguir no sentido de ser igual a fulano. Apanhamos, porque no primeiro ano que você sai da... Isso talvez tenha sido a data e o ano em que eu trabalhei, porque eu terminei o terceiro colegial, achei que não precisava de tanto cursinho, fiz só seis meses de cursinho, prestei mais de 20 vestibulares.
P -
Tudo de medicina?
R - Tomei um pau legal. Tomei mesmo. Você ia procurar na lista, tinha que virar a página da página. Entendeu? Mas isso me motivou. Aí, meu pai falou, no ano em que eu fiquei sem estudar, que eu deveria começar a trabalhar. Trabalhei durante o dia, a pé - imagina, correr toda a cidade -, e à noite eu fazia o cursinho pré-médico.
P -
O que você fazia? Que trabalho foi esse?
R - Esse foi de vendedor de chapa de alumínio pré sensibilizada para máquina de off-set. O que aconteceu foi o seguinte: o negócio era tão bom, que ele ganhava da concorrência, só que não se conseguia importar na medida que era o consumo. Então, meu chefe falava assim: "Não me apareça para trabalhar, porque, se você vender, eu não vou ter para entregar."
P -
E por que você foi trabalhar nisso?
R - Meu tio trabalhava nessa empresa e falou: "Você quer trabalhar?" Como se fosse um bico. Aí, comecei. Deu para eu comprar a minha moto, na época. Quer dizer, meu pai me dava tudo, mas o dinheiro que eu ganhava foi o dinheiro com que eu consegui comprar a minha moto. Aí foi quando eu comecei a sentir que a gente podia conquistar alguma coisa trabalhando. E consegui. Depois, seguindo essa trajetória, achei que não ia dar para entrar em São Paulo. 20 vestibulares, lá embaixo, não ia ser em seis meses que eu ia entrar em primeiro lugar no Cecem. Aí, eu e meu primo resolvemos que... A Cesgranrio eram dez faculdades de medicina, em um dia só, sendo mais da metade de ensino público, que era a Federal Fluminense, a estadual, etc.. Enquanto todo mundo estava aqui, a 60/1 a vaga, a 100/1 a vaga, eu e ele pegamos o carro dele, que era um SPII, que era um carro moderníssimo, pegamos a estrada, e fomos fazer esse vestibular em Campos. E não é que nós entramos? Eu entrei em Campos. Aí, fui chamado para fazer a Souza Marques, e ele entrou na federal. Entrei, vim para São Paulo para preparar a mudança para o Rio de Janeiro, aí minha mãe falou: "Ah, tenta mais uma faculdade aqui." Prestei em Mogi das Cruzes. Quando você vai tranqüilo, com a vaga garantida, não sei se por azar ou sorte, eu entrei em Mogi das Cruzes. Entrei, e do primeiro ano que eu fiz tem duas coisas interessantes. O vestibular foi anulado. Já deviam ter vendido vaga lá. (riso) Aí, chamaram todo mundo. Eu acho que a gente pode estar falando assim porque são coisas que aconteceram...
P -
Pode.
P -
Super legal.
R - E fiz Marília também. Em Marília aconteceu uma coisa muito engraçada. Nós fizemos a prova e, tempos depois, nós ficamos sabendo que a prova também foi anulada. E nós descobrimos, no jornal, isso deu em todos, como é que era feita essa venda de vaga. Era o seguinte: entrava um professor para fazer a prova, ele era super rápido, ele acabava a prova e marcou, com quem deve ter adquirido a prova, que ele ia começar a soltar rojão a cada cinco minutos, começando às duas horas. Então, se a primeira alternativa era A, ouvia-se um tiro do rojão. (riso) Isso realmente aconteceu. Então, quando eles anularam e pediram para a gente refazer a prova, eu tinha ido de trem com o meu primo - é uma viagem em que você dorme naquele trem lá -, eu falei: "Quer saber de uma coisa? Marília não é para a gente. É uma excelente faculdade..." Então acabamos não fazendo e eu acabei fazendo a Universidade de Mogi das Cruzes. Na época, eu fui o nono turma. A gente teve um curso básico muito forte. Tanto que hoje, dentro da oncologia, a gente tem vários colegas que cursaram a universidade porque nós tivemos a oportunidade de, no sexto ano da faculdade, ter a matéria de oncologia. Foi aí que eu comecei a olhar a parte de cancerologia diferente, porque comecei a estudar e comecei a gostar. Então, a gente teve essa orientação forte. Quem dava aula para a gente era o pessoal do A.C.Camargo. E a gente fazia o estágio no A.C.Camargo. Aí, eu tive contato com oncologia.
P -
Foi no sexto ano?
R -
No sexto ano.
P -
Antes disso, você pensava em alguma coisa? Quais eram as matérias de que você mais gostava?
R - Eu gostava de cirurgia, mas não me sentia com habilidade para fazer. Mas entendia muito da... Ficava muito fácil para mim entender oncologia. Então, eu achava que era uma matéria que me atraía. Então a gente se estimulou. Aí vem também uma outra fase da minha vida, que é assim: você sai da faculdade, nem de cara você entra na residência que você quiser. Aí eu fiquei pensando que o A.C.Camargo era uma dificuldade, uma concorrência enorme, porque você já seleciona no vestibular. E quando chega na residência, esse canal aperta mais ainda. Mas eu falei assim para mim: "Eu tenho que ficar perto disso." Aí eu prestei, acabei entrando em anestesia, fiquei cinco dias na residência de anestesia, porque pelo menos eu estaria vendo alguma coisa. Não me adaptei e entrei no Arnaldo Vieira de Carvalho.
P -
Anestesia era no A.C.Camargo?
R - Não, era no Matarazzo. Você vai prestando em vários lugares, aí vão te chamando. Me chamaram para o Matarazzo, eu falei: "Tudo bem. Pelo menos na anestesia eu estou olhando o que está acontecendo." Eu sabia que era uma coisa temporária. Mas logo em seguida eu fiz a prova para o Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho. Na época só se pensava no A.C.Camargo como instituição de câncer, e realmente o era. Mas existiam outros lugares que faziam. E a equipe que me formou no Arnaldo Vieira, hoje, são excelentes oncologistas, e que não tiveram a formação no A.C.Camargo, tiveram fora do Brasil. Hoje a gente sabe que isso é uma realidade. No segundo ano de residência em oncologia clínica, eu entrei no A.C.Camargo, mas em oncologia cirúrgica. O que pesou para eu mudar? O nome do A.C.Camargo. Mesmo eu não sendo adepto da cirurgia, eu conhecia, por ter estado lá, que era a melhor residência do Brasil. Fui, participei, tive a oportunidade de participar de cirurgias de cabeça e pescoço até o pé. Mas na época o A.C.Camargo formava o médico como oncologista.
P -
Geral?
R - Geral. A gente tratava o câncer de mama, tanto da parte operatória quanto da quimioterapia. Isso era uma tradição no A.C.Camargo, pelo menos na época em que eu fiquei.
P -
Mas era dividido em partes?
R - Por setores. Topográfico: mão, cabeça e pescoço, mama, tórax, abdômen, cirurgia pélvica... Em cada setor que você passava, você fazia tudo. A oncologia clínica ficava mais para o clínico que fazia a hematologia, as leucemias e os linfomas. Assim que acabou a residência, eu percebi que a cirurgia era uma coisa que muitos poderiam fazer, mas cancerologia mesmo, oncologia, de você saber a indicação, para o que você faz, poucos faziam. Então, desde que eu terminei a minha residência, que foi em 86, eu me dediquei só a tumores sólidos. Cinco anos, quatro anos no exército, fazendo. E uma carreira muito sozinha no começo. Até eu entrar no Pérola Bygton, eu praticamente trabalhava sozinho, com um ou dois assistentes, mas sempre tendo um volume grande de pacientes, participando de congressos e eventos, mas nunca ligado à instituição.
P -
O que lhe encantou na oncologia? O que você achou interessante nessa área?
R - Olha, eu faço uma comparação... Até pacientes me perguntam isso: "Por que você vai fazer uma especialidade onde a morte é uma certeza?" Na vida, a gente vive porque vai morrer. Eu me penalizaria muito se eu fosse um obstetra e, de mil partos que eu fizesse, eu perdesse uma mãe ou uma criança. Então, se você falar assim: "Puxa Aí fica fácil. Você vai fazer a parte de oncologia para lutar contra a morte, mas você sabe que não vai ganhar." Não é bem assim. A gente sabe que hoje em dia a gente consegue muita cura. A ponto de as pacientes chegarem para você e falar: "Doutor, eu não tinha aquilo, aquela doença. Isso que o senhor está me falando é mentira." Quer dizer, não chegam passar... Tem bastante caso que vai morrer no Brasil? Tem. De pacientes terminais, que já chegam em fase avançada. Mas, hoje, mesmo essas pacientes, você consegue dar qualidade de vida. Você fala para mim: "Mas como uma paciente que não tem uma mama, que está deitada, que está com metastase óssea, pode ter qualidade de vida?" Dentro da condição dela, você dá. Você tira a dor, você dá... Olha, a Marta sabe disso. Eu tive uma paciente que abandonou o tratamento e foi para um tratamento - era uma professora de quarenta e poucos anos, já estava com metastase óssea. Ela veio no pronto socorro de maca, porque disse assim: "Já que eu não tentei, vou tentar." E a gente começou a tratar dela. Essa paciente se reergueu e voltou andando no meu consultório. Tá certo que ela viveu mais um ou dois anos, mas viveu bem. Então, quer dizer, a gente conseguiu interferir de alguma maneira para que essa paciente vivesse um pouquinho mais, mas com qualidade de vida. Então, isso é o que eu coloco para os meus pacientes. Não sei trabalhar com criança com câncer. É uma coisa que é difícil, a gente sabe o que é, quando vem, a gente encaminha para serviços especializados, que também tem um índice de cura muito grande. Mas, aquele adulto que tem câncer, não tem problema.
P -
E foi isso que lhe encantou? Essa possibilidade?
R - E isso me pareceu muito fácil. Como é que você faz o diagnóstico de câncer, principalmente dos tumores sólidos? Ele tem que se manifestar por alguma coisa. Na mulher, é a alteração do nódulo, que um dia ela percebe ou não. E aquilo você vai lá e põe uma agulha, faz um corte, e ele já te dá o nome e sobrenome daquela doença. E você, que conhece a história natural daquela doença, sabe como ela vai evoluir, ou pelo menos pensa que sabe. Porque eu estou cansado de apanhar todos os dias, porque não existe a doença, existem os doentes. Então, aquela paciente que me entra no consultório já cabisbaixa, com medo do que tem, escondendo tudo, ela não vai ser uma boa paciente para se tratar. Então, você tem que levantar, olhar e falar: "Filha, a verdade é essa." Não sei se a gente está entrando já na...
P -
Eu queria pegar, dentro disso que você falou, como que era, se você puder traçar um histórico, ou pelo menos da época que você entrou na faculdade, o que era ter câncer? A perspectiva de vida? Como se tratava?
R - Era a morte.
P -
Como é que isso foi mudando?
R - Isso foi mudando. Eu tive a oportunidade de, desde a faculdade, em 80, ter vivência. E eu gosto de falar muito de mama, porque é uma coisa que eu vejo sempre, todo dia. Você via indicações de cirurgia de tirar até o braço da paciente porque a mama estava doente. Não tinha... Era cirurgia de urbal. Quer dizer, ia lá e... Era a visão do cirurgião. Hoje, cada vez se opera menos e cada vez se trata mais. Então, eu tive a oportunidade de vivenciar esses marcos. Eu estava no A.C.Camargo quando foi realizado o protocolo, junto com o Instituto de Tumor, do professor Veronezzi, onde se decidia a cirurgia de quadrantectomia pelo tamanho de tumor. O tamanho de tumor limite para você fazer uma quadrantectomia era dois centímetros. E eu tive a oportunidade de passar com o doutor Batista, que era o chefe do serviço, onde ele media na régua. Dava 2,1, ele sacrificava a mama daquela mulher, porque o protocolo era rígido e tinha que ser assim, e não importava mais nada. Hoje, a gente já tem outros parâmetros. Hoje, a cirurgia oncológica já evoluiu bastante. O estudo que os patologistas fazem da peça está cada vez mais aprimorado. E a gente, no Pérola Bygton, defende a reconstrução imediata. O fator psicológico de uma mulher amputada é muito grande. É como se ela perdesse um braço. Então, sempre que possível, se você conseguir reconstruir imediatamente essa mama, você tem uma paciente mais satisfeita. Talvez não altere a sobrevida dela, mas eu consigo dar uma qualidade que ela se sente preenchida por aquilo que ela tinha, que foi extirpado, mas foi reconstruído. Agora, isso a gente vai falar hora porque eu gosto muito de um enfoque multidisciplinar, desde o impacto do diagnóstico até a aceitação total da doença, e da negociação que o paciente faz com você com relação ao tratamento dele. Então, essas fases em que o paciente faz, se você na tiver preparado para das as respostas. E hoje você falar "câncer" e falar: "Não, minha senhora, é câncer mesmo" e tentar botar na cabeça dela o que é esse câncer, o que ela pode fazer por ela, é a melhor relação. É uma verdade que não faz mal, porque, se eu mentir para ela, ela vai perder a confiança. Se ela perder a confiança, ela não vai aderir a nada. Mas, nesse ponto, a gente pode ir parte por parte. Eu não sei como que é o tempo, mas...
P -
Você acabou se especializando em câncer de mama?
R - Sim, é o que eu gosto.
P -
Em que momento da sua trajetória?
R - Então, a gente vai falar no pouco que a gente tem no Brasil, e no pouco que é o dia a dia da gente. O câncer do colo do útero era o mais freqüente na nossa população, e vinha desde aquela má informação do papanicolau não feito, da prevenção... Você não precisa ir longe, não. Você pega pacientes de um certo nível que você tem que brigar para ir. Eu cito minha mãe. Falo: "Mãe, a senhora tem que fazer" "Não, eu não tenho nada..." E agora não. Agora a mulher começou a se ver mais, a se sentir mais. Nos Estados Unidos e na Europa, o índice de diagnóstico em estágios mais iniciais é muito maior que no Brasil. Se você pegar a instituição pública em que eu trabalho, que é o Pérola Bygton, 60%, 70% dos casos já chegam avançados. E quando você vai ver o porquê, cada uma delas tem uma razão: desde o medo do que a doença pode gerar para ela até pura ignorância. Mas eu fiquei feliz com uma paciente que eu atendi, pobrezinha, sem recurso nenhum, mas um dia ela viu na televisão - ela devia ao estar embaixo do chuveiro - se auto examinar. Pegou direitinho?
P -
Peguei.
R - Então, quer dizer, analfabeta. Tanto que a ficha que ela assinou foi com o polegar direito ali, mas ela viu na televisão alguém falar, mas ela foi para o chuveiro, tomou banho e, no ela se sentir, ela percebeu e procurou um médico. Então, quer dizer, isso me deixa feliz, porque antes as pessoas não se conheciam - o auto conhecimento -, não ligavam para isso. Hoje, já está atingindo mais pessoas. Então, é por isso que nós já temos mais diagnósticos de câncer de mama, por isso que 70% da minha clientela de clínica é câncer de mama, e 100% no serviço público é câncer de mama, porque lá é o hospital da mulher, só faz isso. E quanto mais a gente faz, mais a gente estuda, e mais a gente vê o que a gente tem que aprender.
P -
Usualmente, quando se descobria que a mulher tinha câncer de mama? Tem estágios?
R - Sim.
P -
Dependendo do estágio, era indicado um tipo de tratamento? Qual era o tratamento mais usual?
R - A cirurgia. Nós vamos falar de algumas épocas, assim, há cinco anos atrás, depois vamos falar de três anos atrás, e vamos falar de hoje.
P -
Por quê? Muda muito?
R - Não, o conhecimento está atingindo uma velocidade. E como ela chega para nós on-line, é ao mesmo tempo. Então, não tem como você não estar atento a isso. Um exemplo que a gente dá é assim: antes, a gente tinha uma paciente com estágio clínico 1, que é um tumor que vai até dois centímetros, que não tem nada, e de repente essa paciente tem 90%, 95% de chances de, em cinco, dez anos, estar viva, sem doença. Mas tem 5% que a doença tem.
P -
Porque ela estava com um tumor...
R - Estágio clínico 1.
P -
Que não é maligno?
R - É maligno. Nós estamos falando de câncer. Ele é dividido em estágios de 1 a 4. Antes do 1 você tem o estágio zero, que é quando você pega ele em sito, quando ele está dormente, que ele ainda não está invasivo. Essas pacientes praticamente são curadas. Mas essa do 1... Puxa, de repente você está no consultório, aparece uma paciente de oito anos, de cinco anos, com uma metastase óssea. Aí você fala o porquê. Hoje já se sabe que existem os oncogens, se estuda mais, e que determinadas pacientes que têm essa alteração estão mais propensas a ter volta de doença. Então, não é só o tamanho do tumor, o quanto que tinha comprometido, o grau de diferenciação. Ainda são os mais importantes, mas tem algo a mais e está cada vez mais se descobrindo mais coisa. Então, grosseiramente, o estágio clínico 1 tem 85% a 90% de cura. No 2, 80%. Quando você chega no 3, que são mais avançados, cai para 40, no 3A e no 3B, 41% de sobrevida. Isso significa que, se você tiver 100 mulheres com esse câncer, apenas 40 estarão vivas daqui a cinco anos. Você está entendendo? 60 vão morrer da doença. E quando você vai para o estágio 4, de cada 100 pacientes que se diagnostica, daqui a cinco anos, dez vão estar vivas. Então, é aí que entra as terapêuticas novas, o avanço dos quimioterápicos.
P -
O que é um quimioterápico?
R - Então, nós já vamos entrar nisso. São os agentes antineoplásticos. O câncer é uma alteração de divisão da célula, que começa, de repente, a ter um crescimento completamente anômalo, e que você tenta combater isso fazendo o tratamento dessa célula, matando-a.
P -
Matando a célula?
R - Matando a célula. E hoje em dia a gente não consegue selecionar o tecido bom do tecido ruim. Então, a gente acaba pegando tecido que cresce rápido, como o cabelo, a mucosa do tubo digestivo, outras coisas, com o tratamento. E cada vez mais a gente está tendo um avanço nisso. Então, a gente tem, basicamente, três gerações de quimioterápicos, dentro da oncologia, não só falando em mama: a adriamicina, que ainda é um dos grandes antibióticos utilizados em oncologia; a platina; e hoje em dia tem a geração dos taxanes, que a gente chama - entra o doce taxel, que é o Taxotere, entra oTaxol, que é pac taxel. E essas drogas realmente têm se mostrados superiores. Se a gente vai falar de tratamento, entra um produto que a Rhodia tem. E realmente a gente teve
oportunidade de participar de dois protocolos de estudos multicêntricos internacionais, que foi o Tax 01, que foi o primeiro estudo feito, que foi avaliado a eficácia da droga e a toxicidade da droga. Nós fizemos parte de um grupo no Brasil de 60 casos.
P -
60 médicos?
R - Não, 60 pacientes com câncer. Foi um trabalho multicêntrico, de mais de 300 pacientes no mundo inteiro. Dentro do Brasil existiam vários centros. E o Pérola Bygton era um centro de pesquisa disso. Nós somos o maior centro no Brasil que incluiu caso. A gente incluiu 16 casos. E a gente estudou isso e realmente comparou.
P -
Mas tinha que estar em algum estágio específico, ou não?
R - Sim, todas metastáticas e já tratadas anteriormente com outras drogas. É assim que a pesquisa evolui. Quando você está querendo comparar a eficácia de um produto, você pega pacientes que já usaram outras linhas de quimioterapia, você usa e avalia a resposta. Ninguém está curando o câncer de mama metastático, nós estamos melhorando a resposta dessa paciente. E tem pacientes que tem um índice de resposta completo, outras têm resposta parcial, outras têm doença estável, mas você consegue melhorar a qualidade de vida dessa paciente com menos toxicidade, com um tratamento mais aceito. E a gente participou desses dois estudos, tem uma grande experiência no uso e medicação do doce taxel. E realmente os trabalhos científicos mostram que tem uma eficácia que nenhum outro produto tem por enquanto.
P -
Mas isso seria, na verdade, como uma segunda linha de tratamento?
R - A princípio começa como uma segunda linha, mas quando você faz os estudos comparativos, ele acaba sendo mais eficaz que a primeira linha. Mas isso vem aos poucos, não pode ser de imediato.
P -
Ele não é usado na primeira linha?
R - Ele começa como segunda linha.
P -
Aqueles de caso 1, por exemplo?
R - Não. Para doença inicial, ainda não. Quando você começa a ver que o produto tem uma resposta boa para aquela doença, você vai encurtando as indicações dele, mas sempre para aquelas pacientes que têm um prognóstico ruim. Então, tem uma coisa que chama, em oncologia, o tratamento adjuvante, quer dizer, o tratamento profilático, isso que o nosso governador está fazendo - você tentar matar as células antes que elas se localizem em algum lugar e virem tumor. O que dá esse prognóstico ruim para a gente? É o número de envolvimentos que ela já tinha na cirurgia dos gânglios axilares, dos ninfonodos metastáticos. Então você opera uma paciente, tira 30 gânglios dela, ela tem 29 ou 30 comprometidos pela doença, essa paciente tem tudo para... Então, o que tem sido feito é a associação dessas drogas. Porque você sabe que essa, isoladamente, é boa, essa também, isoladamente, tem, então está se fazendo. Tem vários estudos em andamento tentando levar isso que você perguntou agora: "Uma paciente, só com a cirurgia, ela cura?" Ela continua sendo curada só com a cirurgia. Não tem necessidade de você dar um tiro de canhão para você utilizar. Então, essas indicações do doce taxel são bem claras.
P -
Você sabe a origem dessas substâncias?
R - Sim, é da natureza. É da planta, do taxos, da casca da árvore. Como eu acho que tudo está na natureza. Agora, você conseguir tirar o princípio ativo é que vem o investimento de pesquisa, de você separar e fazer daquilo um remédio.
P -
Isso é uma casca de árvore?
R - É, é usado da casca da árvore. Agora, se você me perguntar onde é a plantação, eu sei que existem reservas, que isso é super controlado e vai ser feito um produto sintético que age dentro do DNA, interrompendo a duplicação do DNA. Então, é um tratamento intranuclear da célula. Não é uma terapia genética, mas é uma terapia de quebra, quando vai se duplicar. Isso é uma das coisas de mecanismo de ação do doce taxel, que difere um pouco.
P -
Como é que foi o contato da Rhodia com o hospital onde você trabalhar para dar início a esse estudo?
R - Olha, desde o princípio, quando eu entrei, em 96... A gente pode citar nomes de médicos que faleceram?
P -
À vontade.
R - Existia uma outra diretoria, que já tinha assumido, e existia essa proposta desse protocolo, já com o embrião lançado. E o doutor Celso era o médico da Rhodia. E ele teve um acidente...
P -
Aéreo...
R - Não, parece que teve um problema de temperatura, de altitude. Ele que já tinha conversado com as pessoas. E eu estive em uma ou duas reuniões só com ele, mas a coisa já estava encaminhada. Aí, com o falecimento dele, ficou um pouco aguardando a definição. Eu não sei se vocês sabem, mas um protocolo de pesquisa internacional tem que ter a aprovação de um comitê de ética em pesquisa. Esse comitê de ética em pesquisa tem que ser multiprofissional e registrado na Comep, em Brasília. É uma coisa muito séria. A gente usa um produto que vem com número de lote. Existe uma responsabilidade grande. É um processo lento. E foi quando eu entrei, em janeiro de 96, no Pérola Bygton, e a gente começou esse protocolo em maio de 96. Então, praticamente, desde a aquela época... Não como investigador principal. Isso eu ressalto porque já estava pronto esse protocolo, mas a gente, com a equipe da mastologia, como investigador, a gente participou, e realmente tem uma grande experiência com o medicamento. Isso eu posso dizer porque a gente usa bastante.
P -
E tem outros dessa linha, similares de outra marca?
R - Tem. De outra marca seria o pac taxel, que é uma droga que é prima, tem algumas alterações de radicais, mas você tem uma apresentação diferente, você tem uma concentração maior do doce taxel, tanto que você usa uma quantidade menor, você faz uma infusão menor de tempo. Então, com relação a isso, ela não tem idêntica, mas ela tem similar. Se você for acompanhar os resultados, eles podem até ser considerados bons também, mas existe toda essa diferença de posologia, de aplicação, de uso de drogas profiláticas. Entendeu? Isso é importante para a gente.
P -
E o que muda, efetivamente, na qualidade de vida de uma paciente?
R - Olha, nesse protocolo, a gente tinha que prescrever um questionário de qualidade de vida. E uma das perguntas para mulher era se ela se olhava no espelho e quantas vezes isso acontecia. Impressionantes as respostas que a gente tinha. Quer dizer, a mulher tem câncer, ela não tem a mama, mas ela não se posta de frente ao espelho para se olhar. Então, quando você começa a fazer algumas coisas, como é que você vai mensurar isso? Vai desde a parte sexual dela, desde a parte de qualidade de trabalho, se ela deixa ou não. E hoje em dia você tem que ser aberto. Se você deixa ela responder sozinha, sem identificação, você percebe que isso é muito mais cultural. Agora, como é que o remédio pode melhorar isso? Lógico, se você tem uma paciente com dor, ela não vai estar disposta para o trabalho, ela não vai estar disposta para nada. Se você consegue, com a quimioterapia, melhorar a dor, diminuir tumor, ela tem uma qualidade de vida melhor. Tem lesões de mama que são completamente infectadas, e ninguém quer ficar perto dessa paciente. Ela já se acostuma com aquele cheiro, os outros não. Então, de repente, se você consegue esses benefícios... São esses parâmetros que a gente está...
P -
E o remédio?
R - Tem uma eficácia boa. Não está curando. Ninguém está afirmando que vai curar. Você vai aumentar o intervalo livre de doença, você vai aumentar a resposta, então você vai conseguir que ela viva mais e com uma qualidade melhor. Se você falar assim: "Ah, mas tem caso em que você faz e não responde a nada." Tem. Infelizmente, tem. Não adianta, você não tem tempo de agir com nada. O tumor progride na tua cara. Recentemente, a gente atendeu uma paciente, aeromoça. Gente, ela era aeromoça da Lufthansa. De repente você olhava para ela e falava assim: "Como essa menina..." Entendeu? A agressividade da doença dela foi grande demais, e você não consegue realmente... Esse é o insucesso com que você tem que trabalhar. Isso acontece, mas se de 100, eu beneficiar 60% - que é mais ou menos a taxa que a gente tem de resposta objetiva -, não importa se em dez meses, nove meses, onze meses, para aquela pessoa foi importante. Então, valeu a pena. O custo é caro, é caríssimo.
P -
Isso que eu ia perguntar. Qual é o custo do paciente para o hospital?
R - Veja bem, hoje nós tivemos uma portaria nova do governo, que ela contempla essas drogas. Até o ano passado, não existia. Então, quem trabalhava pelo SUS, em santas casas, em hospitais que dependiam desse repasse, não se podia fazer essas drogas, porque o governo pagava quatrocentos e poucos reais, e é uma droga que você gastava 1700, 1500 pela ampola. Então, que instituição é essa que pode sobreviver sem...? Só aquela que tem injeção do recurso, porque, na minha visão, saúde é gasto. (riso) Então, não tem que pensar. Agora não. A tabela nova do SUS contempla o uso desses medicamentos. Bem ou mal, se não dá lucro, também não perde. A instituição acaba se sustentando. Se você selecionar os pacientes que realmente têm que tomar, olha, nós não temos esse problema, não.
P -
Agora, o medicamento serve só para esse tipo de câncer?
R - Não, ele tem aplicação... Eu estou me restringindo à área de maior conhecimento, mas quando você tem um quimioterápico que começa a ter ação em câncer de mama - e a maioria dos estudos de remédios começa com câncer de mama - você passa a ter, por similaridade, em pulmão - já está sendo usado -, cabeça e pescoço, tumor do tubo digestivo. Quer dizer, vai se aplicando em outros tipos de tumores. Mas é assim: sempre precisa de mais estudos, mais resultados, especificamente.
P -
Mas o senhor sabe se, mesmo nesses outros tipos, ele é aplicado?
R - Experimentalmente? Sim.
P -
É, mas em que estágio?
R - Sempre em câncer avançado.
P -
Agora, o caminho é ir se firmando essa idéia e ir oferecendo esse tipo de tratamento para situações mais iniciais, ou não?
R - Veja bem, iniciais de casos potencialmente que vão virar metastáticos. Que você sabe. É o que eu te falei: você pega uma paciente que tem, no estudo dela, um tumor que cresce rápido, altamente envolvido, ela precisa de droga que tenha uma eficácia maior. Ainda não é standard, que a gente chama. Você precisaria ter um segmento de muitos anos para dizer o seguinte: o braço A é melhor que o braço B. Isso demanda tempo. Infelizmente, a gente não pode esperar esse tempo para algumas pacientes.
P -
Porque a evolução do câncer muda de mulher para mulher?
R - Não, não é isso. Vamos supor: se você quer fazer uma coisa com sustentação científica, com parecer, você tem que esperar o resultado desses estudos. Mas se você tem o felling e está sentindo que você tem isso, ninguém pode te condenar por você estar fazendo um tratamento para isso, porque já existem estudos de 22 meses, de 24 meses segmentos que merecem assim: "Puxa, é importante." Então, a geração dos taxanes passou a ser um marco da oncologia.
P -
Por quê?
R - Porque antes não se conseguia essas respostas. É o grupo da antraciclina, que a gente chama, que foi o grande boom, da cisplatina, e depois as outras drogas entram, mas não com o impacto que tiveram essas.
P -
E essa tem função eficaz?
R - Sim. Da taxa de respostas, de melhora de pacientes que são tratadas, como outros produtos estão vindo. Isso a gente não pode negar.
P -
Existem algumas teorias básicas ou as principais teorias a respeito da causa dessa doença? O câncer de mama?
R - Sim, sim, desde fatores hereditários, de causas familiares, que você tem pacientes que tenham uma expressão de um gene de BRCA1, BRCA2, onde você sabe que, na família daquelas pacientes que têm mais de dois parentes de primeira linha - mãe, avó, tem que ser uma relação direta...
P -
A mãe...
R - Não, se você tem uma família onde... Você está com sua paciente e ela diz: "Minha mãe morreu de câncer" ou "teve câncer", "minha irmã teve" ou "minha tia teve" - que tem um grau -, você tem que investigar geneticamente. É a mesma doença. O câncer que aparece naquela mulher com 50, 60 anos, a gente chama de câncer esporádico da mama. É um câncer que aparece em uma freqüência comum. Naquelas pacientes abaixo de 40 anos, 45 anos, a gente já suspeita, sim, que tenha esse fator. Então, isso já se sabe, mas o tratamento, ainda, basicamente, é o mesmo. Mas a gente já olha diferente. É uma doença de mama que, de uma mama, pode ir para a outra, pode ter um prognóstico diferente. A gente tem que estar estudando mais isso.
P -
Para que caminho a indústria farmacêutica deve pesquisar para ter melhores produtos para o seu trabalho?
R - Terapia genética. Entendeu? Eu acho que vai se chegar, está se chegando a informações melhores. Hoje em dia, sabe-se muito de câncer de mama, mas sabe-se também que tem muitos defeitos de oncogens e coisas que podem, associados à quimioterapia ou não, interferir naquele processo de doença daquela célula. Agora, realmente eu acho que é um estudo bastante interessante. É uma coisa que me apaixona estudar e aprender. Quem ensina a gente são os pacientes.
P -
O que eles ensinam?
R - O que eles querem. Entendeu? O respeito que você tem que ter, sempre acreditar nele, um paciente te ensina a tratá-lo. Então, se você observa os pacientes e tem a sensibilidade de entender, você tem que respeitá-lo. Se ele chegar para você: "Não vou tratar assim, quero tratar assim", você pondera o que seria melhor para ele e ele nega, você segue esse paciente do mesmo jeito. Você está entendendo? Isso é uma coisa que alguns têm uma visão completamente diferente: "Então, vai procurar outro." Eu acho que isso não existe. Se tem empatia entre você e sua paciente, você tem que respeitar a decisão dela. Então, hoje em dia, quem decide o tratamento... O médico vai dar os caminhos. (riso) Porque o grande trauma das pacientes é ficar careca. Por incrível que pareça, ela pode estar com metastase no osso, mas se você não trabalhar isso... A gente trabalha de mil maneiras: desde a peruca dela mesma, desde ela não usar peruca, desde ela usar uma outra peruca. Quer dizer, é uma questão que, se você passa batido e não respeita isso, você fica sendo o domador daquela paciente. Outro dia eu vi um slide em uma aula que era assim: um médico com aquela cadeirinha e um chicote, a paciente de quatro: "Eu sou o dono do saber, você vai ter que fazer o que eu quero". Não é mais assim. Você dá os caminhos, discute e, dentro da opção, você tenta fazer o melhor. É lógico que a gente tenta convencê-la. Há aquelas que dizem assim... Isso entra em um assunto que é extenso, que é o da terapia alternativa que as pacientes fazem, não só aqui, fora também. E a gente teve uma oportunidade de, uma vez, junto com um colega da mastologia, tentar saber, no corredor, o que as pacientes não contam para o seu médico.
P -
E o que elas não contam?
R - O tratamento alternativo.
P -
Todas tentam?
R - Tentam. Você tem que ir na lata. Se ela está melhorando: "Tudo bem, além do meu tratamento, o que você está fazendo? Conta para mim porque eu quero saber." Aí ela se abre.
P -
E o que aparece?
R - Pode gravar? Desde tomar xixi. Já ouviu falar...
P -
Mas é uma coisa que acontece.
P -
É cultural.
R - Babosa.
P -
Pai de santo?
R - Também. Cirurgia espiritual, todas. Plantinha de Piracicaba, gotinha da língua de Taubaté, cartilagem de tubarão.
P -
O que senhor acha disso?
R - Eu respeito. E quando a paciente vem e está fazendo o meu, é uma questão de fé. Eu não recomendo. Eu digo assim: "Eu não vou prescrever isso para você, mas se você se sente bem utilizando isso..." Agora, eu digo assim, esse chá de cogumelo custa R$380,00 por mês, e as nossas pacientes não têm. Então faz vaquinha com irmãos, tios e compram. Eu chego para a minha paciente e falo assim: "Olha, se a senhora fizer uma bela feira, a senhora vai ter muito mais alimento do que gastar aquilo." Quer dizer, eu tento dizer assim: "Se você não se sente explorada pelo que você está fazendo e você pode, tudo bem. Mal não vai fazer." Mas o que as pessoas procuram, na realidade, é uma cura fácil para uma coisa difícil. É aí que as pessoas ganham muito dinheiro. Está certo? Porque é fácil eu pegar um copinho e falar assim... Agora, consegue resposta? Às vezes consegue, porque a pessoa...
P -
A cabeça influencia?
R - Está sugestionada e ela vai, faz e: "Tá vendo?" E às vezes ela está fazendo a quimioterapia e sei lá o que ela quer fazer. Não é a quimioterapia, é o coiso. Mas ela não deixa de fazer a quimioterapia porque o médico de lá falou que tem que fazer a medicina da terra. Você está entendendo? Vale o resultado. E a gente desmistifica isso, fala na lata, mas não resolve. Eu posso te afirmar que 60% a 70% das pacientes com qualquer tipo de câncer têm alguma outra terapia, com certeza. Babosa, então, é campeã.
P -
Existe grupo de apoio? Como é esse trabalho? O que ele ajuda o seu trabalho?
R - Veja bem, a gente faz parte de um grupo. Porque no Pérola Bygton a gente faz muita quimioterapia pré-cirurgia.
P -
Como isso funciona?
R - Isso funciona assim: no impacto do diagnóstico, essas pacientes são convidadas a participar voluntariamente de um grupo coordenado por uma psicóloga. A gente leva uma assistente social, eu participo como médico, o mastologista participa como cirurgião, e é colocado para elas o que elas querem saber. E deixa elas trocarem as experiências dela. Quando eu digo para você que a gente aprende... Uma lá falou que se botar uma gotinha de limão na água gelada melhora o enjôo. A outra cozinha na panela de ferro, a outra passa henna no cabelo. Você está entendendo? Então, são essas informações que você não tem. Elas, juntas, se auto consolam. E uma grande coisa que a gente tira disso foi uma que leu lá, ela já era professora, e você tem pacientes de todos os níveis culturais - que é você aprender o ganho com a perda. Conseguiu entender? O que significa isso? Ela vai perder uma mama, ela está com câncer de mama, mas ela tem que tirar o bom do ruim. E você vê pacientes - olha o que eu estou te falando - que mandam o marido embora porque nunca apoiou, e nessa hora não vai; que assumem outras posturas profissionalmente. Então, aquilo é um marco da vida dela, que ela começa a dar outros valores à vida. Então, se o dinheiro era importante, deixa de ser. Se a vizinha não olhava, passa a olhar, a vizinha passa a ser importante. E você vê que essas pacientes, quando passam isso, sempre têm um remorso grande de culpa, que podia ter sido isso. Então você vê mil coisas. E isso mostra para a gente que, se você prepara essa paciente que acabou de receber a picadinha e sabe que tem câncer, e ela senta com mais 20 mulheres que são iguaizinhas a ela, então, se a outra está falando para ela, ela fala: "Ah, mas eu também tenho câncer." Então, é difícil eu, que não tenho, chegar e falar para ela: "A senhora vai tomar a quimioterapia. Essa não tomou uma, vai tomar a segunda." Elas ficam nessa fase em que elas vão trocando experiências e nenhuma é melhor que a outra ali. Se uma vai chorar que está com câncer, a outra está rindo porque encara diferente. E o que a gente ganhou com isso? Quando a paciente está mais preparada para aceitar o diagnóstico, o resto vem fácil. O que a gente observa é que, se eu pegar você, botar na sala: "Você tem câncer de mama." Eu explico tudinho, como eu estou explicando, e não entra nada. Você se surpreende com pacientes que... "A senhora sabe o que a senhora tem?" "Sei, mas como é que é?" Não abre. Você sente uma barreira que... "Mas a senhora assinou aqui - como o americano faz: fui informada, conscientizada dos riscos..." Mas ela ouviu e não entendeu. Então, quando você trabalha em grupo multidisciplinar, ela tira aquele tempo para fazer isso. É importante. E trabalhar o familiar, também. Existe um grupo que trabalha só o familiar. Mas isso eu acho que é uma coisa utópica, mas não pode morrer. Dá para fazer com todas? Nem sempre, porque a maioria não aceita. Você chega para uma paciente: "Olha, quer passar por uma psicóloga?" Entendeu? Não quer se expor.
P -
Existe uma diferença grande no perfil da paciente que vai a esse hospital e da paciente que o senhor recebe no seu consultório?
R - Ah, sim.
P -
Qual é a diferença?
R - A diferença é que a paciente que vai no seu consultório vai sozinha, ela está sozinha. Na instituição pública, ela sabe que ela está indo para o Hospital de Câncer da Mulher. Então, fica muito mais contagiante essa situação. É como o A.C.Camargo: você vai para o Hospital do Câncer, está escrito na porta. Quer dizer, enquanto você recebe uma paciente...
P -
Já está rotulado. Todo mundo sabe.
R - É. E tem o lado mal disso, que é essas conversas de...
P -
Corredor.
R - Nossa Você devia gravar. Tem uma paciente que, antes de fazer a quimioterapia, viu que a outra vai vomitar, ela foi para casa e já deixou o balde do lado da cama. De sugestão. De uma falar para a outra. É aquele efeito Orloff: ela vê aquela ruinzinha lá, ela pensa que ela vai ser aquela amanhã. Ela projeta. Isso, numa instituição pública, você não difere. Em uma instituição particular, você já dá uma atenção individual.
P -
E isso ajuda, atrapalha? Em geral, ajuda?
R - A paciente.
P -
A paciente não é ajudada?
R - Não.
P -
Atrapalha.
R - Não estou dizendo do nível intelectual, não. A paciente pode não saber escrever, como eu te falei lá, mas que quer se tratar e tem objetivos na vida, essa paciente vai melhor do que qualquer madame preocupada com a estética. A gente vê de tudo. É isso que vai fazer aquelas 60 que vão não dar bem, ou aquelas 40 que não vão se dar bem. Quer dizer, tudo isso junto. E é o mesmo diagnóstico, a mesma linhagem histológica. Quer dizer, se você olhar a lâmina de uma e de outra, você fala assim: "Isso é tudo igual."
P -
Mas uma paciente pode viver muitos anos, dependendo do caso? Pode viver como outra?
R - Sim. Essa é a diferença. É isso que faz a diferença: a individualidade de cada um.
P -
O que assusta muito ainda nas quimioterapias são os efeitos colaterais?
R - Com certeza. Se falar que não vai cair o cabelo, elas aceitam mais. Sabe por quê? Porque a queda de cabelo denuncia ela para a sociedade.
P -
É um estigma. E essa geração de medicamentos tem essa perspectiva?
R - Não, cai. Esses, cai. Mas está se chegando. Na oncologia, a gente não pode se preocupar só com isso. Não dá para selecionar isso, porque é além. Isso você resolve de uma outra maneira. Mas a terapêutica não. Mas vai se chegar ao que o paciente quer. O paciente quer ficar curado, com o mínimo esforço. É o charlatão. (riso)
P -
No seu consultório você recebe propagandista?
R - Recebo.
P -
O que o senhor acha do trabalho de propagandista?
R - Olha, eu não sei se é porque eu tive essa atividade de vendas antes, mas eu entendo um pouco esse lado e eu respeito para caramba. Então, veja, ele não está indo lá como um paciente meu, ele está indo lá trabalhar, eu priorizo o agendamento. E também ele não toma o meu tempo, porque ele sabe que você não pode, ele vem e dá o recado.
P -
E é bom? Como é esse recado?
R - Veja bem, para você chover no molhado, não interessa. Você resume a indústria farmacêutica em oncologia em no máximo dez que têm produtos, que têm coisas que são exclusivas. Para o cara chegar para mim e falar que o dele é mais igual que o outro e é melhor, não existe, então não me interessa. Mas ele que tem um produto exclusivo, ele me mostrar que é bem superior ao outro... E vou te dizer uma coisa: o médico não acredita só no papel. Você pode trazer a literatura que você quiser. Ele acredita na experiência dele. Mas o que eu sinto é que nós, infelizmente, somos - as pessoas em geral - difíceis de aceitar mudanças. Então, ele se acostuma com determinadas coisas e fica naquela rotina dele. Só que em oncologia não dá. Se hoje eu estou falando que o doce taxel é a droga mais eficaz para o câncer de mama, em dois anos pode existir uma outra verdade. E isso que a gente tem que... "Ah, mas você falou isso." Eu falei isso há dois anos. Eu estou falando isso agora. A gente tem que ser o quê? Aberto para poder estar entendendo. Infelizmente, as pessoas, às vezes... Não gosto nem de ver, porque o cara vem fazer a propaganda dele, de um remédio que tem um nome esquisito, uma posologia esquisita, mas eu já estou acostumado com esse, eu faço esse. Não é por aí. Hoje em dia, oncologista que não tiver atualizado, entendendo e sabendo o que está por vir, o que ele está fazendo, como são as respostas, ele vai perder espaço.
P -
E o propagandista ajuda nesse cotidiano de encontrar?
R - Sim, ele lembra...
P -
Até para estar levando o...
R - Sim. Com o devido respeito ao profissional, não é só isso que direciona o médico a usar. O médico direciona na possibilidade de estar aplicando ele mesmo. Agora, se não existe essa lembrança, se não existe essa presença, é mais difícil. Eu acho importante, eu acho que a Rhodia, nesse aspecto, ela não vem com essa intenção. Ela faz um trabalho muito mais de aproximação e de mostrar: "Olha, está se concluindo um estudo não sei aonde e você deve estar sabendo."
P -
O senhor receita outros medicamentos da Rhodia?
R - Sim. Não, da Rhodia... Se você falar para mim: "O Profenid é da Rhodia", tudo bem, eu sei. Mas eu não sei o bulário da Rhodia.
P -
Entendi.
R - Veja bem, eu não me preocupo com isso. A gente tem algumas drogas que a gente usa, mas da nossa formação. Então, a gente realmente não se preocupa com isso.
P -
O senhor explicou já, mas vou perguntar só mais uma vez para ficar claro. (riso) Pode não ser necessariamente Taxotere, mas como é a pesquisa, no caso do câncer, de medicamentos de uso preventivo? Do tipo a pessoa que foi lá, operou - vou pegar a sua especialidade: câncer de mama -, ela tirou, era para um, tirou o câncer, e precisou fazer cirurgia, eu não sei se no grau 1 precisa fazer necessariamente cirurgia.
R - Tem que fazer cirurgia.
P -
Tem que fazer cirurgia? Aí ela fez, tirou. É provado que ela fazer químio ou rádio já avançou? Se adianta ou não, como forma de prevenção?
R - Então, já avançou. Vamos dar um exemplo de o que se tem aqui e como é que se chegou a isso. É o tamoxifeno, que é uma droga usada para pacientes que têm câncer de mama, que possuem receptores, ela vai lá bloqueia e atua. Hoje em dia, isso é sabido, mas se estudou 13 anos, mais de 20 anos. É uma droga antiga, que se foi usando em todas essas fases que eu falei. E a gente sabe que ele é um protetor de câncer de mama. Isso está indicado. Teve um trabalho americano, de mais de 13 mil pacientes, que provou que essa droga pode ser usada como adjuvância por mais de cinco anos, que ela protege a outra mama que ficou e a recidiva. Proteger não quer dizer 100%. Existem provas de que ela realmente ajuda. Agora, nesse caso da quimioterapia, já existem coisas que se chama de standard. Que já se sabe que tal grupos de drogas versus um grupo de drogas até mais agressivo, a resposta é a mesma, com estágio inicial. Então não adianta você - aquilo que eu te falei - gastar muito de toxicidade para uma coisa que você sabe que não vai alterar. Então você deixa para usar naqueles casos potencialmente mais graves.
P -
E qual é o seu cotidiano de trabalho?
R - Eu trabalho para caramba. (riso) A gente tem o serviço do Pérola Bygton e tem a clínica. É do Pérola para a clínica, da clínica para o Pérola.
P -
E essa clínica é só sua?
R - Não, nós somos uma sociedade, um grupo de oncologia voltada para o atendimento. A gente tem vários convênios. Uma atividade voltada para particular e convênio. Isso me deixa bastante... Um dos objetivos do médico seria, teoricamente, ter um lugar só de trabalho, que seria o hospital com a clínica junto. Ainda não é possível, porque você tem um trabalho que é público, que é estado, e você tem um trabalho que é particular, que você tem que sustentar. Mas é isso.
P -
E no seu mestrado, qual é o seu tema de pesquisa?
R - Eu preciso definir isso. Mas vai ser em quimioterapia primária em câncer de mama, em mulheres que fizeram reconstrução. Se a reconstrução, com a quimioterapia primária, afetou ou não. Eu pretendo pegar um grupo de pacientes que só tiraram a mama, fizeram a quimioterapia antes da cirurgia e só tiraram a mama, e um grupo de pacientes que reconstruiu. Porque o benefício psicológico a gente sabe. A gente não sabe se realmente esse grupo de pacientes teve o mesmo benefício. Eu acredito que o grupo que fez a cirurgia conservadora não vai ter diferença com o grupo que fez a quimioterapia. Então, você associar a quimioterapia à cirurgia conservadora é bastante importante. Mas, para isso, eu vou ter que provar. E, para provar, tem que ser 200 casos de um lado, 200 do outro. (riso) Vai um chão.
P -
E você tem algum tipo de auxílio para desenvolver essa pesquisa?
R - Não. O auxílio que a gente tem é ter a oportunidade estar fazendo isso dentro da instituição em que a gente trabalha. Ainda não existe bolsa. Isso ainda está em implantação, tem que ser reconhecido pelo... Não é a primeira turma, então, quer dizer, isso ai ainda está em andamento, em fase de cumprir os créditos. Espero que dê certo.
P -
Atividades profissionais são essas ligadas à medicina, que o senhor falou. E atividades de lazer? Onde entra nesse cotidiano?
R - Eu, com esse peso todo, enquanto eu estava na faculdade, eu fazia esporte. Eu fazia atletismo, eu fazia 100 metros rasos. Eu tinha um gosto pelo esporte. Depois você fica um pouco sedentário. Mas gosto de jogar meu filho no campo de futebol, gosto de assistir futebol. Se você falar assim: "Você vai assistir a uma corrida de Fórmula 1?", eu gostaria, mas não tive a oportunidade. Andar de kart, com eles, eu ando. Esse tipo de lazer eu gosto.
P -
E aqui nesse apartamento mora o senhor, sua esposa...
R - Meus dois filhos e meu cachorro. (riso)
P -
Se o senhor pudesse mudar alguma coisa nessa sua trajetória de vida, nisso tudo que o senhor narrou, o senhor mudaria alguma coisa?
R - Em que sentido?
P -
No que o senhor entender. Profissional, na vida...
R - Olha, não. Talvez eu deveria ter estudado um pouquinho mais. Eu demorei muito para partir para uma carreira acadêmica. Tive amigo que partiu logo depois da residência e se arrependeu. Eu não me arrependo porque eu tinha um família para sustentar. E para você ir para uma carreira universitária, ou você escolhe sustentar a família e dar tudo, ou você escolhe fazer isso. Então, veja bem, depois de 17 anos de formado, já tendo feito duas residências, já tendo títulos de especialista de duas associações ligadas a câncer, de estar vivenciando, é tarde para eu fazer uma pós-graduação em câncer de mama? Eu acho que não. Estou maduro. Agora, não é fácil. Sinceramente, eu acho que é puxado. Mas eu digo assim, compensação financeira vai vir disso? Não vai. Mas, sabe, eu acho que a gente consegue sentar e conversar de câncer de mama com qualquer colega. Isso me deixa bastante à vontade. Não dá para não dizer isso.
P -
O senhor tem um grande sonho?
R - Meu Deus Um grande sonho? Manter e crescer. Da parte material, não. Mas, de repente... Hoje eu fui almoçar com os amigos: "Pô, cara, estou com o saco cheio de trabalhar." Eu, não. Então, conquistar mais coisas, eu acho que seria meu sonho, mas no sentido de uma conseqüência natural. É lógico que eu gosto de aproveitar bem a vida. Eu gosto de viajar, de passear, de ficar o fim de semana com a família. Isso é paz, tranqüilidade. É isso que eu quero.
P -
O que o senhor achou, para encerrar, da experiência de ter dado um depoimento para um projeto de memória?
R - Olha, ainda não tenho noção de o que isso vai poder representar um dia. Mas só o fato de você ter pedido algumas fotos, e eu ter corrido atrás, me fez, assim, lembrar de muitas coisas. E eu acho que falta na gente... Eu estou fazendo um curso de catequese com meu filho, que vai ser agora no final de março. E é todo ano. E a família é tradição. Infelizmente, a gente não tem tradição no nosso país. Você pára perguntando do meu avô. Eu não sei quem foi o pai do meu avô. Isso se perde. Se você for perguntar para a maioria das pessoas, você vai ver que tem poucos que têm essa linhagem. (riso) Isso é uma coisa que eu sinto que memória é isso. Então, me fez trazer boas lembranças dos meus pais, da minha infância. Meus filhos, talvez, ouviram coisas que eu nunca tive a oportunidade de contar para eles. Eles abriram o meu álbum da faculdade, começaram a dar risada. Quer dizer, isso a gente não está passando mais para os nossos filhos. E memória da pessoa deve ser mais ou menos assim. Quer dizer, como é que o meu filho vai falar para o filho dele como era o pai dele, se o pai dele não falou para ele que ele morou no interior, que fez isso... Então, quer dizer, eu acho importantíssimo mesmo. Achei legal a iniciativa. Me senti bastante vaidoso. Sinceramente, existe um grupo grande de pessoas, e quando isso vem de uma Rhodia... Quando a gente fala de 80 anos de Rhodia no Brasil... A Rhodia é mundial. E de repente a gente está pequenininho lá, trabalhando. Eu acho assim: a Rhodia, dentro da oncologia, também começou há pouco tempo. E começou do lado certo. Hoje em dia, a meta que ela conseguiu chegar, a atenção que ela tem dado e a linha oncológica que ela tem é uma coisa que só vai crescer. Eu acho que isso é uma coisa que está bem marcante. Existia, assim... O que eu posso dizer? É isso, é muito bom.
P -
Obrigada.
P -
Obrigada.
P -
É um assunto que mexe. Para nós que somos mulheres, e eu, que sou um pouco hipocondríaca... (riso)Recolher