Projeto: Rhodia Farma 80 anos
Entrevistado por: Rosana e Milene
Depoimento de: Clementino José Fontenele
Local: Rio de Janeiro
Data: 10 de fevereiro de 1999
Realização: Museu da Pessoa
Código: RHF_HV025
Transcrito por: Stella Maris Scatena Franco
Revisado por: Bianca Luiza Freire de Cast...Continuar leitura
Projeto: Rhodia Farma 80 anos
Entrevistado por: Rosana e Milene
Depoimento de: Clementino José Fontenele
Local: Rio de Janeiro
Data: 10 de fevereiro de 1999
Realização: Museu da Pessoa
Código: RHF_HV025
Transcrito por: Stella Maris Scatena Franco
Revisado por: Bianca Luiza Freire de Castro França
P/1 - Bom, senhor Fontenele... Fontenele, né? O senhor é conhecido por Fontenele. Já ia falar Clementino José Fontenele. Para começar eu gostaria que o senhor se identificasse: nome inteiro, local de nascimento e data.
R – Realmente, eu me chamo Clementino José Fontenele, eu sou natural do estado do Ceará, vivo aqui no Rio de Janeiro e nasci em 26 de setembro de 1946.
P/1 - Seus pais são de lá?
R - São, são cearenses. Meu pai já é falecido e a minha mãe vive ainda hoje.
P/1 - Como é o nome deles?
R - Meu pai chamava-se José João Fontenele e minha mãe Francisca Araújo Fontenele. Eu sou o mais novo de uma família de 11 filhos. Dez ainda vivos. Eu vim para o Rio de Janeiro em 1965, estou aqui, portanto, há 35 anos. Sou mais carioca, hoje, do que praticamente cearense.
P/1 - Mas seu pai fazia o que lá?
R - Meu pai ele era...
P/1 - De que cidade que ele era?
R - Ele era de Granja, do estado do Ceará. Eu nasci realmente no interior, meu pai era um pequeno fazendeiro no interior do Ceará, tá? Ele vivia... a subsistência realmente da família era a cera de carnaúba, né? É uma planta que dá lá no Nordeste, onde é colhida a palha da carnaúba. Esta palha é cortada, colocada no sol, aí, ela seca, ela cria um pó, esse pó então é colocado num grande tacho e ele é cozido, então ele vira um líquido e desse líquido era extraída uma matéria-prima que eram confeccionados os discos de antigamente, né? O vinil era feito da matéria-prima da cera de carnaúba. Então era a matéria-prima básica dos discos de vinil.
P/1 - E você cresceu nesse ambiente?
R - Vendo tudo aquilo. Realmente bem interior, onde todos realmente nasceram na mão de parteira, né? Todos os filhos, ninguém nem sabia que existia a palavra médico... hoje lida com a classe médica, mas naquela época, nem sabia que isso existia, né? Mas a subsistência da família era exatamente isso. E as plantações normais que tinha de milho, feijão, tal... então nós tínhamos condições de subsistência própria, da própria fazenda vinha... do gado, tal... tinha também criações de gado. Não muito grandes, né? Mas cada um tinha lá. Ele doava um determinado número de cabeças de gado para cada filho, tal... e nós tínhamos aquilo tudo e vivíamos todos naquele conceito realmente familiar, né? De comer todos no mesmo prato. Achei engraçado uma entrevista nessa semana, onde a pessoa falava o seguinte: que eles tinham um senso de família porque o pai deles ensinou eles a comerem no mesmo prato. Aquilo ali ensinou a pessoa desde pequena a dividir as coisas e a compartilhar. E os meus pais sempre, embora naquela época ainda existisse um pouco de escravatura nesse Brasil afora aí, e o Ceará, aliás, Fortaleza foi considerada a cidade luz, porque foi o primeiro local onde foi abolida a lei da escravatura, foi lá no Ceará. E o meu pai, ele sempre fez questão de tratar todos realmente de forma igual. Tanto é, que os filhos dos empregados do meu pai comiam conosco, junto, ali, compartilhavam conosco das mesmas brincadeiras, os empregados do meu pai nós chamávamos de tios, tal...
P/1 - Do que é que vocês brincavam?
R - Aquelas brincadeiras de roça, mesmo, de jogar bola, de queimada, sabe? Aquelas brincadeiras de interior mesmo, tal, que era típica da região lá do Ceará. Isso aí... tomar banho em rio... nós não tínhamos noção nenhuma do que era o perigo. Quantas vezes nós estávamos nadando naqueles rios e nadava e às vezes passavam cobras, né? Quer dizer, hoje a noção de perigo que a gente tem é totalmente diferente do que quando muito jovem. Então aquela vida realmente de interior.
P/1 - E a sua mãe? Era uma pessoa severa?
R - Não, coitada! Realmente sempre foi muito pacata! Realmente... era um filho atrás do outro, né? Nós fomos 11! Era uma barriga... e um atrás do outro. Eu acho que nós paramos no décimo primeiro porque o meu pai faleceu. Eu tinha cinco anos, né? Porque senão, eu acho que teriam uns outros tantos aí atrás de mim, na fila, né? E depois que ele faleceu, a pessoa mestre da família, que movia e administrava tudo aquilo... os meus irmãos mais velhos já tinham uma idade assim, de 18 anos, já tinham vindo embora para a cidade. Alguns para Fortaleza, para servir o Exército, aquele negócio... e quando ele morreu a fazenda ficou um pouco sem controle porque não tinha ninguém para administrar, né? Então um tio meu começou a administrar a dele e a nossa, mas começou a complicar exatamente em função do controle das coisas, os mais novos não sabiam, os meus irmãos mais velhos já não queriam voltar mais para o interior, até que terminou que se mudou toda a família para essa cidade mais próxima que se chama Granja, no interior do Ceará.
P/1 - Mas vocês venderam a fazenda?
R – Aí, nós vendemos. Uns anos depois a fazenda foi vendida. Hoje não nos pertence mais nada, tá? Só a lembrança e um passado realmente maravilhoso que nós tivemos e que soubemos valorizá-lo, né? Eu acho que hoje, por isso que cada coisa que eu conquisto na vida eu me lembro do meu passado e procuro exatamente em cima desse passado valorizar tudo aquilo que eu fui galgando passo a passo.
P/1 - E quantos anos o senhor tinha quando o senhor mudou para Granja?
R - Eu tinha exatamente oito anos.
P/1 - O senhor já tinha entrado na escola, não?
R - Não, eu entrei exatamente... Fui para Granja, a minha irmã mais velha já morava em Granja também, e vendo a nossa necessidade de ter que estudar forçou a ida de todos nós para Granja e lá sim nós começamos a estudar. E lá todo mundo se formou. Quer dizer, fez o primário, o secundário... aí, já começou, né? Aí, quando chegou a idade, assim, de 18 anos, alguns já começaram a vir embora para o Rio de Janeiro, né?
P/1 - Por que para o Rio?
R - Porque... aquela coisa que o nordestino sempre tinha naquela época: “Não, tem que morar lá para o sul, tal. Vamos lá que tem mais chance de trabalho, mais chance de desenvolver. ” E aquilo foi se passando e alguns vieram na frente, né? Hoje nós somos seis que moram aqui no Rio de Janeiro, né? Mas só que eu morei muito tempo lá no Ceará porque eu morei com um irmão. Fui morar em Parnaíba, no estado do Piauí para exatamente estudar, porque tinha mais recursos, uma cidade maior em matéria de segundo grau.
P/1 - Você já tinha vontade de ser alguma coisa? Tinha expectativa da sua família em relação a você ter alguma carreira, algum tipo de profissão?
R - Eu acho que exatamente em função disso, de ter perdido meu pai muito cedo, eu comecei a assumir muito novo até... quando eu fui morar com esse meu irmão em Parnaíba eu tinha 11 anos, né? E nessa altura minha mãe morava sozinha com minha irmã solteira e um irmão mais velho do que eu um ano. E eu achei por bem, depois de estudar lá, morar cinco anos em Parnaíba. Eu fui morar com minha mãe para dar um apoio, estar mais próximo dela. Eu achei... não sei, assumi assim uma responsabilidade de ter que fazer alguma coisa pela casa, né? De ser o homem da casa. E aquilo realmente me criou desde aquela época uma responsabilidade muito grande no que diz respeito ao meu futuro. Então eu perguntava: “Pô, o que é que eu vou fazer? ” Então eu procurava buscar em mim, assim, uma coisa que me desse uma certeza, na época, de... porque no interior você não tem muito perspectiva de, assim: “Pô, o que é que é bom? Qual é a profissão que é boa? ” No interior você não tem noção disso, né? Então eu dizia assim: “Poxa, eu vou entrar na Marinha. ” A Marinha naquela época fazia muita propaganda de recrutamento de pessoal para servir na sua força tarefa, e aos 16 anos isso me despertou, né? Então eu vi uma forma segura de entrar e já ter uma maneira de como ajudar minha mãe, tá? Aí eu ingressei na Marinha eu tinha 16 para 17 anos. Entrei na Escola de Aprendizes Marinheiros. Então, naquela época que eu entrei, eu estava lá em Fortaleza. Aí, então, eu fui para Fortaleza nessa época para poder ingressar na Escola de Aprendizes Marinheiros, entrei com 17 anos, fiz um curso que é um curso preparatório, porque no Exército cumpre-se aqueles dez meses, que eles servem o Exército. Na Marinha você faz em um ano e seis meses esse curso, que serve como se fosse o Serviço Militar, aquele período que você cumpre. Então passei esse ano e seis meses na Escola de Aprendizes tendo toda a formação de área propedêutica e a militar, toda aquela formação profissional e após o término desse curso eles te dão a opção de você engajar, embora esse seja o objetivo maior da Marinha, que realmente ela precisa. Não é que nem o Exército que tem... porque na Marinha é carreira. E eu então ingressei em dezembro de 1963 na Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará, exatamente no auge da Revolução, que foi em 1964, né? E já entrei ficando logo um mês dentro do quartel, sem sair, porque nós ficamos de prontidão, mais rigorosa, né? Eu sem saber nem o que era militarismo, nós tínhamos que ficar presos no quartel sem sair para cumprir aquelas determinações da Revolução, não podia sair. E lá fiquei até maio, até abril de 1965, na escola. Então tive toda essa minha formação. Se eu tenho hoje uma disciplina de vida, eu sou muito rigoroso no cumprimento dos meus deveres, dos meus horários, tal... então, eu aprendi isso muito. A vida militar me ensinou muito a ser disciplinado e sobretudo obediente, cumprir as determinações. O Serviço Militar realmente é uma escola. Eu até lamento hoje toda essa juventude brasileira não ter a oportunidade de passar pelos quartéis.
P/1 - Quanto tempo o senhor ficou lá?
R - Eu fiquei... veja, na Escola de Aprendizes eu fiquei um ano e seis meses. Aí, jurei bandeira, que é o ato de jurar bandeira e ingressei realmente como efetivo na Marinha, né? Aí, embarquei e vim embora para o Rio de Janeiro. Foi o meu adeus do Ceará na época, foi esse. Aí vim embora, embarquei no navio Barroso Pereira que foi nos buscar, né? Nós éramos trezentos e poucos aprendizes que se formaram naquela época e todos embarcaram em maio de 1965 para o Rio de Janeiro e aqui nós fomos alocados no navio da esquadra da Marinha, aqui. E essa experiência é fundamental, como eu te falei, eu acho que todo jovem brasileiro deveria passar, que hoje a gente vê que algumas pessoas são rebeldes e não respeitam, assim, os pais, não têm uma disciplina exatamente porque não passaram a vida militar para saber valorizar até as coisas e ter uma disciplina própria, né? Então, continuando, eu vindo para o Rio de Janeiro nessa viagem da Marinha, nós chegamos aqui, nós fomos alocados nos navios que a Marinha tinha, né? Eu embarquei no Cruzador Barroso, era um navio de 185 metros de comprimento, a guarnição era composta de 1800 homens. Então, eram dois navios: o Cruzador Barroso e o Cruzador Tamandaré. Foram navios que lutaram na Primeira Guerra Mundial ainda pelos Estados Unidos, né? E esse Cruzador Barroso chamava-se S. S. Filadélfia, né? E ele foi reformado e depois vendido para Marinha brasileira. E eu servi como a maioria deles. O Minas Gerais, que é o nosso porta-aviões aí, ele era inglês, eles reformaram e venderam para o Brasil. É um gigante, é um elefante branco que tem no meio da Baía de Guanabara, que só serve para armazenar, guardar os helicópteros, os aviões ali, mas, hoje, se nós dependêssemos dele para defender o Brasil em alguma situação mais perigosa nós estávamos fritos, né? Porque realmente ele mal se desloca do lugar, de tão lento que ele é, uma tartaruga! Mas aí eu fiquei na Marinha, tal...
P/1 - E era divertido lá? O senhor tinha amigos? Fora essa missão, essas atividades que o senhor fazia na Marinha, o que é que o senhor fazia como jovem? Saía? O que era o cotidiano, por exemplo, na Marinha?
R - Na Marinha é o seguinte: você chega de uma cidade, você vem do Nordeste, vem de uma cidade de fora, você chega no Rio de Janeiro, se você não tem amigos é difícil de você formar uma amizade aqui. Então as amizades que a gente tinha eram mais ou menos amizades realmente a nível de Marinha, porque você passava o tempo todo dentro do navio. Você saía basicamente final de semana. Então, quer dizer, a possibilidade de você formar uma amizade cá fora era muito mais demorada do que se você morasse, fosse todos os dias em casa, se você via seus vizinhos e tal... e aqui eu não tinha essa oportunidade. Eu morava realmente no navio, mesmo porque eu não tinha aonde morar na época, aqui. E os nossos ganhos na época eram poucos, não é? E depois de algum tempo é que eu morei aqui na Haddock Lobo, que foi o primeiro lugar que eu morei. Morei numa república com outros dois colegas, né? E depois veio um outro irmão e nós moramos juntos numa república aqui na Rua Haddock Lobo, no Centro do Rio de Janeiro, mas de qualquer forma a amizade que a gente tinha era um pouco limitada, né? Eu saía às vezes de final de semana com esses colegas, né? Uma coisa que eu sempre fiz e hoje, dentro da Rhodia todo mundo me conhece por isso, é gostar de dançar, eu adoro dançar. Naquela época então, os programas de final de semana era sair para dançar, né? Nós saíamos à noite procurando bailes para dançar e tal... E hoje até, dentro da Rhodia, o pessoal me conhece como “pé-de-valsa”, porque realmente eu adoro dançar. Então a gente virava. Saía de um baile, ia para outro, chegava em casa de manhã.
P/1 - Paquerava muito? Arrumava muita namorada?
R - Olha, nos bailes sim, né? Mas eu na realidade, sempre fui mais calmo, assim, eu realmente não fui namorador.
P/1 - O senhor gostava de dançar?
R - Sou capaz de dançar a noite todinha, mas não aquela de que os “negos” vai para paquerar, não. Eu ia porque eu gostava mesmo de dançar. Eu gostava não, porque eu gosto, né? Era o meu objetivo principal. É lógico, podendo aliar as duas coisas, né? Mas o principal era a dança mesmo, que a gente gostava, né? E assim foi se passando o tempo na Marinha e eu fui aprendendo... e o importante é que quando eu ingressei na Marinha eu tive que descontinuar o meu estudo, né? Porque passei a me dedicar à parte propedêutica que a Marinha me ensinava. E eu sempre tive aquilo comigo, assim: “Eu tenho que me formar. ” E eu sempre me cobrei isso. Aliás, minha mãe, ela mesmo sendo viúva, nunca precisou chegar para mim e me forçar a ir para uma escola e tal. Cansei de... ia para a escola sozinho. Eu me lembro que na época, primeiro, que eu morava em Fortaleza, que eu tentava... eu andava vários... uns três ou quatro quilômetros a pé até o meu colégio, mesmo em Fortaleza, porque não tinha condições de pagar o transporte. Eu ia e chegava em casa às 11 horas da noite, 11:30, porque eu vinha andando por aquelas ruas escuras, mas nunca desisti, porque eu sempre coloquei na cabeça que eu tinha o propósito de me formar. Eu tinha que mostrar para ela que aquilo era meu e ela realmente não precisava se preocupar comigo. Então, eu acho que eu vim com uma determinação para aqui, para essa terra, de cumprir algumas coisas que acho que agora tenho que resgatar, e é uma das coisas que eu me cobro muito. Porque eu sou muito rigoroso na cobrança com horário, e com as minhas filhas e tal. Eu, hoje, chego aqui na empresa, sempre 6:40, sabe? Nunca gostei de chegar atrasado em lugar nenhum. Nem mesmo em encontro esportivo, e outros, qualquer coisa. Eu sempre gostei de chegar primeiro.
P/1 – Mas, hoje você chegou atrasado. [Risos]
R - Não, mas eu já estava aqui no escritório, já estava trabalhando, nada a ver com vocês. Mas é uma característica minha, sabe? Os meus vendedores, os meus representantes aqui, os meus colaboradores, quando eles vão para os hospitais... porque o nosso trabalho, a nossa _______, vamos falar um pouco mais tarde o que é o trabalho ________, ele requer realmente que nós estejamos cedo no hospital, porque a gente começa a falar com os anestesistas e esses são os primeiros médicos que chegam lá. Então, para gente falar com eles tem que chegar cedo, né? E eu normalmente chego antes deles. Eu chego lá e fico lendo e tal... porque eu gosto de levantar cedo. Mas, voltando lá ainda, para gente não sair da sequência lógica da entrevista, então na Marinha eu aprendi tudo isso. A ser assim, disciplinado. É a palavra exata sob todos os aspectos, né? E cumpridor realmente dos meus deveres, né? Tanto é que nós fizemos... quando eu ingressei na Marinha, a Marinha fazia muito daquele negócio: “Conheça o mundo ingressando na Marinha, tal...” E eu tinha aqueles desejos: “Pô, como é que eu vou conhecer o mundo? Eu não tenho recurso nenhum, eu vou ingressar na Marinha para realmente conhecer o mundo, pegar um navio desse aí e tal. ” E na realidade, para você fazer uma viagem de ouro dessa na Marinha, é dificílimo. Porque são poucas as pessoas que fazem essa viagem, dentro de um universo muito grande que existe de militar. E é um processo de seleção muito rigoroso. Ou seja, todo o guarda da Marinha, quando ele se forma, eles fazem a chamada viagem de ouro, é uma viagem que eles fazem de volta ao mundo, como treinamento, tá? E o meu desejo era fazer uma viagem dessa. Aí, tudo bem. Eu sei que eu ingressei na Marinha fazendo as minhas obrigações, fui fazendo aquilo que me era determinado e tal... eu sei que chegou uma época que um colega meu do quadro de subordinados ao qual eu pertencia, é muito mais difícil! Porque na Marinha existia muito esse negócio de “peixada”, é o Almirante que indica: “Ah, ali, você, tal. ” E eu não tinha Almirante nenhum para me indicar. Eu tinha um amigo meu e esse amigo era muito conhecido de um Almirante que tinha sido guarda desse Almirante, então surgiu a oportunidade e o Almirante encaminhou o nome dele para ele fazer essa viagem, e ele servia no mesmo navio que eu, no Cruzador Barroso. E o navio Custódio de Melo ia viajar, por exemplo, daqui a quatro dias. E chegou então o rádio - o rádio que a gente chama é a mensagem, né? - Na Marinha, no navio Cruzador Barroso, pedindo o desembarque dele do Cruzador Barroso para o Custódio de Melo, que ele iria fazer a viagem. Só que dois dias antes ele havia saído de férias e estava viajando de ônibus para o interior de Ceará e não tinha como contatá-lo e ele não ia ter tempo de retornar porque realmente ele estava de férias, né? Então o Oficial Comandante da minha Divisão dentro do navio me indicou para eu ir no lugar dele. E aí, eu fui, tive a oportunidade de fazer a viagem, né? Mas isso aí, como eu te falei, é uma seleção muito rigorosa que envolve comportamento, você tem que ter aquele exame todinho... e lá existe, na Marinha, um livro que a gente chama um “livro de castigo”... ou seja, toda a falha... é igual o Código de Trânsito de hoje, toda falha que você comete você é punido, né? E você perde até ponto. E a promoção, na Marinha, ela é muito demorada. Então, cada vez que você for para o “livro de castigo” você vai perdendo ponto e cada vez mais você vai se distanciando da sua promoção. E eu nunca havia perdido ponto na Marinha, por indisciplina ou qualquer coisa, então não tinha sido mencionado no livro e era um dos requisitos básicos para você poder fazer aquela viagem. E como eu realmente não tinha, o meu Comandante me indicou. Aí eu fui, eu fiz a viagem maravilhosa, passei três meses... na época, nós passamos, foram seis meses a viagem, foram três meses viajando da Argentina até Belém, foram seis meses aqui na América do Sul.
P/1 - Você descia, conhecia a cidade? Como era o cotidiano?
R - Conhecíamos todas as cidades que nós parávamos. Nós tínhamos um critério: metade da guarnição ficava de serviço e a outra metade saía à passeio para conhecer os pontos turísticos, né? Ficaria dois dias de serviço direto e a outra metade ficaria dois dias... se fossem quatro dias a nossa demora nesses portos. Então aquilo já era convencionado, e todos os portos em que nós chegávamos a metade saía, metade ficava. Quando a outro voltava, então a outra ________.
P/1 - E qual era o serviço? O que vocês ficavam fazendo no navio?
R - Serviços gerais, de convés, né? Como limpando, arrumando, arrumando, tal... limpando os canhões, deixando o navio sempre bonitinho porque é um navio de representação, tinha que estar sempre pintadinho, aquele negócio.
P/1 - Tinha visitação, assim?
R - A visitação, quando eles chegavam, nós abríamos à visitação pública. O pessoal visitava, nós mostrávamos o navio, os armamentos todinhos, a funcionalidade, tal... basicamente isso aí, né? Então passamos para Europa e passamos dois meses viajando direto para Europa.
P/1 - Mas e se tivesse guerra, o senhor _______ que podia ter? Uma guerra, uma coisa assim?
R - Nessa época que nós participamos era difícil, né, não tinha. Mas na nossa missão não estava envolvido o aspecto de guerra. Aí, teria que mudar totalmente a filosofia da viagem, que a viagem era de treinamento puro, né, dos guardas da Marinha.
P/1 - Mas era para treinar pra...
R - Era simulação, tinha todos os exercícios de guerra, tudo isso nós fazíamos na viagem.
P/1 - Então, isso que eu estou falando. Mas vocês esperavam que pudesse acontecer pelo contexto da história da época?
R - Não, não, não. Na época não tinha, realmente o mundo estava numa situação calma, nós fazíamos essa viagem... como existe até hoje, todos os anos a Marinha faz. Se existisse, por exemplo, algum conflito, jamais nós iríamos passar lá. Mas a viagem ela é exatamente para simulação de todos os exercícios de tiro e de guerra, tal. Nós saímos daqui fomos direto para a Ilha da Madeira, em Funchal, a capital Funchal, entramos no Mediterrâneo, fomos para Nápoles, na Itália, ficamos lá seis dias. Nesses seis dias, a metade da tripulação saiu, foi visitar, foi à Roma, voltou... eu tive a felicidade de ir na segunda turma, que nós fomos num dia de Domingo, nós fomos à Praça São Pedro, nós recebemos a bênção papal do papa João Paulo VI, que coincidentemente aniversariava no mesmo dia que eu, dia 26 de setembro. E realmente voltamos, viemos para Espanha, fomos para Portugal, fomos para França, Alemanha... A nossa viagem estava prevista a ir à Suécia e à Dinamarca, né? Mas só que no transcurso da Itália para Espanha o navio deu um problema na caldeira, queimou lá uma peça, nós tivemos que passar 11 dias em Lisboa para consertar, né?
P/1 - Que chato, né? [Risos]
R - Não, pior que foi, porque isso aí comprometeu o restante da viagem, dos outros países, porque o tempo tem que ser cumprido. Se forem dois meses seriam dois meses. Então nós deixamos de ir à Suécia, que é um país que eu gostaria de conhecer muito, para até conhecer a cultura de povos diferentes, né? Como eu conheci desses países na época, da França, da Alemanha, do italiano, aquele jeitão louco do italiano ser, que eles conversando na rua parece... você reconhece ______________ lá em São Paulo, né? O espanhol, português... então eu também tive uma lição de vida muito grande nessa viagem, né? Você aprende muito a valorizar inclusive o que é nosso. E hoje, em realidade, até mesmo em função disso, eu defendo muito meu país. Eu acho que o brasileiro antes de querer conhecer os Estados Unidos, querer conhecer qualquer coisa, acima de tudo, teria que conhecer o que o Brasil tem de bonito para até chegar lá fora e valorizar: “Poxa...” Porque a gente vê uns países aí, eles fazendo promoção das ruínas deles, que aquilo é ponto turístico. O que é que a Itália tem? É ruínas, é a Roma antiga, você vai para Nápoles, vai em Vesúvio na cidade de Pompéia _______ pelo vulcão... e aquilo são pontos turísticos que levam milhares e milhares de turistas para lá o ano inteiro. E nós com riquezas naturais belíssimas aqui que nós temos, que o Brasil poderia explorar isso para turistas, infelizmente não consegue vender isso lá para fora. Então eu acho que nós tínhamos que passar isso para... temos que mudar nossa cultura com relação à imagem do nosso país e vender isso.
P/1 - E aí, depois da viagem... acabou a viagem...
R – Aí, voltamos da viagem e tal... então, para você ter uma ideia, nós voltamos de uma das viagens mais bonitas... de tudo isso que nós vimos eu aprendi a ver realmente a cultura dos povos, porque se fala: “Ah, porque lá fora a pessoa vive, o salário mínimo lá fora é muito maior, é melhor que o brasileiro. ” É, só que em compensação você não come um bife com o salário mínimo lá de fora. O custo de vida é muito mais caro. As pessoas pensam no que ganham, não pensam no que vão gastar. Então, até isso você valoriza. Hoje, no Brasil, com o salário mínimo a pessoa consegue fazer uma cesta básica. Não consegue viver bem, não consegue. Mas pelo menos consegue se alimentar. A gente vê isso. Então nós voltamos, né? Voltamos da Alemanha, que foi o último porto, que lá mantivemos esse contato. Aí voltamos, viemos para o Rio Amazonas, subimos o Rio Amazonas todo, maravilha de viagem. É isso que eu ia te falar, um dos espetáculos mais bonitos que tem é você subir o Rio Amazonas de navio. Aí, voltamos para o Brasil, chegamos aqui, a tripulação vinha tão satisfeita com a viagem que até serviço que a gente tinha que fazer quando o navio parasse, nós fazíamos mesmo com o navio em alto mar, ou no Rio Amazonas, ou seja, pintar mastro e tal... E no Rio Amazonas, como era bonito e o mastro tinha que ser pintado, eu me ofereci, fui voluntário para pintar o mastro do navio e tal, antes de chegar em Manaus. Eu falei: “Eu gostaria de chegar em Manaus e ter tempo livre também para ir passear, né? ” E aquilo... realmente, recebi até uma menção honrosa em função da minha espontaneidade em fazer aquilo, me deram um álbum do navio na época, _________ que ele tinha feito. E eu fui indicado para fazer a segunda viagem, e essa seria em torno de um ano e que foi em torno do mundo realmente, foi para o Japão, tal... só que faltando dois dias para o navio sair, um Almirante achou de colocar um apadrinhado dele no meu lugar. Ah, eu me revoltei com aquilo! E aquilo foi o suficiente para me revoltar. Eu achei realmente desagradável e eu estava... porque na Marinha tinha isso, você assina contrato, e o contrato naquela época era coisa de cinco anos. Então antes de cinco anos você não pode sair, se você sair você é considerado desertor. E o meu contrato estava expirando exatamente naquela época e aí eu fui pedir baixa da Marinha.
P/1 - O senhor estava com quantos anos, isso?
R - Eu estava com 23 anos.
P/1 - Mas aí o senhor já tinha se formado no colégio, no colegial...
R - Não, não. Na época eu estava exatamente embarcado aqui no Rio de Janeiro.
[pausa]
R - A Marinha tinha uma escola preparatória aqui que ministrava esses cursos que é reconhecida pelo MEC [Ministério da Educação], porque era realmente rigorosa, né? Lógico, ________ experimental, os caras não iam facilitar. Então, o que eu fazia? A Marinha, para você dar serviço, não é que nem o Exército, são duas horas e você folga quatro. Na Marinha não, são quatro horas direto. Quer dizer, se você entrasse de serviço à meia noite você saía às quatro horas da manhã, tá? E é um horário desgraçado para sair, porque até à meia noite você não consegue dormir nada, então você já ficava com aquela expectativa. Quando dava onze e meia você já começava a acordar para dar serviço à meia noite e ia acordar às quatro horas da manhã e ________ às sete horas, porque você dormia das quatro, hora que chegava até o beliche, e acordava às sete horas. Então o que é que eu fazia? Para eu poder continuar com os meus estudos eu trocava. Quando eu estava de serviço de oito à meia noite, eu trocava de zero hora às quatro para poder ir fazer meu curso à noite. E dormi muitas vezes às quatro horas da manhã para poder dar continuidade aos meus estudos. Por isso que eu valorizo muito, né? Quer dizer, tudo que eu consegui foi com muito sacrifício e é por isso que eu valorizo muito.
P/1 – Aí, quando você saiu da Marinha você tinha algum plano? O que é que você foi fazer?
R - Quando eu saí da Marinha fui exatamente... é aquela grande dúvida, você está num local onde você tem estabilidade, você tem comida, tem roupa lavada, tem o seu dinheiro, tem tudo. A Marinha é militar, aquela coisa, você tem tudo. Aí, eu novo, doido para sair, você pega aqueles mais antigos dentro da Marinha que falam: “Você é louco, você vai sair? Você tem tudo aqui, você vai trabalhar lá fora com português? ” Mas eu falei: “Poxa, mas o meu objetivo eu já cumpri. O meu desejo era entrar na Marinha e conhecer o mundo e eu já fiz, já tive essa oportunidade. Eu vou quebrar a cara, eu vou trabalhar lá fora, eu me acho capaz, eu vou tentar uma faculdade. ” E saí. Pedi baixa e saí. Quando eu saí, aí, eu já tinha primos que trabalhavam na indústria farmacêutica, né? E eu agradeço até a eles, porque eles me deram uma força: “Então, olha, sai mesmo...” Porque você fica com aquela dúvida, mesmo que você queira, você fica com aquela dúvida: “Será que vai dar certo? ” Aí, eles falaram: “Sai, sai que a gente arranja uma coisa para você. ” Felizmente naquela época emprego não era tão difícil.
P/1 - Você já tinha primos aqui no Rio de Janeiro?
R - Tinha. E que trabalhavam na indústria farmacêutica, inclusive trabalhava na Reutsche.
P/2 - E aí você foi morar com ele?
R - Não, ele morava nessa mesma república. Então eu morava com meu irmão já nessa república e ele também, então... aí ele disse: “Ah, sai, se você não conseguir nada a gente arranja na indústria. ” Aí, foi indo. Só que quando eu saí eu tinha um colega que também trabalhava nessa república, que era vendedor da Pelican. Você deve já ter ouvido falar, a Pelican vendia material de escritório, caneta, tinta, tal... papel carbono, fita de máquina, material de escritório em geral. É uma fábrica alemã chamada fábrica Günter Wagner, que o nome genérico dela era Pelican. Era muito conhecida na praça, fechou há alguns anos aqui no Rio de Janeiro. Aí, ele foi e conseguiu para mim. Nunca tinha trabalhado em vendas, não sabia nem o que era isso e ele arranjou o emprego para mim lá. Fui trabalhar e ganhei muito dinheiro. Eu só ganhava 4% de comissão sobre as vendas, não tinha nem um tostão fixo em carteira, mas eu ganhava muito dinheiro. De repente eu comecei a ganhar naquela época 1.300 cruzeiros por mês, era um dinheiro fantástico, comprei geladeira, televisão para botar lá no quartinho onde a gente morava.
P/2 - Mudou sua vida?
R - Mas mudou, realmente. Mudou, tal...
P/1 - Você tinha tino para ser vendedor?
R - Olha, naquela época eu até achava que não, porque eu sempre me achei uma pessoa tímida. Eu passei a ser mais, assim, extrovertido a partir do momento em que eu comecei a lidar com a venda, de dizer assim: “Ou eu me solto ou eu me ferro. ” Aí, eu comecei, mas mesmo assim, eu ainda me considero uma pessoa tímida.
Eu não sou tão extrovertido como eu gostaria de ser, como muitos vendedores são, né? Eu ainda sou meio tímido, eu me considero. Então entrei, né? Estava lá, trabalhei um ano na Pelican, né? E saí. Após um ano me mandaram embora. O mês que eu mais vendi, cheguei lá e me mandaram embora.
P/1 - Por que mandaram embora?
R - Não me deram explicação até hoje. Sabe a primeira decepção que você tem na vida? E foi essa que eu tive. Eu falei assim: “Pô, mas...” Os patrões eram alemães, era o tipo do cara que se você chegasse lá com um pedido na mão ele faltava te arrebentar os pulmões, de bater nas suas costas: “Oh, parabéns seu Fontenele. ” Aquele jeitão dele de alemão. Em suma, aí, eu sei que eu vendi... em outubro foi o mês que eu mais vendi, foi em outubro. E quando foi em novembro eles me liberaram. Também não entendi, tentei pedir explicação, mas... não houve nada que justificasse minha saída. Aí, eles falaram que o potencial do setor era maior, que eu poderia estar vendendo mais, mas dentro das minhas possibilidades de vendedor eu acredito que eu estava fazendo o máximo, que eu vinha num crescente de venda, mas eles sempre realmente queriam mais. Mas, tudo bem. Saí, aí, entrei na indústria farmacêutica, meu grande passo, minha grande escolha. Então disse: “Bem, então vou trabalhar na indústria farmacêutica. ”
P/1 - Porque o senhor já viu seus primos...
R - Já tinha visto meu primo, então via como é que ele trabalhava. Ele me mostrou realmente como era, eu tive trabalho que era feito... era visita médica, consultório, aquele negócio... e INPS [ Instituto Nacional de Previdência Social], ambulatório, INPS, que aqui no Rio de Janeiro tem muito. Conclusão, aí, ingressei na indústria farmacêutica, num laboratório chamado Nikkho do Brasil. É um laboratório que na época era considerado um dos mais exigentes, até contra o ________. É muito grande! A pessoa trabalhava em torno de quatro, cinco meses e começava a pegar prática do ramo e mudava rapidinho para casa, na hora. Porque felizmente, naquela época, o trabalho na indústria, a facilidade de emprego na indústria era fácil. Você trocava de cada, assim... você não gostava, trocava, ia embora. Hoje não, né? Como em qualquer ramo de atividade no Brasil a dificuldade de emprego é grande. Mas naquela época, tinha muitas oportunidades. Você pegava o jornal final de semana, o que mais tinha era anúncio pedindo propagandistas-vendedores, era o nome que saía. Aí, eu entrei na Nikkho, comecei a trabalhar. Mas eles tinham um critério de exigência de trabalho muito fora da realidade da indústria. Eles pediam que você visitasse 20 médicos na parte da tarde. Era um troço absurdo! Você não tem... em sã consciência você não consegue fazer. Só se você fosse desonesto. E eles começaram: “Não, porque você tem que fazer, que...” Se você entra num plantão você consegue. O que mais tem é médico em plantão no hospital. Você chega lá e visita dez, quinze médicos, rapidinho. Mas se você for a nível de consultório você não consegue, você tem que respeitar o horário do médico, que ele está atendendo o paciente e tal, você não vai chegar lá e o médico vai abrir a porta e vai te atender. Ele tem que atender os pacientes dele para depois te atender. E demanda muito tempo. Então, o máximo que você consegue fazer é dez, onze, doze visitas. E eles foram me cobrar e eu disse assim: “Olha, eu não consigo fazer. No setor que eu faço eu não consigo atingir isso aí. Se vocês me derem um plantão eu faço, mas eu não quero é ser desonesto com vocês. ” “É melhor você fazer senão você vai mandado embora. ” Aí eu disse: “Bem, então vocês escolhem. Eu prefiro ser honesto. ” Eu sei que além de trabalhar a semana toda no sábado de amanhã ainda tinha reunião lá na Ilha do Governador, até meio dia. Aí, eu sei que chegou sábado, e eu como não cumpri as determinações, fazer 20 visitas à tarde... e eu achei por bem fazê-lo assim, que eu jamais iria fugir dos meus princípios de ser desonesto para agradar uma pessoa e para fazer uma coisa que não era ____ para o laboratório. Aquilo não justificava nada, porque o que é que adianta colocar o número ali e não acontecer? E não estar trazendo resultado nenhum para o laboratório? Então me liberaram, mas uma semana depois eu já estava empregado, para você ver como era... eu arranjei um outro emprego num laboratoriozinho menor, Laboratório Terápica Paulista.
P/1 - Quantos anos o senhor tinha aí?
R – Aí, eu tinha uns 24 anos, por aí, uns 24 anos. 23 para 24 anos, é, por aí. É, 24 anos. Aí eu sei que eu entrei no Terápica Paulista, um laboratoriozinho pequeno, salariozinho... por exemplo, a média do salário da indústria era 1200 cruzeiros na época, eles pagavam 440, tá? Aí, comecei, tal... dava para me alimentar e pagar..., mas o que é que eu vivia? Eu queria exatamente ter uma formação dentro daquilo que eu queria para exatamente galgar uma casa melhor. Então fui procurando. Quer dizer, como é que você vende? É estando na vitrine, é trabalhando junto com as pessoas ali. Então comecei a trabalhar, a fazer o meu trabalho honesto. Eu sei que eu estava dentro de um plantão desse numa sexta-feira à tarde, quando eu encontrei um supervisor da época, de um outro laboratório, o laboratório Wander do Brasil, que fabricava e fabrica o Ovo Maltine. Aí, ele me viu trabalhando numa casinha pequena, sem material, então sexta-feira à tarde chegou para mim assim: “Escuta, garoto, gostei de ver. Você, sexta-feira à tarde, aqui nesse plantão trabalhando, com esse materialzinho aí. Gostei de ver a maneira como você está trabalhando. Eu estou com uma vaga no meu laboratório e você faz o seguinte, você pode ir no seu laboratório - falou assim mesmo. Você vai na sua casa, pede demissão, segunda-feira você me procura nesse endereço. Você vai trabalhar comigo, você não vai fazer teste, não vai fazer prova nenhuma, vai fazer comigo. Quanto é que você ganha aí? ” Eu falei: “440 reais. ” “Seu salário lá vai ser 1200. ” Bom, quem não mudaria, né? Aí, então na segunda-feira... então, foi tão... eu realmente andava fazendo entrevista em alguns laboratórios, que a gente fazia, e estava aguardando ser chamado. Tinha feito no Sarsa [Laboratórios Silva Araújo-Roussel], tinha feito na Merrel... eu sei que eu fui.
P/1 - Na Rhodia você não tinha feito ainda?
R - Não, na Rhodia não tinha feito. Eu sei que eu fui para Wander, fui lá na segunda-feira de manhã. Aí, ele me apresentou lá aos gerentes lá da empresa, disse: “Olha, esse rapaz vai trabalhar comigo, então ele vai ficar nessa área aqui. Eu o vi trabalhando, conheço o trabalho dele, ele não vai fazer qualquer tipo de teste. O teste dele eu já vi no campo. É só assinar a carteira dele e ministrar as aulas que ele tem que saber sobre os produtos. ” Aí, ingressei, quer dizer, uma coisa que foi realmente gratificante, né? Eu estava trabalhando há uma semana com eles... eu me lembro que no sábado seguinte... na sexta-feira, eu cheguei à tarde em casa tinha um telegrama para mim. Quando eu fui ver era um telegrama do Sarsa. O Sarsa naquela época era um dos melhores laboratórios que tinha para se trabalhar no mercado porque ele tinha um salário, para você ter ideia, exatamente o dobro do que eu estava ganhando no Wander, né? De 2400 cruzeiros. Quer dizer, o dobro do que eu estava ganhando
P/1 - E já tinha melhorado bem do que você estava no ________.
R - Já tinha melhorado. Olha, aí eu recebi aquele telegrama... ____________________ dia de sábado normalmente tinha expediente. O que é que eu fiz? No sábado eu fui lá no Sarsa. Peguei o telegrama deles e fui lá. Eu fui exatamente agradecer a eles o convite que eles estavam me fazendo, a oportunidade, mas que eu tinha terminado de entrar no Wander e pelas características de como fui convidado, e de como fui visto e reconhecido, a confiança que foi depositada em mim, eu estava perdendo dinheiro, mas eu ia honrar com a minha palavra, porque eu acho que a palavra não tem preço. O cara do Sarsa não sabia, ele disse: “Pô, olha, coisa rara isso de ver. Meus parabéns, você mostra que realmente nós estávamos certos no momento que estávamos te convidando para vir para cá, a sua integridade, tal... Fique sabendo de uma coisa, se você não der certo lá aqui as portas continuam abertas para você. ” “Por isso que eu vim exatamente falar com vocês, porque eu assumi...” Aí, eu levei o telegrama na segunda-feira para o Wander. Cheguei lá mostrei para o meu supervisor: “Olha, recebi isso aqui. ” “Puxa, cara, não acredito, tal... você vai nos deixar? Mas a escolha é sua, realmente é um salário que você não pode desprezar. ” Mas aí eu contei para ele tudo o que já tinha feito, que já tinha ido lá agradecer a eles a oportunidade, então, o cara não sabia onde me colocava, né? E assim eu fiquei. Fiquei lá, trabalhei um ano e cinco meses nessa empresa do Wander, honrei com os meus compromissos ali, até que em 1972 a Rhodia estava fazendo uma reformulação no quadro de funcionários e a Rhodia só admitia na época farmacêuticos, né? Até então ela só admitia farmacêuticos nos seus quadros.
P/1 - Até 1972?
R - É, um pouquinho antes de 1972. Em 1971 ela já vinha reformulando e ela queria realmente colocar mais. Ela tinha mandado uns farmacêuticos embora e ela queria colocar gente que não fosse farmacêutico. Aí, eu ingressei. Fui convidado, eu vim fazer entrevista na Rhodia.
P/1 - Mas você foi convidado por quem?
R - Pelo colega que trabalhava no meu setor também, lá em Ipanema, né? Ele me convidou para ir lá.
P/1 - O que é que era? Um propagandista?
R - Um propagandista.
P/1 - Você conversava...
R - Exatamente. Ele conhecia o meu trabalho, eu trabalhava todo dia com ele, a gente fazia o mesmo serviço, eu no meu laboratório e ele no dele. Então como ele conhecia o meu trabalho, sabia como eu trabalhava... e na indústria tem muito disso, né? Da gente convidar quem a gente conhece, saber qual é o perfil da pessoa no campo para você poder dizer assim: “Pô, essa pessoa merece dividir comigo aqui a responsabilidade, a cobertura de cota, então...” Muito disso aí, realmente, as indicações da indústria eram feitas assim, via o próprio representante local.
P/1 - E o que é que o senhor conhecia da Rhodia antes? Qual era o conceito que ela tinha quando o senhor não tinha entrado ainda?
R - Exatamente em função do tempo que eu já tinha de mercado eu já via o conceito que a Rhodia tinha como indústria farmacêutica junto à classe médica. Quando falava “Rhodia” os médicos sempre já... se você falava “Terápica Paulista” eles faziam assim, sabe? Não te abriam um sorriso de uma indústria de pesquisa como era a Rhodia. A Rhodia é uma empresa multinacional, é reconhecida no mundo inteiro e soava bem para os médicos, né? Rhodia. Era uma empresa que todos queriam trabalhar. Como era o Sarsa na época e tal. Aí, para mim foi um orgulho trabalhar na Rhodia. Entrei naquela época e a Rhodia estava lançando inclusive o Ronal, que era o Ácido Acetil Salicílico em microgramas revestidas, que era uma revolução. Porque a Aspirina você sabe que ela dá muita dor gástrica, né? E a Rhodia inventou um processo todo especial de micro revestimento e fez o revestimento dos comprimidos de Ronal e nós passamos a vender uma Aspirina ética, que na época a Aspirina era mais popularizada, tal... só tinha a AAS, a Aspirina mesmo da Bayer, tal.
P/1 - Quem é que contratou o senhor? Quem foi o seu chefe na época?
R - Na época o meu supervisor era o Ptolomeu (Casale?).
P/1 - Quem era o chefe da Divisão de Propaganda e Vendas?
R - O gerente daqui da filial era o Luís Fernando de Andrade Passos. Ele era o gerente daqui. A Rhodia tinha uma estrutura muito grande. Era, na época, só aqui no Rio de Janeiro, 46 ou 48 representantes que tinham. Só na cidade do Rio de Janeiro. Era um quadro realmente muito grande e tinha uma estrutura muito interessante, porque cada gerente distrital, que na época era supervisor...para você ter ideia a Rhodia tinha um escritório central aqui e cada supervisor tinha uma miniagência, quer dizer, tinha uma em Copacabana, tinha uma no Meier, tinha uma na Penha, tinha outra em Niterói, sabe? É como se fosse funcionando uma miniagência, com auxiliar de escritório e tudo. Funcionava tudo assim. É lógico, depois os custos foram aumentando aí acabaram com esses escritórios distritais e centralizaram todos em um só que passou a ser na Rua Senador Dantas, né?
P/2 - O senhor quando entrou, entrou em qual dessas regiões?
R - Eu entrei em Copacabana. Na Rhodia entrei em Copacabana, no dia primeiro de setembro de 1972.
P/1 - Aí você tinha que fazer as visitas em Copacabana?
R - Era. Então, para você ter ideia, quando eu entrei na Rhodia, eu costumo passar isso muito como exemplo para os meus representantes que hoje entram na empresa, eu morava no Meier na época, né? E a Rhodia naquela época não dava carro para gente. Eu levava do Meier para Copacabana uma hora de ônibus. Então eu levantava às cinco horas da manhã, pegava a minha pasta de propaganda, mais uma bolsa cheia de remédio - porque não dava para voltar em casa, tinha que levar material para o dia todo - e ia trabalhar. Ia para Copacabana, pegava o ônibus. E assim trabalhei oito anos na Rhodia, sem ter carro da empresa. Eu depois de cinco anos de empresa comprei um carro para mim, trabalhava por conta própria com meu carro. Mas carro da empresa não. Hoje a pessoa entra na empresa já tem carro, recebe o carro da empresa, né? Às vezes você vê “nego” reclamando: “Pô, quando é que vão trocar meu carro? Esse carro é modelo antigo! ” Eu normalmente cito isso para ele como exemplo, assim: “Olha, eu trabalhei oito anos pegando ônibus, “negão”. ” Então acho que por isso, hoje, eu valorizo. Eu acho que carro da empresa você tem que ter cuidado, tal... por isso hoje eu faço parte até do comitê de segurança da empresa, que eu sempre cobrei isso das pessoas, a manutenção adequada do veículo. Não é porque é da empresa que a pessoa não possa ter cuidado. Por isso, até hoje eu faço questão de cobrar e passar isso para as pessoas novas que estão entrando na empresa, o que é, qual foi o meu passado aqui dentro, como é que eu iniciei minha carreira, e até para valorizar as coisas, né? Tem gente que infelizmente, como tem as coisas fáceis, não valoriza muito. Não é só na indústria, mas em qualquer ramo de atividade, qualquer situação da vida. Quando a coisa vem muito fácil realmente não são valorizadas, né? Então ingressei na Rhodia e permaneci até hoje.
P/1 - E o primeiro produto que você pegou foi o Ronal?
R - É, na época o Ronal estava em lançamento, né? Então ainda peguei a fase de lançamento do Ronal ...
P/1 - Aí você teve treinamento? Como é que foi?
R - Tive todo o treinamento de formatura, tivemos aulas e como todo produto que a indústria farmacêutica lança, nós tivemos toda uma preparação. E a Rhodia sempre primou por isso, de nos formar, de nós irmos para o campo sabendo realmente o que iríamos falar para os médicos. Então, quando você sai, você sai seguro daquilo que vai falar. Então, eu tive todo aquele treinamento: aulas sobre o Ácido Acetil Salicílico, sobre o mecanismo de fabricação e o processo de micro revestimento do produto. E realmente, o Ronal, na época, foi uma revolução. É um produto que alavancou as vendas da Rhodia, que era uma aspirina moderna, que a gente falava. Porque o médico... porque se você fosse ao médico e ele quisesse prescrever uma Aspirina, você pagava às vezes um preço caro na consulta e aí: “Pô, vou ao médico e ele receita Aspirina? ” Mas na época era um excelente... como ainda é um excelente produto. Então __________, Ronal, a pessoa estava tomando uma Aspirina sem saber que era Aspirina. É uma Aspirina ética.
P/1 - E o senhor sentiu diferença... por exemplo, no treinamento que o senhor teve para lançar um produto em relação a outros laboratórios?
R - Ah, sim. Primeiro, no outro, nesse que eu te falei, Terápica Paulista, nem treinamento eu tive. Eles pegaram uma literatura, uma peça, bota na tua mão, uma amostra, bota dentro da pasta e aí: “Vá visitar médico. ” Eu me lembro que a primeira vez que eu fiz aquilo, cheguei no hospital fiquei abestalhado, sem saber o que fazer: “O que é que eu vou fazer com esses papéis e com essas amostras dentro da pasta? ” [Risos]. Eu me lembro que na minha primeira experiência eu entrei, aí, eu procurava ver o que é que os outros colegas faziam. Quando eu cheguei na frente de uma médica - eu até a agradeço a ela isso - porque quando eu cheguei na frente dela eu fiquei branco, fiquei pasmo. Aí, ela: “Pois não, meu filho, fale. ” “Doutora, eu não sei o que é que eu vou falar. É meu primeiro dia, me botaram isso aqui na mão e me mandaram vir falar com a senhora. ” Te juro, né? E ela até entendeu a minha situação: “Olha, meu filho, não fique nervoso não, isso é normal. ” [Risos]. É, realmente eu fiquei paralisado na frente da médica sem saber o que falar. E ela virou-se para mim... porque se eu pego um outro médico mais rigoroso e se ele me desse até uma bronca, talvez eu tivesse tido até um trauma, como muita gente tem, né, aquela decepção, do cara: “Ah, eu estou apressado...”. Não, ela realmente foi... por isso eu te falo... eu realmente esqueci o nome dela, tantos anos foram, né? Isso foi em 1971, você vê. Então ela chegou para mim, ela viu aquela minha situação e eu fiquei parado olhando para ela e ela olhando para mim e eu sem saber o que falar: “Meu Deus, o que é que eu vou falar? ” Que eu tinha... o que é que eu tinha feito? Eu peguei a bula dos remédios e decorei as fórmulas, tá? Só que eu decorei mesmo, sabia miligrama por miligrama de tudo o que estava ali dentro, mas só que quando você chega no médico você tem aquele impacto e te dá aquele branco. E tu não sabes nada: “E agora, o que é que eu vou falar para médica? Nossa, eu não sei nem para que é isso. ” [Risos]. Aí, ela me falou: “Tudo bem, meu filho, eu entendo a sua situação. O que é que você tem aí na sua pasta, me diga o que é que você tem. ” Aí, eu comecei a citar os nomes dos remédios: “Olha, doutora, eu tenho isso aqui, eu tenho isso aqui, eu tenho isso aqui, eu tenho isso aqui...” “Ah, tá, então me dá isso aqui, isso aqui me serve, isso aqui não me serve, tal... Você me deixa isso aqui. Para os outros médicos você fala a mesma coisa, você diz: ‘Olha, doutor, eu tenho esse remédio que é para isso...’” Ela me indicou os rumos... A médica me indicou o que é que eu deveria falar para você ver o absurdo e o impacto. Aí, eu comecei, né? Como eu visitei naquele dia 20 médicos, aí, já deu para eu... a cada médico eu fiz uma coisa diferente. E aí, foi o começo de toda a minha vida na indústria farmacêutica. Agora, você vê o que é, na época, realmente as indústrias menores não se preocupavam com esse negócio de treinamento. A própria Nikkho, mesmo, que tinha uma linha muito boa e era muito bem aceita pelos médicos, eles não se preocupavam com a tua formação, saber se você estava capacitado de passar aquela informação para os médicos. E eu comecei... então entrei na Rhodia em 1972, comecei a sentir a diferença naquele treinamento. Nós recebíamos na época, para você ter ideia, toda vez que nós mudávamos de ciclo de propaganda, que o ciclo era mensal, nós recebíamos um material, um manual desse tamanho que se chamava Veículo. Era ali onde estavam as informações, os veículos de informação. Veículo, foi o primeiro manual de treinamento que nós tínhamos. O que era esse Veículo? Esse Veículo, então, tinha o seguinte, todas as propagandas elas vinham montadas, tudo o que você tinha que falar, então você já treinava aquelas propagandas, sabia o slogan do produto que você ia falar para o médico. Então você não chegava diante dos médicos feito um abobalhado da corte. Você já sabia, você chegava diante do médico sabendo o que você ia falar do produto, para que ele se propunha, as principais patologias que ele era indicado, a posologia... então, você já sabia se posicionar diante do médico, aí, você já começava a ter segurança. Agora, é o que eu falo hoje para o pessoal... por exemplo, cada especialidade médica tinha uma propaganda diferente do mesmo produto. Por exemplo, Ronal, se eu fosse para otorrino, para clínica médica, para ginecologista, para cardiologista, cada especialidade médica tinha uma abordagem diferente. Então nós éramos obrigados a decorar as várias abordagens. Era obrigado a saber ipse literis, vírgula por vírgula. Tanto é que tem mensagens daquela época que eu gravo até hoje, né? De alguns produtos do passado que tinham slogans bacanas.
P/1 - Fala algumas. Você lembra alguma?
R - Nós lançamos Soripal, né? Soripal foi um anti-inflamatório que a Rhodia lançou também na década de 70, que era um anti-inflamatório periférico. Nós já tínhamos o Profenide, mas nós lançamos o Soripal. Aí, nós tínhamos até uma mensagem muito legal que era baseada numa mensagem de Vinícius de Moraes, que ele dizia o seguinte: “Que me perdoem as feias, mas a beleza é fundamental. Para flebites, tromboflebites e varico tromboses prescreva Soripal. ” E rimava, né? Que legal! [Risos]. Então a gente falava: “Que me perdoem as feias, mas a beleza é fundamental. Para processos inflamatórios de varizes...” [Risos]
P/1 - E quando você falava isso para o médico, como é que ele ficava? Você falava isso no consultório?
R - Falávamos.
P/1 - Recitava isso?
R - Nós falávamos isso exatamente.
P/1 - Você abria em que momento? Como é que era?
R - A abertura da mensagem era essa. Quando eu ia falar do Soripal ...
P/1 - Faz de conta que eu sou um médico, aí, você ___________
R - Isso estava escrito na nossa peça.
P/1 - Mas aí vocês chegavam lá, e estava lá e falava: “Pois não, pode entrar. ”
R – Aí, eu falava... aí, quando eu pegava a outra peça: “Que me perdoem as feias, mas a beleza é fundamental. ” E estava escrito lá, então: “Olha, isso aqui já é uma mensagem de Vinícius de Moraes...” Aí, isso era um introito que nós tínhamos para ir... Aí, isso aí você fazia uma ponte que é a passagem que você faz para mensagem: “Então, nos processos inflamatórios como flebite, tromboflebite e varico trombose prescreva Soripal. ” O que dava até uma certa rima, né? Os médicos aceitavam, de certa forma, que eles...
P/1 - Mas eles davam risada? O que é que ele fazia? Ele gostava?
R - Alguns sim, outros mais sérios realmente ficavam na deles, né? Mas acontecia dessa forma. Para você ver como as coisas vinham... nós tínhamos as mensagens que eram as mensagens PAID, é uma sigla americana que quer dizer enlatado, elas já vinham pré-estabelecidas, já vinham formadas. Chama PAID, P-A-I-D, porque exatamente são aquelas mensagens que já vinham prontas para você passar para o médico. Então, você começa a ter um processo de formação. Quer dizer, o que eu falava, aqui no Rio de Janeiro, todos os colegas no Brasil inteiro falavam a mesma coisa. Então por isso passou a ser uma coisa uniformizada a mensagem padrão. E foram surgindo coisas novas na empresa. Em 1973, nós lançamos um produto chamado Nootropil. E esse produto, a Rhodia também ganhou prêmio como produto de lançamento do ano. Foi um produto revolucionário, realmente. Nós passamos uma semana numa convenção no Hotel ________, em São Lourenço, _____________. E só tendo aulas sobre...
P/1 - Propagandistas do Brasil inteiro?
R - É.
P/1 - Todos ou só gerente?
R - Todos.
P/1 - Você era simplesmente propagandista?
R - Eu era simplesmente propagandista na época.
P/1 - De consultório, hospital, do que?
R - Na época não existia de consultório, era de tudo. Você fazia de tudo, fazia propaganda em consultório e hospital. Hoje tem a...
P/1 - Você fazia a propaganda e vendia também o produto?
R - Isso. Quando eu entrei na Rhodia eu era propagandista-vendedor-cobrador. Nós não só propagávamos, como vendíamos e cobrávamos. Depois os processos foram se modernizando e a Rhodia passou a colocar a cobrança bancária. Mas isso aí não perdeu a nossa função de cobrador, porque quando você vai num cliente você tem que ver se pagou seu _______, embora não receba mais o cheque... naquela época, não recebíamos mais o cheque. Eles pagavam você e a gente ia e trazia para a empresa a contabilidade, entregava os cheques com as duplicatas e tudo. Aí, isso aí depois, com a modernização, passou a ser cobrança bancária, os clientes chiaram muito: “Ah, eu não vou pagar em banco, eu não vou comprar mais na Rhodia...” Mas eles viram que era a modernidade e se eles não comprassem na Rhodia eles iam comprar de quem? Se eles não comprassem eles estavam perdendo receita na farmácia dele, né? Então todo mundo, a indústria começou... porque o que uma indústria faz e é bem feito, as outras copiam. E rapidamente todas as indústrias começaram a colocar cobrança bancária. Mas quando eu entrei era exatamente isso, propagandista-vendedor-cobrador. Nós fazíamos as três coisas, né? Seja lá o que for. No hospital, farmácia... no consultório você não vende, né? Consultório você vende a ideia. Você vendia a ideia do produto que o médico prescreveu e a consequência é a pessoa e a farmácia comprarem. Então no consultório você começa a fazer a tua venda, mas a venda dá a ideia do conceito. E o médico prescreve, vai na farmácia, compra, vai na farmácia, vende e cobra. Então o processo é assim.
P/1 - E nesse momento como é que era o controle da sua capacidade de venda? Era medido pela quantidade de notas?
R - Lógico que você, a partir daí, já passa a ser medido, porque se você tem, num território fechado, por exemplo, 20 farmácias e se naquelas 20 farmácias você não estivesse vendendo nada, consequentemente você não estaria produzindo. Então, você mesmo media o seu trabalho, você tinha condições de saber. E quem estava ________para você, porque na farmácia você tinha condições de checar as receitas. Quem era que estava ________para você. Então, você poderia checar mais ou menos em cima de determinado médico.
P/1 - Você tinha acesso nas farmácias às receitas que chegavam lá? O farmacêutico te mostrava?
R - Maioria das vezes tinha. Você pergunta, você fazia muita amizade com os balconistas: “Pô, quem é que está recebendo produto tal aqui? ” Aí, o cara: “Ah, fulano de tal, fulano de tal. ” E quando você via que você tinha um produto que era chave para um médico que era considerado potencial para você, aí, você começava a ver: “Pô, mas aquele médico falou que está receitando e não está praticamente coisa nenhuma. ” Então, o que é que você fazia? Você fazia um direcionamento promocional diferente em cima daquele cara, até você conquistar o receituário dele.
[pausa]
(Fim da fita RHF.025 – Clementino José Fontenele - fita 01)
R – Então, este aspecto te proporcionava você determinar quem era quem dentro do teu setor. Você tinha todo o painel ali na mão, você conhecia todo mundo através das vendas que você fazia direto na farmácia. Hoje as vendas são feitas por distribuidoras. A maioria dos representantes hoje não se preocupam em ir às farmácias fazer essa pesquisa, mas é lá na farmácia onde tem a maior fonte de informação do que está acontecendo dentro do receituário dele. Hoje existe um sistema de ________ dentro da Rhodia que permite o pessoal voltar à farmácia e pesquisar isso aí, mas há um tempo atrás, quando o pessoal não fazia mais venda, então perderam esse contato. Mas não todos, quer dizer, aqueles representantes que enxergam um pouquinho mais além, esses aí, não perdem porque eu conheço, porque eles sabem que ali é que está a fonte de informação do trabalho deles. A melhor pesquisa de mercado que ele tem é na farmácia.
P/1 – Ele próprio? A farmácia na zona em que ele está operando?
R – Ele próprio. Se ele fizer um bom ambiente com os balconistas, com o dono da farmácia, os caras te dão as dicas todinhas. Quem receita... “Olha, aqui tem o doutor do sétimo andar do prédio que ele está receitando para caramba o teu concorrente. ” Aí, você já sabe e vai lá em cima do cara, faz um trabalho diferencial, dá uma abordagem diferente conquistando. Então, em 1973 nós tivemos o lançamento realmente de Nootropil. Nós fomos para lá, nós lançamos um novo conceito, uma nova classe de medicamentos, que foi a classe dos nootrópicos. E “noo”, que vem de “espírito” e “tropo”, “que se dirigem para”, né? É a origem do nome Nootropil, nome do grego, tá? Então, na época, eu sei que eles chegavam: “Pô, porque Nootropil? ” Aí, a explicação que foi dada realmente é essa: “noo” vem de “espírito” e “tropo”, “que se dirigem para”, né? É uma droga que vai para o cérebro, ela é ativadora do metabolismo cerebral, então, dificuldades de aprendizado, perturbações da memória, retardamento intelectual, cansaço físico e mental é a indicação do Nootropil. Foi uma droga, para você ter ideia, que nós tivemos uma semana de reunião, nós tivemos oito meses de preparação para ir para essa reunião. A reunião foi em agosto de 1973, nós começamos a receber manuais de treinamento em janeiro, cada mês nós recebíamos um material. Nós começamos a estudar desde o que era o neurônio até o que era o produto propriamente dito. Então, nós tivemos toda uma formação, nós chegamos lá sabendo tudo realmente. Para você ter uma ideia, uma propaganda médica leva em torno de cinco, dez minutos. Ah, o que é isso! Dois minutos, três com o médico é o que a gente dá de tempo para você fazer propaganda dos seus produtos. Porque imagine você, se o médico for dar cinco minutos para cada representante e existem 20, 30 representantes lá fora esperando por ele no consultório. Ele ia passar uma tarde só atendendo representante. Mas nossa preparação foi tão maravilhosa com esse produto que você começava a falar de neurônio para o médico. Você já pensou o que é chegar para um médico e ir falar de neurônio?! Ele ia te chamar de louco! E realmente, dentro do contexto da indústria farmacêutica aquilo não era concebível, nunca! E a nossa propaganda, assim mesmo uma propaganda de lançamento, levava, em termos corridos, em torno de 25 a 30 minutos sem ser interrompido. Nós levávamos de 25 a 30 minutos fazendo propaganda desse produto, do Nootropil! O visual dele tinha... não sei se a Rhodia chegou a mostrar um para vocês. Era grande, ele era feito de acrílico, era pesado até. Mas um material excelente, tá? Eu tinha até pouco tempo guardado e espero que alguém tenha guardado para você, que aquilo realmente faz parte da história da Rhodia. E nós viemos então dessa reunião, aquela motivação, à mil! E começamos a lançar o produto. Começamos a lançar, tal...
P/1 – Você avisava o médico antes que ia demorar tanto tempo?
R – Sim. Tanto é que nós avisávamos antes de... eu chegava no médico... nós começamos a visitar... eu chegava no médico... porque em Copacabana o meu setor tinha uma característica muito especial que não tem em hoje, que lá tinha muitos professores, né? Então eles só atendem propaganda com dia marcado, número de representantes, se chover tem uns que não atendem, tem outros que só atendem a primeira quarta-feira do mês, sabe? Tudo é assim, são cheios de mania. Então eu cheguei para esses médicos, que eram médicos importantíssimos, e falava para eles: “Olha, a Rhodia... nós estamos lançando um produto que vem de encontro às suas necessidades e às de seus pacientes. Agora, o que eu tenho a falar para o senhor foge totalmente da propaganda tradicional e eu preciso no mínimo de meia hora do senhor. O senhor pode me atender num horário fora da propaganda médica. ” “O que é que há de tão importante que vocês têm para me mostrar? ” “Olha, doutor, é um produto realmente voltado para...” Aí, falava as características do produto. “O senhor pode me atender? ” Aí, um monte marcava, agendava. O que é que aconteceu? Naquela época a Sandoz tinha um produto chamado Hydergine que era o líder de mercado de vasodilatadores. Então, eles ficaram com um medo horrível da Rhodia, por causa do lançamento. E eles começaram a visitar os médicos deles e dizer: “Olha, doutor, o senhor vai receber um lançamento aí, que os caras estão tomando meia hora do seu tempo e tal... vão aqui perturbar o seu trabalho em consultório. ” E isso repercutiu contra eles mesmos, porque os médicos começaram a ter curiosidade em saber o que é que a Rhodia estava lançando e o que é que estava levando a isso. E o interessante, é que aconteceu na indústria farmacêutica o que eu nunca vi até hoje. Aconteceu naquela época. Médicos ligando para Rhodia e pedindo para ser visitado pelo representante da Rhodia que eles queriam saber o que a Rhodia estava lançando e que estava levando meia hora dos médicos. Cansei de chegar no escritório e ter vários recados lá e eu fazer meu roteiro pelos recados e horários que os médicos tinham marcado para atender visita da Rhodia. E realmente era meia hora, o médico nos ouvia. Tudo, sabe? E não eram 30 minutos, porque os médicos perguntavam muita coisa. Eu cheguei... eu me lembro que eu estava com o meu supervisor, o doutor _______, nós passamos uma hora e meia visitando um psiquiatra, só falando do produto. Foi uma coisa fantástica, foi realmente um marco na indústria farmacêutica o lançamento de Nootropil na Rhodia. Realmente... A Rhodia mesmo, ganhou prêmios...para você ter ideia... uma coisa, você falou em negociação, então, o produto vendia tanto, ele começou a ter uma aceitação tão excelente, que ele vendia tanto, que nós cobrimos a nossa cota com tanta facilidade naquela época que na metade do mês nós já estávamos com a nossa cota coberta, tá?
P/1 – Existia uma meta de venda para ser atingida. Enquanto equipe, enquanto região? Como é que era?
R – Isso, existia. Meta por equipe e por região. Então nós tínhamos os nossos objetivos. E como o produto começou a ter uma aceitação tão fantástica, nós começamos a cobrir os nossos objetivos mensais já pelo dia 15. E o que é que acontecia? Tinham clientes que acabava o que eles tinham pedido e queriam dar outro pedido. A coisa estava tão sob nosso controle que nós chegávamos para o cliente e dizíamos assim: “Olha, eu só posso mandar o pedido se você pagar a duplicata que está em aberto. ” Que às vezes não tinha nem vencido ainda. O cara pagava o título para poder ter o... porque quanto mais ele vendesse, para ele era negócio! Eu me lembro que quando nós lançamos o Nootropil, naquela época custava 52 cruzeiros a caixa. Não esqueço até hoje. Você sabe por que eu não esqueço? Porque eu tirei o primeiro pedido de mil caixas no Rio de Janeiro.
P/1 – Foi para um hospital?
R – Não, para Drogaria Colombo. A tradicional Drogaria Colombo. Eu usei um argumento de vendedor, que eu cheguei para ele, como estava vendendo muito e eu estava naquelas assim: “Pô, eu tenho que tirar o primeiro pedido de Nootropil. ” Aí, eu cheguei para o doutor Mário, que era um sírio, era o dono da Drogaria Colombo, o comprador falou: “Está louco, Fontenele, eu não vou comprar mil caixas! ” Aí, eu falei: “Mas quanto você está vendendo aqui? ” “Pô, está saindo muito, realmente está saindo muito, mas eu não posso comprar tudo isso, só se você falar com o doutor Mário. ” Eu disse: “Então vou falar. ” Aí, eu cheguei lá para o doutor Mário: “Doutor Mário, é o seguinte, a Rhodia está lançando um produto, está tendo um consumo fantástico, a drogaria está comprando muito, só que acontece o seguinte, vai faltar no mercado e eu queria que pelo menos a Drogaria Colombo tivesse aqui para sustentar a demanda aqui do meu setor. ” “Quanto é que está...? ” “Olha, está saindo... olha, cada dia está aumentando o consumo, uma enormidade! Só o senhor ver com o Fernando, ele vai lhe garantir isso. E eu queria que a Drogaria Colombo...”
P/1 – Quem é o Fernando?
R – Era o comprador. E eu disse a ele: “O senhor pode perguntar ao Fernando, o Fernando vai lhe dizer realmente como é que está... porque eu queria que pelo menos a Colombo tivesse e para mim realmente é um grau de satisfação ter pelo menos para atender aqui os da minha região. ” Aí, ele ligou para o Fernando: “Fernando, como é que está saindo este produto? ” “Doutor Mário, está saindo muito, realmente está saindo... uma coisa fantástica. ” “Então pode dar um pedido de mil caixas para ele aí. ” Ah, eu fui no céu, né? [Risos]. Aí, eu fui, tirei aquele primeiro pedido aqui. Por isso que eu te falo que eu não esqueci o número, que deu 52 mil reais. E não tinha desconto ali, porque...
P/1 – Quando você voltou com esse resultado o que é que o supervisor falou?
R – Quando eu voltei aqui para agência, nossa, o supervisor realmente... Nossa, o Ptolomeu ficou felicíssimo. E realmente a primeira venda de mil caixas de Nootropil aqui da região foi da Drogaria.
P/1 – Você não ganhou nenhuma promoção por isso?
R – Não, não, não...
P/1 – Mas aumenta o seu salário?
R – Não, não. O nosso salário era fixo. Naquela época não tinha prêmio. A minha maior satisfação foi aquela satisfação de dever cumprido, aquela satisfação de tirar o primeiro pedido aqui, saber assim: “Poxa, eu cumpri com eles a minha missão. ” Sabe aquela satisfação pessoal que você tem? Realmente... não esqueço até hoje, por isso. Então foi uma história, foi um marco esse produto dentro da empresa, né? E hoje ele continua aí, já foi desativado, voltou... ___________ ele agora, mas na época ele alavancou a Rhodia, né? E aumentou o conceito da Rhodia principalmente junto à classe médica e os psiquiatras. Alguns médicos na época não consideravam o produto: “Ah, isso aí é uma balela! Isso aí é uma água com açúcar! Ele não vai melhorar o rendimento escolar de ninguém! ”
Mas aumentava. O produto foi excelente! Muito bom! Dificuldade de aprendizado...
P/1 – E aí, até esse momento do Nootropil você fazia as três coisas, o hospital, o ambulatório, farmácia e consultório?
R – Fazia tudo. Nós fazíamos tudo. Aí, foram passando os anos, a empresa foi... é lógico, a tendência é ir acompanhando a tendência do mercado, as normas que o mercado vinha ditando. Aí, lançamos depois o Nootropil, tal... quando foi em 1986 a Rhodia lançou o Flagil injetável, né? Em 1986. Era um produto iminentemente hospitalar, porque tinha o Flagil nas outras apresentações, que era para tratamento de amebíase, giardíase, tal... tricomonas... Aí, nós lançamos o Flagil injetável que era um produto voltado para o tratamento das infecções por anaeróbio. Isso era um conceito que não existia no Brasil. Então, a Rhodia naquela época criou, em 1986, uma equipe hospitalar, ou seja, especificamente para trabalhar só em hospitais. Abandonava o trabalho de consultório e estava voltado para hospitais. Até então nós não tínhamos uma linha específica que justificasse o trabalho de um homem só dentro do hospital. Aí, como naquela época nós já tínhamos o Vogalene, que era um anti-_________, nós já tínhamos o Profenide injetável, que é um anti-inflamatório, que é também muito usado dentro de hospitais e lançamos o Flagil, então justificou a criação da equipe hospitalar. Ela foi criada em 1986.
P/1 – Justificou o quê?
R – A criação de uma equipe eminentemente hospitalar, trabalho específico, né? E eu tenho muito orgulho de dizer que eu passei a fazer parte dessa equipe desde a sua criação.
P/1 – Foi em que ano?
R – Em 1986. Aí, nós fomos... foi criada, o Lobo era o gerente da equipe hospitalar, Mário Lobo ______.
P/1 – Aqui no Rio ou geral do Brasil?
R – Era Brasil. Então, o Mário Lobo foi o primeiro gerente da equipe hospitalar e tinham dois gerentes distritais, era eu e o Hélio, né? O Hélio era o supervisor que pegava de São Paulo para o sul e eu pegava do Rio de Janeiro para o nordeste.
P/1 – Essa foi a primeira promoção que você teve dentro da Rhodia, não?
R – Não, não foi basicamente uma promoção, porque eu já era GD, eu já era gerente distrital.
P/1 – Não, mas como é que você passou de propagandista para gerente? Primeiro você entrou como propagandista-cobrador.
R – Isso. Ah, tá! Então, isso aconteceu. Passaram-se oito anos, eu nessa função, tá? E quando foi em 1980, algumas promoções já tinham acontecido, tal... por circunstâncias eu não fui promovido, achando sempre que realmente eu tinha condições na época, mas jamais eu abaixei a cabeça, porque achava que tinha condição. Tanto é, que as pessoas que foram promovidas naquela época entraram e saíram de novo, rapidinho e eu jamais deixei que a qualidade do meu trabalho caísse em função disso. E tinha que mostrar realmente o porquê eu estava lutando, que o meu objetivo era aquele. Até que mudou até a gerência aqui, o Passos saiu daqui do Rio de janeiro, ele foi transferido para São Paulo, até que veio um outro gerente para cá, chamado Carlos Alberto Porto Perdigão. Então ele chegou aqui, ele realmente, em seis meses ele viu a qualidade do meu trabalho e me promoveu, com seis meses com ele aqui como gerente regional do Rio de Janeiro. Isso aconteceu em fevereiro de 1980, eu fui promovido a gerente distrital.
P/1 – Aí como gerente distrital o que é que você fazia?
R – Aí, então eu passei a ter uma equipe, né? Então, qual é a função? A sua função é gerencial. Gerenciar pessoas, gerenciar recursos... sob todas as formas. Treinar e desenvolver as pessoas na ______________.
P/1 – Mas você não ia mais a campo aí?
R – Sim! Nosso trabalho, nosso treinamento é muito a campo. Mesmo hoje, o trabalho do gerente distrital é iminentemente campo, entendeu? Nosso gerenciamento é mais em campo, porque você faz muito treinamento no campo, acompanhando o representante.
P/1 – Aí, você acompanha o representante e vai verificar se ele está fazendo o serviço, conversa com o médico, como é?
R – Não é bem um verificar, porque parece até um tipo... porque o médico às vezes chama o GD, o gerente distrital... o médico tem uma imagem falsa da nossa função, ele acha que nós somos fiscais, estamos ali para fiscalizar o cara, mas não é essa a nossa função. A função gerencial do gerente distrital é de auxiliar o representante na sua atividade. Está ali com o intuito de apoiá-lo, de treiná-lo e desenvolvê-lo no campo. Não de fiscalizar, entendeu? As pessoas veem... os médicos... são como: “Pô, o cara já está com o fiscal do lado! ” Eu me sinto até mal. Mas eu faço questão de... tanto é que quando saiu um representante... e eles até reclamam que quando eu passo um tempo sem sair em função das atividades que a gente tem a nível de escritório, que hoje prende um pouco mais a gente... Mas eu gosto muito disso, o contato lá fora, porque você está vendo in lócus o que está acontecendo, qual é a receptividade que o médico está dando, a própria mensagem que a gente está transmitindo para o médico, se as peças que a gente faz estão indo de encontro às necessidades do médico, se elas estão atendendo às necessidades, conseguindo passar aquela mensagem que a gente quer passar para ele. Esse é o nosso trabalho. E discutir com o representante, dizer: “Olha, poxa, vem cá, se você tivesse feito assim não teria sido melhor? O que é que você acha? Qual é a sua opinião? ” Quer dizer, treinar no próprio campo, porque se você não estiver junto, às vezes, a pessoa de modo involuntário comete algumas falhas que elas não são perceptíveis porque está fazendo, está falando, tá? Então se você está ao lado, você fala, por exemplo: “Pô, realmente isso é legal. ” Aí, a pessoa passa a corrigir ali mesmo aquele desvio e faz o trabalho certo. Mas o objetivo básico é esse. É o treinamento no campo, sem aquela de dizer “fiscalizar” e tal. A fiscalização ela é natural, ela é normal. Desde que o cara faça o trabalho dele e os resultados surjam, quer dizer, se ele não produzir, a fiscalização é natural, ele mesmo vai começar a ficar ciente de que não está produzindo. Eu vejo muito por aí. Por isso que eu sempre administrei a minha equipe dessa forma e sou muito transparente com eles e tal... eu sei que existe na indústria gerentes distritais de outras empresas aí, que os representantes têm pavor. Quando sabem que os caras vão sair com eles ficam tremendo. Eu não, porque eu nunca transmiti isso para eles. Quer dizer, eu não vou com o intuito de fiscalizar, eu vou com o intuito de ajudar. Que às vezes o médico faz uma pergunta mais difícil que a pessoa não está preparada para responder, não só do aspecto técnico, mas do aspecto comercial, ou mesmo pedir alguma coisa... aqueles médicos que pedem muito e tal... não podem ver um gerente que já vão pedindo as coisas, sabe? __________: “Dá a ele que é o dono do dinheiro. Então estou querendo uma passagem, quero ir num congresso, quero isso...”. Sabe? Mas eu acho que o básico mesmo é o treinamento no campo, é você desenvolver a pessoa no local.
P/1 – E quanto tempo?
R – Quer dizer, você ensina fazendo. Eu acho que a melhor maneira de aprender as coisas é fazendo as coisas. E você ensina fazendo. E você está ali do lado, aprende e tal... minha equipe, Graças a Deus... essa é a minha filosofia, eu não mudo porque eu sempre vi que dá certo. Hoje, a minha equipe, que é a qual eu lidero, ela tem um reconhecimento dentro da própria Rhodia Farma e uma das melhores performances que tem, exatamente em função do treinamento, tal... é muito reconhecida! Nós acabamos até realmente, agora, de ganhar um prêmio em função de nossa performance do ano passado. Em função disso aí, nós estamos indo passar uma semana lá na Bahia, em Itaparica.
P/1 – No Mediterranée?
R - No Mediterranée.
P/1 – A equipe inteira?
R – Minha equipe inteira, exatamente em função da performance que nós atingimos no ano passado. Mas isso tudo em função de um trabalho bem planejado e bem orientado, quer dizer, de um treinamento forte que foi feito sob o signo da equipe, não só por mim, mas toda a retaguarda que eu tenho dentro da equipe hospitalar de hoje. Mas equipe hospitalar, como eu estava te falando, então ela surgiu naquela época, em 1986.
P/1 – Mas aí, você ficou quanto tempo nessa função, como gerente distrital?
R – Eu estou até hoje, é a minha função até hoje. Desde 1988 eu faço isso. Eu estive na linha ________...
P/1 – Mas você foi o primeiro a ser hospitalar, você viu a implantação, quando teve esta setorização?
R – Exatamente. E eu estou nela desde 1986.
P/1 – E aí, como é o cotidiano, como é a abordagem, por exemplo, de chegar num hospital?
R – O trabalho hospitalar ele é totalmente diferenciado do trabalho feito em consultório. Porque o trabalho em consultório ele é mais ou menos um trabalho rotineiro. Você vai e visita ali. Então, se você vai num hospital você tem muito de negociação, sabe? Porque quando você entra num hospital, o teu objetivo maior num hospital é a padronização dos teus produtos lá dentro, porque se você não padronizar os teus produtos ali, você vai trabalhar de graça. O que adianta você estar visitando ali se não tem o teu principal produto padronizado para consumir? Nisso aí, que é medido o trabalho do representante hospitalar. Ele tem a capacidade de misturar o próprio trabalho dele num hospital. Por exemplo, no consultório é difícil o representante misturar isso, porque a receita de um cara de Copacabana às vezes o cara vai comprar lá no interior, vai comprar não sei aonde. Ele não tem como misturar o produto que aqueles caras estão receitando para ele ali. Já no hospital, não. É um trabalho mensurável, você sabe que o hospital vai te comprar.
P/1 – Mensurável por que? Por que você vende?
R – Porque você vende direto para o hospital
P/1 – E você que passa a nota para o hospital?
R – É ele mesmo que tira o pedido, ele mesmo que faz... tem a licitação, tem a compra...
P/1 – Até hoje é assim?
R – Até hoje é assim. O hospital é que te compra. Você sabe. Se ele não estiver te comprando é porque o teu trabalho lá dentro não está rendendo. Então, o representante... E dá uma certa tranquilidade, no meu caso, de saber: “Pô, como é que eu vou saber se o cara está fazendo um trabalho bem feito? ” No dia que eu for ao hospital, eu vou ver qual é o consumo. Vou na farmácia: “Vem cá, o que é que tem nosso padronizado? O que está consumindo? ” Então você consegue fazer isso. E é um trabalho altamente renovador, ele não é um trabalho rotineiro. Porque cada dia que você vai no hospital tem objetivos diferentes. Que a partir do momento que você usa, padroniza o teu produto numa clínica... Dentro do hospital existem várias clínicas. É a clínica médica, otorrino, é a clínica cirúrgica, ou anestesia, ortopédica e tal... então, não é porque a clínica cirúrgica esteja usando o meu produto que as outras também vão usar. E depende do teu trabalho, do convencimento daqueles médicos que fazem parte daquele grupo também façam...
P/1 – Quando você diz padronizar é que as várias clínicas _________ adotem ________?
R – Adotem tudo. Embora seja padronizado, não adianta uma só clínica usar. Se uma clínica usar, você está vendendo às vezes um décimo do potencial de consumo que aquele hospital pode te proporcionar, entendeu?
P/1 – E para cada área específica existe um comprador dentro do hospital ou é geral para todas as áreas?
R – Não, não. Hospital é um só, um geral para todas as áreas. Só que eles, o que eles fazem? Eles podem gerar o consumo. Se tem no hospital, então, eles vão gerar o consumo. Quanto mais clínicas estiverem consumindo, para você, é melhor, porque mais você vai vender, no geral.
P/1 – Espera aí, deixa eu entender. Você entra num hospital “x”, aí, você fala com o seu João e ele que é o responsável pela compra das várias clínicas, ou cada clínica manda a demanda para ele?
R – Não. Por exemplo, a clínica começa a prescrever... uma clínica que passou a consumir, tá? Então, vamos lá. Aquela clínica consome 100 frascos por mês, tá? Então, se as outras clínicas não consumiram, na hora que aqueles 100 acabarem, o que ele vai fazer? Ele vai pedir mais 100. Só que se ele pedir esses 100 e três ou quatro outras clínicas começarem a consumir, aqueles 100 que acabavam num mês vão acabar numa semana. Então, ele já viu que a demanda é maior. Ele já passa, ao invés de 100, ele vai começar a comprar 500.
P/1 – Mas você fala com uma pessoa por hospital?
R – A compra é uma pessoa.
P/1 – Mas na hora que você vai divulgar você vai de clínica em clínica?
R – Todos os médicos. Tem que divulgar para todos os médicos porque se para mim, se eu tiver _____________ dos médicos de hospital prescrevendo meus produtos, para mim é melhor, entendeu? O consumo vai ser muito maior. A demanda que vai gerar, esses médicos, será muito maior. Então, quanto mais você gera demanda mais você vende. E aí você vê: “Qual é o potencial de consumo do hospital? São mil caixas? A quanto eu vendo hoje? Pô, eu estou vendendo 100 caixas, então eu estou abaixo daquilo que realmente eu teria capacidade de estar vendendo para aquele hospital. ” A gente visualiza muito isso também, tá?
P/1 - E qual é a diferença em fazer este trabalho no hospital público e no hospital privado?
R – Exatamente é assim... porque o hospital público, ele depende de concorrência, de licitação pública. Então você tem que, infelizmente, ter que baixar nos preços em função dos concorrentes. E no hospital privado a compra é direta, não existe licitação. O cara te compra, você dá ou não dá desconto dependendo do interesse que você tem pelo hospital, e a venda é direta, não existe isso. Não existe, por exemplo, padronização. No hospital público não existe. No hospital privado ele compra realmente aquilo que o vendedor for mais esperto chegar lá e vender para o comprador. Diz assim: “O meu é mais barato, tem essas e essas vantagens...” Aí, o cara... hoje eles veem muito o lado econômico da coisa, ou aquele produto que dá mais rentabilidade para o hospital. O hospital particular ele está mais voltado para isso, com aquele que traz benefícios com maior retorno financeiro para o hospital. Então é mais fácil você vender no hospital particular, desde que você consiga convencer e conquistar as pessoas de que o teu é melhor e tem uma vantagem adicional para o hospital. Aí, você consegue vender. Agora, no público não, você tem que passar por todo um processo de padronização, trabalhar nesses médicos todinhos para que eles comecem a prescrever, eles geram um documento que vai para uma comissão de padronização e essa comissão vai aprovar ou não aquela padronização. Se existir já um produto similar, então, a dificuldade pode ser muito maior, porque a comissão vai dizer: “Bem, se já existe um porque é que eu vou botar outro? ” Então, o poder de convencimento, o trabalho de padronização num hospital público ele é infinitamente superior ao particular, que praticamente não existe, é só a sua argumentação direta com o comprador ou o diretor do hospital. Enquanto que no público você tem escalas a serem cumpridas que vão desde o convencimento dos chefes dessas clínicas que eu te falei a usar um produto para que eles gerem um documento para a comissão de padronização para essa comissão se reunir. É difícil você fazer uma comissão dessa se reunir, porque na maioria dos hospitais, embora tenha a comissão eles não se reúnem, que às vezes quando se reúnem para fazer uma padronização é uma vez por ano. E se na padronização daquele ano você não padronizar você passa um ano sem ter teu produto lá dentro, tá? Então, tem que fazer de tudo para padronizar naquela oportunidade, senão você se ferra, você passa um ano trabalhando sem... E quando você padroniza, aí, têm as licitações públicas. Aí, o que é que vai acontecer? Você vai concorrer, por exemplo... nós temos uma Enoxaparina de baixo piso molecular, que é o Clexane. Quando vai para pedra...
P/1 – Para ___________ instável, TVP [Trombose Venosa Profunda], infarto do miocárdio _________.
R – Tem uma vaga de propaganda na minha equipe. Você está sabendo muito, tá? [Risos]. Então, o que é que acontece? Quando esses produtos vão para pedra, alguns hospitais eles não colocam a Enoxaparina, que é o sal do Clexane. Quando tem outras Enoxaparinas de baixo piso molecular eles colocam...
P/1 – Tem mais duas, não são, que são componentes?
R – É, tem mais duas, a Fraxiparina e a Aduato-heparina. Então, o que é que eles fazem? Para eles não colocarem uma só, não privilegiarem ninguém, eles colocam: “Enoxaparina de baixo piso molecular. ” O que é que isso acontece? Generaliza e ganha quem tem preço. Então, se você não tiver preço você perde.
P/1 – O fato, por exemplo, do Clexane ser o primeiro a ser reconhecido pelo Ministério por aquela comissão...
R – Isso é um fator de peso, mas não determinante, sabe? Porque o determinante é o preço. Hoje, você sabe que o Serra está aí: “Não, tem que ver o menor preço, vamos abrir os remédios...” Então, infelizmente hoje os hospitais estão indo pelo fator preço, embora eles reconheçam que tem superioridade terapêutica, tem qualidade melhor, o fator preço determina, tá? Infelizmente, o mercado está caminhando para isso aí. Mas com toda esta performance dos concorrentes jogando o preço lá embaixo, tudo que ________, nós tivemos uma performance fantástica o ano passado, essa equipe hospitalar da Rhodia realmente está de parabéns, que é reconhecida pela indústria farmacêutica aí fora como a melhor equipe hospitalar do Brasil, é a nossa. E com todas essas intempéries de ações da concorrência, nós conseguimos crescer em torno de 80 % - ou foi 76%? – Em relação aos objetivos do ano passado. Um crescimento fantástico, realmente, com tudo isso.
P/1 – E quando em... 1986? Foi isso que você falou, que foi a primeira... que se criou essa divisão?
R – A equipe hospitalar.
P/1 – E quais eram as equipes no Brasil, dessa equipe hospitalar? Porque você virou daí gerente distrital...
R – Só que eu pegava uma área bastante abrangente, eu pegava Rio de Janeiro, Espírito Santo, Recife e Belo Horizonte.
P/1 – Você viajava bastante? Como que era? Como que você montou essa equipe?
R – Essa equipe é o seguinte, eu tinha normalmente uma semana aqui no Rio de Janeiro. Como a quantidade de representantes maior estava aqui, o que eu fazia? Eram duas semanas aqui e uma viajando. Eu ia para Recife, trabalhava uma semana com os representantes lá. Aí, voltava, trabalhava uma semana aqui e ia, trabalhava em Belo Horizonte, tá? Fazendo sempre aquela intercalação, para evitar que o representante ficasse muito tempo sem acompanhamento. Então, eu administrava meu tempo dessa forma. Ia à Vitória. O de Vitória normalmente eu colocava alocado com o tempo daqui também, que era mais próximo, então pegava o carro, ia lá rapidinho, voltava, são 500 quilômetros, então ia e voltava. Já Recife, não dava para ir de carro, porque seriam dois dias. [Risos]
P/1 – Rapidinho, logo 500 quilômetros, é rapidinho. [Risos]
R – É, para quem ia até Recife, né? A gente falava que é aqui pertinho, é o fundo do quintal.
P/1 – Copacabana e Ipanema...
R – Mas aí, foi criada a equipe hospitalar com o advento do Flagil injetável, a Rhodia é uma empresa realmente pioneira na venda de conceitos na indústria farmacêutica. Nós implantamos o conceito de anaeróbios no Brasil, que não existia. Mesmo porque naquela época não existia nem laboratórios de análises que fizessem os exames de anaerobiose, porque não tinham máquinas. Quando você falava para o médico: “Doutor, nessa infecção que o senhor detectou aí, o senhor não viu se não tinha nenhum anaeróbio? ” Ele dizia: “Não, aqui eu nunca vi isso. ” E realmente ele não via porque nós não tínhamos meios de cultura eficientes, né? Porque o anaeróbio ela é uma bactéria que ao contato com o oxigênio ela morre.
[pausa]
R – Então é por isso que, da cultura, até levar ao laboratório de análise, naquele espaço de tempo a bactéria que estava ali presente já morria em contato com o oxigênio. Então, existe uma metodologia toda especial para colher a secreção, aquele pus, colocava dentro de um vidro e injetava através de uma borrachinha, aquela que ficava fechado o vidro, para que não entrasse qualquer tipo de ar, até ele chegar no laboratório de anaerobiose. Aí, depois criaram-se dois, só tinham dois aqui no Rio de Janeiro: um no Fundão e tinha um outro que agora eu não me recordo o nome. Para você ver a dificuldade que tinha de se fazer a cultura por anaeróbios. Aí, começamos a divulgar o conceito de anaerobiose, nós tínhamos um filmezinho, a Rhodia tinha uma máquina de Super-8 e nós saímos projetando esse filme, mostrando como era uma infecção causada por anaeróbio.
P/1 – E esse filminho, será que alguém tem?
R – Olha, pode ser que existam em outras regionais. Normalmente eu tinha...
P/1 – Que filme que era esse?
R – Infecções por anaeróbios na prática cirúrgica. Hoje não existe mais filme, existe fita. Essa fita nós temos, tá? A Rhodia tem, eu tenho, ela faz parte do meu arquivo aqui.
P/1 – Mas ela era em Super-8?
R – Era gravada em Super-8, era uma maquinazinha Kodak, até que roubaram a...
P/1 – Aí, vocês iam no hospital e pegavam esse Super-8?
R – Nós pegávamos as reuniões clínicas dos médicos e projetávamos essas fitas para eles e os médicos discutiam sobre aquilo ali e mostravam realmente.
P/1 – E quem ia para o treinamento? Era o senhor que ia para o treinamento e passava para os outros propagandistas? Como era dado isso daí?
R – É, exatamente. Isso aí, nós íamos, tal... normalmente quando existe um lançamento de um produto vão os gerentes distritais e vão os representantes juntos. Todo mundo tem o mesmo tipo de treinamento. Vai todo mundo, tal, tem o mesmo tipo de formação.
P/1 – No Brasil inteiro?
R – No Brasil inteiro.
P/1 – Vai para um hotel e fica todo mundo lá, uma semana...
R – É, fica num hotel, uma semana... dependendo do grau de necessidade de informação. Uma semana, três dias, quatro dias, dependendo do assunto. Se for necessário uma semana fica-se uma semana treinando, até que se sai de lá sabendo realmente o que se vai falar.
P/1 – Você não tem em nenhum momento um treinamento específico diferente da sua equipe?
R – Não, não. Normalmente o treinamento é o mesmo, tá? Nós temos outros treinamentos específicos voltados para área gerencial, o desenvolvimento gerencial nosso. Aí, sim, é diferente da equipe. Agora, quando se trata de treinamento técnico de produto, normalmente a gente tem junto, a aula é uma só para todo mundo, tá? Mas o treinamento, o desenvolvimento pessoal de gerenciamento, aí, sim, até curso, a empresa nos dá muito isso e já fiz inúmeros cursos dentro da Rhodia.
P/1 – Como são esses cursos? O que é que se discute neles?
R – Nesses cursos são ministradas a parte gerencial de relações humanas. Gerenciamento mesmo. Tem recursos que foram gerados pela AMANA... você vê, aqui nós temos até um exemplo, esse curso aqui nós fizemos em... você tem a aqui a data, em Curitiba...
P/1 – Em 1985.
R – Isso aqui todos são supervisores da Rhodia. Três ou quatro aqui que não são, que é o Nourival, o Tosta, que está bem por aqui, ele está bem aqui por trás, está o Rondinelli... olha o Rondinelli aqui. O Tosta é esse aqui, está vendo o Tosta aqui atrás?
P/1 – Estou, Diretor de Recursos Humanos.
R – Mas o restante aqui todos eram gerentes distritais. Isso era o que? Curso de formação de supervisores, quer dizer, é mostrar realmente as diretrizes, qual é o papel fundamental do gerente distrital. Então, a gente tem todo esse discurso de formação profissional. Aí, leem o curso gerencial, sob todos os aspectos. Gerencial de uma forma genérica, né? Recursos e pessoas e tudo.
P/2 – E quando foi criada essa divisão hospitalar existia em algum outro laboratório também esse tipo voltado só para o hospital ou foi uma coisa que a Rhodia estava meio que inovando?
R – É, já tinha alguma experiência no mercado que a própria UpJohn, que hoje é UpJohn Farmácia, ela tinha tido uma equipe hospitalar na época, mas ela tinha acabado, né? E quem tinha uma outra também era a _____________.
P/1 – Mas aí já não tinha... quem é que juntou com a UpJohn?
R – A farmácia.
P/1 – A Rhodia juntou-se também?
R – A Rhodia juntou-se em 1986.
P/1 – Foi no ano que se criou isso.
R – Não, eles já tinham...
P/1 – A UpJohn já tinha e aí a Rhodia até que meio que incorporou deles isso?
R – Antes deles virem para Rhodia eles tinham essa equipe, né? Uma equipe hospitalar, tal... só que quando a Rhodia juntou-se com ele, depois é que criou-se exatamente a equipe hospitalar, porque pegamos os produtos que eram deles, mais os nossos que nós tínhamos, com o lançamento que a Rhodia criou mesmo a consciência da criação da _________, com o advento do Flagil injetável, que era um produto realmente iminentemente hospitalar, com essas características voltadas para infecções por anaeróbios, que matava muito aí e os médicos sem saber o porquê, quem era que estava matando. Exatamente em função da cultura e do meio de cultura inadequada dessas bactérias, né? Hoje não. Hoje qualquer laboratório aí já está adaptado para fazer uma cultura de anaeróbios, uma anaerobiose.
P/1 – Mas na época...
R – É, na época não tinha. E nós vendíamos... olha, para nós vendermos o conceito de anaeróbios foi uma luta, né? Foi muito difícil! Nós para implantarmos o conceito e vendermos Flagil realmente demorou-se muito tempo para conseguir isso, incutir na cabeça do médico, cirurgião proctológico, que faz as cirurgias __________ e cirurgião geral faz uma cirurgia sem fazer um preparo de colo com ___________. E quando se fala em anaeróbio, quando se fala em anaerobicida a palavra padrão chama-se Flagil. É a referência nacional. E hoje todo esse processo cirúrgico nos grandes hospitais eles fazem uma cirurgia, eles fazem a profilaxia com o ________________. Virou padrão nacional, mas levou algum tempo até conquistarmos essas pessoas. Eu me lembro que naquela época, quando foi formada a equipe, aí, nós fomos em julho, né? Aí, essa equipe se formou, pegamos o pessoal do Rio de Janeiro, Nourival, tal... e do Brasil inteiro e nós fomos para São Paulo, nós tivemos a nossa primeira reunião em São Paulo, todo o treinamento foi feito lá, inclusive nós tivemos reuniões no hotel, no Metropolitan Plaza, ficamos lá todo o nosso treinamento, né? E participamos naquela época já no Congresso Brasileiro de Cirurgia que foi lá no Anhembi. Eu sei que a gente foi, tinha em torno de seis mil médicos lá, nós debutamos como equipe hospitalar.
P/1 –Para fazer uma demonstração, uma propaganda no Congresso?
R – No Congresso. Nós já começamos a trabalhar no Congresso já, a primeira equipe hospitalar começou lá a ter esses primeiros contatos, e realmente dali... e a partir dali a Rhodia criou um sistema de trabalho muito interessante. Como nós precisávamos divulgar esse conceito no Brasil a Rhodia montou um sistema de palestras satélites, né? Então nós tínhamos um grupo formado pela Angelita Gama, Professor Jesus Pan Chacon, Doutor Luís Leonardi, que era reitor da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), nós tínhamos aqui do Rio de Janeiro o professor Felício _________ e o Doutor Cobata também, que era de São Paulo. Esses médicos nós fazíamos reuniões no Brasil divulgando o conceito de anaerobicida. Nós saímos nesse Brasil afora, aonde chegávamos, nessas cidades do Nordeste...
P/1 – Mas satélite o que é?
R – Nós fazíamos simpósios satélites. Uma vez nós fizemos uma aqui do Rio de Janeiro, gerado aqui da Embratel para 27 cidades brasileiras simultaneamente.
P/1 – Aí, a pessoa ligava um canal...
R – Aí, era transmitido para essas cidades lá, nessas cidades tinham auditórios que os médicos assistiam a palestra aqui do Rio de Janeiro sobre infecções anaeróbicas, uma divulgação...
P/1 – Vocês combinavam, tal dia, tal hora, vocês estão em tal auditório, liga tal canal...
R – Não, foi feito um programa na Embratel direto, no dia tal e as cidades entraram no ar e simultaneamente no mesmo horário, aqui no momento que o programa estava sendo gerado aqui na Embratel, entendeu? Foi apresentado esse programa em 27 cidades brasileiras. Receberam essa mensagem de divulgação no mesmo instante. Então todos eles ficaram passando. E a partir daí, passamos a fazer em cidades que tinham sido atingidas pelo programa da Embratel. Aí, atingimos... lotavam os auditórios. Eu me lembro uma vez nós fizemos até lá em Caruaru. Nós fomos lá, fizemos... E onde nós chegávamos os auditórios ficavam lotados, porque a receptividade aos palestrantes era fantástica e isso aí a Rhodia realmente conseguiu implantar no Brasil todinho esse conceito de anaerobicida, né? Conseguiu vender. E hoje, por isso que eu te falei, por isso que o Flagil é padrão no tratamento da... quando se fala em anaerobicida considera-se _____________.
P/1 – E quais são, assim, as características básicas? Porque ainda hoje essa regional engloba Rio de Janeiro, Espírito Santo, Belo Horizonte e Recife? É até hoje essa divisão?
R – Não, não. Aí, depois a equipe hospitalar ela cresceu, né? Porque reestruturou-se e passou a ter mais... ela foi descontinuada uma época, né? É, porque os produtos que nós tínhamos, o portfólio de produtos hospitalares... o Flagil começou a ficar antigo, né? Nós não tínhamos uma carteira de novos produtos que justificasse aquele trabalho eminentemente hospitalar, então em algumas regionais acabaram. No Rio de Janeiro não, aqui nós fizemos questão de continuar o nosso trabalho, porque a estrutura hospitalar aqui no Rio de Janeiro era totalmente diferenciada do Brasil.
P/1 – Quais são as características específicas daqui?
R – Aqui, 90% dos hospitais do Rio de Janeiro são públicos, inverso de São Paulo. Aqui nós pagamos por termos sido capital da República. Aqui nós temos os hospitais de autarquias, nós temos os hospitais estaduais, hospitais municipais, tá? Nós temos os hospitais que eram do INAMPS [Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social] que estão aqui, nós temos aqui no Rio de Janeiro em torno de oito hospitais que eram do INPS, hoje voltaram para o... alguns estão por município outros voltaram para o Ministério da Saúde e os hospitais particulares. Então, nós temos uma estrutura hospitalar totalmente diferenciada do resto do Brasil. Os hospitais militares, olha, os hospitais da Central do Exército, Hospital Central da Aeronáutica, Hospital Central da Marinha, estão todos eles locados no Rio de Janeiro. Então nós temos uma estrutura hospitalar totalmente diferenciada. Por isso que a minha vida aqui é hoje voltada basicamente, a minha venda, em licitações públicas. Enquanto em São Paulo tem pouco hospital público aqui no Rio de Janeiro é em torno de 80%.
P/1 – Mas aí, vocês mantiveram essa equipe muito em função do Rio de Janeiro ou das outras capitais também, tipo Espírito Santo, Recife e BH?
R – Não, nós mantivemos aqui no Rio de Janeiro que nós fizemos naquela época um trabalho tão bem feito e tão bem estruturado que nós conseguimos tirar frutos desses hospitais, não só com os produtos hospitalares, mas com os outros produtos, porque nós visualizamos o seguinte: porque o médico que está no hospital ele também tem um consultório, então, a partir do momento que ele tem um hábito prescritivo no hospital ele leva aquilo para o consultório dele. E nós continuamos mantendo uma boa performance de venda aqui no Rio de Janeiro nessa grande rede hospitalar. E nós achamos por bem na época mantermos. Algumas regionais acabaram, deixaram um ou outro representante fazendo, mas aqui no Rio de Janeiro nós sempre tivemos no mínimo, na época em que foi desativado, nós tivemos no mínimo quatro representantes hospitalares só fazendo o Grande Rio. Por isso, nós temos aqui o reconhecimento da equipe realmente mais estruturada hospitalar do Brasil está aqui dentro do Rio de Janeiro em função de nós termos mantido essa...
Aí, veio essa reativação da equipe hospitalar, há quatro anos atrás.
P/1 – A reativação no Brasil, porque a que continuou... ou a da que fazia hospital e foi um pouco para consultório?
R – O que eu te digo, reativação no Brasil? Ela passou a ter uma gerência própria que era subordinada às regionais. Embora eu ficasse subordinado à regional aqui do Rio de Janeiro, nós não perdemos a característica do trabalho hospitalar, nós mantivemos da mesma forma. Daí, veio a reativação há uns quatro anos atrás dessa equipe hospitalar, três ou quatro anos. Foi em 1996, por aí, ela foi reativada com a gerência centrada em São Paulo de novo, não só com os GD’s mas, aí sim, criaram novas vagas de GD. Aí, tiveram a região sul, São Paulo capital, São Paulo interior, Nordeste e Rio de Janeiro, que englobava o Espírito Santo... e Minas Gerais, aliás, que Minas Gerais pegava Minas e ia até Goiânia, pegava até Brasília. Então, aí, se criou uma nova estrutura hospitalar, que se iniciou com Sérgio Wagner, e com a saída do Sérgio Wagner...
P/1 – Desculpa, o Rio de Janeiro engloba qual? O Rio de Janeiro está junto com quais outras?
R – Hoje a estrutura é Rio de Janeiro e Espírito Santo, só, a minha área. Mas até o ano passado, eu tinha Rio de Janeiro, Espírito Santos, Minas e até Goiás.
P/1 – Qual é a diferença, por exemplo, assim, se você tivesse que resumir, assim, qual é a característica principal? O Rio de Janeiro é esse trabalho seu voltado para as licitações pelo fato de 90% dos hospitais serem públicos. E no Espírito Santo, por exemplo, Goiás...
R – O trabalho hospitalar no Brasil não difere. Só diferem as características dos hospitais.
P/1 – Em termos de ser público ou privado?
R – Em termos de ser público ou privado, só difere nisso aí. Só que aqui é o peso maior.
P/1 – Mas a região não muda isso? Por exemplo, o trabalho de uma regional São Paulo...
R – Não muda.
P/1 – Muda só em função do público e do privado.
R – Só do público e do... porque o trabalho é padrão, o trabalho hospitalar é padrão. Nós temos hoje uma filosofia de trabalho que nós temos o mesmo time de procedimento, né? O que eu faço, o que eu devo fazer aqui como filosofia de trabalho ela é empregada do Oiapoque ao Chuí. Inclusive, para processo de avaliação nós temos as nossas coberturas, a gente faz... tanto é que o desconto comercial que eu tenho ele é padrão no Brasil inteiro, eu não tenho nada diferenciado. A única coisa que difere é o peso que eu tenho, no que diz respeito a hospitais públicos e hospital privado. Aí, sim é onde difere, mas aonde tem hospitais públicos eles trabalham da mesma forma que eu, o processo de padronização é o mesmo, a dificuldade é a mesma. Quem tem menos hospitais públicos, melhor, que o trabalho de padronização tem menos peso no atingimento dos objetivos, então, se eu pego um hospital público, uma rede falida aqui proibiu totalmente as minhas vendas, né? Mas felizmente com todas essas dificuldades nós conseguimos ter no ano passado uma performance muito boa, procurando nichos novos de mercado, embora nós tenhamos a diretriz básica da matriz, você, cada um, na sua forma de gerenciar você tem que buscar alternativas, ser criativo, ser inovador. A tua função gerencial te obriga a fazer isso.
P/1 – E como é que ________________? Tem metas para eles atingirem? Tem uma cota?
R – Tem, nós temos uma meta, nós temos a nossa meta regional...
P/1 – A meta regional é a Farma de um modo em geral que determina na direção da Rhodia?
R – É, lá o Virgílio, que é o gerente nacional, posição subordinada ao Heraldo, o Virgílio tem a cota nacional, então, o que é que ele faz? De acordo com o percentual de participação de cada regional ele pega e divide aquele objetivo. Por exemplo, se nós tivermos uma venda de 10 mil unidades de um produto “x”, Clexane, e a minha participação no mercado for de 40%, então vou pegar 4 mil daqueles 10 mil, então é dividido percentualmente em cima disso aí.
P/1 – Aí, você distribui para a região? Entre o Rio, Espírito Santo...
R – É, entre o Rio, Espírito Santo... aí eu pego e já faço entre eles aqui, assim: “Olha, de acordo com teu potencial você vende tanto, tal...” E aí, cada um vai buscar aquele objetivo e nós vamos...
P/1 – E a remuneração hoje continua sendo um fixo ou tem fixo e comissão? Como é que é?
R – Não, hoje tem fixo e prêmio.
P/1 – O que é prêmio, como é isso?
R – O prêmio é exatamente você... você tem um prêmio de valor “x” pela cobertura de 100% daquele teu objetivo.
P/1 – Então, vamos supor, eu entro hoje para trabalhar como propagandista. Eu ganho quanto por mês?
R – Veja, nós estamos acabando de implantar um plano de carreira na Rhodia e hoje você permite... quem entra tem o salário base, mas até então, até o ano passado, se você tivesse 20 anos de empresa ou tivesse dois dias, o teu salário era igual ao da pessoa e o prêmio era igual. Você não podia diferenciar, porque a isonomia te permitia isso. A empresa está acabando de implantar um plano de carreira que vai permitir ela premiar as pessoas mais criativas, as pessoas mais experientes que têm alguma coisa de diferencial, que tem uma formação melhor. Então, esse plano está acabando de ser implantado, está implantando agora nesse mês, tal... vai permitir que você que entra, vai ter um salário “x” que te abre várias oportunidades, tanto vertical como horizontal, de você crescer dentro da empresa. E esses horizontes é você que vai buscar, é você que vai galgar. Vai depender da tua performance. Você é que vai procurar..., sabe?
P/1 – O que muda a performance, basicamente? Porque tem um tipo de abordagem... se você tem um treinamento padrão, o que diferencia um do outro, por exemplo? O que ele pode inovar? Ele vem aqui, teve um treinamento para divulgar, “x” produto num hospital, o que vai diferenciar um do outro, entendeu? Além da capacidade de falar e saber abordar bem? Que estratégias que ele pode ter?
R – Exatamente... eu acho que o nosso trabalho está muito voltado em cima de criatividade e negociação. Esse é um fator diferencial. Se a pessoa for criativa e inovadora, com certeza ela busca mais rapidamente os resultados dela, do que simplesmente aquela pessoa que está ali para cumprir aquilo que é pedido. Então é fácil você detectar quem é a pessoa que tem iniciativa, que busca coisas novas dentro do próprio setor dela, sem você estar ali ao lado e eu mostrando.
P/1 – Você sabe falar algum caso, assim, por exemplo? Por exemplo, citar isso, de um propagandista que teve uma atitude criativa, assim, para conseguir...
R – Tem, tem vários. Eu não queria citar nomes para não ser nem...
P/1 – Não, não precisa citar nome, um caso, assim...
R – Por exemplo, nós acabamos de ter uma reunião lá em São Paulo que eu estava citando o exemplo de um representante, que no exemplo de uma licitação pública ele teve que usar de toda a criatividade dele para que nós não fôssemos desclassificados, porque simplesmente chegamos lá, o presidente da comissão de licitação falou: “Olha, está faltando um documento de vocês e vocês estão sendo inabilitados. Isso aí ia gerar sabe o que? Simplesmente um ano de venda dentro do hospital que nós íamos perder. Ele, de uma forma criativa, se ofereceu para participar da mesa, porque são convidadas pessoas que estão ali para participar da mesa, para assinar... e conversou com o presidente da mesa e ele naquele tempo todinho ele sabendo que nós estávamos com um documento faltando, e falou assim: “Olha, eu tenho que ir lá embaixo trocar...” porque aqui tem o rotativa, negócio de gás, assim... “Eu tenho que ir lá embaixo, comandante, trocar...” porque se ele saísse da sala ali para pegar o documento e ele não estivesse participando da mesa, as outras pessoas iam notar e ele não ia poder nunca chegar com aquele documento dele e jogar dentro de um envelope. Então ele, naquela presença de espírito dele ele falou: “Comandante, como está demorando - tinha a parte de material primeiro antes da de medicamentos- como está demorando essa parte de material e eu estou aqui na mesa, eu deixei meu carro no estacionamento e está vencendo meu talão. O senhor me permite eu ir lá embaixo trocar e voltar? ” “Não, pode ir. Enquanto começa o outro você pode ir lá. ” Só que a licitação era aqui, na Primeiro de Março, a 200 metros. [Risos]. Então o que ele fez? Ele veio correndo aqui, pegou essa documentação que era exatamente uma carta de autorização credenciando ele... então já tinha aqui no computador a menina pegou na hora, ele pegou, levou, aí, na hora ele pegou dentro da pasta e ele começou a conversar, tal... na hora que foram abrir os envelopes, o comandante chamou: “Olha, está faltando a documentação de vocês. ” “Ih, está aqui, é que não estava dentro do envelope, mas está aqui comigo, a autorização...” Aí, o cara viu, estava ali na ordem, ele pegou e colocou dentro. Agora, se ele não estivesse fazendo parte da mesa e não tivesse usado esse argumento, e essa iniciativa, essa criatividade de bolar esse troço e vir aqui e dizer que o carro estava vencendo o cartão e realmente não estava, estava ali no Edifício Garagem, nós tínhamos sido desclassificados, tínhamos deixado de participar de uma licitação que tem validade por um ano no hospital, que agora os hospitais todos estão fazendo licitação por um ano. Que antigamente era de dois meses, três meses e tal. Agora só licitação de um ano. Se você perder você passa um ano sem conseguir vender naquele hospital. Então, esse é um exemplo de criatividade que a gente valoriza. E tem muitas outras, de pessoas que detectam às vezes uma necessidade do médico, e aquilo ali, ele gera um negócio em cima daquilo que ele conseguiu pescar um nicho de mercado diferente dentro de determinado hospital. Então, o trabalho hospitalar, por isso que eu te falo, ele é muito dinâmico, ele jamais será rotineiro porque a cada dia que tu vais no hospital tu tem um objetivo diferente, entendeu? Se você consegue padronizar um produto, se você chegar... que é difícil você sempre chegar à totalidade, aos 100% do potencial de consumo, você tem outros produtos que você pode ter lá dentro e pode padronizar, quer dizer, você conseguiu aquele mas tem outros que você quer ir atrás. Então, o teu objetivo é sempre ir buscar mais, buscar mais.
E é por isso que é gratificante, e quando eu abracei esse trabalho eu me empenhei porque gosto demais do trabalho hospitalar, porque a minha forma de ser, assim, eu sou muito ágil e sou muito agitado, sabe? Eu não gosto de coisa rotineira. Por isso que eu gosto de estar no campo porque eu estou junto lá e presencio e vejo e tem o feed back do campo, do próprio médico, aquelas coisas, quer dizer, te enriquece mais. Porque você quando está no campo você está ouvindo e está assim nas coisas também no dia a dia. Não só com o médico, mas também com o próprio representante. Eu canso de falar para eles: “Aqui eu não venho para te ensinar, eu venho para aprender também. Eu não sou o dono da verdade, não nasci sabendo, não sou um Rui Barbosa da vida, né? ” Eu acho que do que eu gostar eu aprendo. Não só com os mais velhos, com os mais novos também. Quantas vezes a gente aprende coisas com pessoas novas, né? Assim: “Pô, se eu tivesse usado isso até que...”
P/1 – E qual é o material de propaganda hoje? Por exemplo, você chega num hospital você leva uma amostra grátis? Existe diferença entre os materiais por separata, literatura, fotografia, ___________... quais são os materiais que são levados?
R – Esse é o grande diferencial do trabalho hospitalar para o trabalho do consultório. Raramente... aliás nós não temos amostra. Um ou outro produto... por exemplo, o Profenide V, nós estamos na fase de lançamento é mais... por exemplo, um produto como o Clexane existe amostra. É um produto importado, tal... e só existe original. Então, o que nós temos às vezes que recebemos é mais para atender a uma solicitação médica do que propriamente dar alguma amostra. E é um produto caro, não permite tal. Então, o trabalho hospitalar é totalmente diferenciado porque ele é feito muito em cima de conhecimento técnico, muito em cima de trabalhos clínicos, a gente trabalha muito em cima disso aí, literaturas... muito pouco se usa de literatura, mais até como abordagem de apoio visual. Mas usa-se muito trabalho clínico e até mesmo no diálogo com o médico. O trabalho hospitalar por isso ele requer uma formação muito mais aprimorada do representante porque...
P/1 – O representante tem que ter nível superior hoje, não?
R – Exige-se nível superior, tem que ter. Se exige nível superior porque...
P/1 – Em Farmácia, não?
R – Não, não. Hoje é em qualquer área, tal... é lógico, aqueles que têm a formação na área biomédica é muito mais fácil, seria o bom _________. Mas não necessariamente, porque às vezes tem uma pessoa formada na área biomédica, mas no aspecto da comunicação o cara falha, é uma pessoa tímida. E tem aqueles que se superam por esse lado. Aí, com a formação que ele passa a ter da Rhodia ele atinge o nível dos outros, de conhecimento técnico. E o trabalho hospitalar é bom porque você fala com o médico dentro do centro cirúrgico, então dentro do centro cirúrgico você não tem como puxar a literatura. Então, tu tens que conversar com o médico ali, de igual par igual. No centro cirúrgico a gente vai lá dentro, aonde o médico está ali, você está aqui... às vezes você tem ângulos que você está assistindo uma mesa cirúrgica lá dentro. Determinados hospitais... não são todos, tem alguns hospitais que são mais criteriosos e você não entra, mas você vai até o vestiário dos médicos, até lá você vai, até aquela salinha ali aonde tem aquela barreira, onde o médico mete a sapatilha, tal... até ali você vai. Agora, tem hospitais que são tão abertos que dali onde você está sem sapatilha você visualiza os caras operando, tal... quer dizer, que não tem aquele cuidado com assepsia total, entendeu? Mas o trabalho de representante é isso, é chamado “rato de hospital” porque a gente vai em todos os buracos. Onde é que a gente fala com anestesista? É no centro cirúrgico. Ou você vai lá ou você não fala com eles. E o trabalho deles é lá dentro, no pré-operatório. Então, o trabalho hospitalar ele começa cedíssimo, o cara tem que chegar em torno de sete horas no hospital para poder pegar os anestesistas entrando, porque uma vez ele entrando no hospital ele vai para o campo, no campo que a gente vê lá, o campo cirúrgico, ele vai ter que fazer a anestesia, ficar ao lado do paciente ali acompanhando, monitorando o paciente, aquelas máquinas todas... se ele não estiver ali ao lado e o cara pifar ele está roubado, então ele tem que sair dali. O tempo todinho, enquanto ele não acabar a cirurgia ele não sai dali. Por isso a importância de pegá-lo na entrada, tá? E o diferencial exatamente do trabalho em hospital é esse, é que você tem que ter o conhecimento, a tua formação para você dialogar, evitar usar papel. O trabalho você deixa até como um coadjuvante daquele trabalho que você fez, que vem mais completo. Os trabalhos são trabalhos clínicos internacionais, tal... monografia, se o médico exigir. Mas são mais trabalhos clínicos nacionais e internacionais que falam daquela patologia, daquela experiência que... quer dizer, ele faz mais os detalhes, fala da metodologia. Normalmente eles falam dos objetivos.
P/1 – Esse visualmente não se usa muito em hospital?
R – Não, muito pouco o visual. Quando você vai mais numa enfermaria, na parte onde os médicos estão prescrevendo lá, fazendo a parte de prescrição, eles têm tempo maior para te ver, ali você pode usar. Dentro do centro cirúrgico jamais, você não consegue. Quem falar que usa está mentindo. Eu com a minha experiência... E o cara, se o representante mesmo disser: “Olha, eu uso todo dia no centro cirúrgico...” eu sou capaz de colocá-lo na rua que ele está mentindo, porque é inviável, não tem condição. Mesmo porque se torna anti-higiênico, é um ambiente que não é propício para aquilo. É mais um diálogo, é uma coisa de um nível mais alto.
P/1 – E vocês colocam a roupa para entrar no centro cirúrgico para falar com o médico?
R – Não, não, porque nós ficamos naquela barreira. Que até ali, dali para a frente o médico é obrigado a botar a sapatilha, né? Ele veste a sapatilha, tal... Aí, ele conversa, ele vem ali, fala com a gente ali, volta dali mesmo... Em alguns CTI’'s [Centro de Terapia Intensiva] a gente consegue entrar sem... Alguns CTI'’s, quando a gente vai visitar, você é obrigado a botar aquele roupão par ir lá dentro visitar o ... A gente coloca aquele roupão para ir lá dentro falar com ele. Por isso que é considerado... eu vejo que o nosso trabalho tem um certo grau de periculosidade em função disso aí. É, porque a gente está exposto a essas coisas, né? O nosso dia a dia é dentro do hospital.
[pausa]
Fim da fita 2
P/1 – Bom, depoimento do senhor Clementino José Fontenele, entrevistado por Rosana e Milene, Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 99, realização Museu da Pessoa, entrevista RHF 025, disk 2, continuação.
R – Então, o que eu estava te comentando, então a Rhodia ela tem um pioneirismo que é exatamente da venda de conceitos. Nós realmente criamos o conceito de anaeróbios dentro da indústria farmacêutica, no mercado brasileiro e realmente com essa nossa experiência, todo esse know how que nós adquirimos com isso aí nós também tivemos o mesmo sucesso com a venda do conceito de profilaxia de TVP, que foi exatamente com o advento do Clexane.
P/1 – Foi isso que ganhou força?
R – Foi isso que ganhou força, exatamente, porque quando você fala para o médico brasileiro em profilaxia, o médico brasileiro ele se arrepia igual gato quando vê o cachorro, porque tudo para eles, eles botam em primeiro lugar custos, eles vêm em primeiro lugar, eles acham que é custos, que é a indústria farmacêutica que quer vender. Eles não visualizam a coisa primeiro como um investimento. Se tudo o que você previne... é lógico que se não houver uma TVP, se você fizer uma profilaxia, é lógico que não vai ter necessidade de você fazer um tratamento. E um tratamento fica muito mais caro do que você fizer uma profilaxia, entendeu?
P/1 – Mas deixa eu entender essa aversão dos médicos contra a profilaxia. É contra a profilaxia através do medicamento ou uma profilaxia tipo, o cara poderia ter usado uma meia elástica para evitar a TVP?
R – É lógico, existem vários métodos profiláticos, né? Esses tradicionais, das meias elásticas, de compressão, tal, essas coisas, e existe o meio medicamentoso. Então, é lógico, a medicina evolui, a modernidade acompanha isso aí, né? A medicina tem que acompanhar a modernidade, aliás. Então, na medida que surgem medicamentos que tendem a diminuir o sofrimento do paciente, tendem a melhorar esse tipo e a simplificar esse tipo de tratamento, porque não usar se é uma coisa tão barata? E o próprio médico hoje... porque o tempo que o paciente usa para colocar uma meia daquela, às vezes o paciente é obrigado a ficar internado, tem que acompanhar, perna para cima... E o tratamento medicamentoso e profilático às vezes o médico pode até fazer de forma ambulatorial, quer dizer, deixar o paciente em casa até ele fazer uma cirurgia. Ajusta doses, são seringas já com doses estabelecidas para determinado grau de risco do paciente. Se o paciente tem um risco baixo ou moderado ele toma uma seringa de 20 miligramas, se é um risco alto ele toma de 40 miligramas. Então, já vinha as doses definidas para o paciente. E é tipo aquela seringazinha de insulina que o paciente pode aplicar, ele deita e faz a dobra e aplica. O mesmo paciente pode tomar em casa, ele bem orientado. Olha só o quanto isso simplifica o tempo da enfermagem. Olha o tempo que isso reduz de hospitalização. Então, quando você fala nisso o médico: “Ah, porque a indústria quer vender medicamento. ” Não, aí é onde está o nosso papel, de vender para ele essa imagem... que é a concepção errada que ele tem da profilaxia, porque nós embutimos nos nossos argumentos esses custos que ele desconhece. Não é que ele desconheça, ele ignora, ele não contabiliza. Aí, a partir do momento que você pega e faz isso e apresenta para ele que, hoje, você fazer uma profilaxia é muito melhor, é muito mais barato do que você embutir todos aqueles custos de enfermagem, álcool, seringa, tal...
Ele leva vantagem, o hospital leva vantagem, tá? E o próprio governo, que é o menor em termos de internação. Não é isso que o governo busca? De tirar cada vez mais, ter número de leitos vagos nos hospitais? Esse é o caminho.
P/1 – Para o hospital público, né? Porque para o privado ele pode pensar que vai diminuir o tempo de...
R – Não, pelo contrário! O hospital privado também. Porque o hospital privado é o seguinte, quanto mais tempo ele tem de rotatividade para ele é melhor, que é mais uma cirurgia que vem outro paciente e faz, porque eles ganham em cima da cirurgia. Porque a hotelaria é caríssima. Você sabe, o mesmo paciente... o paciente que fica, por exemplo, seis dias num hospital. Ele vai cobrar aquela hotelaria. Aquela hotelaria é fixa. Agora se naqueles seis dias eles fizerem três cirurgias eles estão cobrando três cirurgias ali, eles ganharam três vezes de formas diferentes. Então, é isso que a gente tem que passar para o cara. Tem que passar até para o administrador do hospital essa visualização de rotatividade o quanto é benéfica. E o tratamento, quando se trata, aí sim, de órgão público, que o paciente venha a desenvolver uma TVP porque ele fez uma profilaxia inadequada, isso vai ter um custo altíssimo para o governo, porque vem o aspecto da internação, o custo da internação e vem o custo medicamentoso que vai ser muito mais caro tratar do que prevenir, além dos outros medicamentos que virão embutidos nisso aí. Porque o paciente está lá, vai desenvolver uma infecção hospitalar porque lá dentro também... olha só a complicação que isso pode gerar.
P/1 – Nesse curso de gerenciamento, por exemplo, que o senhor faz, para poder até ser gerente distrital, esse tipo de custo, essas coisas vocês discutem?
R – Já, já existiram cursos de negociação, que tudo isso realmente aprende, nós aprendemos alguma coisa, tá? Mas isso, o que eu estou te falando aqui, é mais o dia a dia, é mais a tua vivência. Eu costumo dizer que a vida é uma escola e na escola da vida a gente aprende no dia a dia. É aquilo que você aprende fazendo e você faz no teu dia a dia. É por isso que eu te falo, às vezes a ausência do campo nos bloqueia alguma coisa do dia a dia que está acontecendo e que você tem necessidade de estar sabendo, tá? Então isso é mais a vivência, porque não adianta às vezes você ter a parte teórica e não ver a prática. É a mesma coisa se você fizer um curso de datilografia. Você tira o curso hoje, se você não praticar daqui a seis meses você esquece tudo. E esses cursos, então eles realmente dão teoria, mas se você não tiver a prática você não vai ter como aplicá-lo nunca. E no momento que você tiver, daqui a uns anos, que aplicá-lo, você vai dizer assim: “Pô, como é que eu aprendi? Como é que eu devo fazer isso? ” E no dia a dia você está vendo toda hora e você tem que procurar alternativas, né? E eu tenho que solucionar esse problema, eu tenho que gerar meus negócios, meus negócios não podem parar, minhas cotas aumentam, a empresa precisa de resultado, eu não posso esperar que isso venha a acontecer daqui a um ano, dois anos, eu tenho que fazer com que aconteça ontem. Eu costumo dizer também, e eu gosto muito nas reuniões, quando eu vou fazer apresentações que eu sou incumbido de fazer algumas apresentações durante as reuniões. Eu costumo dizer o seguinte: que as coisas acontecem de um a forma tão rápida em função da informatização que eu uso até uma frase do nosso antigo Ministro da Fazenda, Delfim Neto, que ele dizia o seguinte, que naquela época a economia acontecia as coisas como estão acontecendo hoje, tão rápido, que as pessoas que correrem vão ficar paradas e as que pararem vão morrer atropeladas. Então eu acho que eu estou naquela de ficar correndo sempre, porque se eu parar o “nego” vem, a concorrência vem e me atropela, e eu passo isso para minha equipe, esse dinamismo, né? Eu acho que a minha equipe é muito dinâmica e eu fico doente, sabe, quando eu vejo...
P/1 – Você acha que esses são os grandes desafios do propagandista-vendedor do hospital hoje? Quais são os maiores desafios dele?
R – Os grandes desafios, como sempre, para todos os vendedores é superar as metas. Então, como eu estava te falando, um dos grandes desafios é este, é o prazer que cada homem de venda tem em superar as suas metas, né? E isso aí, realmente é uma coisa muito gratificante. E quando você tem uma equipe realmente bastante coesa que trabalha com verdadeiro espírito de equipe, e é isso que eu procuro apregoar para os meus liderados, é que a gente trabalhe visando objetivo único que é a empresa, então essa conquista ela é muito mais gratificante, porque cada um procura ajudar ao seu colega, tá? E aquele que vê, que observa que não está chegando lá ainda, ele busca, ele não quer ficar atrás dos demais. E não existe aquele processo de menosprezo: “Você é menos competente, você é isso, é isso é aquilo outro. ” Não, não existe isso. O espírito realmente é de equipe, é aquele de todos se ajudarem mutuamente objetivando o objetivo maior que é o da empresa, tá? Então, esse é o grande lance da conquista, do desafio do vendedor.
P/1 – E deixa eu te perguntar uma coisa, tem algum caso, assim, pitoresco que você se lembre, ou alguns nessa sua trajetória, de abordagem do médico, ou que tenha sido engraçado, curioso ou uma cena que vocês pegaram? Algum caso que te marcou, assim, nessa sua trajetória, pode ser desde lá de trás ou da sua equipe... vocês devem ter mil histórias.
R – É, eu costumo dizer que a vida do representante dá livros, né? Não dá um livro não, dá vários livros. [Risos]
P/1 – A gente pode fazer um livro à parte.
R – É, é verdade. Principalmente quando a gente encontra a gente começa a contar o que aconteceu nos setores e tal... e realmente um fato pitoresco foi aquele que eu te falei da minha primeira propaganda, que é uma coisa que a gente nunca esquece, né? [Risos]. Então, o que me vem assim na cabeça pela tua pergunta... pode ser até que surja algum grande... como você me fez a pergunta eu posso lembrar algum que surgiu, tal, e que venha a te contar, mas momentaneamente assim, não... que tem, tem. Existem, e têm muitos, eu tenho certeza, que são pitorescos, mas que a gente vai lembrar.
P/1 – E durante essa trajetória na Rhodia... você está há 22 anos, não é isso?
R – Não, vou fazer 27 anos de Rhodia no dia primeiro de setembro.
P/1 – Nesses seus 27 anos o que o senhor acha... quer dizer, quais foram as mudanças... eu estou perguntando isso em dois sentidos, tanto no trabalho do propagandista, quais foram as principais transformações, os principais paradigmas e as principais mudanças no material, tanto na abordagem quanto material e perfil do próprio propagandista. Quais foram as principais mudanças?
R – É aquilo que eu te falei há pouco tempo atrás. A indústria realmente... eu costumo dizer também que na indústria as coisas se modificam como o próprio mundo, de forma muito rápida, o que a gente diz que é moderno hoje, passa a ser antigo amanhã. E a indústria ela procura seguir muito a tendência do mercado, né? Porque se ela se acomodar também, como qualquer seguimento de mercado, se acomodar, não acompanhar, como se fala, a globalização, se a indústria não acompanhar isso, hoje, realmente, a tendência é falir. Então, quando eu falo de evolução... veja você, como eu te contei o que foi o meu início na Rhodia, né? Na indústria era aquilo, do cara pegar e botar as amostras dentro da pasta e sair para visitar o médico, sem saber explicar tecnicamente qual era a funcionalidade daquele produto. E vieram as fases das propagandas PAID, aquelas montadas, que eu falei para você. Aí, você já começou a receber o pacotão. Você recebia aquilo, lia, estudava, decorava e chegava na frente do médico... por isso que os médicos hoje ainda têm o conceito: “Ah, vocês vão lá, vocês recebem isso decorado, vem para cá cuspir na frente da gente essas mensagens. ” Então, os médicos também captavam isso, né? Aí, foi se modernizando. Aí chega uma época que a indústria liberou geral. A própria Rhodia evoluiu para isso também, chegou um ponto e disse assim: “Olha, daqui para frente nós não temos mais mensagens. Nós vamos só dar aula e falar e cada um vai falar o que achar conveniente diante do médico, não vai ter mensagem montada. ” Aquilo foi uma quebra de paradigma. Muita gente se perdeu: “O que é que eu vou falar? ” Acostumado...
P/1 – Em que época foi isso?
R – Olha, já foi na década de 1980 isso. Foi na década de 1980. Então, assim, mudar o paradigma, você ter aquilo tudo montado, tudo já pré-fabricado para você chegar lá e só montar e falar era muito mais prático. A partir do momento que te deu aquela liberdade eu vi muita gente igual cachorro quando cai de mudança, fica perdido, né? Não sabe para onde vai, que destino tomar. E aquilo gerou realmente um impacto muito grande, né? E começou a despertar no profissional o verdadeiro espírito de profissionalismo, né? A necessidade de ele ter conhecimento pleno dos seus produtos para na hora que ele não tivesse um apoio visual, para na hora que ele não tivesse a peça promocional, ele saber realmente que ele teria que falar com o médico de igual para igual. E aí, começou a exigir, a indústria começou a exigir um grau de profissionalização maior dos seus representantes e começou a exigir já uma qualificação melhor no aspecto de admissão de formação. Aí, foi quando começaram também com essa exigência de curso superior, porque aí a pessoa já começa a entender. Quando a pessoa tem uma formação ela já começa a entender com mais facilidade aqueles termos mais técnicos de como deverão ser passados para o médico e tal... E aí começou, a grande transformação da indústria começou daí. E hoje está exatamente em cima disso aí. A indústria evoluiu para uma profissionalização cada vez maior, quer dizer, cada vez, hoje o representante está mais próximo do médico no que diz respeito à formação. E aquela indústria que não seguir esse caminho realmente está fadada ao insucesso para qualquer lançamento que ele vá fazer no mercado, de um produto. Então a gente vê que a qualificação profissional... eu costumo dizer para o meu representante, hoje, diante da formação que nós temos o representante não pode se intimidar diante do médico. Ele não vai querer dar aula, ele tem que ter o conhecimento para contra argumentar em qualquer objeção que ele venha a enfrentar, mas por outro lado ele tem que ter consciência de que ele é um profissional e ele tem formação suficiente para estar ali na frente do médico falando o que ele tem necessidade de falar. E não se intimidar diante do médico e baixar a cabeça. Porque na hora que o médico fizer a objeção ele chegar e falar: “Meu Deus, eu estou falando porque eu tenho conhecimento de causa. Eu fui formado, eu tive aulas na empresa para chegar aqui para o senhor e falar a respeito de determinado assunto. ” Então, eu acho que a mudança está muito por aí. Exige cada vez mais do representante essa profissionalização. E a indústria está encaminhando cada vez mais para isso aí. Por isso que eu te falo, pouco se usa peça... imagina você, se hoje eu tivesse que usar a mesma técnica de abordagem de um médico de 20 anos atrás dentro de um centro cirúrgico, fazer aquelas propagandas PAID, jamais eu iria atingir o meu objetivo. Primeiro que o médico não ia ter tempo para te ouvir. E hoje realmente, você tem que ser técnico, conhecer a terminologia e saber, para o médico... e eu falo até para o meu representante, eu disse: “Olha, vocês não devem se curvar ao médico diante disso. Não se intimidem, porque médico qualquer um pode ser. É só meter as caras, estudar, fazer um vestibular e entrar na faculdade. Agora, vendedor, poucos conseguem, está no sangue, está no dom.” então a coisa... é profunda. É minha essa, viu, está gravado. E eu passo isso para o meu pessoal. E a consciência profissional que você tem que ter, né? Porque realmente... e eu já falei isso uma vez para o médico. E contando um fato realmente até pitoresco, nós estávamos exatamente no lançamento do Flagil. Aí, como muitos médicos desconheciam a importância no anaeróbio, chegaram dois médicos, novos, até, nós __________, e ele começou... eu era já gerente distrital e estava o meu representante fazendo a propaganda, a apresentação do Flagil para eles e tal, para o médico, aí, chegou esse outro. Ele já começou com aquele sorriso sarcástico de...
P/1 – Pouco caso?
R – É, incrédulo naquilo que o colega estava falando e ele começou a rir. E eu vendo aquilo de longe achei até interessante: “Pô, o cara já deve ter alguma experiência com o produto e ele está esperando o colega para falar...” “Ah, você está falando tudo isso, mas eu já sei, tal...”Aí, esperei o colega terminar, aí ele: “Ah, isso que vocês estão falando aí é balela. ” Aí, eu disse: “Olha, doutor, engraçado, eu estava aqui de fora observando que o senhor está rindo, o senhor certamente já tem alguma experiência com o produto. O senhor já o conhece? ” Aí, ele: “Não, eu não conheço, nunca tive experiência. Primeiro, esses trabalhos que vocês estão apresentando aí, isso tudo é trabalho que é pago pelo laboratório para fazer, eu não acredito nisso. ” Eu disse assim: “Engraçado, quando eu vi o seu sorriso eu pensei que fosse uma pessoa que tivesse conhecimento de causa. Em primeiro lugar, isso que nós estamos trazendo não é nenhuma balela. Eu trabalho numa empresa chamada Rhodia, que é uma multinacional e tem um nome a zelar no mundo inteiro, ela jamais se prestaria a trazer para o senhor um trabalho dessa categoria. Tudo que nós trazemos aqui para o senhor é calcado em cima de trabalhos clínicos, científicos e internacionais. Veja que a referência desse trabalho não é nem nacional, é internacional. Agora, se o senhor como médico tem essa...”. Aí, ele virou assim: “Não, mas isso é trabalho feito por médico que recebe qualquer dinheiro para fazer isso. ” Eu falei assim: “Olha, doutor, mais uma vez eu vou afirmar, esse não é o objetivo da minha empresa. Agora, se o senhor como médico tem essa concepção dos seus colegas de profissão, que imagem devo eu ter como leigo desses seus colegas como médico? ” Olha, o outro médico que estava assistindo pediu licença: “Olha, não, tudo bem, olha, eu vou ler, desculpe, tal, depois a gente volta...” Foi embora. O cara botou o rabinho entre as pernas e foi embora. Então é aquilo que eu falei. É você estar preparado com argumentos para responder à altura. Não chegar qualquer um... você vê professores, médicos renomados, chega para você e te ouve. Quando ele não tem tempo ele fala: “Olha, meu filho, agora não dá. ” Te respeita profissionalmente. Por que um cara que está ali e como se costuma dizer, nem tirou a fralda ainda, ainda está com aquele jalecão lá embaixo, um estetoscópio pendurado no pescoço, porque para dizer que é médico ele pendura o estetoscópio no pescoço e já vindo para cima de você querendo menosprezar o seu trabalho, os seus conhecimentos. Não é por aí, não. Então, de vez em quando você tem que estar preparado até para dar um ________ desse aí. Um dos fatos pitorescos que eu vi. O outro médico ficou tão envergonhado por ele que convidou para ele se retirar dali e saíram os dois. Então, eu acho que na medida em que você está preparado você tem argumento para qualquer situação e não tem medo de falar. E nada melhor para te dar segurança do que você ter o conhecimento das coisas, porque quando você não tem conhecimento das coisas... uma palestra que você vai fazer, se você não tem segurança você chega lá na frente se treme toda. Não é verdade? A insegurança gera isso. E aí está o grande filão da indústria, é exatamente esse, está voltando cada vez mais na profissionalização, está procurando especializar as pessoas por área de mercado... quem trabalha na linha oncológica realmente só trabalha com aqueles produtos, quer dizer, você está cada vez mais focado, voltado exatamente para aquele assunto. Nós do hospitalar estamos muito voltados para os trabalhos específicos, quer dizer, trabalhos junto a angina estável, trabalha junto a trombose ________ profunda, profilaxia..., mas antes de você falar em profilaxia você tem que saber o que é que é uma trombose _________ profunda, quais são as consequências de uma trombose _________ profunda, sabe? Como elas surgem, qual é a etiologia de uma patologia dessa. Então, eu acho que para você falar disso, para você vender um conceito da profilaxia primeiro você tem que conhecer a patologia para chegar diante de um médico e falar com calma. E até as consequências disso o que é que gera, como por exemplo, a _____________ hospitalar que gera um custo maior. Tudo isso aí tem que estar embutido na tua argumentação. Mas é o dia a dia, é a escola da vida que te ensina.
P/1 – E você tem alguma pretensão ainda, algum desejo em relação à Rhodia quanto à sua carreira?
R – Olha, eu já tive, muitas vezes o meu nome mencionado para promoções. É lógico que pessoas mais competentes surgiram e entraram na vaga, no cargo, mas isso nunca... como já aconteceram, no início que eu te falei, quando eu fui indicado para gerente distrital, nunca fez com que jamais, em momento algum, perdesse a motivação que eu tenho pelo meu trabalho. Primeiro, eu adoro o que faço, e se existe uma coisa que eu nunca escondo para ninguém e a todos com quem eu falo eu digo isso, eu agradeço todos os dias a Deus por estar trabalhando e fazendo aquilo que gosto. Não esqueço não. E eu até agradeço a ele por ele me dar esse dom de lembrar de todo dia agradecê-lo. [Risos]. É sério! Não, porque tem pessoas que recebem as coisas e esquecem. E eu até agradeço a ele dele me lembrar de que eu tenho que agradecê-lo todos os dias. Eu agradeço mesmo. Faço as minhas orações no meu carro, e faço, sabia? É por isso que eu digo, eu tenho uma coisa muito boa comigo, tá? E essas coisas não me deixam influenciar.
P/1 – Você teve uma formação religiosa?
R – Não, não, pelo contrário. Eu, quando eu tinha meus 13 anos, que morava em Parnaíba, eu fui coroinha. Ajudava na missa todos os dias. Todo dia eu ia ajudar o padre lá a celebrar a missa. Adorava aquilo. E eu estive até realmente pronto para ir para o Seminário, eu tinha muito desejo realmente de me formar e ser seminarista. Agora, veja você... eu não sei se são vidas pregressas, alguma coisa, porque naquela época eu já visava a vida de seminarista pela formação que eu teria, sabe? Que eu sabia que o sacerdócio ele é muito bem formado na forma de conhecimento, formação geral. Então eu já pensei: “Eu vou ser sacerdote porque eu vou ter uma formação muito boa, isso aí vai valer em qualquer fase da vida. ” Aí fui, né? Eu me lembro que eu fui na cidade, eu fui lá na ___________, fui falar com o Bispo, eu tive a iniciativa, fui sozinho falar com o Bispo que eu queria ser padre. Aí, eu falei para ele, ele me perguntou porque é que eu tinha... eu falei para ele que ajudava na missa, aquele negócio. Aí, ele falou: “Então eu vou ver o que é que eu posso fazer por você. ” Aí, eu fiquei naquela expectativa, né? Ele me deu uma relação de material que eu tinha que comprar, era toalha, tesoura, aquele material de higiene que levava para o Seminário... aí, ele disse: “Olha, você volta daqui a uma semana que eu vou ver como é que...” Bem, eu acredito... Aí, eu voltei lá, quando eu voltei ele me falou que realmente não tinha conseguido, que tinha um custo e eu tinha que bancar aquele custo lá, da minha convivência lá no Seminário, que eu não tinha condições. Falei: “Olha, então infelizmente eu não tenho como pagar, eu também não vou.” E eu tenho certeza que a igreja perdeu um grande padre. E eu falei para minha mulher: “Você teria perdido um grande esposo se eu tivesse ido. ” [Risos]. Mas hoje... A igreja perdeu um grande padre porque tudo que eu procuro fazer eu faço com muita seriedade. Até os trabalhos que eu faço em casa, seja de lazer, alguma coisa, eu procuro fazer com perfeição. Eu tenho a mania de perfeccionista, sabe? Eu sou assim. O que eu faço eu faço bem feito, procuro fazer bem feito.
P/1 – O senhor falou da sua esposa. Em que ano que o senhor a conheceu?
R – A minha esposa eu a conheci exatamente no momento em que eu saí da Marinha, que eu estava naquele hiato de arranjar um emprego, de pegar a minha documentação, que a Marinha me deu licença até eu pegar a documentação, que eu fiquei um total de quatro anos na Marinha, somando o tempo de escola mais o tempo de engajamento, fiquei quatro anos e pouco na Marinha. Foi quando eu saí e fiquei naquele hiato de ter a documentação e arranjar um emprego. Aí, tinha um colégio ao lado da minha casa, da república onde eu morava, então eu passei a estudar no colégio. Estudava no colégio... e conheci a minha esposa nesse colégio. E aí namoramos, casamos e convivemos juntos há 25 anos, 26 anos, tenho duas moças, uma já formada em educação física e a outra está no segundo grau.
P/1 – Elas moram com o senhor?
R – Moram, moram as duas comigo, todas elas. E aí está lá, e estamos lá, Graças a Deus, uma família realmente com conceito realmente de família. Muito bem, elas me têm como exemplo, né? Minhas filhas, nunca me preocupei, Graças a Deus a minha esposa deu uma educação muito boa para elas também no aspecto de conversar muito sobre a vida, do que é a vida. Tenho duas filhas realmente maravilhosas, sem vício nenhum, nunca foram namoradeiras também. A minha filha mais velha tem 24 anos, se formou, agora que ela realmente pensou em estar namorando sério agora com um colega que até é professor com ela, ela é professora de educação física, então o cara é professor também com ela. Aí, Graças a Deus nunca me deram problema. E também em função disso, eu também sempre fui um dos mais caseiros, nunca fui, assim, de farra. Enquanto solteiro eu sempre dancei muito, mas... a não ser nas festas da Rhodia, das nossas reuniões, eu não... sabe? Sou meio pacato.
P/1 – E se o senhor tivesse que mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, teria alguma coisa que o senhor gostaria de mudar, se o senhor pudesse, nessa sua trajetória, desde quando o senhor saiu lá de...
R – Você sabe... eu uso muito isso, eu vejo a vida como uma grande escola. Eu acho que eu aprendi tanto nessa minha vida com essas coisas, e de tudo o que eu fiz... não me arrependo do que eu fiz. Tudo que eu conquistei eu valorizo até hoje porque foram conseguidos com sacrifício e tal. E eu acho que por isso que eu valorizo. Por isso que eu não gostaria de mudar, porque talvez se eu tivesse conseguido muitas coisas fáceis eu talvez não desse valor ao que eu tenho e talvez à própria vida e talvez eu não tivesse passado isso às minhas filhas, conforme eu passei. Então... quer dizer, profissionalmente sou realizado... tanto é que eu estou esses anos todos na empresa. Eu hoje, principalmente, que nós estamos aqui conversando, eu sou a pessoa do campo, aqui, como vendedor, o mais antigo da Rhodia. Oportunidades tiveram, como eu te falei, de outras casas me convidarem, mas eu sempre procurei investir aqui no meu trabalho, porque eu tenho um conceito já formado aqui dentro. Não que eu ________: “Ah, você não é ousado para mudar. ” Até fui, mas às vezes as pessoas mudam por 500 reais a mais, mas tem muitas coisas que tem valores maiores do que propriamente dinheiro que às vezes não compensa, e eu valorizo muito isso, a minha palavra inclusive é essa, como eu te citei de exemplo daquele laboratório, eu não mudei porque eu, quando eu empenho a minha palavra, minha filha, eu vou longe, entendeu? Eu valorizo muito isso e levo isso muito à sério. Então, eu não mudaria nada que eu fiz, realmente. Hoje eu tenho minha casa própria, eu realmente consegui com muito sacrifício, comecei com um apartamentozinho de cooperativa, de ________, vendi ele e dei entrada numa casa...
[pausa]
R – E fui indo, fui indo, hoje eu tenho o meu lar, agradeço muito a Deus por estar aqui, eu entro o _______ ali, é meu. Vocês às vezes ________: “___________ de fundo religioso. ” Não, mas é porque a gente tem que reconhecer, certo? E Deus somos nós. E eu acho que a gente vem aqui, eu acho que tem uma missão muito especial para cumprir aqui por essa passagem pela terra, né? E estou cumprindo, espero, fazendo a contento.
P/1 – E o senhor tem um grande desejo, um grande sonho de vida ainda? Assim, uma coisa que o senhor queira realizar?
R – Olha, o meu grande sonho é o seguinte... uma coisa que eu não penso, eu falei para minha mulher, pelas minhas próprias características, assim, de ser dinâmico, eu não me vejo parado. Só de você ter me chamado de senhor ali, quer dizer, assim, de forma... eu falei: “Pô, engraçado...” E eu costumo dizer o seguinte, eu não me sinto... eu me sinto como se eu tivesse 20 e poucos anos, te juro. Nunca neguei para ninguém que vou fazer 53 anos, nunca neguei minha idade para ninguém, mas não me sinto com essa idade. Eu jogo bola todos os domingos, existem rapazes lá, garotos lá, que eu corro e os garotos ficam parados e eu fico admirado. Eu digo: “Olha, quando você estiver com a minha idade você está roubado, garoto. ” Então, sabe, eu sinto uma coisa jovem dentro de mim e eu não me vejo parado. Eu falo para minha mulher: “Deus me livre de parar”. Eu quero continuar trabalhando eu acho que até, eu acho, morrer. Eu gostaria de ter, o seguinte... eu não gostaria de ter uma vida, digamos assim, aquela de ficar em cadeira, sabe? Eu gostaria de ser ativo até os últimos momentos da minha vida, eu gostaria. É um desejo que eu tenho realmente.
P/1 – Trabalhando com isso o que o senhor faz?
R – No que eu faço, realmente. Eu gostaria. Eu não me vejo parado. Por isso... eu citei, eu acabei de vir de uma reunião de São Paulo, que eu citei para eles, numa palestra que eu fiz lá para os colegas, exatamente que o mundo ele evolui de maneira tão rápida que você tem que estar preparado para as mudanças. Por isso que não me chocam essas mudanças, porque eu estou preparado para elas. Eu procuro me adaptar a essas mudanças. O que é elas me exigem? É mais conhecimento? Eu estudo inglês hoje. Eu saio da minha casa sábado às sete horas da manhã para ir para o curso de inglês.
P/1 – É a Rhodia que paga o curso?
R – Não. Auto iniciativa minha, tá? Que eu vejo a necessidade, eu sempre quis aprender e por circunstâncias eu fiz alguns anos atrás, esqueci, quero retomar e a minha filha: “Pô, papai, você tem uma força de vontade. ” Eu disse: “Eu quero passar isso para vocês também. Que você, a partir do momento que vir a necessidade, que o mercado, a vida te exige isso, que vocês façam com a mesma determinação. ” E eu vou às sete horas da manhã, enquanto eu sei que muitas pessoas levantam, vão para praia, fazem isso, fazem aquilo outro, eu vou, levanto, vou para minha aula de inglês, volto para minha casa, faço o que eu tenho que fazer e faço com o maior prazer. E eu sou citado pelo professor lá como exemplo. Engraçado, ele me disse: “Fontenele, eu tenho o maior prazer de dar aula para você. Você, na tua idade, você vir às sete horas da manhã! Dia de sábado... é porque você quer aprender mesmo. E eu fico bronqueado que eu tenho aqui garotos, adolescentes, que eu insisto, insisto, faço isso, passo exercício, os garotos não fazem... e você... quer dizer, eu tenho prazer porque você é um cara que quer aprender. ” Então eu vejo, assim, como uma filosofia de vida, de me aprimorar, de estar sempre evoluindo e tal... é por isso que eu não me vejo, vamos dizer assim, parado amanhã. Não me vejo parado. E esse é o meu grande objetivo de vida. É continuar trabalhando até as minhas filhas estarem formadas, independentes, a vida delas próprias... eu acho que a partir do momento que tudo isso aí estiver concretizado, eu acho que a minha missão cumpriu.
P/1 –Para encerrar eu gostaria de saber o que é que o senhor acho de ter dado esse depoimento para gente?
R – Olha, eu achei fantástico porque eu acho que é uma história de uma empresa, uma nação que não tem história, ela não tem passado, né? Então, eu acho que é uma maneira de resgatar tudo isso que nós fizemos. E eu falo para minha filha o seguinte, eu na Rhodia eu tenho exatamente a metade da minha existência, por isso é que eu considero o meu segundo lar. O que eu tenho de Rhodia é exatamente a metade de existência de vida que eu tenho. Então, eu considero isso aqui uma extensão do meu lar, eu vejo isso. Eu não consigo desassociar isso como parte da minha vida. Então eu me sinto inclusive muito honrado com esse convite, esse depoimento, porque eu tenho certeza que o que eu contei aqui muitas outras pessoas também passaram por isso, mas já não estão lá na empresa, mas não conseguiram resgatar algumas coisas que passaram e que ela hoje pode colocar nos anais dela, como a história da empresa que veio aqui... eu tenho hoje na minha casa a camiseta quando nós comemoramos 70 anos de Rhodia, entendeu? Ainda tinha essa camisetinha... [Risos]
P/1 – Ah, vai trazer para gente aqui amanhã para gente ver.
R – A camisetinha... o pessoal até brinca comigo porque sempre que eu vou para essas reuniões eles brincam que: “Ah, você tem camiseta do lançamento do Gardenal. ” Gozação, é claro, mas a de 70 anos eu tenho, a camisetinha branca, “Rhodia 70 Anos” e tal... Então é legal isso aí.
P/1 – A gente gostaria de agradecer a entrevista, foi super bonita. Obrigada.Recolher