P - Como se chamavam seus pais? R - Meu pai chamava Attílio Cumer e minha mãe Hermínia Cumer. A minha mãe é da família Baldassin, cuja família inteira trabalhou na Rhodia. P - Quantos irmãos e irmãs o senhor tem? R - Eu tenho quatro irmãos; um deles é falecido. Nós éramos em cinco,...Continuar leitura
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Como se chamavam seus pais?
R - Meu pai chamava Attílio Cumer e minha mãe Hermínia Cumer. A minha mãe é da família Baldassin, cuja família inteira trabalhou na Rhodia.
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Quantos irmãos e irmãs o senhor tem?
R - Eu tenho quatro irmãos; um deles é falecido. Nós éramos em cinco, o meu irmão mais velho, Osvaldo Cumer, já faleceu.
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E quantas irmãs?
R - Tenho duas irmãs vivas e mais um irmão vivo.
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Qual era a atividade profissional dos seus pais e dos seus avós?
R - É, meu pai eu posso dizer que ele era um artesão, ele fazia sapatos. Ele trabalhava pra fábrica de sapatos em São Paulo e ia todo dia, de trem, pegar parte de sapatos; terminava os sapatos, e levava os sapatos prontos pra São Paulo. Isso era religioso. Por anos e anos ele tomava o trem das três e vinte - e naquela época o trem das três e vinte saía às três e vinte realmente. Ia até a Móoca, entregava os sapatos que ele fazia, pegava novos sapatos para fazer, trazia para Santo André, trabalhava à noite e de manhã, então três e vinte do dia seguinte ele estava tomando o trem. Isso ficou gravado na minha lembrança, porque eu participei ativamente disso. Eu ajudava ele a fazer sapatos. Então eu costurei muitos sapatos... à noite, principalmente, ajudava o meu pai a costurar sapatos, eu e meu irmão. E de manhã, às vezes, quando não ia na escola de manhã, ou ia à tarde - era menino ainda, era o grupo escolar -, eu ajudava meu pai no acabamento dos sapatos, a engraxar a sola dos sapatos. Eram uns sapatos, na época, uns sapatos finos, de camurça, então os sapatos eram encapados, tudo com papel manteiga, depois de pronto tinha que tirar tudo aquele papel, enfim, depois passar uma escovinha no sapato, dar esse acabamento final. E o tempo que eu tinha pra jogar uma bola no campinho com os amigos era o tempo que o meu pai tomava o trem das três e vinte, ia pra São Paulo, e voltava às 5 horas. Então jogava bola, na época a bola era a bola feita de meia, meia de mulher, né. Ia enchendo de um enchimento qualquer e fazia uma bolinha, então se jogava bola com aquilo. Quando o meu pai chegava, às cinco e pouco, então já começava a minha ajuda a ele. Pegava as solas do sapatos, que vinham em bruto, já punha de molho numa bacia com água para ir amolecendo, aí jantava, depois da janta íamos lá para oficininha dele, ele recortava essas solas, já punha nas fôrmas, fazia os furos na sola e no sapato, aí já preparava os barbantes - barbante próprio para isso, três fios enrolados -, passava cera de abelha pra impermeabilizar esses... A agulha era feita com uma corda de violão, esse aço de... dobrado, enrolado a pontinha, era a agulha que era uma agulha torta; meu pai já fazia os furos, né, em cima e embaixo, eu e o meu irmão costurávamos a sola para ele até dez horas, dez e meia da noite. Aí, no dia seguinte, ele dava todo o acabamento na sola, recortava... Mas se raspava uma película que tinha no couro da sola e o raspador era uma coisa engraçada, (riso) era um pedaço de vidro, de vidraça, ele fazia um talho, sabia... tinha um jeito especial de quebrar esse vidro, quebrava em meia lua. E o vidro era o raspador pra raspar a película que tinha no couro do boi. Aí, a partir daí, passava-se uma lixa muito fina para deixar - sola do sapato era polida, né -, ficava que nem um espelho, dava para se espelhar lá na sola.
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E de um dia para outro, quantos pares de sapato o seu pai, com a sua ajuda, conseguia fazer?
R - Normalmente eram oito a dez pares por dia que ele fazia... quer dizer, o sapato ele vinha pré montado e ele fazia todo o acabamento.
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Certo. E como é que era Santo André na sua infância?
R - Santo André era uma cidade pequena. O Bairro Jardim, a maior parte das casas aqui, das mansões, era dos franceses, os franceses, todos que vieram trabalhar aqui na Rhodia, tanto na Rhodia Química, como na Têxtil, que antigamente chamava Rhodiaceta; moravam todos aqui no Bairro Jardim. Tinha a Oliveira Lima, que era a rua principal da cidade, a Rua Senador Fláquer, Alfredo Fláquer... A Alfredo Fláquer não era nem calçada, era uma rua de terra ainda, eu lembro até hoje de quando calçaram a rua. Tinha um cinema lá chamado Cine Santo André e o Cine Carlos Gomes, eram os dois cinemas que tinham na cidade. Todo mundo conhecia todo mundo. E as pessoas que trabalhavam na Rhodia eram consideradas bons partidos pra casar, pelas moças. Era uma das principais empresas da cidade, o salário devia ser bom, na época, porque os rapazes da época eram cobiçados, né? (risos) Então havia a Rhodia como indústria aqui, a Kowarick, que hoje não existe mais, é onde é o Jumbo, aí, na estação, que era em frente à Rhodia, tinha a Rhodiaceta, e acho que a Pirelli, não tinha mais nada. Bem mais tarde aí vieram a Pfizer e outras empresas.
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E senhor morava em qual bairro?
R - Eu morava na Rua Abílio Soares, lá no centro. Morei 16 anos lá, quando eu era pequeno, mas os meus tios já trabalhavam na Rhodia, principalmente a minha tia Elvira e a minha tia Cida. E eu era menino, ia levar almoço. Não tinha refeitório na Rhodia, eu ia levar almoço. Minha avó preparava uma cesta com as marmitas e eu era menininho, ia levar almoço pra elas na Rhodia, todo dia.
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Quem morava na sua casa na sua infância?
R - Era meu pai, minha mãe e meus irmãos. Já éramos em cinco, a minha irmã mais nova nasceu em 1940.
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E na sua casa quem exercia autoridade? Quem é que cuidava das coisas?
R - Meu pai.
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Seu pai era quem exercia autoridade?
R - É, meu pai... meu pai tinha uns lindos olhos azuis. E a mesa, no almoço, no jantar, só o olhar dele era suficiente pra manter as cinco crianças disciplinadas na mesa, né?
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E já na sua infância havia alguma expectativa pro seu futuro, pra sua carreira?
R - Não, não sonhava... Eu terminei o grupo escolar, o meu pai me matriculou na escola do Waldemar Mattei, que é hoje a escola Senador Fláquer, né? Então fiz lá o curso Comercial Básico, depois fiz Técnico em Contabilidade. Mas trabalhando na Rhodia, já cheirando remédio, e com o incentivo do Mário Granziera, eu decidi fazer Farmácia. Foi muito difícil porque eu era Técnico em Contabilidade, não tinha conhecimento nenhum de Química, de Física, de Biologia, então precisei fazer um exame de adaptação ao colegial, fazer uma equiparação ao colegial. Então prestei exame de Química e de Biologia, isso fizemos eu e um outro ex-funcionário da Rhodia, José Isola; ele queria fazer Odontologia. Na primeira tentativa desse exame levamos bomba, tirei zero de Química, ele também. Os dois não sabiam nada, os dois eram contabilistas. Mas continuei estudando, fiz cursinho, fiz curso Farma-Odonto, na segunda tentativa, que foi no colégio estadual da Barra Funda, aí fomos aprovados os dois. Eu prestei exame na USP e ele foi prestar exame em Araraquara. Ele já não trabalhava mais na Rhodia, ela já trabalhava no INPS. Ele entrou no curso de Odontologia de Araraquara, pediu transferência do INPS, foi morar lá, e eu fui estudar à noite, porque não tinha outra forma, ajudava em casa, a família. E o Mário Granziera é uma pessoa que eu tenho muito em consideração, me ensinou várias técnicas de redação, e eu tomei gosto para redigir cartas... E no exame escrito do vestibular eu tirei nove de Redação, e graças à esses nove eu entrei em 21º lugar. Para mim é um motivo de orgulho, partir de uma pessoa que não fez colegial, não tinha base, eu acho que foi uma colocação muito importante.
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O senhor já estava na Rhodia. Como é que o senhor entrou na Rhodia?
R - Bom, entrei na Rhodia porque, como a família inteira trabalhava na Rhodia, o meu destino era trabalhar na Rhodia. Comecei trabalhar com 14 anos numa tecelagem que na época pertencia ao Moinho Santista, mas era um nome muito conhecido aqui em Santo André, chamava Ipiranguinha. Quem não conhecia Ipiranguinha em Santo André... Era uma fábrica de tecidos, e um tio meu me arrumou um lugar nessa fábrica de tecidos, um tio casado com uma irmã do meu pai. Fiquei um ano e meio lá, mas o meu objetivo era trabalhar na Rhodia, porque a família toda era da Rhodia. Estava no sangue isso. Aí a minha cunhada trabalhava na Seção de Publicidade...
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Da Rhodia?
R - Wilma Nori, casada com meu irmão, o Osvaldo, que já é falecido. Tinha uma vaga lá, falou com o Paulo Tilly, que era o encarregado da Seção, já falecido, eu fui lá e... Naquela época não precisava fazer teste, não tinha nada disso, né? Tinha a vaga, se contratava a pessoa e... E eu comecei a trabalhar na Seção de mimeógrafo, aprendi a trabalhar em mimeógrafos, tinham uns mimeógrafos grandes, era tudo à manivela, né?
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Era à álcool?
Como funcionava?
R - Não, o à álcool era um mimeógrafo meio... até rudimentar e muita sujeira. Esse não.
Esse era com um estêncil. O estêncil era uma película que era importada, a gente batia o estêncil numa máquina de escrever comum, só que sem fita. Então o tipo da máquina gravava, cortava esse estêncil. Esse estêncil, depois, tinha uma parte fronteiriça em cima, era toda furada, que encaixava nos pinos do mimeógrafo. Esse mimeógrafo era uma tela, talvez de nylon ou de seda, não sei, cheia de tinta; se pegava esse estêncil, colocava sobre essa tinta, e aí o próprio mimeógrafo puxava as folhas e ia imprimindo.
Então tinha os mimeógrafos elétricos, Gestetner, ingleses, e um grande, mas era à mão. Pra imprimir uma folha dessas grandes, acho que tinha que dar dez viradas de manivela. Aí aprendi a bater estêncil e aí batia estêncil de Rhodia Jornal e todos os serviços internos da Rhodia, formulários... era feito tudo nesse mimeógrafo, né, não se mandava nada em tipografia. Então fiquei muito tempo lá, aprendi a trabalhar nos mimeógrafos, aí depois passei para área administrativa...
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Que idade o senhor tinha quando o senhor entrou na Rhodia?
R - 15 anos.
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15 anos? E nas horas em que o senhor não trabalhava, o que é que o senhor fazia? Qual era a sua diversão?
R - Na verdade não tinha diversão, não, porque eu trabalhava durante o dia e estudava à noite. Sempre estudei à noite, então... Até os 14 anos eu estudava de manhã, na escola Senador Fláquer. Depois que eu fiz 14 anos passei para o curso noturno, e o resto da minha vida só estudei à noite; inclusive, o curso de Farmácia, o horário era das seis à meia-noite. Por uma especial gentileza da Rhodia me permitiam que saísse às quatro e meia do trabalho, trabalhava aqui, encostado na estação, pegava o trem às quatro e meia, descia na Estação da Luz, a Faculdade era na Rua Três Rios... Então ia à pé, chegava mais ou menos quinze para as seis lá, às vezes dava tempo de comer um sanduíche, às vezes não dava, e saía à meia-noite, meia-noite e quinze, às vezes meia-noite e meia... Só que o último trem de lá para cá era às 11 horas. Então ou ia à pé da Rua Três Rios até o Parque Dom Pedro para tomar o ônibus, ou então arrumava carona, quando algum aluno tinha carro, ou... geralmente era de lambreta, tinha dois alunos que tinham lambreta, então ia na garupa da lambreta. (risos)
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De lá até Santo André?
R - Não, até o Parque Dom Pedro. Lá tomava um ônibus, vinha de ônibus. Nessa época, quando era solteiro, eu morava aqui na Rua das Monções, então eu ia à pé, da Avenida Dom Pedro até a Rua das Monções, mas eu casei nas férias de julho do primeiro ano, então eu fiz meu curso praticamente todo casado. Então, do segundo semestre em diante, do primeiro ano, a vida era do mesmo jeito; eu tomava ônibus, só que aí eu descia aqui na estação, e eu fui morar com o meu sogro na Vila Alice, não tinha mais ônibus também, nesse horário, meia-noite e meia, 1 hora. Então eu tomava um taxi toda noite aqui na estação, ia de taxi até a minha casa, aí comia um lanche, 1 hora da manhã, ia dormir, sete e meia estava na Rhodia outra vez, porque começava às sete e meia o horário do expediente. Logo no início de casado eu estava esperando o taxi aqui na Praça Dezoito do Forte, que hoje não existe mais, onde é o terminal aqui, tinha um prédio em reforma ali em frente ao ponto de taxi e tinha, eu acho que era um bêbado, ele estava dormindo nesse prédio, jogou um pedaço de madeira pela janela. Essa madeira passou aqui raspando na minha cabeça, mas abriu a minha cabeça, né? Era época de inverno, inclusive. Aí, os que estavam esperando o taxi também, me levaram para o pronto-socorro, cheguei em casa às 3 horas da manhã, de capa, cachecol, tudo sujo de sangue. Minha mulher estava dormindo, né? Eu tirei essa roupa, deixei tudo no tanque, só no dia seguinte que foi ver o estrago. Levei vários pontos aqui na cabeça... E estudei assim, casado... Quando o meu filho ia nascer eu não pude levar minha mulher para maternidade, o Hospital Modelo em São Paulo, que era o convênio da Rhodia, porque eu estava fazendo uma sabatina de Parasitologia na Cidade Universitária. Minha primeira sabatina. E quando nasceu a minha filha, também a mesma coisa, não pude levar a minha mulher para maternidade porque eu estava fazendo um exame de Química Farmacêutica. Então meu cunhado levou as duas vezes a minha mulher, eu assisti o parto do meu filho, deu tempo de eu chegar da Cidade Universitária até o Hospital Modelo, assisti o parto, e da minha filha minha cunhada pediu para assistir, ela assistiu. Naquela época os médicos permitiam. Então, eu sempre falo, o César nasceu quando eu estava fazendo um exame de fezes (risos), exame de Parasitologia. E a minha filha nasceu quando eu estava fazendo um exame de Química Farmacêutica com o professor Quintino Mingoia.
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Aí, o senhor, já estudando, quando é que o senhor mudou de área, na Rhodia, passou para área técnica?
R - Já quando eu estava no primeiro ano, então o Simões criou aquela Divisão Propagandista, e eu passei a chefiar a Divisão Propagandista porque estava estudando, então já tinha algum conhecimento técnico que pudesse até orientar os propagandistas. E depois de formado então fui trabalhar naquela Secretaria Técnica Farmacêutica com o João Domingues - que foi meu professor na faculdade, inclusive -, e nessa Secretaria que ele tinha me proposto ser adjunto dele, consegui então um estágio na França pra completar minha formação técnica... E quando eu voltei da França, em 74, logo em seguida já fui nomeado Gerente Técnico em substituição ao João Domingues, que foi nomeado Gerente Geral de... foi uma outra área, que ele ia cuidar de toda a parte de infra-estrutura das áreas técnicas do grupo Saúde; então ele passou a se ocupar mais precisamente da construção do novo laboratório de vacina contra febre aftosa em Paulínia. Era um laboratório enorme, e existe até hoje, né?
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Quando o senhor foi trabalhar nesse setor de propaganda com o João Domingues, qual era o trabalho exatamente, qual era a sua relação técnica com a propaganda?
R - Eu cuidava, com o João Domingues, era mais na Divisão... na Secretaria Técnica eu cuidava ainda da parte de registros de produtos junto ao Ministério da Saúde, e atendia todo o suporte técnico pra área comercial.
Era uma espécie de assessoria técnica.
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Que produtos a Rhodia fazia nessa época?
R - A linha da Rhodia era uma linha principalmente de psicotrópicos. Já na época tinha o Amplictil, tinha Neozine, Neuleptil, Majeptil... a maior parte desses produtos que dão nessa publicação de neurolépticos. Mas tinham outros produtos, como o Fenergan, que eram produtos de grande venda, Fenergan Expectorante, Creme Fenergan... tinha uma linha relativamente grande.
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E o seu trabalho em relação a esses produtos era cuidar do registro...
R - Cuidar do registro e dar todo o suporte técnico para área comercial.
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Como é que funcionava essa área, como é que o senhor se relacionava com essa área comercial?
R - Inicialmente, quando o Eduardo Simões passou também para diretor, o Eduardo Maraccini, que já é falecido, passou a ser chefe do Departamento de Especialidades e convidou, pra formar uma assessoria técnica, o João Domingues. Então o João Domingues trabalhava de manhã na Produção e à tarde na Assessoria Técnico-Científica. E eu então trabalhava com o João Domingues. O Carvalho, na época, também foi chamado pelo Maraccini pra fazer assessoria comercial. Então o Carvalho que trabalhava na Divisão Química passou pra Divisão Farmacêutica como assessor comercial. E o Valentim Valente, que trabalhava como propagandista, também foi chamado pra fazer uma assessoria de propaganda. Então eram o Domingues, o Valentim Valente e o Carvalho que eram os assessores. E o Mariano era o assessor de contabilidade. Mariano Caratin, não sei se já apareceu... Mas ele sempre ficou mais na Rhodia S. A., vamos supor. Então eu comecei a trabalhar na Assessoria Técnico-Científica com o João Domingues, e depois, bessa assessoria técnica, todos os médicos estavam nessa assessoria.
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Quem eram os médicos?
R - Tinha o Antônio Bortoleto Cappi, que era farmacêutico e médico, também era prata da casa, tinha o Penildon Silva, que ficava na Bahia, que também era farmacêutico e médico, também era prata da casa, tinha o Menotti Pannunzio, que também era prata da casa, que era farmacêutico e médico, todos eles eram farmacêuticos, depois estudaram medicina, porque o doutor Sépibus gostava muito de estimular a juventude toda, e eles fizeram curso de medicina trabalhando na Rhodia; o Penildon, o Menotti, o Cappi... O Menotti
e o Cappi estudaram em Curitiba, e o Penildon na Bahia, em Salvador.
Então, na Assessoria Técnico-Científica tinha esses médicos e tinha também um veterinário, coronel Bruno, que dava assessoria, mas não era empregado da Rhodia. Teve também um professor da Faculdade de Veterinária da USP, o Professor Carvalho também, na época dava assessoria, e tinha um outro médico, José Aranha Campos, que também dava assessoria, não era empregado da Rhodia, ele era diretor do Hospital Pênfigo Foliáceo, que é o "Fogo Selvagem". Então a gente se reunia uma vez por semana e tratava de todos os assuntos técnico-científicos de interesse da Divisão Farmacêutica. Então era o... O Penildon não porque ficava na Bahia, mas era Cappi, o coronel Bruno, o Aranha Campos, eu, como farmacêutico, e... todos os relatórios de propagandistas com dúvidas sobre problemas com os nossos produtos, a parte de médicos programava ensaios clínicos com os novos produtos, principalmente o Cappi, ia junto a faculdades, hospitais... o Aranha também participava muito, o Menotti fazia essa parte, mas lá em Curitiba, e o Penildon fazia isso lá na Bahia. Eventualmente, quando tinha alguma coisa mais importante, eles vinham para São Paulo.
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Certo. Esses ensaios clínicos, o senhor lembra de algum mais interessante, mais importante, com que produto Rhodia que isso foi feito?
R - Se fizeram vários ensaios clínicos com Amplictil na época, Neuleptil, principalmente aqui em Franco da Rocha.
O Cappi normalmente que gerenciava isso, com psiquiatras de Franco da Rocha.
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Como é que funcionava? A Rhodia encontrava um parceiro, é isso?
R - É, propunha que esses médicos fizessem ensaios clínicos, registrassem todos os casos tratados, os resultados obtidos, e a partir daí a gente compilava o trabalho clínico. Eu ajudei, inclusive, com base em resultados, a escrever um trabalho clínico, fazer uma introdução, colocar o material e métodos... um trabalho clínico é ter uma introdução, material e métodos, resultados e bibliografia, né? E um resumo. Então se publicou muito trabalho clínico com esses produtos.
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E em relação aos vendedores, como é que essa sua área se relacionava com eles?
R - A gente participava de reuniões... Era freqüente fazer reuniões, normalmente em hotéis do interior de São Paulo ou mesmo aqui em Santo André, então cada área fazia exposição. Pessoal da área comercial discutia as condições de venda, e a área técnica ou científica normalmente discorria, principalmente em lançamento de novos produtos, fazia todos os comentários técnicos e científicos, destacando principalmente as propriedades terapêuticas do produto a ser lançado, para facilitar que os propagandistas, na hora de apresentar pro médico, abordassem realmente os pontos importantes do produto; porque o objetivo, é claro, era que o médico visitado receitasse o nosso produto. Então, quanto mais o propagandista pudesse transmitir ao médico as qualidades terapêuticas do produto, então os propagandistas eram treinados pra essa função. Então, o que nós fazíamos era, nessas reuniões, lá em Santo André ou em hotéis, era exaltar, falar do produto; eu, principalmente, na parte, vai, mais química, dar a fórmula estrutural do produto, o mecanismo de ação do produto - porque a ação farmacológica de um produto está intimamente ligada à estrutura química. Então, no caso da Rhodia, aqui, boa parte dos produtos neurolépticos que ela tinha eram quase todos derivados da Fenotiazina. A Fenotiazina é um núcleo, um núcleo químico que, mudando certos radicais, mudava completamente diferente as propriedades. Então o Amplictil, Neozine, Neuleptil, Majeptil, Tementil, todos derivados da Fenotiazina, o Fenergan, todos... Cada um com características diferentes e simplesmente modificando quimicamente a estrutura química. O Fenergan, que é um derivado da Fenotiazina, que é um potente anti-histamínico, não é neuroléptico, ao passo que o Amplictil tem o mesmo núcleo químico e não é anti-histamínico, é indicado para tratamento de doenças mentais.
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E o senhor falou dos lançamentos. Como é que se definia o lançamento de um novo produto?
R - Bom, os produtos eram pesquisados na França e depois de registrados na França eram registrados em outros países, inclusive o Brasil. E com base numa pesquisa de mercado não muito profunda da época, a área comercial, no caso o Simões, em primeiro lugar, quando ele era o chefe do Depesp, conversando com médicos principalmente, sobre o interesse de lançar esse tipo de produto no Brasil, então se decidia lançar o produto no Brasil, mas em função ao... mas a pesquisa não era pesquisa de mercado como é feita hoje, né?
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Como é que era feito?
R - Antigamente existia... eu não sei se vocês já ouviram falar do Freitas. Bernardo José de Freitas, que trabalhou muitos anos na Rhodia, na Agência São Paulo...na Líbero Badaró, 119.
E a pesquisa era até meio divertida, porque se ligava para o Freitas, o Freitas ia na Drogasil pra ver eventuais similares desse produto a ser lançado, via quantos concorrentes vendiam na Drogasil, então a Drogasil era tida como... A Drogasil vende tantas unidades desse produto, a Drogasil representa acho que 25% do mercado, então se fazia alguns cálculos de extrapolação, se calculava mais ou menos quanto se podia vender do novo produto. Essa é a pesquisa de mercado. E muitos, acho que a grande maioria dos produtos, na época, eram lançados assim. Aí depois a coisa foi mudando. O Rizzo começou a participar dessa área de pesquisa de mercado, chegou inclusive a fazer parte com outras pessoas de outros laboratórios, aí já entravam inclusive publicações especializadas, como o IMS... Então o Rizzo se tornou mais ou menos um especialista de pesquisa de mercado, não sei se ele falou disso para vocês.
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Falou. E o senhor falou que ia na tal da Drogasil e levantava o que é que os concorrentes estavam fazendo. Quem eram os concorrentes da Rhodia nessa época?
R - Ah, na época Fontoura Whyeth... as multinacionais que ainda hoje existem.
(PAUSA)
R - A Fontoura Whyeth, Squibb, Laborterápica Bristol, Pfizer... as multinacionais que ainda hoje existem, né? Bayer... Quando foi lançado o Amplictil houve uma verdadeira guerra...
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Por quê?
R - Entre Rhodia e Fontoura Whyeth, porque a Rhodia estava lançando o Amplictil, que é a clorpromazina, e a Fontoura White estava lançando um outro produto, o nome comercial eu não lembro, mas o nome genérico era promazina, então a diferença entre ambos era apenas uma molécula de cloro, um radical cloro no núcleo da fenotiazina. Então a Fontoura Whyeth
fazia peças publicitárias, uma tesoura cortando o átomo de cloro da molécula e insinuando que o produto deles, sem a molécula de cloro, era mais ativo que a clorpromazina da Rhodia, que tinha o cloro. E ficava nessa disputa de quem poderia ganhar a confiança do médico de ver o seu produto receitado.
Mas a clorpromazina eu acho que ela faz parte da história, acho que até da humanidade.
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Por quê?
R - Porque a clorpromazina
foi o primeiro produto a ser usado na doença mental e ela foi a responsável, eu acho, que pela retirada das correntes... que os doentes mentais eram praticamente aprisionados, né, acorrentados, às vezes até em celas, e a clorpromazina
revolucionou o tratamento psiquiátrico, porque o doente podia ser tratado num ambulatório ou até num quarto com outros doentes, ele deixou de ser agressivo, principalmente o esquizofrênico. Então a clorpromazina, eu acho que, na história da doença mental foi um marco que jamais deve ser esquecido, principalmente quem trabalhou nesse ramo, os médicos que trabalharam nessa época...
P -
Que ano foi esse lançamento do Amplictil, mais ou menos?
R - Agora é difícil. Mas a clorpromazina vai aparecer em outros depoimentos aí.
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Não, tudo bem, sem problema. Havia algum contato da sua área com a produção?
R - Sim, a Assessoria Técnico-Científica, ou depois a Secretaria Técnica, vivia ligada à produção, porque todos os problemas, ou vai, consultas, principalmente de propagandistas em relação aos produtos, estavam sempre relacionadas com a produção, né?
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Primeiro havia o Depesp, depois veio a Divisão Farma. O que é que representou essa mudança, porque é que ela aconteceu?
R - A Rhodia, quando na antiga Companhia Química Rhodia Brasileira, era dividida em departamentos; então existia o Departamento de Produtos Farmacêuticos, chefiado pelo Júlio Sauerbron de Toledo, que quando eu entrei na Rhodia, em 48, eu entrei no Departamento de Produtos Farmacêuticos... mas deixou de existir logo depois.
P -
Virou o quê?
R - Foi extinto. Foi extinto porque o que eles comercializavam... eles comercializavam sais, principalmente para a indústria fotográfica, revelação de filmes, eles importavam perfumes, extratos... Eu lembro até hoje de um deles, que era famoso, o Rigault, era muito ambicionado na época. Mas logo depois esse departamento foi extinto e se passou então para o Depesp, Departamento de Especialidades Farmacêuticas. Existia o Departamento de Produtos Industriais, o Departamento Agropecuário... e quando houve a fusão da... depois houve a fusão da Rhodiaceta com a Rhodia Química, mudou de nome, passou a ser Rhodia Indústrias Químicas e Têxteis, aí houve até um negócio meio esquisito, que o símbolo da Rhodia na época era um cálice com uma cobra. A taça de Higea com a cobra enrolada, era o símbolo da Farmácia, o símbolo da Rhodia, o logotipo era o símbolo da Farmácia. Aí inventaram um fuso de tecelagem com uma cobra enrolada. (risos) Uma aberração Aqui está. Fizeram aí um anel benzênico, que é um hexágono, simboliza o anel benzênico, que seria a Divisão Química, um fuso de tecelagem que era a Divisão Têxtil... e
uma cobra enrolada no fuso de tecelagem, que era a Divisão Farmacêutica.
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E ficou esse logo por muito tempo?
R - Ficou por muito tempo. Não sei até quando, mas... mas era uma coisa até ridícula, né, pra nós farmacêuticos. (risos)
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Certo. E o senhor esteve na França em que época?
R - Eu estive três vezes na França. A primeira vez foi em 74, depois fui em 78 e depois em 80.
P -
Qual era a relação da Farma aqui no Brasil com a Farma na França?
R - Existia mais ou menos uma certa dependência hierárquica da Farma do Brasil com a Farma na França. Na verdade, naquela época, o laboratório Spécia na França, que era o maior de todos do grupo Rhône Poulenc, é que praticamente fazia um tipo, vai, de gestão das atividades farmacêuticas no Brasil. Tinha outros laboratórios na França, interligados, como o Théraplic, mas a Spécia que realmente... Então os estágios da área farmacêutica... O Domingues, quando ia pra França, também ia sempre pra Spécia, eu fui pra Spécia... A Spécia tinha três laboratórios, três usinas, a usina de Maison en Fort , na periferia de Paris, a usina de Lyon, que é usina de Saint Font e a usina de Livron, próximo a Valence. Cada uma mais ou menos especializada em algumas formas farmacêuticas. A usina de Maison en Fort, o forte dela eram antibióticos enfrascados, penicilinas. A usina de Saint Font, em Lyon, era mais comprimidos, líquidos, xaropes. E a usina de Livron era praticamente só injetáveis, injetáveis e supositórios. E houve também o... eu lembro muito bem, houve uma guerra comercial entre Rhodia e Fontoura Wyeth.
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Qual era o produto?
R - Com as penicilinas. A Rhodia implantou aqui uma produção de antibióticos, na época penicilinas, né, e a Fontoura também tinha... Aliás, era a Rhodia, Fontoura e Squibb, né, os três que fabricavam antibióticos. E havia uma guerra comercial. Então se dava bonificação, descontos... era uma disputa de mercado, né, pra vender penicilina. Aí chegaram à conclusão de que não era negócio fazer isso. A Rhodia desativou a fábrica de antibióticos, a Squibb também e a Fontoura também, né?
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E o senhor se lembra das campanhas da Rodine?
R - Lembro.
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Como é que era?
R - "Rodine, a boa enfermeira." (risos)
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O senhor se lembra porque é que foi feita uma campanha desse jeito, com essas características?
R - Bom, a Rhône Poulenc era fabricante do Ácido Acetil Salicílico...que é a base da Rodine. A Rodine era um analgésico popular, como era a Cibalena, da Ciba, Novalgina, da Hoechst. E se fazia campanha de publicidade desses analgésicos, né, pra conquistar o consumo popular. A Rhodia fazia um programa na rádio, a Peneira Rodine, que durava o ano inteiro, e os candidatos de cada programa - que era, acho que, no sábado à tarde - eram selecionados, e no fim de ano era feita a Peneira de Ouro Rodine, que era a finalíssima, e então os que eram selecionados durante o ano participavam dessa Peneira de Ouro e tinha prêmios. Então na Peneira de Ouro saíam caravanas aqui de Santo André, de ônibus - a Peneira de Ouro era feita num cinema em São Paulo, na Dom José de Barros -, então saía daqui de Santo André o ônibus cheio de funcionários, eu inclusive cheguei a ir, assisti a Peneira de Ouro Rodine. Quem coordenava isso tudo em Santo André era o Miguel Ruiz, Miguel Sanches Ruiz, que era o chefe da Seção de Publicidade, com o Simões, claro, o Simões que era o chefe geral disso tudo.
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E tinha algum participante, algum concorrente que era funcionário, não?
R - Eu não lembro se algum funcionário chegou a participar disso. Eu lembro que tinha um funcionário que era gago, o Pinheiro, que era gago para falar, mas para cantar não. (risos) Cantava muito bem, cantava muito bem. Não sei se ele chegou a participar. Eu tinha só 15 anos, 16 anos na época. E nós tínhamos também um outro músico no Depesp, que era o Garcia, Agostinho Garcia; tocava bandolim, tocava violão, e sempre que tivesse uma oportunidade, festinha de fim de ano, almoço de fim de ano, o Garcia levava o bandolim dele, ou o violão, e então cantava, todo mundo cantava e... ao som do violão e do bandolim do Garcia.
P -
E, do mesmo Rodine, como é que era essa campanha "Rhodine, a boa enfermeira"?
R - Existiam os displays, uma moça vestida de enfermeira, se colocava nos balcões de farmácia essa... Deve ter até, eu acho que, se não me engano, eu vi lá naquela reunião que foi feita lá na Rhodia Farma, um desses displays. Mas o rádio era o principal veículo de publicidade, né? "Rodine, a boa enfermeira", se distribuía muita amostra de Rodine em público, a Rhodia distribuía até uns estojinhos de plástico com uma tampinha em que cabiam, eu acho que, três comprimidos, uma algibeira para o sujeito levar no bolso. Quando sentia dor de cabeça o... Mas era uma disputa de mercado grande, aí.
P -
Mas houve propaganda direto para o público de outros medicamentos da Rhodia ou só foi o Rodine?
R - Tinha... não, tinha Rodine e também tinha a Recordina, que era um outro analgésico, mas a Rodine era a principal, né, a Rodine era a principal. Tinha a Recordina , tinha um outro analgésico chamado Corifedrine, mas o carro chefe realmente era a Rodine.
P -
E parou de ser produzido, o Rodine?
R - É, hoje a Rhodia Farma ainda fabrica um analgésico à base de Ácido Acetil Salicílico, mas diferenciado. É o Ronal, mas tecnicamente é diferente.
P -
Certo. O senhor contou que trabalhava com os registros dos medicamentos, lá atrás. Como é que era essa relação do seu departamento, da Rhodia, enfim, com o governo?
R - Não, nós fazíamos... com base na documentação vinda da França, a gente montava o processo de registro e trabalhava diretamente com o Ministério da Saúde, que era no Rio; levava o processo, a Agência Rio dava a entrada do processo e as exigências... Normalmente a gente ia ao Rio, eu, o João Domingues também chegou a ir, o médico Antonio, o Cappi também chegou a ir, conversava diretamente com o relator do processo, esclarecendo dúvidas... Então era um trabalho direto, sem intermediários. E essa parte aí toda, depois, foi transferida para a Gerência Médica, exatamente na área do Ruderico.
P -
Do Ruderico, tá certo. Houve alguma mudança... O que é que representou a criação da Divisão Farma nos anos 70?
R - Eu acho que a Divisão Farmacêutica, a criação da Divisão Farmacêutica, eu acho que foi uma fórmula inclusive de individualizar a área farmacêutica no Grupo porque, até então, o Departamento de Especialidades Farmacêuticas era apenas um departamento neste monstro todo, né? Praticamente feita, a Divisão Têxtil nem existia, nem se considerava o Depesp. Aí sim, como Divisão Farmacêutica era uma divisão, como era a Divisão Têxtil, como era a Divisão Química, como foi a Divisão Cosméticos; enfim, tinha status de divisão, embora em termos de faturamento a Divisão Farmacêutica sempre tenha sido muito controlada nos preços pelo CIP. Não era uma divisão muito rentável. Então, na hora de receber as benesses de investimento, vivia sempre, coitada, de chapéu na mão, e recebia alguns trocados para investimento. A Divisão Farmacêutica passou muito aperto durante a sua existência.
Em termos de, principalmente de investimentos, e para a diretoria da época, porque não era uma divisão rentável como era a Divisão Têxtil. A Divisão Têxtil, na verdade, que mandava. Porque... A gente até brincava que a Rhodia era uma fábrica de fios pra tecelagem que, entre outras coisas, fazia remédios.
Mas hoje eu acho que a Divisão Farmacêutica tem o seu lugar de destaque no Grupo.
P -
Mudou alguma coisa no seu cotidiano a saída da administração francesa? A substituição dos franceses por brasileiros?
R - Não. Aqui em Santo André, quando a produção era feita aqui, era o doutor Ramounoulou que era o Gerente, chamado Gerente de Produção, depois tinha um outro francês, o Monsieur Duchamp e o Domingues, que era o terceiro homem na escala. Aí, depois, o Ramou foi nomeado Diretor Técnico, em substituição ao Avril, ao Pierre Avril -pai do Jean Avril -, e o Domingues assumiu a fabricação; uns tempos ficou com o Duchamp, o Duchamp voltou pra França, mas eu acho que a divisão até ganhou.
P -
Por quê?
R - Porque eu acho que, principalmente o dinamismo do João Domingues em criar novos produtos... Muitos produtos foram criados aqui no Brasil, que não existiam na França.
P -
Por exemplo?
R - Fenergan, o expectorante, não existia na França, eu acho que nunca existiu. Um outro produto, não sei se ainda existe hoje, que era um polivitamínico liofilizado, Liovitan, foi criação do João Domingues. Que também não existia na França. Eu acho que deu mais flexibilidade.
P -
E as pesquisas pra produção desses produtos eram feitas onde?
R - Aqui em Santo André.
P -
E que relação que tinha com Paulínia? Se é que tinha.
R - Praticamente nenhuma, porque Paulínia tinha lá a área Veterinária, de vacinas, né? E da área Farmacêutica não tinha nada lá. Muito depois foi criado lá um centro de pesquisa que era para fazer pesquisas na obtenção de novas moléculas, mas até quando eu trabalhei, 1982, a Divisão Farmacêutica não teve nenhum benefício com Paulínia.
Paulínia, na verdade, é Divisão Química.
Produção de acetona, de fenol, fios, tergal, matéria prima para tergal.
P -
E como era a relação da Farma com a Abifarma e com o Sindicato das Indústrias Farmacêuticas?
R - Era relativamente boa, principalmente com o Sindicato.
P -
Como é que era a relação com o Sindicato?
R - O Eduardo Maracini, que eu já mencionei aí, e que foi chefe do Depesp no lugar do Simões quando o Simões passou a ser Subdiretor Comercial, o Maracini freqüentava muito o Sindicato, chegou a fazer até parte da diretoria do Sindicato, e eu participei muito também no Sindicato, ia sempre em reuniões no Sindicato, no tempo do Spina, que era presidente, e sempre que havia reuniões pra discutir novas portarias que o Ministério da Saúde fazia sobre controle de produtos psicotrópicos, a gente participava muito do Sindicato. E o Maracini na área comercial. O Rizzo também participou de reuniões do Sindicato, principalmente com relação à CIPE.
P -
Certo. O senhor falou do controle dos produtos psicotrópicos. Como é que era isso e como é que o Sindicato se colocou?
R - Normalmente, quando o Ministério da Saúde ia fazer uma portaria pra fazer tipo de controle, estabelecer condições de receituário, eles faziam uma minuta dessa portaria e ouviam a opinião das empresas. E normalmente mandava aqui no Sindicato da Indústria pra sentir o que a Indústria pensava, sugestões... Eu cheguei a fazer parte de um grupo de trabalho, liderado pelo professor Quintino Mingoia, que era exatamente de colaborar com o Ministério da Saúde pra fazer uma portaria que atendesse aos objetivos de controle e, ao mesmo tempo, que atendesse também à indústria, que não criasse obstáculos para a indústria.
P -
Quais eram as atividades extras que a Rhodia proporcionava aos funcionários? O senhor freqüentava, por exemplo, o clube?
Como é que era esse clube?
R - Existia o Clube Atlético Rhodia.
Aliás, o Clube Atlético Rhodia eu comecei a freqüentar desde criança, porque quando não trabalhava na Rhodia - devia ter o que, acho que 8 ou 10 anos-, o clube construiu um playground aqui na Praça de Esportes, e eu já fui lá, estava no sangue, né? (risos)
Camiseta e um short branco, já com o distintivo do clube, ia brincar no novo playground. Porque isso que eu falei que está no sangue, realmente tá no sangue, porque a gente era criança e a Rhodia fabricava ácido sulfúrico... O meu tio trabalhou, o meu tio Luís Baldassin trabalhava na área do ácido sulfúrico.
P -
O que é que ele fazia?
R - Na área de produção de ácido sulfúrico. E o processo de obtenção desse ácido sulfúrico, o enxofre, a flor de enxofre, aquele pó amarelo vinha de trem, os trens entravam na empresa, tinha desvio aqui, de trilhos, descarregavam esse enxofre, isso era processado nas câmaras de chumbo, e expelia uma fumacinha amarelinha aí pela chaminé, extremamente irritante; então todo mundo de criança já tinha a tossinha provocada pela... Por isso que eu digo: "tá no sangue já". E essa fumacinha amarela comia a cerca de todo mundo. Cerca, portão de ferro, era terrível, né? Mas desde criança, então, já freqüentava o playground aí do clube, e depois, como funcionário, já passei a participar no Clube Atlético Rhodia.
P -
O que é que o senhor fazia no clube?
R - Fiz parte da Comissão de Festas do Clube Atlético Rhodia, então organizava bailes, baile de carnaval... (risos)
P -
Como é que eram os bailes?
R - Os bailes eram muito familiares. Era proibido beijar no salão.
A Comissão de Festas
do clube policiava os bailes, a fim de que ninguém desse uma escorregada, né? Mas a gente organizava bailes, bailes de... o Baile da Primavera, o Baile da Aleluia, o Baile da Geada, o Baile da Rainha, porque das Festas Juninas que tinha em junho se elegia uma rainha, a Rainha das Festas Juninas é uma daquelas moças que está naquela fotografia, a Ondina Pereira, chegou a ser eleita a Miss Rhodia.
P -
Havia um concurso de Miss?
R - Havia um concurso... E os departamentos da época, cada um tinha a sua barraca; então tinha a barraca do Depesp, a barraca do Departamento dos Industriais, e cada um tinha a sua candidata, vendia o voto para eleger a rainha.
P -
O senhor conheceu a Della Mônica, que foi a primeira Miss da Rhodia e ela era da Farma?
R - Não, eu acho que a primeira, que eu me lembre, foi a Ondina.
Foi a Ondina. Ondina Pereira que...está viva até hoje, encontrei ela no Banco Francês outro dia...
P -
E como é que era esse concurso?
R - Ah, com votos. Se vendia votos. E era eleita a que tivesse mais votos; depois era feito o Baile da Coroação da Rainha.
P -
Onde era o baile?
R - Era aqui na Rua Oliveira Lima, em cima da Padaria Matinal, era um belíssimo clube, ocupava dois pisos; parte debaixo tinha biblioteca, bar, sala de diretoria, e em cima tinha o salão de bailes, e vinha sempre uma orquestra de São Paulo, uma orquestra do... agora eu não me lembro, do César, agora não me lembro o nome completo, mas eram belíssimas orquestras, orquestra de dança, né? Então fox, samba, mambo, rumba, os ritmos da época, né?
P -
E os bailes de carnaval, como é que eram?
R - Os bailes de carnaval do clube normalmente eram com disco.
Não tinha orquestra, então se tocava disco a noite inteira, se enfeitava o salão, quando era na Oliveira Lima, depois passou para o Ginásio de Esportes aqui, mas... aqui já era comum cm conjunto musical, mas na Oliveira Lima sempre com disco.
P -
E como é que era o lança-perfume?
R - O lança-perfume naquela época era usado corretamente, ou quase que corretamente.
Poucos faziam uso indevido...do lança-perfume. A gente usava lança-perfume realmente para se divertir, não para cheirar, né? Porque a lança-perfume, na verdade, a base dele era cloreto de etila, que é um anestésico, anestésico geral e anestésico local. Se cheirar aquilo, realmente é um anestésico geral, a pessoa vai ser intoxicada e pode levar até a morte, né, por parada cardíaca e... Mas a gente brincava com a lança-perfume, a maior parte dos rapazes brincava com aquilo para se divertir. Espirrar nas moças... A idéia era essa, sempre. Tinha os mais malvados que espirravam na vista, então ardia, mas a brincadeira era principalmente espirrar no bumbum das meninas, nos seios. (risos) Mas sempre na melhor das intenções, nunca querendo fazer um uso...
P -
O senhor participou dos piqueniques de 14 de Julho?
R - De 14 de Julho, piquenique, não. Eu participei de concertos... Dia 14 de Julho tinha um concerto com orquestra sinfônica, geralmente aqui no Cine Tangará, e eu cheguei a assistir esses concertos. Existiam outros piqueniques, mas isso anterior a 14 de Julho, que eram mais das Festas Juninas, eram piqueniques em Santos, feitos de trem, eu cheguei a ir. Aliás, eu fui a um deles, em outros eu era muito pequeno, eu sofria de asma, estava tudo programado para ir, acabei não indo porque fiquei ruim, mas depois num outro, aí eu já trabalhava na Rhodia, aí eu já fui num outro. Normalmente era na Praia do Zé Menino, onde se alugavam cabines para poder trocar de roupa.
P -
E aí iam todos os funcionários?
R - É. A maior parte. Todos não.
Mas uma boa parte ia. Era uma oportunidade inclusive de ir à praia,
porque não havia muita facilidade de ir à praia.
P -
Eu ia perguntar um pouco, assim, se o senhor pudesse voltar, como é que eram esses propagandistas?
R - Os propagandistas da época, se procurava contratar farmacêuticos, então a maior parte eram farmacêuticos. E como eles tinham que fazer a propaganda juntos...
P -
Quer dizer, era uma condição ele ser farmacêutico?
R - Era uma condição, uma condição. Então, como eles tratavam diretamente com o médico, todos eles iam nos consultórios médicos, faziam propaganda dos produtos, entregavam amostras, trabalhos, folhetos... claro, farmacêutico tinha muito mais condição de conversar tecnicamente e cientificamente com o médico sobre um produto porque ele podia falar sobre a ação farmacológica, a estrutura química... Normalmente eram propagandistas-vendedores, se bem que na época já existia alguns vendedores que eram só vendedores, então não visitavam o médico. Só visitavam farmácias e hospitais. Mas a maior parte era propagandista-vendedor, né? Então faziam propaganda junto ao médico e faziam a venda junto à farmácia ou ao hospital.
P -
Como é que é isso? Eles tinha um treinamento? Com é que era esse treinamento deles?
R - É, como eram farmacêuticos já, então o treinamento era muito leve. Não era tão intenso porque era mais fácil de se entender o produto. Mais tarde, já quando essa condição foi abolida, então normalmente se pegava propagandistas, de preferência, com experiência anterior em outros laboratórios, de preferência grandes laboratórios, mas aí sim, aí se fazia cursos de treinamento que podiam levar até um mês, se fosse o caso. Então recebia todo o material, o propagandista tinha que estudar. Tinha que estudar o produto, tinha que fazer simulação de propaganda. Uma das pessoas da área de marketing fazia o papel do médico e ele tinha que ir lá apresentar o produto, fazer a sua propaganda, se houvesse alguma falha seria corrigido, então... e também eram ministradas as técnicas. Então eram transmitidas aos propagandistas as técnicas para apresentar o produto ao médico, e também para fazer venda... Mas quando eu fui o chefe da Divisão Propagandista, a gente fazia um tipo de "abafa" em algumas cidades; se pegava propagandistas, por exemplo, Marília: "Nós vamos fazer uma propaganda em Marília, mas coisa rápido e relâmpago." Se pegava propagandistas das regiões dali, então se visitava em dois dias todos os médicos e hospitais da região. Chegamos a fazer isso em várias cidades do interior: Barretos, Marília, São José do Rio Preto... E na época eu era chefe da Divisão dos Propagandistas, ia junto mais para fazer supervisão, acompanhava o propagandista no consultório médico pra ver como é que ele fazia a propaganda; se precisasse de intervir eu corrigia alguma coisa, porque o propagandista tem que falar a coisa correta para o médico, não é? Não pode também querer dizer que o produto faz certa coisa que ele não vai fazer. Milagre não existe.
P -
E como é que os médicos recebiam esses propagandistas?
R - Normalmente recebem bem. Tem, é claro, exceções, que deixam o propagandista esperando no consultório 1 hora ou 2 horas, mas no interior era muito mais fácil do que na capital.
P -
Por quê?
R - Porque os médicos do interior... é outro tipo de comunicação, principalmente com o propagandista. Alguns até tinham muita amizade com os propagandistas, o propagandista até era recebido como Rhodia, né? Não tinha nome, o nome do propagandista era Rhodia: "Pode mandar o Rhodia entrar." Esse negócios desse tipo.
P -
Aí o Rhodia entrava?
R - O Rhodia entrava e.. (risos) Era desse tipo. E havia até muita afinidade de muitos médicos com... Aqui em São Paulo, quando nós tínhamos uma equipe de propagandistas já veteranos, eles tinha até boa relação, de amizade com muitos médicos. Eram bem recebidos e respeitados, porque eram farmacêuticos também, né? E muitos médicos eram convidados a visitar a empresa. Alguns médicos, quando viajavam pra Europa, se procurava acertar visitas desses médicos, quando em Paris, a visitar os laboratórios da França em Paris. A Rhodia sempre teve muito conceito no meio científico. Porque o nome Rhône Poulenc, as pesquisas que foram desenvolvidas, os novos medicamentos que sempre desenvolveu e estão até hoje no mercado impõem um respeito científico.
P -
Esses propagandistas levavam uma série de materiais para os médicos. Como é que eram definidos esses materiais?
R - Bom, os materiais eram principalmente amostras grátis, de tamanhos reduzidos dos produtos. E trabalhos clínicos, cópias de trabalhos clínicos realizados com o produto, publicados em revistas internacionais ou nacionais, para o médico inclusive estudar como é que o produto foi empregado, que resultados ele alcançou, e folhetos de propaganda também, que se chamava de dépliants.
O Enock participou muito disso, dessa confecção. O Valentim Valente também trabalhou muito nisso.
P -
As lendas brasileiras.
R - Lendas brasileiras... Aqui no... Voltando ao clube, aqui na Oliveira Lima, onde era o clube, existia um mural, uma frase feita pelo Valentim Valente de que eu lembro até hoje. "Estamos no lar da família rhodiana, moram conosco a amizade e a alegria." Do Valentim Valente. Se vocês forem entrevistá-lo, ele talvez deverá lembrar dessa frase. Era em alto relevo, na parede, emoldurada como se fosse um quadro, e isso me ficou na memória até hoje que eu nunca esqueci dessa frase.
P -
Agora, além desse material que o senhor falou, que materiais de circulação interna, na Rhodia, existia?
R - Tinha o Rhodia Jornal. O Rhodia Jornal se publicava artigos científicos variados e artigos sobre os nossos produtos.
P -
E ele era destinado a todos os funcionários?
R - Não, a todos os propagandistas. Para os propagandistas. E se mandava também para outros departamentos da Rhodia, que era um jornal do Depesp. Feito em mimeógrafo, mas às vezes até em duas cores, com desenhos feitos à mão, no estêncil; o Paulinho, que era chefe da Seção de Mimeógrafos, desenhava muito bem. Então eu batia estêncil, a Ondina batia estêncil...
P -
E que outras publicações de circulação interna havia?
R - Existiam duas revistas: era Publicações Médicas e Publicações Farmacêuticas, mas isso bem antigamente.
P -
E isso era destinado a quem?
R - A médicos. Médicos e farmácias.
P -
E isso o vendedor que levava... o vendedor-propagandista levava quando visitava?
R - Não, a maior parte era mandada pelo correio. Existia, nessa área de Divisão de Publicidade, um cadastro de farmácias, de médicos... Então no sistema de endereçamento automático eram gravadas as chapas metálicas, eram gravadas as chapas metálicas com os nomes dos médicos, endereço, depois passava-se numa máquina os envelopes, já imprimia o endereço; era uma equipe que fazia isso, pra mandar correspondência para o Brasil inteiro.
P -
E isso, o senhor falou "muito antigamente", isso era que época mais ou menos?
R - Na verdade, quando eu entrei na Rhodia, com 15 anos, a minha cunhada que me arrumou o emprego, ela trabalhava exatamente nessa área. Aliás, a Seção de Mimeógrafos era junto com essa seção de endereçamento de material publicitário para médicos. Isso em 48, 49. E a Divisão Publicidade também cuidava da biblioteca, recebia todas as revistas médicas, farmacêuticas da época, existia uma pessoa especializada em apontar todos os artigos de interesse da... e anotava tudo isso em... havia um fichário imenso, com todos os títulos.
P -
E quem usava essa biblioteca?
R - Principalmente para atender pedidos de médicos. A bibliografia que os médicos... Eu não sei que fim levou essa biblioteca, era aqui em Santo André, mas tinham muitos livros... não sei que fim levou. Não sei se foi perdida. Se foi perdida foi uma pena, porque aqui no Pavilhão BF, aqui em Santo André, existia uma sala só dessa biblioteca, era auditório com poltrona, tinha a projeção para... e era uma biblioteca que todo mundo respeitava, eu adorava ir naquela biblioteca.
P -
Os médicos vinham à biblioteca ou eles recebiam a cópia?
R - Não, quando eles pediam, sempre... ou pediam através do propagandista, ou escreviam diretamente para a Rhodia pedindo cópias de artigos científicos, então se tirava cópia. No momento era fotocópia, porque a seção em que eu comecei a trabalhar, no Mimeógrafo, depois passou a fazer mimeógrafo e fotocópia. E eu que fazia fotocópia.
P -
Como é que funcionava essa fotocópia?
R - Fotocópia era uma parede, uma caixa metálica com um vidro, lâmpada por baixo, numa câmara escura, papel sensível; punha o trabalho em cima dessa caixa, punha o papel sensível, se fazia um negativo. Revelava num banho de revelação, secava, tinha um secador lá, de tambor, ou pendurava num varal na seção; secava esse negativo, do negativo fazia o positivo, e então... mas isso a gente trabalhava o dia inteiro para fazer fotocópia. E mandava fotocópia para os médicos. Infelizmente não existia o Xerox. (risos) Que seria uma mão na roda na época.
P -
Quando o senhor entrou na Rhodia, o senhor achou que o senhor fosse ficar tantos anos?
R - Eu nunca pensei nisso, mas eu acho que era natural que eu ficasse, porque a família toda ficou, né? Os meus tios todos ficaram 30, 40 anos, ganharam o relógio de ouro.
P -
Como é que era? Eles eram presenteados por período? Como é que era?
R - É, na época... Houve um ano lá que se distribuiu um relógio de ouro, que era o Diretor-Gerente, que era o Blanc, né, doutor Blanc que entregava isso. E tinha o distintivo também.
P -
Como era esse distintivo?
R - Ela tinha a Festa do Distintivo, tinha o distintivo de prata, depois o distintivo de ouro... O de prata era de 10 anos, que eu cheguei a receber, mas não teve festa do distintivo nessa época. E quando era pra receber o distintivo de ouro infelizmente não houve a distribuição do distintivo de ouro porque houve uma greve aqui em Santo André, e o doutor Blanc ficou muito nervoso com isso, muito raivoso, só de raiva ele não fez a Festa do Distintivo. Então eu não recebi o meu distintivo. (risos)
P -
Como é que foi essa greve?
R - É, houve uma greve para melhores salários. A greve na Rhodia era muito difícil. Muito difícil. E naquela época houve, infelizmente houve uma greve acho que dois, três dias. Mas o doutor Blanc ficou muito irritado com essa greve, então ele não fez a Festa do Distintivo nesse ano, e eu ia justamente receber meu distintivo, né?
P -
E o relógio ganhava depois de quantos anos?
R - É, o meu tio Alberto chegou a ganhar, eu acho que de 40 anos de Rhodia.
O meu tio Alberto cuidava da Seção de Acetato, o acetol, que era o acetato de celulose, que é o rayon.
P -
Ele trabalhou na Têxtil?
R - Na Química, ele era da Química. . Então o meu tio Alberto trabalhou no acetol, meu tio Luís trabalhou no ácido sulfúrico, depois foi desativado o ácido sulfúrico, aí meu tio foi trabalhar na penicilina, produção de antibióticos. O meu tio Gerônimo trabalhava no Departamento de Produtos Industriais, na área de escritório já. Minha tia Elvira, como eu já disse, trabalhou na parte farmacêutica, na embalagem. A minha tia Cida também na área farmacêutica, mas no controle microbiológico; a minha irmã trabalhou na embalagem, a minha prima Dulce também trabalhou na embalagem, junto com a minha prima, e a minha tia era tão "Caxias" que quando, qualquer coisa que acontecesse... A minha irmã e a minha prima trabalhavam subordinadas a ela.
P -
Ela era chefe das próprias filhas?
R - Das sobrinhas. E se tivesse que suspender alguém, a minha irmã ou a minha prima, elas eram as primeiras, para mostrar que não tinha proteção de família. (risos)
Minha tia era terrível, viu? Minha tia era tida como carrasca. (risos) Minha tia Elvira ninguém brincava com ela não. Era disciplina militar.
P -
E quem mais além desses trabalharam na Rhodia também?
R - Então trabalhou a minha prima Dulce e a irmã Maria do Carmo, trabalharam na Rhodia. A minha irmã trabalhou na Rhodia, o meu irmão Osmar trabalhou na Rhodia na... ele era eletricista, trabalhou na manutenção. O meu filho trabalhou na Rhodia como... entrou na área de transportes, na administração de transportes, e depois passou pra área de compras, trabalhou 9 anos como comprador, chegou a trabalhar inclusive nas Nações Unidas.
P -
Ele entrou quando?
R - Meu filho...
(PAUSA)
P -
O senhor tinha acabado falando que era normal esperar ficar tantos anos na Rhodia, afinal todo a sua família trabalhou e esteve, de alguma maneira, relacionada com a Rhodia. O senhor trabalhou na Rhodia até quando?
R - Eu trabalhei até 1982, até Setembro de 82.
P -
Aí o senhor se aposentou?
R - Me aposentei, jovem ainda, porque eu tinha 50 anos.
Eu me aposentei mais ou menos pressionado por essa pessoa que eu não tenho boa recordação dela.
P -
Aí o senhor, ao se aposentar, o senhor foi fazer o quê?
R - Bom, aí fui descansar um pouco, né? Eu recebi um dinheiro da Rhodia, porque eu tinha muitos anos... pelas leis trabalhistas aí, anteriores à ... à CLT. A opção, a Rhodia me pagou tudo. Mas eu era muito novo pra ficar parado.
Muito novo. Aí me distraí um pouco, comprei um terreno na Ilha Comprida, construí uma casa na Ilha Comprida, que eu tenho até hoje, pra pescar. Tinha os companheiros de pesca, o meu irmão era meu companheiro de pesca, meu irmão mais velho, que faleceu, tinha outros companheiros de pesca que já morreram também. E essa casa existe lá, mas eu fui em janeiro a última vez, esse ano, faz quase um ano que eu já não vou mais lá, né? Eu adoro aquela casa Mas é um pouco longe e meio erma. A minha mulher tem medo. Tem medo de ficar lá. Eu acho que ela devia ter medo de ficar aqui, não lá, né?
A minha neta adora. O meu filho também gosta muito.
P -
O senhor tem netos?
R - Tenho uma neta.
P -
Que idade ela tem?
R - Vai fazer 6 anos agora em dezembro. E o meu filho gosta muito de lá, então... É uma casa até gostosa, uma praia, quase não tem ninguém, você pode tomar banho de mar à vontade, água muito limpa; eu tenho churrasqueira, tenho um forninho desses à caipira, desses para fazer uma pizza. Então lá a gente vive... vive um pouco a natureza, né?
É uma delícia.
P -
Aí, depois de descansar um pouco, o senhor foi fazer o quê?
R - É, aí, então, eu fui trabalhar 1 ano lá com o meu sobrinho, que ele me pediu, dar uma mãozinha lá para ele, que precisava organizar um pouco a parte de gestão da empresa, que é uma empresa familiar; então fiquei 1 ano lá com ele, só dando uma mão para ele, mas depois... claro, eu sou farmacêutico. Trabalhar numa metalúrgica... Então eu só levei para lá um pouco da minha experiência como Gerente na Rhodia - porque na Rhodia eu era Gerente Industrial, eu era, vai, 70% Gerenciador e 30% Farmacêutico. Mas depois que eu saí de lá, montamos, eu, o meu cunhado e um sogro da filha dele, um escritório de administração. O sogro da filha dele ia construir um prédio de apartamentos e nós íamos lançar esse prédio, claro, visando comissão nas vendas. Mas depois o sogro da filha dele desistiu e aí eu e o meu cunhado achamos melhor não continuar com aquilo, porque nós tínhamos recebido lá do sogro como imóveis para administrar; essa parte de aluguéis, essas coisas, não tinham nenhum significado. O meu cunhado continuou com o escritório dele, que ele é advogado, mas eu vi que não era...o meu negócio. Aí fiquei mais uns tempos parado, depois apareceu essa oportunidade, inclusive foi o Donaldo que me falou. O Donaldo foi acho que no Conselho, e viu lá publicado que laboratório precisava de um Responsável Técnico, e eu liguei para o proprietário, marquei uma entrevista, fui lá, conversei com ele, levei meu curriculum, ele pegou meu curriculum, olhou e falou: "Pode começar amanhã." E eu comecei, tô lá até hoje.
P -
O que é que o senhor faz lá?
R - O laboratório é em Interlagos e a administração é no Bairro do Socorro, separado, então. Eu gerencio a fábrica e sou Responsável Técnico, também, perante o Ministério da Saúde. Faço exatamente o que faria na Rhodia.
P -
Quais são as lembranças mais marcantes que o senhor tem da Rhodia?
R - Bom, minha nomeação como Gerente, minha primeira viagem à França; eu fui sozinho, fiquei 46 dias sozinho na França, saudade enorme da família - brasileiro é muito sentimental, ficar 46 dias sozinho num país estrangeiro... Eu já tinha estudado francês na Aliança, mas você desembarca no aeroporto, quer dizer, você é obrigado a falar. E graças à Deus me saí bem, fui até aperfeiçoando meu francês; fiz meus estágios lá e... Eu adoro a França, me identifico demais com a França, talvez em função dessas chances que a Rhodia me deu. A minha mulher também viajou comigo... Na primeira viagem, ela foi no fim de um estágio, depois eu tirei férias, ela foi com o pai dela, que é viúvo, aí ficamos de férias, na Europa. Na segunda e na terceira viagens ela foi comigo, então durante o dia eu ficava trabalhando, e ela ficava girando lá em Paris lá, vendo vitrine. E à tarde a gente se encontrava, jantava junto, rodava junto. Na segunda vez em que eu fui à Paris, num sábado de manhã, nós tomamos o metrô e fomos ver o Mercado das Pulgas, e encontramos um restaurante português e fomos comer bacalhau, porque nos restaurantes da França não tem bacalhau, francês não gosta de bacalhau. E nos identificamos lá com o dono do restaurante, que era um português, e ele tinha lá discos de cantores brasileiros, Roberto Carlos e outros, fez questão de preparar uma caipirinha à moda brasileira, e nós gostamos tanto do restaurante português que, no sábado seguinte, eu falei: "Nós vamos voltar lá no restaurante português." Mas tomamos o metrô, o metrô estava lotado, e nesse metrô a minha mulher foi cercada, acho que por três árabes, não sei, marroquino ou argelino, me isolaram da minha mulher, abriram a bolsa dela e roubaram a carteira dela. E dentro dessa carteira não tinha dinheiro, mas tinha o passaporte e tinha um cartão, Europass, que eu tinha comprado aqui no Brasil, que dava direito a viajar 21 dias de trem; que a minha idéia era ir até a Dinamarca de trem. Bom, foi um problema, porque sem passaporte deu até desespero na minha mulher. Aí fui numa delegacia de polícia fazer um boletim de ocorrência, aí procurei o Consulado Brasileiro lá em Paris, na Champs Elysées, o cônsul disse: "Não tem problema, se quiser ficar na França, vocês podem ficar na França, mas sair da França vocês não podem." E na hora em que você quiser voltar para o Brasil você vem aqui, eu te faço um cartão, uma autorização para você viajar para o Brasil." Aí foi isso o que nós fizemos. Perdi as férias em 78. Aí em 80 eu viajei outra vez, minha mulher foi outra vez junto, então fui direto daqui para Londres, fiquei quatro dias em Londres, como parte de férias, aí fui para Paris, fiz esse curso de oito dias nesse castelo de que eu falei, e daí eu comecei o estágio. Fiz o estágio em 80, mas terminado o estágio, aí saí de férias. Então foram três oportunidades, realmente para mim foram muito boas, de eu estar nos laboratórios franceses, que me deu uma atualização técnica, em tipo de equipamento... Foi muito bom, para mim acho que foi muito bom, eu guardo na lembrança até hoje, inclusive no meio dessa papelada eu tenho até os programas de estágio, coisas... recordações.
P -
Se o senhor pudesse mudar alguma coisa dessa sua trajetória o que é que o senhor mudaria?
R - Nada. Se tivesse que fazer tudo outra vez eu faria tudo outra vez. Eu fiz muito sacrifício para estudar. Aliás, eu queria estudar Medicina, né, não queria estudar farmácia. Eu adoro Medicina. Mas eu tinha que trabalhar, não podia estudar durante o dia, então eu fiz Farmácia, me identifiquei com a profissão, eu acho que... Posso dizer que me realizei profissionalmente, atingi um alto cargo na empresa, na Rhodia, ocupo igual cargo numa outra empresa. Mas se tivesse que estudar outra vez, faria tudo outra vez. Tentei estudar Medicina quando me aposentei, logo que me aposentei eu falei: "Vou estudar Medicina." Porque como farmacêutico eu não precisaria fazer vestibular...mas eu poderia até fazer o curso de medicina sem vestibular, desde que houvesse vaga. Algumas cadeiras eu poderia até eliminar, porque existe uma lei federal que...fui aqui na Faculdade de Medicina de Santo André conversar com o diretor, ele me atendeu e falou: "Olha, realmente você podia se matricular, só que eu não tenho vaga." Mas eu já com 50 anos, eu falei: "Eu não vou fazer vestibular outra vez. Estudar tudo de novo no vestibular?" Aí eu resolvi desistir da idéia. Mas não me arrependo, não.
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O que é que o senhor ainda quer realizar?
R - Eu quero ver minha neta crescer, quero ver minha neta já moça, quero ver minha neta estudar e realmente comprovar uma coisa que ela já disse várias vezes espontaneamente. Ela disse que quer ser farmacêutica. Ela só tem 5 anos ainda, eu não sei se ela sabe o que é ser farmacêutica, mas ela ouve falar que eu sou farmacêutico, e várias vezes ela já falou que ela quer ser farmacêutica.
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Ela é filha da sua filha?
R - Filha da minha filha. Não sei se ela vai ser farmacêutica, mas seria uma satisfação se fosse. O meu filho infelizmente não quis seguir minha profissão, mas se minha neta estudasse farmácia, ou pelo menos medicina, eu ficaria muito feliz, se eu estiver vivo ainda para ver.
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Se Deus quiser vai estar. O senhor tem um sonho? Esse é o seu sonho?
R - Eu diria que hoje é. Viagens. Eu gosto muito de viajar, quero ainda viajar mais uma vez para França. Fui o ano passado. A minha filha, como pinta, houve uma exposição de porcelana de Madri, então ela organizou um grupo de alunas para visitar essa exposição. Então, com essas alunas, mais amigos das alunas, parentes, organizamos um grupo de 24 pessoas, inclusive com a minha neta. Fui eu, a minha filha, a minha neta, a minha mulher, a minha cunhada, o meu cunhado, organizamos um grupo e fomos para a Europa, para... Então visitamos essa exposição, alugamos um ônibus, só nós, só o nosso grupo, e fomos de ônibus, saímos de Madri, Barcelona, fomos para a Itália, Suíça e Paris. Viajamos 20 e poucos dias; e eu adoro Paris, então gostaria de voltar a Paris. Minha mulher gosta muito de Paris.
P -
O que é que o senhor achou da experiência de ter contatado a sua história de vida e a sua trajetória para nós?
R - Ah, achei ótimo. Foi um desabafo.
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Bom, então eu quero lhe agradecer muito essa oportunidade de ter...
R - Foi um desabafo E se a gente continuar falando a gente fica falando o dia inteiro, porque sempre aparece, as lembranças, vai abrindo o arquivo, né, é que nem computador; abre uma página daqui, vai abrindo, vai abrindo, vai abrindo, parece o windows, né, ou a Internet.
P -
Tem alguma coisa que o senhor lembrou e que o senhor quer contar e que o senhor não contou?
R - Não, no momento eu acho que eu não lembro de nada, mas... eu vou fazer um exame de memória..
P -
Se o senhor quiser a gente volta aí.
R - Se surgir mais coisas eu terei imenso prazer em passar para vocês.
P -
Muito obrigada.
P -
Obrigada, foi ótima a entrevista.Recolher