Projeto Rhodia Farma, 80 anos.
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Eduardo Ramacciotti
Entrevistado por Rosana e José Carlos
Santo André, 09 de fevereiro de 1999
Código: RHF_HV024
Transcrito por Marina D’Andréa
Revisado por Fabiana Panini
P/1 – Bom, Dr. Eduardo, di...Continuar leitura
Projeto Rhodia Farma, 80 anos.
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Eduardo Ramacciotti
Entrevistado por Rosana e José Carlos
Santo André, 09 de fevereiro de 1999
Código: RHF_HV024
Transcrito por Marina D’Andréa
Revisado por Fabiana Panini
P/1 – Bom, Dr. Eduardo, diga o seu nome inteiro, nome dos pais, vida familiar...
R -
Meu nome é Eduardo Ramacciotti, nasci em 09 de novembro de 1966, em Ribeirão Preto, estado de São Paulo. Sou filho de Osiris Ramacciotti e Maria Luiza Nunes Ramacciotti.
P/1- Você morou em Ribeirão, passou sua infância lá?
R - Não. Eu nasci em Ribeirão Preto, meu pai se formou lá, fez medicina lá, e veio fazer residência no Hospital das Clínicas, na Universidade de São Paulo, em São Paulo, e nós viemos pra cá. Aí eu passei minha infância aqui no ABC, e com 16 pra 17 anos eu entrei na faculdade de medicina de Ribeirão Preto.
P/1- Mas seu pai é médico.
R -
Meu pai é cirurgião vascular também, formado lá em Ribeirão Preto, com
residência e doutoramento na Universidade de São Paulo, aqui em São Paulo.
P/1- E sua mãe?
R -
Minha mãe é assistente social, formada em Ribeirão Preto. Tenho uma irmã, chama-se Flávia Ramacciotti, ela é dentista, faz endodontia, formada na Unicamp. Foi aí que eu, com 16 pra 17 anos fui pra Ribeirão Preto, fiz faculdade lá. Foram seis anos de faculdade e residência médica, dois de cirurgia geral e dois de cirurgia vascular. Voltei pra cá, vim pra trabalhar no ABC, fiz meu mestrado na Escola Paulista de Medicina, sou ligado à Faculdade de Medicina do ABC. Sou
professor auxiliar de ensino na Faculdade de Medicina do ABC, professor voluntário, né? E estou fazendo meu doutorado na Universidade de São Paulo.
P/2 – Seu pai é de que área?
R -
Meu pai é cirurgião vascular também.
P/1-
(------------)
R -
Eu, independente de ele ser cirurgião vascular, eu já seria, viu? Acho que foi só uma coincidência. Nós trabalhamos juntos. A gente trabalha junto. Eu tenho meu consultório separado do dele, mas os casos cirúrgicos, assim, principalmente os casos mais complicados, né, a gente opera junto.
P/1- Mas, na sua infância, quer dizer, como é essa lembrança da medicina na sua infância?, o que que você tem...
R -
A lembrança que eu tenho é que eu via muito pouco o meu pai. Isso eu tinha bem claro. Porque ele trabalhava das seis da manhã às dez da noite, e muitas vezes quando minha mãe tinha que fazer outra coisa, ela me deixava com meu pai e meu pai me levava pro centro cirúrgico junto com ele, punha um avental, e ficava dormindo no centro cirúrgico [risos]. Inúmeras vezes ele fez isso. Quando ele não me deixava trancado no carro, que ele ia passar visita. E então eu ficava dormindo no carro, e ele estendia um paninho no banco de trás, e eu ficava dormindo. Então, eu lembro bem de entrar no centro cirúrgico com dois, três anos de idade e ficar dormindo [risos] com roupa de centro cirúrgico, né? [risos], mas a infância... Ele nunca me forçou a fazer medicina, eu sempre gostei. Eu entrei na faculdade predisposto a fazer cirurgia vascular, porque eu já tinha visto com ele, sabia que era esse o meu caminho e pronto, acabou. Eu entrei na faculdade sabendo que eu ia ser cirurgião vascular. Eu já sabia, tracei um objetivo, porque eu já tinha visto com o meu pai, e sempre achei muito interessante, né? Porque a cirurgia vascular... essa visão fui ter depois, né? A cirurgia vascular é uma área que é muito abrangente. Ela lhe permite lidar com a parte estética, são as varizes, as microvarizes, toda uma parte; a parte clínica, os doentes vasculares precisam de clínica médica; a parte de cirurgia, e diferentes tipos de
cirurgias. Você faz desde uma cirurgia simples, uma microvarizes, até um aneurisma da aorta abdominal, com diferentes tipos... tem uma gama muito grande; e abrangendo a parte da medicina de diagnóstico então, você tem as angiografias, a ultra-sonografia vascular... É uma especialidade que tem uma gama ampla de trabalho. Você trabalha no consultório, trabalha no hospital, trabalha no pronto-socorro, trabalha no consultório de estética, trabalha na radiologia, na ultra-sonografia e você está fazendo cirurgia vascular. É muito amplo, é muito interessante. Por isso que eu decidi fazer cirurgia vascular.
P/1- Você estudou em Ribeirão Preto aonde, que colégio?
R -
Não, não. Eu estudei só faculdade. Meu colégio eu fiz aqui em São Paulo no Colégio Bandeirantes. Eu estudei no Colégio Bandeirantes, concluí o terceiro colegial e fui fazer medicina em Ribeirão Preto, que é da Universidade de São Paulo. Aí fiz os seis anos, e mais quatro anos de residência, né? Dois anos de residência de cirurgia geral e dois anos de residência em cirurgia vascular. Aí eu concluí o quarto ano de residência, vim pra São Paulo trabalhar, já estava habilitado para trabalhar, né, e aí continuei minha formação acadêmica. Fiz três anos de mestrado na Escola Paulista de Medicina, aqui em São Paulo, e agora estou fazendo meu doutoramento na Universidade de São Paulo.
P/2- Dos tempos de faculdade em Ribeirão Preto, o que você lembra?
R -
O que eu lembro bem? Ah, eu tinha assim... eu era extremamente CDF. Estudava muito. Fui da Atlética, então eu jogava handebol. Fui capitão do time de handebol, capitão do time de futebol de campo. Joguei os dez anos, viciado em esporte. Não fumo e não bebo, sou viciado em esporte, né, então jogava handebol, jogava futebol de campo. Jogo até hoje, faço esporte todo o dia, até hoje. E eu tinha uma banda, na época. Tocava, toco até hoje, não é a mesma da faculdade, mas ainda tenho o vício da música.
P/1- Que é que você toca?
R -
Eu fiz nove anos de violão clássico, né, então eu toco violão, mas nas bandas, principalmente banda de rock, eu tocava contrabaixo. Lá em Ribeirão Preto eu tinha uma banda de rock, tocava baixo.
P/1- Qual
era
o nome da banda?
R -
Você sabe que é um problema, nunca tivemos um nome, viu? Então, era “O pessoal da medicina vai tocar”, então já sabiam que era a gente. E tinha um rapaz na minha banda, que era genial. Eu estudei música, né? E ele nunca tinha estudado música, e quando eu o conheci lá na faculdade, eu tinha uma guitarra, que meu pai tinha me dado. Então, felizmente, tinha meu pai de suporte, então tinha uma guitarra, importada, da Ibanez, quem mexe com som conhece, né? E ele disse: “Escuta, fiquei sabendo que você tem uma guitarra Ibanez, eu nunca toquei numa guitarra, você deixa eu ver sua guitarra?”, “Como é seu nome, eu nunca tive a oportunidade de pegar uma guitarra na mão” Eu disse: “Então vamos em casa”. Eu liguei a guitarra no amplificador, dei na mão dele, e nunca mais saiu da mão dele, porque tocava que nem um deus da guitarra. Então, era absurdo. Nunca vi ninguém tocar assim. Era um calouro meu de lá, que não sabia onde era o ré, mas, detonava a guitarra, né? Tudo de ouvido. Tocava perfeito e compunha. Ele tinha uma gama de composições enorme. Ele compunha desde samba até heavy metal, com uma maestria... Então por causa disso, como ele tocava melhor que eu a guitarra, eu fui aprender
a tocar baixo. E nós formamos a nossa banda. Ele na guitarra, eu no baixo, contratamos um baterista e um rapaz pra fazer vocal, né? Essa banda se desfez porque ele largou medicina
para ser guitarrista numa banda de heavy metal. Aquela banda acabou, aí nós desmontamos a bandinha e ele foi tocar. Largou medicina e foi pro heavy metal, o vocalista virou pediatra, e o baterista era um dentista que foi morar no norte do país, lá pro Amazonas. Aí desfez-se a banda, eu vim pra Santo André, e aqui eu comecei a tocar blues com um pessoalzinho aqui. Temos um blues acústico muito bom. Sou eu, um rapaz no violão, e um gaitista, né? Eu faço baixo ou violão acústico, dependendo do show onde a gente vai tocar. E num desses shows que a gente estava tocando aqui em Santo André, o blues... quando a gente toca blues, é a única oportunidade que nos permite beber alguma coisa. Ou uma budweiser, ou um jack daniel, e nessas oportunidades tinha um amigo meu que tava lá e falou assim “Olha, tem uma amiga minha que canta pra caramba. Posso mandar na sua casa pra...É a Selma.” E eu disse: “ Uma cantora de blues, vamos ver, né?”. Minha esposa, que vocês viram aí agora, estava saindo pra ir no supermercado, tocou a campainha e era a
Selma, né? E aí ela falou: “Eu sou a Selma… eu canto.”. Eu olhei, ela é modelo, da Elite, e tal, e canta né? Então hoje temos uma banda com uma vocalista feminina. E como eu dou aula na faculdade de medicina, tenho o guitarrista, que era aluno e se formou agora, virou médico; o baterista, que também foi aluno, que agora virou médico, está fazendo oftalmologia; e o tecladista é um rapaz, um engenheiro aqui de Santo André, que toca muito bem e que é dono de uma empresa de aferições. Então a gente toca em bar, em casa. Eu componho um pouquinho em casa. Tenho um estudiozinho digital, né? Então tenho um equipamento, tenho teclado, tenho baixo, tenho violão, tenho tudo. Componho em casa, e a gente brinca, né. Nós tocamos aqui na região só pra se divertir.
P/1- Essa tem nome?
R - Tem, tem. É a Banda da Selma Lins. Que é a menina, né?
P/2- É, [risos] já colocaram ela de chamariz, modelo da Elite que canta blues...
R - É, invariavelmente. Tem a foto dela, da menina, tem um encarte da Elite... Espera um pouquinho... Tá gravando? Ela é bem legal, canta super bem, e lota, viu? A última vez que tocamos foram 790 pessoas assistir a gente. É bem legal. Canta super bem. Além de ter esse visual, tudo, canta muito, muito, muito. Ela tem tocado, agora profissionalmente, com a banda que está na televisão, que é o Blush. São
algumas meninas da Elite. Tem uma apelação, assim de calcinha, e tal, e a gente fala que são as Chiquititas. Mas a banda mesmo do coração é a gente, né? Som ao vivo, assim, é muito divertido. Tem um equipamento muito legal. Sou meio fissurado com equipamento de música, então tenho violão Gibson, não sei se você entende disso. Tem um puta timbre bom, tem um violão Takamine, tem um baixo Fender 68, que eu passei sete anos pra achar. Tem todos os “amps”, os efeitos, que é um negócio que eu sou meio obcecado por, e é muito legal.
P/1 – E da faculdade, que lembranças você tem?
R -
Olha, ótimas. A matéria que eu mais gostava era a cirurgia, né? Eu estudava muito cirurgia e na faculdade passei os seis anos mais felizes da minha vida. Para todo o mundo, né? Fui estudar fora, eu tinha o suporte do meu pai. Meu pai me deu um apartamento e um carro.
Numa cidade como Ribeirão Preto, é o céu. Não tem [risos] outra definição. Passei os dez anos mais maravilhosos da minha vida. Eu estudava, tranquilo... Gostava de estudar cirurgia, e como eu já sabia o que eu queria, eu direcionava. Então eu tenho umas passagens interessantes. Por exemplo, eu matava muito a aula de pediatria para entrar em cirurgia. E numa das oportunidades, no meu sexto ano, uma professora de pediatria quis “melar” minhas matadas aí e me dar umas faltas. E isso quase me complicou. Quase não passei de ano por causa disso. Aí falei: “Pô, professora, mas eu não gosto de pediatria, e deixa pra lá, eu sou cirurgião, mesmo”, mas ela “melou”, “melou”, e se não fosse um dos professores mais antigos lá eu tinha sido reprovado [risos] por tempo, matando a aula de pediatria para entrar em cirurgia. O tempo passou, e quatro anos depois eu me tornei R4 em cirurgia vascular, e ela foi operada por nós, essa professora. E ela não lembrava de mim. Eu falei: “Professora, a senhora lembra de mim?”. Na hora que ela ia ser anestesiada. [risos]. “Pois é, professora, a senhora sabe que a senhora quase me reprovou no sexto ano, por falta, porque eu matava as aulas de pediatria, para entrar em cirurgia. Pois é. Hoje nós que vamos operar a senhora, mas eu garanto que vou caprichar o máximo.” E, dito e feito. Nós fizemos uma cirurgia bonita pra ela. Eu que dei os pontos, que eu nunca mais esqueci. Depois ela me deu um presente. Foi muito legal [risos], quase ter me reprovado e depois ter usado dos meus serviços como cirurgião, quando então R4 [risos]. São os caminhos que a vida apronta.
P/1 – E quais que eram, um pouco assim, os medicamentos usados para uma trombose, na época?
R –Você fez uma pergunta boa. Quando eu fui residente, e eu fiz residência de cirurgia geral em 1990 e 1991, depois fiz cirurgia vascular de 1992 a 1993. Na época a gente já utilizava heparinas de baixo peso molecular lá na minha faculdade. Porque o professor da disciplina de cirurgia vascular tinha feito a formação dele na França, e então nós trazíamos o que é o similar do clexane, que era o lovenox, né? Então, nós já tínhamos experiência do uso das heparinas de baixo peso molecular como profilaxia para cirurgia e tratamento de tromboses venosas de pernas. Então, apesar de eu ser um cirurgião vascular relativamente novo, eu tenho 10 anos de formado, a gente já tem uma experiência relativamente grande com a utilização de heparina de baixo peso molecular, por causa dessa experiência da minha faculdade de trazer a medicação. Eu já conhecia antes de ter o clexane, no Brasil já importava.
Não era comum. Eu tive acesso por causa da minha formação acadêmica. Mas não era comum. Era uma medicação que na época era importada. A medicação comum era o liquemine, que é heparina não fracionada. Mas o conceito de profilaxia de trombose venosa profunda, ele apesar de ser relativamente antigo, já é utilizado desde a década de 50, ------- não fracionada como profilaxia, poucos médicos no país têm esse conceito bem fixado.
Numa pesquisa recente, acho que
da própria Rhodia, só 38% dos médicos tem uma noção razoável do que é uma profilaxia de TVP. E a incidência de TVP é muito alta.
P/1- O que é uma profilaxia de TVP?
R - Suponhamos que você vai ser operada. Então ao te examinar, ter os teus exames e um histórico prévio seu, eu sei se você é uma paciente que tem um risco baixo, moderado ou alto, de desenvolver uma trombose venosa profunda pós-cirúrgica. Por exemplo, trombose venosa pode ocorrer em várias situações, né. Talvez eu até mostre para vocês aqui as imagens, se vocês quiserem ver. Uma trombose venosa profunda pode ocorrer em várias situações, e então, a profilaxia é a seguinte: nós temos métodos de saber, com uma certa
precisão, qual é o risco de você desenvolver uma trombose venosa profunda em diferentes situações. Por exemplo, se você for ser operada, se você for ficar acamada, se você sofreu um acidente e tiver uma fratura do membros inferiores, se você tiver um câncer, uma infecção grave, situações clínicas ou médicas, nós sabemos qual que é o risco específico para se formar uma trombose venosa profunda. Então o médico tem que ter isso em mente, porque se ele souber desse risco, ele vai investir em profilaxia. E hoje é muito mais barato você dar uma medicação ou usar algumas medidas profiláticas, e evitar que a pessoa tenha uma TVP, do que depois assumir uma TVP, e todo o tratamento dela, e todas as conseqüências sociais dela. Se quiser posso te mostrar algumas coisas aqui. Porque é toda uma parte médica, tem as definições, aqui tem dados de incidência.
P/1 – Mas como é que é essa profilaxia é vista no Brasil, é diferente que no exterior esse conceito de profilaxia aqui?
R - É diferente. No exterior ele é mais rigoroso. No nosso país essa cultura de profilaxia está sendo implantada agora, né? Inclusive num esforço conjunto da Rhodia com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Vascular, da qual eu faço parte, né? Faço parte dos dois. Eu tenho trabalhado em conjunto com a Rhodia em um programa que lançamos de aulas. A gente tem dado aulas pros médicos no país inteiro explicando o que é TVP, explicando quais são os riscos e quais são os métodos de profilaxia. E é um esquema bem ético, porque nós oferecemos não só medicação como profilaxia, mas como todos os métodos físicos. Então só o fato de você pegar uma paciente, colocar uma meia elástica e deixar a cama dela levantada no pós operatório, você já está reduzindo significativamente a incidência de TVP pós–operatória. Só o fato de você massagear a perna do doente quando acaba uma cirurgia ginecológica, por exemplo, que você fica naquela posição com as pernas penduradas em perneira, né? Só de fazer essa massagem na panturrilha, fazer com que o sangue circule, você diminui a incidência de TVP. Só a dorsiflexão do pé. Então são cuidados gerais aí que a gente tem ensinado, e a gente tem explicado pros colegas, não só quanto à profilaxia, mas também quanto ao diagnóstico. Porque no nosso país às vezes acontece isso. O doente é operado, tem uma TVP, não é feito o diagnóstico, ele não é tratado, e acaba morrendo de embolia pulmonar. Que é uma complicação grave da TVP. Só para você ter uma idéia, a gente tem os dados dos Estados Unidos, em
relação à incidência. Vou te dar os números, para você entender. Nos Estados Unidos são cinco milhões de casos de fenômenos (promembólicos?) por ano. Numa população de cerca de 200 milhões de habitantes, 10% desses acaba tendo embolia pulmonar. Esses 10% são 500 mil casos. Desses, 10% vão a óbito, quer dizer, 50 mil óbitos por ano. Na realidade, isso aqui já aumentou. Uma estatística mais recente fala em torno de 100 mil mortes por ano de embolia pulmonar nos Estados Unidos. É muito alto. Se você levantar isso no nosso país, os nossos dados são de necropsia. Então, se você pegar um número X de necropsias, você vai ver que tem muito mais embolia pulmonar, que o médico quando deu o atestado de óbito, deu infarto, morte súbita, fica sem causa e quando você faz a necropsia você acha um êmbolo lá. Então a incidência é muito alta. Então vou te dar alguns dados nacionais aqui. O professor Maffei, que é um médico que estuda muito TVP, ele é de Botucatu, e mostrou num trabalho de 1980, que um terço das embolias pulmonares têm origem em algum problema nos membros inferiores. Isso até é maior, entende? Mas ele, neste trabalho, mostrou isso aqui. Schneider, que é um médico que trabalha aqui no Hospital
do Servidor Público, mostrou que 41,4% dos pacientes que são submetidos à (abdoplastia?) do quadril… (abdoplastia?) é aquela cirurgia que você coloca uma prótese no quadril para fraturas e luxações. 41,4% deles têm TVP, se não for feita a profilaxia. Então, quase metade de quem você operar e colocar uma prótese no quadril vai ter uma TVP, entendeu? Em cirurgia geral, ¼ dos pacientes, 22,8%, quase ¼ de qualquer cirurgia geral. Os dados são assustadores. Mas, você diria “Pô, mas ninguém vê isso?”
P/1- Se for uma plástica na barriga também dá?
R - Plástica vai ser difícil a gente conseguir levantar os dados, mas, pode dar. Eu tenho feito profilaxia nos doentes que vão ser submetidos a lipoaspirações extensas, por um tempo muito prolongado. Tenho feito profilaxia junto ao cirurgião plástico e, felizmente, no tempo em que a gente trabalha junto, nós nunca tivemos nenhuma TVP. E para fratura de membro inferior, o trabalho do Dr. Silvestre, que é um cirurgião vascular lá de Londrina, de 1994 foi tese de doutoramento dele. Ele mostrou que 62,5 % dos pacientes de membros inferiores, tem TVP.
P/1- Trombose é especificamente pós-operatório?
R- Não, não. Vou mostrar pra você o que é. TVP é o seguinte: um médico brilhante do
século passado, chamado Virchow, falou assim: “Porque é que o sangue coagula dentro de uma veia? É esquisito”. E ele postulou que, pessoas que tivessem alterações na coagulação, ou seja, fossem mais coagulantes que outras, ou seus mecanismos de defesa contra a coagulação fossem diminuídos, teriam maior chance de desenvolver TVP. Ele imaginou que se você lesasse as células por dentro das veias e expusesse os tecidos subepiteliais, que a gente chama, ao fluxo sangüíneo, e esses tecidos são extremamente pró-coagulantes, você teria TVP. Ele imaginou que as pessoas que ficassem muito tempo acamadas, que não andassem, portanto diminuíssem sua circulação venosa das pernas, porque não tem um coração que bate do pé para empurrar sangue de volta. da (embulação?) a musculatura contrai, comprime as veias, as válvulas se fecham e o sangue sobe. Se essas pessoas perdessem esse mecanismo, teriam maior chance de ter TVP. Então ele fez uma tríade, que é a famosa tríade de Virchow. Alteração de coagulação, lesão arterial e estase. Isso é válido até hoje. Então, o que acontece é isso aqui, que é parte de fisiopatologia. Talvez seja difícil explicar pra vocês, mas numa fase inicial, as plaquetas, que são pedaços de células circulantes, né, os trombócitos, eles se agregam e aí vai se formando o trombo. Trombina é uma proteína
------ de coagulação, e aí vai se acumulando, e acaba por fim, o trombo acaba se aderindo ou a uma válvula ou a uma parede venosa. Isso é um corte, esquemático de uma veia, né, e ele acaba se aderindo, diminui o fluxo venoso e aí ocorre a formação de trombose secundária, dando manifestação clínica. É uma obstrução venosa e acaba manifestando então com inchaço, com uma série de coisas. Para que essa tríade ocorra, aliás, para que a trombose seja desencadeada por essa tríade, existe alguns fatores de risco já bem estabelecidos na literatura. Então, por exemplo, a idade. Nós sabemos que
acima dos 40 anos existe um risco maior de TVP. Existe em criança, adolescente, em jovem, mas a incidência maior é a partir da 4a década. Os pacientes ficam imobilizados, vocês já entenderam porque né? Existe uma relação entre TVP e obesidade. Não sei se vocês viram a reportagem da Veja de capa desta semana, nas páginas amarelas, uma moça dizendo que não tem nada a ver obesidade, mas tem tudo a ver. Achei um absurdo essa reportagem porque ela fala que gordo tem que ser gordo mesmo, tem que conviver com isso, não tem que tratar a obesidade. A obesidade é uma doença, e uma doença mórbida. E no nosso caso, na cirurgia vascular, existe relação entre obesidade e TVP. Tromboembolismo prévio é muito importante. Então, você, Rosana, se já teve uma TVP, vai ser operada, você é de altíssimo risco para ter uma TVP. Então, todo o paciente que já teve uma TVP tem que ser muito bem orientado, porque ele, toda a vez que for submetido a um procedimento cirúrgico, ou ficar muito tempo acamado ou uma fratura, ele é de altíssimo risco para desenvolver TVP de novo. As varicosidades de membros inferiores... existe relação entre varizes e TVP. Não quer dizer que se você tiver varizes vai ter TVP. Mas desde que você tiver varizes e for exposta aos fatores de risco, entendeu? No nosso país as infecções são fator de risco muito sério. Existe um trabalho da Escola Paulista de Medicina mostrando que pacientes com infecções graves, tipo de septicemia, 25% deles desenvolvem algum fenômeno tromboembólico. Então, todo o doente com infecção grave é de alto risco e precisa ser feita a profilaxia. Então, tá aqui, pra vocês verem a idade... vai ter o cirurgião, vai ...
P/1- A TVP é um tipo de trombose?
R- É um tipo de trombose. Existem as tromboses arteriais, existem. Mas é uma entidade clínica diferente de uma trombose arterial, com manifestações clínicas totalmente diferentes. A heparina de baixo peso molecular é utilizada para profilaxia de TVP, para tratamento de TVP, para o tratamento da angina instável, e eventualmente nos pacientes que estão recebendo hemodiálise, e no infarto agudo de miocárdio, na angina, né? Então, existem uma série de indicações para o medicamento, mas o uso dela difundido, o uso forte, é como profilaxia e tratamento da TVP. E mais as indicações cardiológicas, né? Então, olha, você não é médica. Mas dá uma olhada neste paciente. Descreve ele pra mim. O que você vê?
P/1- Ele é obeso, sentado, parado, com uma infecção grave na perna, né?
R - Mas essa infecção é uma erisipela, não é um aspecto da trombose. Olha, só de ver, ele já somou vários fatores de risco. Obesidade, acamado, infecção grave, acima dos 40 anos de idade. Então, se fosse um parente seu, você não faria uma profilaxia se ele fosse ficar internado aí 10, 12 dias no hospital? Porque às vezes você faz um tratamento médico nele, brilhante, trata essa infecção, só que ele morre de embolia pulmonar.
P/1- Quais são as vantagens pro hospital de estar fazendo a profilaxia?
R- Pro hospital, não apenas pro hospital, mas pro sistema de saúde inteiro, é o seguinte, se você pegar 100 pessoas, que sejam de risco, e fizer uma profilaxia pra elas, vai ter um gasto X. Se você assumir não fazer profilaxia nesses pacientes, além da implicação médica de que alguns deles vão ter TVP, o gasto pra você tratar essa TVP, mas o gasto para tratar as embolias pulmonares, mais o gasto social de uma seqüela de TVP, que é a hipertensão venosa crônica, que é o paciente ter uma úlcera varicosa, por exemplo, é muito maior do que o gasto que você teve pra fazer a profilaxia. Então, se você assume deixar o doente ter uma doença que você pode evitar, primeiro é a implicação ética, né? Não tem sentido. Nós médicos temos que evitar que o paciente tenha uma doença. Segundo, a implicação sócio-econômica, e terceiro a implicação social. Porque olha, imagine você que você foi operada, não foi feita a profilaxia, você desenvolveu uma TVP, teve sorte de não ter tido uma embolia pulmonar, e evoluiu para um quadro de hipertensão venosa com uma úlcera varicosa, aquelas úlceras de ferida. Então, qual a implicação social disso? É que 2% da nossa população no Brasil tem úlcera varicosa. E 2% de 140, 150 milhões, é uma população significativa. Qual é o tratamento da úlcera varicosa? Antibiótico, cirurgia com desbridamento, que é você limpar a ferida, perna pra cima, e principalmente afastamento do serviço. Hoje eu trabalho aqui na região do ABC, então os doentes procuram a gente no ambulatório aí da faculdade, com úlcera varicosa, desesperados tentando arrumar emprego e não conseguem, porque a primeira coisa no exame médico são as pernas, se tiver varizes ou uma úlcera, você não pode empregar um paciente desses tecnicamente na empresa, porque ele vai dar prejuízo. Então, gera um círculo vicioso que é um problema social enorme no nosso país. Se você deixa um pai de família com uma úlcera varicosa, aquela ferida... Esses mendigos pedindo esmola, eles estão invalidados por uma doença que é uma úlcera varicosa. Vou mostrar para vocês isso, mas tem ainda outros fatores de risco que vou mostrar pra vocês. As neoplasias, os cânceres, às vezes a primeira manifestação num câncer é uma TVP. Então, nós cirurgiões vasculares que lidamos com TVP somos obsessivos com isso. Toda vez que você tem um doente com TVP diagnosticada, você precisa achar a causa dela e invariavelmente a causa dela é um tumor. Tenho vários casos aí de pacientes que procuraram a gente com TVP, que tem um tumor de pâncreas, tumor de estômago, de ovário, de fígado, de tireóide, algum tumor em algum lugar. Um linfoma. Existe uma relação entre câncer e TVP. Porque um dos produtos que as células cancerígenas produzem desencadeiam aquela tríade que mostrei pra vocês no começo, né? Gravidez e puerpério, os contraceptivos orais, porque as drogas neles contidas bloqueiam alguns sistemas de proteção contra tromboses...
(troca de fita)
Antitrombina 3, né, e o plasminogênio. O traumatismo, que já mostrei pra vocês, e hoje, modernamente, existem alterações moleculares que nós estamos achando no sangue dos nossos pacientes, que justificam o aparecimento da TVP. Que são os antígenos Anticardiolipina e Antilúpico, que são doenças auto-imunes que atacam essas células endoteliais de revestimento venoso, e essas pessoas têm um maior risco de ter trombose venosa. E aí esses doentes têm trombose venosa, trombose arterial, embolia pulmonar, mistura todos os tipos de trombose, né?
E hoje, mais modernamente, que nós estamos estudando no mundo inteiro, e eu vou ter a oportunidade de participar de um congresso semana que vem, são as causas genéticas. Então, se você pega um grupo grande de pacientes, o ------ fez uma publicação interessante, vou mostrar pra vocês. Olha aqui, o cirurgião como fator de risco, tem alguns outros slides, mas se você pegar um grupo grande de pacientes com TVP que tem todos aqueles riscos que mostrei pra vocês, você acha esses pacientes com TVP, imputa um fator de risco... você fala “Pô, ele teve uma TVP porque está com câncer.” Mas se você fizer um screening genético, com cascata e coagulação dele, você vai ver que nesse grupo você vai achar doentes que têm problemas na cascata de coagulação, problemas genéticos
nas suas proteínas circulares. Então, a coisa é mais complexa ainda do que a gente imagina. Então, se eu mostrar aqui esse quadro de varizes de membros inferiores, você não imagina muita relação entre essas varizes aqui com TVP. Aqui você já começa a imaginar, né? E, uma vez identificados os fatores de risco...
P/2- E as tromboses podem ser evitadas com a profilaxia?
R -
Olha, nós não conseguimos evitar 100% das tromboses com a profilaxia. Tem doentes que, mesmo com a profilaxia, desenvolve o quadro de TVP. Mas nós reduzimos sensivelmente a incidência da TVP com a utilização das...
P/1- Existe uma percentagem?
R -
Existe uma percentagem e eu vou dar os dados pra você. Tenho aqui em diapositivo, mas para cada situação clínica, entendeu, a gente tem uma resposta. Para prótese de quadril, você consegue diminuir uma percentagem muito alta, dependendo do caso. Agora, você pega um doente que tem anticorpos antilúpico, fator cinco montado, que vou mostrar pra vocês. Esses doentes, às vezes, mesmo com a profilaxia, nós não conseguimos diminuir a incidência da TVP. Essa percentagem é menor. Mas, ainda assim, se você pegar pacientes que têm alterações genéticas e não fizer nada, e os que faz a profilaxia, ainda assim, compensa fazer a profilaxia.
P/1- .... heparina, tem efeitos colaterais?
R - Ela... não é que ela tenha efeitos colaterais. Ela não é isenta de risco, mas é um risco muito controlado pelo médico. Por exemplo, você não vai fazer profilaxia num doente que está com hemorragia digestiva sangrando por uma úlcera. Não tem sentido, porque ele vai morrer sangrando. E se feita por quem saiba lidar com a medicação, o risco é muito baixo. Existe na literatura umas coisas descritas. Por exemplo, a heparina de baixo peso molecular pode induzir à diminuição de plaquetas. A (trombostropelia?) por um mecanismo alérgico. A incidência disso é em torno de 2,5%, que é menor quando você utiliza heparina não fracionada, que é de 5%. Então é a metade do risco. Além disso, a heparina de baixo peso molecular tem uma ação seletiva na cascata de coagulação. Vou mostrar pra vocês. Vocês não têm formação médica, mas ela bloqueia, ela faz uma ligação. Ela se chama heparina de baixo peso molecular porque na realidade, ela é uma heparina não fracionada, uma heparina de cadeia molecular grande, quebrada. Isso faz com que ela tenha uma vida maior, mas tem uma ação bioquímica diferente. Ela faz uma ligação com as proteínas que vão exercer a sua ação, muito mais forte, e não se liga às proteínas plasmáticas. Então, isso faz com que ela se ligue à proteína da cascata de coagulação, especialmente o Fator 10 ativado, que eu vou mostrar pra vocês, de uma forma mais seletiva. Então, nós temos um controle da inibição da cascata de coagulação mais seletiva, entende? Então, qual que é o risco... o risco de plaquetopenia, quer dizer, redução do número de plaquetas? O risco de hemorragia é muito baixo, hemorragia grave muito baixo, e detalhe, se porventura você tem uma complicação, existe antídoto. Existe uma droga chamada sulfato de protamina que você dá na veia do doente e você corta o efeito da heparina de baixo peso molecular. Então existe um bloqueio efetivo. O médico que sabe lidar com isso, ele
faz a profilaxia, eu faço profilaxia há 10 anos, nunca tive complicação.
P/1- Como você identificaria, assim, essa questão da medicina profilática? Onde você identifica a resistência? Há uma resistência? isso está no desconhecimento?
R - Olha, é complicado falar isso porque nós temos dados de literatura dizendo que a profilaxia é o melhor ponto. Sempre vale a pena e ponto final. Isso aí é claro na literatura. O que acontece é que, primeiro, a desinformação de alguns colegas. Existe uma desinformação sobre TVP, uma desinformação grande até, e segundo, existe resistência de alguns colegas em utilizar heparina por medo. Então vou te dar alguns dados. Existe um risco quando você vai fazer uma cirurgia, que você vai usar um bloqueio peridural, que você tem que passar um cateter. Então, às vezes o anestesista tem medo de ter uma hemorragia subdural e o doente ficar aí com seqüelas neurológicas. Na literatura mundial existem 31 casos relatados. Isso é do ano passado, uma publicação do Anestesiology. Poxa, 31 casos, o doente está recebendo heparina, foi fazer o bloqueio peridural, teve uma hemorragia grave, e precisou de uma descompressão -------. 31 pacientes num universo de milhões de cirurgias, é muito baixo. Agora, veja quantas pessoas se beneficiaram da utilização da heparina de baixo peso molecular. Aí tem um outro ponto de vista, que também acho interessante. Você vai falar assim: “Poxa, mas tem doente que você não faz profilaxia e ele sai liso, vários doentes você não faz, acaba não tendo nada, vale a pena, não vale?”. Eu sempre conto uma historinha, eu curto muito o lado filosófico da coisa. Eu faço profilaxia em todo o mundo. Sem exceção. E toda vez que um colega me critica e fala: “Pô, você está gastando dinheiro pra fazer profilaxia, um doente, isolado”, e eu pego um doente que está internado na UTI, eu vou lá, eu faço, eu sou meio obcecado com isso, né? E eu conto a história de um filme de uma maré seca, que teve, eu não me lembro o nome desse filme, e teve uma maré baixa, e a praia ficou cheia de estrelas do mar, e elas estavam morrendo, milhares de estrelas, e tinha um camarada que ia lá, pegava a estrelinha do mar, uma por uma e jogava de volta pro mar. Aí passou um camarada e falou: “Escuta, porque que você está fazendo isso? isso é uma bobagem, tem milhares de estrelas do mar, você está jogando de volta, uma, duas, isso não faz diferença.” O cara pegou uma estrelinha, jogou e falou: “Para essa fez”. Entendeu? Agora, se você conseguir devolver todas pro mar, melhor ainda, né? Eu vou mostrar umas coisas interessantes pra vocês, isso aqui são dados médicos.
P/1- Aqui no Brasil, quais são os medicamentos que têm baixa densidade? É só o Clexane?
R – Não. Existem mais duas, que é a enoxaparina, que é o clexane, né, que é o nome farmacêutico e tem outras. Tem a fraxiparina e tem o fragmin, que é a dalteparina, né?
São três heparinas de baixo peso molecular que tem à disposição no mercado nacional, né? Eu, particularmente, utilizo o clexane, porque, primeiro, tenho mais experiência com o clexane, porque ele é mais fácil de manipular pela dosagem dele que é em miligramas, né, muito mais fácil você memorizar, e a ação dele, quando tem as doses em miligramas. Eu conheço bem a ação, conheço bem o mecanismo de produção que a Rhodia faz da medicação. E o clexane hoje está liberado pelo governo e pode ser usado em dose única, para tratamento. Então facilita muito. A vantagem dele, nesse aspecto, é que você pode tratar os doentes em casa.
É melhor. O que você prefere? Ficar deitado no hospital ou ficar em casa assistindo sessão da tarde e comendo comida caseira, com a perninha pra cima e tratando em casa, reduzindo os custos pro seu convênio pro hospital público. Agora, a dalteparina também tá com dose única. A fraxiparina não está liberada ainda para dose única.
P/2- Por que não está liberado ainda?
R – Porque para isso precisa indicar uma série de estudos, né, existe toda uma preparação pra isso. E a Rhodia está fazendo os estudos. Nós estamos participando agora, junto com a Rhodia, do estudo do tratamento de dose única domiciliar para TVP proximais. Trombose de coxa, né? E eu ainda não tive oportunidade de iniciar a terapêutica para TVP de coxa, porque foi liberada agora há pouco tempo, né? Mas pras tromboses de perna, trato tudo em casa, com heparina de baixo peso molecular, sem problema nenhum.
Sem complicações.
P/1 – Seu mestrado, doutorado, foi...
R – Não, não mexi com TVP. Estudo esse tema, mas eu lido muito com hemodiálise. Então, meu mestrado eu fiz um modelo experimental de aferição de fluxo e fístulas artério-venosas. A gente liga uma artéria numa veia nos pacientes, para poder fazer diálise, né? E eu fiz um estudo experimental em cães, medindo o tamanho da comunicação entre a artéria e a veia, e a relação que isso dava com o fluxo (------triônico?), para ver qual o melhor tamanho para que você tenha um fluxo melhor sem roubar sangue da mão, para o doente ter uma diálise mais efetiva. E agora, minha tese de doutoramento, eu estou mexendo com humanos, né, estou fazendo uma técnica de salvamento de fístula artério-venosa, que não tem muito a ver com a TVP. Mas fístula, quando o doente está fazendo hemodiálise, ele precisa dela, mas essas fístulas são facilmente destruídas, desde que não muito bem cuidadas, né? Então, nós estamos bolando uma técnica de salvar essas fístulas, sem ter que reoperar os doentes, entende, por procedimentos endoscópicos. Então você
pega o doente que a fístula começa a funcionar não muito bem, já levar pro raio X, para hemodinâmica e dilatar essa fístula, né? Qual a implicação? O ideal para esses doentes é fazer o transplante, né, só que a nossa taxa de transplante no Brasil é muito baixa. Então, os doentes dependem muito dessas fístulas, para poder fazer as hemodiálise. Então, a minha tese de doutoramento é com isso. Na Universidade de São Paulo. Aqui é toda uma parte de coagulação, vai ser difícil explicar para vocês, eu vou mostrar
um quadro clínico de uma TVP pra vocês verem.
P/1 – Você desenvolveu alguma parceria com a Rhodia, nesse estudo?
R- A Rhodia tem me dado... Foi interessante. A Rhodia me viu uma vez dando aula sobre TVP, e eles viram que eu me interessava muito pela heparina de baixo peso molecular, porque eu já tinha experiência adquirida na escola, né? Então, a Rhodia tem me dado suporte pra eu poder fazer as minhas pesquisas com TVP, que na realidade é uma tendência mundial. O laboratório que detém a tecnologia, e detém as medicações, detém tudo, dá o apoio para o pesquisador, para a universidade, pra poder fazer as pesquisas. Porque hoje, pra gente, a pesquisa pela universidade pura, a pesquisa cai muito de qualidade, porque a verba destinada à pesquisa no nosso país é muito baixa, né? E minha tese de mestrado, eu fiz por minha conta, eu que comprei os cachorros, né, comprava ração pro cachorro, pagava o técnico, tudo do meu bolso, né? E essa de doutoramento, estou fazendo com pacientes. Eu tenho pego pacientes, ou de convênio, então o convênio autoriza você fazer o procedimento, né, ou os pacientes do INPS, eu tenho conseguido que o INPS me autorize. Mas os balões, por exemplo, eu uso particular meu, Raio X eu faço tudo particular. É que também não tem sentido eu pegar o patrocínio da Rhodia agora para minha tese de doutoramento. Mas para os trabalhos com TVP a Rhodia tem me ajudado. É uma relação muito boa e não tem outro caminho. É bom pra todo o mundo. É bom principalmente para o doente. Porque existem alguns colegas que dizem: “Pô, você está se vendendo para o laboratório”, isso é uma idiotice, porque o laboratório, primeiro, clexane é uma droga fantástica, que funciona muito bem. Minha mãe foi operada recentemente, e recebeu. Minhas pacientes particulares, recebem. Segundo, se o laboratório financia um pesquisador sério, ele tem condições, ele tem combustível financeiro para te dar uma pesquisa de qualidade. Você devolve pro laboratório, como resposta, uma melhor utilização do equipamento que ele está te oferecendo, e da tecnologia que ele está te oferecendo. E isso acaba formando um triângulo, porque nós vamos oferecer para o doente mais qualidade no atendimento, porque vamos oferecer uma droga com uma disposição, com uma apresentação melhor, com muito mais pesquisa em cima. Por exemplo, essa semana agora eu estou indo para os Estados Unidos, pro American Venus Forum, que vai discutir TVP, e eu consegui que a Rhodia me pagasse inscrição no Congresso, uma inscrição cara, e a minha estadia, que é cara. Qual que é o retorno que eu tenho disso? É muito grande, porque eu estou vendo no primeiro mundo o que tem de mais moderno com TVP. E como é que isso se reverte? Para mim, pessoalmente, se reverte como conhecimento. Para o meu doente, eu vou estar oferecendo mais qualidade quando estiver atendendo. Para a Rhodia é interessante porque eu tenho dado as minhas aulas sobre TVP, incrementa a venda do produto. Mas o reinvestimento que é feito em pesquisa é muito grande. Então, eu vejo com muito bons olhos esse tipo de parceria. É a solução que os países de primeiro mundo encontraram para pesquisa. Primeiro, porque você se sente prestigiado e estimulado. Eu tenho oportunidade de viajar, vou para um congresso bom, quando eu tenho uma idéia boa, desde que seja aprovada por um comitê de ética, e aprovada pela equipe médica da Rhodia, eles me ajudam, entende. E não me impõem nada. Nada é imposto. Se eu preciso chegar a alguma conclusão que não bata com ao plano da empresa, isso é apresentado. Não existe manipulação de resultado, nem tem como. É até uma questão de ética do pesquisador, né?
P/1 – Isso é uma coisa que você acha que vai crescer no Brasil?
R – Está crescendo e vai crescer. Eu não vejo outra solução para pesquisa que não seja você aliar o pesquisador com a multinacional. É bom negócio para todo o mundo, especialmente para o paciente. E desde que você consiga baratear o custo das coisas, por exemplo, existem algumas drogas que são (fiminoolíticas?) que são muito interessantes para TVP, mas são muito caras. Então a pesquisa, desde que bem feita, se você consegue baratear, ou otimizar a utilização dessas medicações, você consegue oferecer um preço menor pro mercado e pro paciente. Então, os pacientes passam a ter acesso a drogas melhores para tratamento. E aí você gira tudo. Isso é até um pensamento particular meu, né? Eu tiro sarro assim dos colegas que são comunistas, isso, aquilo, e penso o seguinte: acho que a gente tem que repartir tudo, mas repartir na riqueza. Acho que todo o mundo tem que ser rico. Não é pegar o rico e dividir com os pobres. Não é isso. Porque todo o mundo tem que ser rico e todo o mundo tem que ter acesso à tecnologia de ponta. Essa é a minha forma de pensar. Então, eu busco toda a vez que eu vou optar, eu uso o melhor material, a melhor lupa, o melhor antibiótico, e brigo com unhas e dentes pra que isso seja feito com o doente particular, ou de convênio ou do INPS. Eu ponho do meu bolso, mas eu faço do melhor. Eu sou obcecado com isso. Porque se você faz uma cirurgia com um negócio que você sabe que não é o melhor, eu durmo preocupado. Se esse doente… se a cirurgia não for um sucesso, ou morrer, se eu tivesse usado uma medicação melhor, um fio melhor, talvez não tivesse acontecido isso. Não consigo dormir à noite. É um problema meu, entende? Eu fui treinado assim na
residência. Meus professores eram obcecados com coisas boas também, né? Não só no atendimento mas no material, no equipamento, isso faz uma diferença brutal, entende? Então, se você me procura com uma TVP, eu tenho um ultrassom com doppler sensível, eu te faço um diagnóstico precoce, te inicio o tratamento adequado o quanto antes e a chance de você ter uma recuperação maior é muito melhor. Se você vai ser operado e você está num serviço que existe uma cultura de profilaxia, as chances de você ter uma TVP secundária a uma cirurgia ou a uma internação prolongada é muito menor. E veja quão frustrante é você ser internado para (optar?) um quadril e sair com a perna inchada por causa de uma trombose. É até esquisito, né? Não faz sentido. Captaram, assim, mais ou menos, a idéia? Olha aqui, vou mostrar pra vocês. Essa aqui é uma paciente com uma trombose de coxa. Ela procurou a gente no pronto socorro, com uma neoplasia de útero, neoplasia é um câncer de útero, e estourou em 24 horas, dor, mais edema, mais inchaço, na coxa esquerda. Aqui dá pra você ver bem, né, o que é uma trombose venosa. Isso é muito desconfortável, extremamente doloroso, e as heparinas, além da ação antitrombótica delas, elas impedem a progressão da trombose secundária. Elas têm uma ação anti-inflamatória. Então, quando você começa a tratar o doente com Heparina, dá um alívio. Porque todo esse processo de trombose vem acompanhado de um processo inflamatório. Então dói, dá uma dor incrível, né? É um quadro, você imagina, você está com câncer de útero, que desenvolve uma coisa desse tipo aqui. E isso pode acontecer no braço também, né? Esse paciente teve uma trombose venosa iatrogênica. Foi colocar um catéter para fazer uma parenteral, um cateter jugular. Esse catéter quebrou e deu uma trombose de veia (sub-----?) aqui. Aí, como ficou o braço. Estava internado lá, com problema na barriga, e ficou com essa trombose venosa de braço, né? E aí a trombose tem várias manifestações clínicas. Tem a de perna que é a mais freqüente, mas a gente tem duas entidades clínicas, que são as flegmasias, são as tromboses mais graves, tromboses proximais. Então, a flegmasia... a alba dolens é a trombose, alba é branco, dolens doloso. É quando aquela trombose atingiu a coxa, ela é tão intensa, que ela comprime as artérias superficiais da pele ali, e dá uma palidez incrível, é muito doloroso. E se isso não for bloqueado, dá um quadro clínico mais complicado, chamado flegmasia cerulea dolens. Que é isso aqui. É um paciente com uma trombose extensíssima, e uma gangrena venosa. E a mortalidade é mais de 80%. E morre. Não precisa nem ter embolia pulmonar para morrer. Se você imaginar o que chega de sangue arterial que não é drenado, o doente… E aí, a história natural dela é essa aqui, ou ela vira uma hipertensão venosa crônica, e dá as úlceras, que vou mostrar pra vocês, ou o doente sai liso, não acontece nada, ou ele tem uma embolia pulmonar, que em boa parte das vezes é fatal. Ou, se o doente sobrevive, ele evolui para um quadro restritivo de hipertensão pulmonar crônica. Então, a embolia pulmonar é melhor fazer a profilaxia e não tê-la, porque é difícil tratar a embolia pulmonar. Esses são dados de 1975, e você vê que 11% dos doentes com embolia pulmonar morrem na primeira hora. 63% deles, ficam sem diagnóstico, desses 44% sobrevivem, e 19% morrem. E do quarto de pacientes, ou seja aqueles 26% que é feito o diagnóstico precoce e iniciado o tratamento, nesse grupo tem uma mortalidade de 2%. É alto. A embolia pulmonar mata bastante. E o que acontece é isto aqui. É um trombinho que se originou ou numa TVP de braço ou de perna, mais freqüentemente na perna, que migrou, caiu na circulação cardíaca direita e foi dar uma oclusão arterial aguda numa artéria pulmonar. Então vocês vêem aqui um pulmão morto, né, um corte da artéria pulmonar, e esse trombo aqui, que começou numa perna e foi parar no pulmão. A gente tem uma série de exames pra fazer o diagnóstico, isso aqui talvez não interesse pra vocês, né, mas vou mostrar algumas coisas interessantes. Essa aula que estou dando pra vocês, com o apoio da Rhodia e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Vascular, eu tenho dado... o ano passado eu dei 22 aulas, em 22 cidades do país, de Santa Maria a João Pessoa. Em hotel, e o mecanismo que a Rhodia tem para atrair os colegas é um jantar. Existe uma resistência dos colegas para assistir à aula. Então você dá um jantar, o pessoal acaba assistindo, e a gente explica como funciona a profilaxia, né? E eu dou opção para o colega, se ele não quiser utilizar a heparina de baixo poder molecular, não tem problema, pode utilizar heparina não fracionada. Eu dou na minha aula, você vai ver. Dou a meia elástica, ensino o cara que mora no fim do mundo a fazer a profilaxia, mesmo que o colega não tenha dinheiro, a gente ensina. Explica o que é uma TVP e tenta criar uma cultura de profilaxia. Isso que a Rhodia está fazendo tem o aval da Sociedade Brasileira de Cirurgia Vascular, e existem alguns médicos contratados pra isso, né? Quer dizer, eu não sou funcionário da Rhodia, eu sou um cirurgião vascular, daqui de Santo André, e que estudo, que gosto de mexer com isso, que estou começando a estudar TVP com o apoio da Rhodia. Eles estão investindo em mim com isso e eu tenho participado dessas aulas, que eu vou com o maior prazer do mundo. Que é uma oportunidade também de a gente trocar informações. Eu vou para alguns centros que tem muita gente que tem experiência com TVP, e eu apresento essa aula, no fim a gente faz um debate e troca informações. A resposta é muito boa. Pra mim, pessoalmente, é muito bom. Porque eu conheço vários colegas, a gente discute, eu aprendo muito, principalmente nas cidades que têm universidade. Quando vai o professor da universidade, às vezes ele esteve fora, viu uma novidade, discute, a gente discute com os anestesistas, pneumologistas, e eu vou juntando dados. E a Rhodia tem um serviço de informação, que é o centro deles, que sempre que sai algum artigo novo, eles me mandam pela Internet ou por fax e me mantém informado. E eu sou membro da Sociedade Internacional de Cirurgia Cardiovascular e da Sociedade Internacional de TVP, e eu recebo as atualizações pela internet. Essa aula que estou mostrando pra vocês, eu dou sempre em data show, eu tenho ela em zip drive, e tenho o meu site agora do meu consultório que já está quase pronto, e vou deixar essa aula à disposição para download pela internet. Assim, quando dar aula, o colega que tiver dúvida, em vez de ficar copiando, pega o endereço da internet. E pretendo, daqui a algum tempo, ter uma central de dúvidas para receber os e-mails e discutir os problemas.
P/1- Aproveitando esse gancho, como você vê a propaganda médica? o propagandista que chega no consultório?
R- Eu sou um indivíduo viciado para você me perguntar isso, porque me dou muito bem com os propagandistas. Eu sei quão árdua é a tarefa deles e como está difícil, né? Eu jogo bola com ele [risos]. Mas, assim. O marketing dirigido via médico, para médico, tem uma credibilidade maior. Porque eu não vou colocar meu nome em risco, toda a carreira que eu estou construindo com muito estudo, para falar de um produto que eu não acredito, que não funciona. Não vou colocar um tempão de pesquisa, de horas longe da minha família, sentado no computador, para ganhar dinheiro, porque não é esse o meu objetivo. Então, quando estou falando de TVP, primeiro que eu sou médico, estudo o assunto, estou longe de ser a pessoa que mais entende do assunto, mas estou informado e com as coisas mais novas na mão. Então, eu diria que não é tanto marketing, mas uma troca de informações. E quando você troca informações, funciona melhor. Não desmerecendo o trabalho do propagandista, que é específico, mas eu consigo, pelo fato de eu estar envolvido na parte médica da coisa, tirar mais dúvidas do colega do que o propagandista. Porque às vezes o pessoal me pergunta qual a dose de heparina não fracionada que você usa na embolia pulmonar. O que é que você faz no caso de uma plaqueta (operínea?). São perguntas difíceis para o propagandista que não tem formação médica. Ele pode dar informações técnicas do produto, e muito bem, mas ele não consegue responder a perguntas da área médica. Então, alguns colegas acabam rejeitando o propagandista. Tá aqui, um rapaz com TVP de perna. As vezes nem dá para fazer o diagnóstico clínico e às vezes ele não tem dor. E nós lançamos mão de uma série de exames complementares. Vou mostrar alguma coisa. Um dopplerzinho, que é um aparelho de medir velocidade de sangue, a gente tem portátil, tem na minha maleta, eu mostro depois pra vocês como funciona. É bem interessante e nós temos hoje a ultra-sonografia com doppler colorido, que é um exame que trás muita informação. Que é isso aqui. É como se eu tivesse colocado um aparelhinho bem na dobra posterior do seu joelho. É que um paciente que não tem TVP, então você vê o sangue arterial passando aqui bonitinho, o sangue venoso passando, a veia safena externa. Você vê que não tem nenhum aspecto que te lembre uma trombose. No ultrassom, que é um exame que não te invade, porque no caso de um paciente com TVP, a veia fica pouco depressiva com um trombo no seu interior, então é um exame que até você que não é médico enxerga. Às vezes é difícil ver a veia. Então vou mostrar algumas imagens pra vocês, vocês vão entender. Olha, esse rapaz teve uma TVP na perna direita, foi feita flebografia bilateral. Estão vendo? Aqui deste lado normal, a veia femoral superficial, a comum, a profunda, livres, né, o contraste passando, e desse lado aqui ó, praticamente a ausência de sistema venoso profundo, com a veia safena fazendo a drenagem vicariante, contrastando. Vocês vêem… essa perna e essa. Que diferente. E tem vários exames. Os de sangue para fazer identificação das alterações genéticas. Tem uma série deles que nós pedimos, com uma boa limitação porque é muito caro. Aqui ó uma flebografia num doente que recebeu uma prótese de quadril. Você não vê nada porque não contrastou nada, é uma trombose tão maciça que desapareceu os terminais profundos dele. Isso é o que acontece quando você não trata, daí você fica com uma seqüela. Porque a trombose nunca é recanalizada. Então você fica com essa rede tênue de colateral drenando a perna. Então, mesmo que o doente fique com a perna desinchada, ele fica com uma seqüela, que é essa hipertensão venosa crônica. Então é muito interessante você fazer profilaxia para evitar isso. Tomografia computadorizada tem valor para as tromboses proximais, dá pra fazer nas tromboses estais. É preciso usar contraste, um exame muito bonito, muito caro, fora da realidade nossa. Ressonância eletromagnética, angioressonância também dá pra fazer, mas ainda tá cara, e aí no caso da embolia pulmonar, o exame definitivo de diagnóstico é arteriografia pulmonar, que você vê então uma artéria pulmonar preenchida por trombos, caracterizando uma embolia pulmonar. Nesse paciente, teve sorte de sair vivo. Então, porque faz a profilaxia? Porque nós não diminuímos ainda a incidência do nosso TVP, porque nossa medicina está cada vez mais invasiva, porque o diagnóstico clínico é raro e em geral é necroscópico, e porque as hemorragias graves são raras quando se utiliza a profilaxia.
(troca de fita)
...medicamentosa. Qual então o risco de ter uma TVP se não fizer profilaxia nenhuma e pra quanto se reduz isso. Para cada tipo de cirurgia, um tipo de risco e um tipo de redução. Então, mas todas elas são significantes, entende? Então no caso de cirurgia geral abdominal, você reduz uma incidência de 25, que é a média, de até a 33% para menos de 10% quando se faz profilaxia. Importante é você fazer a profilaxia.
P/1-
E os grupos de pesquisa, hoje, do TVP. Tem equipes?
R – Tem equipes. Existem nos Estados Unidos, na Europa, no Brasil tem o professor Maffei estudando isso em Botucatu, com muito afinco, tem este humilde que vos fala e que está começando agora, tem o Dr. Caiafa, que é ligado à Rhodia, e que está no Rio de Janeiro, e várias universidades têm estudos sobre TVP no Brasil, mas não têm ainda um núcleo. A Rhodia tem feito contato com alguns, para intercâmbio, mas nós ainda não temos um grupo forte de pesquisa.
P/1- Isso é uma carência?
R – É uma carência. Eu estou começando agora. Confesso que tudo o que publiquei, que são poucos trabalhos, e minha tese, foi sobre hemodiálise, né? Exatamente no ano passado comecei a estudar TVP com maior interesse. Estou iniciando o estudo do tratamento da TVP proximal com heparina de baixo peso molecular, e neste ano estou iniciando os estudos experimentais com cão e com rato com drogas novas, e estou esperando algumas. Tem uma droga nova que se chama Rudina, que a Rhodia vai oferecer pra gente daqui a algum tempo, que é uma proteína extraída de saliva de sanguessuga americano. Que tem uma potência antitrombótica incrível, né? O sanguessuga tem uma ação anti-coagulante poderosa, né, e foi extraída dessa saliva uma droga que se chama Rudina. E, quando injetada nos ratos, no começo da experiência, matava todos de hemorragia. E aí, por técnica de recombinação, é possível fazer a Rudina, que tem ação atenuada... e para você fazer uma idéia, para você ter o efeito de 40 miligramas de clexane, como profilaxia, você precisa de 15 miligramas de Rudina. Uma ação mais potente, com a limitação do preço, e outra, mais grave, porque ela não tem antídoto. Ainda não. Então agora, estou indo na sexta-feira para o American Venus Forum, que eu tenho um bilhão de idéias, e vou trocar informação com o pessoal de lá. Quero desenvolver um modelo experimental para eu poder estudar essas drogas com TVP em ratos e em cão, aqui no Brasil, e que seja acessível pra eu poder fazer a pesquisa, e que dê retorno. Por exemplo, na minha tese de mestrado, eu estudei o tamanho da anastomose no cão, para ver qual a melhor medida. Cheguei a uma conclusão e estou usando no meus doentes. Então eticamente estou embasado por uma pesquisa experimental e não aleatoriamente. Então a pesquisa experimental, matando animais, a gente tem até problemas aí com a Sociedade Protetora, mas ela tem esse objetivo. Um embasamento técnico para você poder usar no humano com segurança. Os animais são operados com anestesia, eles recebem a eutanásia, que é a morte com potássio na veia, totalmente indolor. Então, existe esse problema ético, mas a medicina só avança desse jeito. Hoje, para você ter uma idéia, no exterior, o melhor cão para pesquisa é o beagle. E existem canís para produzir beagles para experiências. É questionável, né, mas tem que ser assim.
M_- Na sua opinião, quais são os maiores desafios da medicina na suas área de especialização?
R – O maior desafio da medicina é a gente operar cada vez menos as pessoas. Eu vou estar satisfeito o dia que você chegar com uma patologia grave no meu consultório, e eu poder te mandar pra casa tratada, sem te cortar. E eu acho que um dos grandes desafios para nós, como médicos, é… isso é mais filosófico, né, é a gente não ter uma visão tão biológica, só biológica. Não te olhar como um corpo único, que tem uma doença porque as suas células pararam de funcionar e então precisa remover. Talvez a gente passe a entender de forma melhor a estrutura energética das pessoas, a colaboração aí da acupuntura, e outras coisas que nós estamos começando. Sócrates falava uma coisa muito interessante. Ele provavelmente foi a maior inteligência do planeta, mais do que o Einstein, mais do que todos, e ele não escrevia nada. Odiava escrever. Ele só falava. E dizia: “Eu sou o homem mais inteligente do mundo, e provavelmente vou ser por muito tempo. Porque eu sei que nada sei”. Nós estamos ainda engatinhando, porque para cada resposta que você dá para um problema, surgem dez ou vinte perguntas novas. Eu penso assim. Quando eu trato alguém, eu penso que sou eu que estou sendo tratado ou alguém da minha família. Então, eu gostaria de um dia ter uma TVP, tê-la resolvido de uma forma rápida, indolor e sem corte. E que eu possa voltar às minhas atividades normais. Acho que é esse o caminho da medicina.
P/1 – Como você veio parar em Santo André?
R – Meu pai está aqui, né? Ele foi o primeiro cirurgião vascular da região. Na época, ele era de São Caetano e fundou a cirurgia vascular aqui no ABC.
Então, por opção, eu teria ficado em Ribeirão Preto, mas tinha ele aqui, e é mais fácil você partir de uma base, uma sustentação que ele me deu. Então hoje eu tenho 32 anos, 10 anos de formado, por causa dele. Fiz mestrado porque ele me deu apoio, né? Devo tudo a ele. Porque ele teve visão de ver que eu precisaria de suporte para poder fazer as coisas, suporte que ele me dá até hoje. Então, até o ano passado, quando eu ia dar aula em João Pessoa, no dia seguinte eu não conseguia pegar o vôo das cinco da manhã e ele ficava operando os caras sozinho para eu poder viajar. Hoje nós temos mais um na equipe, então dá para eu viajar.
P/2 – Como você divide seu tempo?
R – Meu tempo é bem maluco, porque eu tenho este consultório aqui, que você está vendo, que é o meu consultório da parte estética, que eu amo e que, de certa forma, é o meu ganha-pão. Eu trabalho no hospital do meu pai, aqui em Santo André. Ele é sócio. Trabalho quase todos os dias de manhã. A gente faz ambulatório e as cirurgias no Hospital
Maternidade Cristóvão da Gama. À tarde, venho pro meu consultório. E na faculdade eu vou às segundas à tarde, opero os casos lá, segunda à noite dou aula pros alunos, terça, na hora do almoço, faço ambulatório com os alunos, e essa é a minha atividade na faculdade, né? Aqui na Faculdade de Medicina do ABC. Intercalo... quando eu estava fazendo minha tese de mestrado, eu ia na hora do almoço operar os cães. E nesse ano vou voltar a fazer isso. E de quarta, quinta, sexta e sábado de manhã, eu opero os doentes renais crônicos na hora do almoço e procuro terminar cedo para poder fazer esporte, né? Então, minha família é muito sacrificada. Isso gera muitos problemas. Minha esposa é dentista, tenho esse molequinho bonitinho que você viu, o Lorenzo, Lorenzo Storinno Ramacciotti. Ele me vê muito pouco, né? Estou esperando ele crescer um pouquinho para poder levar ele no jogo de futebol. E estou satisfeito, porque o meu São Paulo está ruim agora, estou esperando melhorar um pouquinho pra eu ter coragem de levar meu moleque no estádio. Porque com o time como está agora, não...
P/1 - Como você conheceu sua esposa?
R- A história é a seguinte. Ela estudou odontologia com a minha irmã. Ela era caloura da minha irmã e acabei conhecendo ela. Sou sete, oito anos mais velho que ela né? Então, peguei pra criar [risos]. Estamos casados há quatro anos. Ela me ajuda bastante, é muito inteligente. Foi criada nos Estados Unidos. Eu falo bem inglês, mas às vezes tenho problema assim, de versão, ela me ajuda. Ela me apurou muito, eu me vestia mal, usava uma armação de óculos horrorosa, e tal. Me empurrou. E ela segura muito a onda com o moleque. E agora, a partir do ano que vem, ela vai voltar a fazer a especialização dela, então vou ter que por uma babá para o menino. A minha vida é muito feliz. Muito feliz mesmo. Porque eu vejo doente o dia inteiro. É duro, você vê um doente grave, no hospital. Olha, eu estou com um doente com uma TVP extensa, internado na UTI, que eu precisei fazer uma cirurgia nele, uma (--- tomia?) porque está muito grave. O rapaz tem 29 anos, um rapaz legal, ele chegou no hospital porque ele cheirou todas com cocaína e ficou 24 horas de cócoras. Ele comprimiu as veias dele mais o efeito da cocaína, e ele chegou com uma trombose como raramente eu tinha visto. Então, você vê um cara mais novo que eu, quase morrendo no hospital, não dá pra reclamar da vida. Aí eu faço o meu sonzinho, tal, depois vou jogar minha bolinha, depois vou pra ginástica, tal, vejo meu molequinho que já está quase falando papai, não dá pra reclamar. Vocês querem perguntar mais alguma coisa? Só para concluir, vou mostrar mais umas coisas aqui.
P/1 – Você tem um grande sonho que gostaria de realizar?
R – Eu tenho. Eu tenho vários. Sou um sonhador, mas felizmente um sonhador que realiza. Por exemplo, eu ainda vou gravar o meu CD, que ainda vai sair. Eu vou conseguir implantar aqui na minha região, no meu país, tudo o que tem de bom no exterior em medicina. Eu acho que dá, eu sou muito otimista. Eu acho que dá para fazer um centro de tratamento aqui, igual à Clínica Mayo. Não entendo porque não. Não entendo porque esse complexo de inferioridade que a gente tem. Nós somos inteligentes tanto ou mais, porque o brasileiro se vira. Eu estive várias vezes nos hospitais lá, eu conversava com os caras, eu era discriminado por ser brasileiro, e sempre levei isso numa muito boa, pensando que eu ia pra lá e levava conhecimento, e vocês não têm idéia de como é o meu país. O meu grande sonho é ter um grande centro de tratamento de cirurgia vascular, que eu possa tratar doente de INPS, o que seja, independente de -------- com qualidade. Esse é um grande sonho meu. E um outro sonho meu, é conseguir implantar aqui na região um centro de transplante renal. Que eu lido com esses doentes renais crônicos, e se um dia vocês quiserem ver tristeza, eu levo. Isso é triste. É pior que TVP. É um grande sonho com relação ao profissional. Com relação familiar, quero ter uma filha. Já tenho meu moleque, que foi uma dádiva divina, que eu agradeço todos os dias nas minhas preces. O moleque é especial demais, né? E profissionalmente um outro grande sonho meu é que eu possa montar uma equipe que pense como eu. Dessa forma, em termos de qualidade e de relação com os doentes. Mas olha, hoje eu com 32 anos, me sinto muito satisfeito e realizado nas coisas que eu fiz. Se eu morresse hoje, e São Pedro me apertasse, eu diria foi bom, valeu, foi legal. Só ia ficar muito chateado de não poder criar o meu filho. Quando você tem filho você passa a temer mais a morte.
P/1 – O que achou da experiência de ter dado esse depoimento pra gente?
R – Muito legal. Muito legal, porque eu tento transmitir… É difícil explicar sobre TVP pra não-médicos, né, é difícil. Apesar da nossa linguagem ser fácil, às vezes eu falo em termos técnicos, e não percebo porque faz parte da minha vida. Então às vezes a gente fala com uma naturalidade, mas acho muito legal, muito bacana, bem interessante. E agora vou mostrar, só para concluir... Você me falou de números, de dados, né? Aqui está a resposta, em números, de uma pergunta que você me fez. É difícil, dificílimo, eu te mostrar números em termos de redução. Olha, esse dispositivo é bem legal. Para que eu mostre para vocês uma redução de incidência de TVP de 20 para 10%. Então por exemplo, cirurgia geral, ao invés de ter 20%, tenho 10% de TVP, que está bom, usando heparina de baixo peso molecular tenho que fazer um trabalho com 500 doentes. Já foi feito. Esse é um dado real. Então, dá pra reduzir para até menos de 10%. Então, de 24 ou 25% para menos do que 10% de incidência de TVP. Redução significativa. Agora, olha só quantos doentes precisa você fazer para mostrar uma redução de 3 para 1,5 de incidência de tromboembolismo pulmonar: 5 mil doentes. É difícil. Tem que ser um estudo multicêntrico. 20 mil pra -------- fatal com uma mortalidade de 4 para 3,6%. Cem mil doentes. Então, a gente lança mão das meta-análises, que são aqueles estudos que juntam vários grupos do mundo e fazem a meta-análise. Quer dizer, um estudo prospectivo, selecionado, criterioso, reto, ainda não foi feito pra isso aqui. Para tromboembolismo pulmonar, não. Para TVP, sim. Para cada tipo de incidência de TVP, para cada tipo de patologia. E outra coisa que quero mostrar pra você é o seguinte: aqui estão os tipos de heparina que você me perguntou. Tem o enoxaparina que é o clexane, né, a fraxiparina, que é o nome comercial, que o nome químico, o nome da droga mesmo é nadroparina, né, e o fragmin, que é o nome comercial, que é a (---- parina?). Temos três, então. Existe uma série de tratamentos para a TVP. Isso não convém mais mostrar. Uma série de coisas, a gente pode usar heparina de baixo peso molecular para tratar. Existe uma série de drogas diferentes, uma série de procedimentos, inclusive cirúrgicos, e existe um fluxograma para tratamento de acordo com a extensão da TVP. Heparina de baixo peso
molecular para cada uma das doses, isso que eu falei pra vocês, a dose de enoxaparina é muito fácil de usar, né, difícil o médico errar. E tem uma série de vantagens químicas aí que também não convém a gente discutir, né? Aqui o tamanho. Mas isto também não interessa para vocês, né? Mas por fim, o que eu quero mostrar pra vocês, olha aqui, uma úlcera varicosa. Se a gente pode evitar... Este é aquele rapaz que falei pra vocês, que procurou o serviço querendo arrumar emprego, né, e não consegue. Uma ulcerinha benigna, não tem infecção, não tem nada, mas não fecha. Tem que pôr a perna pra cima e ficar seis meses de repouso para fechar. E mesmo que não forme úlcera, forma varizes desse tamanho aqui. É super desagradável. É pior se você pega um doente que teve uma TVP, e você tirar essas varizes aqui. O que vai acontecer? Você vai estar tirando a única veia de drenagem da perna dele. Você vai fazer mais mal ainda de operar um doente desses. E às vezes, um colega desinformado opera um doente desses, e acaba trazendo complicações. Nos Estados Unidos dá cadeia. Nos Estados Unidos se você optar uma síndrome pós-trombótica, tirar as varizes que estão drenando a perna, e o doente provar, você vai parar na cadeia. E, aquelas contra-indicações que eu falei pra vocês, e as respectivas futuras para o tratamento da TVP, pra gente concluir, que é a Rudina, que já expliquei, a sucessão dos trombolíticos, as medicações, quais são (-----?) genéticas, e o tratamento domiciliar. Então a gente tem uma série... bem o que falei pra vocês, né, a gente identificar, fazer as profilaxia, evitar que as pessoas tenham a trombose, e, se tiverem, mantê-las no seu ambiente próprio, em casa, com qualidade de vida melhor. Tá bom, gente?
P/1 – Tá ótimo.Recolher