P1 – Almir, para começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, data e local de nascimento. R - José Almir Ponte Albuquerque, nasci numa cidade da zona norte, Sobral, no estado do Ceará, no dia 16 de dezembro de 1951. P1 – Você morou em Sobral até quando? R - Eu mor...Continuar leitura
P1 – Almir, para começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, data e local de nascimento.
R - José Almir Ponte Albuquerque, nasci numa cidade da zona norte, Sobral, no estado do Ceará, no dia 16 de dezembro de 1951.
P1 – Você morou em Sobral até quando?
R - Eu morei em Sobral até os meus 14 a 15 anos, depois vim para Fortaleza, aonde aqui vim estudar e depois fui para Belém do Pará.
P1 – Foi lá em Belém que você conheceu o Aché?
R - Foi. Lá em Belém eu trabalhava no Banco Itaú, na Avenida 15 de Novembro, e numa determinada tarde adentrava lá a nossa agência dois senhores, até então eu não os conhecia, depois vim a conhecê-lo, que era o Adalmiro Abelardo Batista e José Cabelo Morales. E chegando lá, eles se apresentaram como pessoas representantes do Aché Laboratórios, que eu também não sabia quem era esse laboratório em si, e ele pediu e perguntou se havia a possibilidade de que se liberasse um cheque que ele tinha trazido de uma agência nossa em São Paulo. E era mais ou menos duas e meia da tarde, eu disse que sim, chamei um colega, mandei abrir a conta, mandei dar o talonário de cheques, e disse a ele que ele podia utilizar todo aquele dinheiro e mais algum, quer dizer, sacar, eu acataria o cheque. E logo depois que eles saíram, eu telefonei para a agência que era aquele cheque, e eles me disseram que era um grande laboratório, um bom cliente, e que nós poderíamos dar todo apoio financeiro e logístico que se fizesse necessário. E após 24 a 48 horas, ele teve uma conversa com meu gerente e me convidou para trabalhar. E o interessante disso que Adalmiro é uma pessoa muito simples, e ele estava hospedado no Hotel Grão Pará, certo? E ele me convidou para mim ir lá. Aí eu cheguei à noite lá, e ele me perguntou: “Almir, você conhece algum medicamento que eu conheço? Quais os medicamentos que você conhece?” “Sonrisal e Engov” “Por que você conhece só esses dois?”, “Porque, quando eu tomo a minha cerveja no sábado e domingo, é o que me cura na segunda” (risos) Aí ele riu e disse assim: “Eu não estou precisando de nenhum sacerdote para trabalhar conosco”, certo, e perguntou se eu aceitava. Fez a proposta eu disse que sim e ele disse que eu ia ter dificuldade em me desligar do banco, porque o então gerente à época, o Lucena, que era também um paraibano, gostava muito de mim e que tinha planos para mim dentro do banco, porque estava para sair uma subgerência. E eu disse: “não, mas eu sou, no momento eu aceito a sua proposta.” E fui ao banco, conversei com o gerente, o Lucena disse: “Almir, você já tem um certo tempo aqui no banco, conhece todo mundo, e vem esse pessoal...”, eu digo: “mas eu não conhecia o Pará e estou aqui, sou cearense. E eu quero que você me dispense o aviso prévio”, e assim foi, ele fez, certo, dispensou. E eu entrei no Aché, e fui o primeiro propagandista a ser contratado, em Belém do Pará, por Adalmiro Abelardo Batista e José Cabelo Morales, que era então o fundador, vamos dizer assim, da filial norte do Aché, lá em Belém do Pará.
P1 – Que ano que era?
R - É, acredito eu que era aproxima... era 72, entre julho e setembro de 72, era já no segundo semestre, acredito eu.
P1 – Você foi contratado para exercer que função?
R - A função, na época nós éramos propagandistas, e propagandista vendedor.
P1 – Você sabia o que era ser propagandista?
R - Não, não sabia. E, talvez isso era o que o Aché queria antigamente, não sei hoje, mas ele não contratava nenhum profissional que viesse de uma outra firma, inclusive por isso uma vez até o Adalmiro me chamou a atenção, porque eu contratei uma pessoa que tinha dez filhos, que era até um judeu, era, tinha dez anos na outra firma, certo, e ele até disse: “Almir, você está passando pelas normas da companhia, mas como você já fez eu não vou quebrar. Então todo mundo no Brasil admirou-se quando eu fiz, que era de um propagandista vendedor, que hoje mora em Israel, chamado Pazuelo, que eu mandei a Manaus para me substituir à época.”
P1 – Na época em que você foi contratado outros propagandistas fizeram parte aí dessa primeira turma?
R - Fizeram. Nós éramos: em Belém era Rinaldo, que era solteiro, mais ou menos a minha idade, ele tinha 25, acho que eu tinha 19; tinha Soares, Antonio Soares, não recordo o outro nome, que também era casado; tinha Carlos Alberto, também casado; e tinha o Zezinho, que era a pessoa que era o nosso secretário, que fazia o nosso café... Essa era uma turma, inicialmente. Aqui no Maranhão nós tínhamos o primeiro propagandista, eu até brincava com ele, eu chamava de loucutor de gafieira, porque ele tinha uma, ele impostava muito a voz, que era Edevaldo. Aqui em, tinha no interior do Pará, que nós chamávamos de espantalho, porque era muito feio, era o Pimentel, certo. E depois que eu vim do, porque na época eu também fui transferido depois para Manaus, e quando eu vim de Manaus, foi esse Pazuelo que eu coloquei lá.
P1 – Vocês estreou atuando em que região?
R - Em Belém do Pará, na capital.
P1 – Na capital. Como é que foi começar esse trabalho da propaganda nesses estados?
R - O trabalho, vamos dizer, no caso para nós, certo, tinha um trabalho bem árduo, porque nós tínhamos uma visão totalmente diferente - quando eu digo nós,
o Aché - dos outros laboratórios. Esse é o grande diferencial, por isso que o Aché está onde está, é justamente por isso, é, eles... Nós visitávamos médicos, em especialidade também, que alguns laboratórios não visitavam. Então nós íamos, fazíamos todo o apanhado do médico, nome, CRM, CPF, e fazíamos uma ficha de controle, endereço, quais instituições que eles trabalhavam, para que de ali depois nós fizéssemos um mapa, e dividíamos em regiões; Belém do Pará, cada qual, que nós chamávamos na época setor, cada qual ficava com seu setor. E trabalhávamos em hospital, com os médicos, com os acadêmicos desde o primeiro ano. Então esse é o diferencial do Aché, e esse foi o que fez o diferencial do Aché hoje, em ser essa potência que é. Porque, como eu estava lhe dizendo anteriormente, de 30 anos para trás, pode ter um médico assim: “eu não receito mais Aché”, mas não pode dizer que nunca receitou Aché, eu acho que todos os médicos formados há 30 anos atrás para cá, todos prescreveram Aché, sem a menor sombra de dúvida.
P1 – O diferencial qual era? Quem visitava mais o médico do que os outros?
R - Nós visitávamos mais, e o diferencial nosso, como propagandistas assim, era que nós trabalhávamos, como a gente diz, com amor à camisa, certo? A gente sempre vendia para o médico a idéia que o Aché era nacional, essa idéia era-nos passada por quem? Por Adalmiro Abelardo, porque é quem fazia, nos visitava em Belém do Pará. Então todo mundo trabalhava com amor, se é sete, oito horas da noite, isso era brincadeira para a gente, chovendo ou faça sol, que em Belém chove muito, inclusive tem a chuva das duas horas, não era problema para nós. Então a gente trabalhava muito, por isso que todos nós que trabalhávamos no Aché sempre éramos convidados para ir trabalhar em outras firmas, mas, mesmo assim, pelo menos para isso que eu trabalhei com o Aché, nunca um colega nosso saiu para ganhar mais em outro laboratório, preferia ganhar o que ganhava conosco e ter, vamos dizer, a atitude família que nós tínhamos entre todos nós.
P1 – De onde que vem esse amor?
R - Esse amor era, aquilo era transmitido pelo Adalmiro Abelardo Batista, que na época era presidente, que era o nosso contato em Belém, e pelo gerente que ele trouxe à época, que era Morales, que era um seguidor dele, vamos dizer assim, um discípulo de Adalmiro.
P1 – E era uma coisa que ia contagiando?
R - Demais, demais. Adalmiro conversa sempre muito com você, ele te compra, é um “quena” de brasileiro, só a diferença é que ele não entrou na política, certo, então ele tem uma empatia muito grande.
P1 – Até tinha um apelido na época...
R - Ah, era “Xerife.” Xerife era que, tanto eu quanto o Morales, nós o chamávamos de Xerife, que era o que mandava, quando a gente telefonava para São Paulo, a gente telefonava, “o Xerife está?” Aí ninguém entendia, né? Aí, às vezes até achava que era muita intimidade, mas é que a gente tinha esse relacionamento, então foi uma época excelente, e eu acho que se todos os propagandistas hoje tivessem, vamos dizer assim, a mesma... pensamento, como a gente do Aché, como eu pensava do Aché à época, certo, nós também ainda hoje éramos diferenciados em relação aos todos outros propagandistas, sem sombra de dúvida.
P1 – Nessa época quais eram os sucessos de venda?
R - O grande sucesso de venda do Aché era o Combiron, certo, que foi feito uma política direcionado mais para gestantes, com 2 miligramas de ácido fólico; era Destrovitase, que era um energético de 20, 10, certo; tinha o Copix, isso da linha antiga; e tinha o Cepumin, que era para gripe; e depois nós lançamos o Colpistatin, certo; lançamos Energisan, que fez um sucesso, depois foi tirado do mercado; o Copix, que era uma propaganda muito interessante, muito bonita, que dizia o seguinte: “quem veio primeiro: o ovo ou a galinha?” Então isso aí a gente dava destaque, dava uma inflexão bem grande nesta parte, chamava muito a atenção ao médico. Um outro também que chamou muito a atenção ao lançamento, quem for do Aché antigo deve ter prescrito, era quando fomos lançar o Dorilax. O Dorilax hoje ele é um pouco diferente da composição de quando nós lançamos, antes, uns três meses antes, mandava uma baratinha, e você fazia um toquezinho aqui, fazia muito barulho, certo? E os colegas diziam o seguinte, às vezes a gente ia visitar um hospital e tinha muitos acadêmicos, a gente dava, aí ninguém conseguia mais fazer propaganda, porque todo mundo tocando aquilo. Meus colegas diziam assim: “homem, guarde essas tuas baratinhas, só vai fazer propaganda agora quando nós fizer”, porque senão não ia mais ser propaganda, era brincadeira. Outro lançamento também, que chamou muito a atenção e calou muito grande dentro dos médicos o espírito nacionalista, foi quando nós lançamos Eritrex, que vinha num saquinho de serrapilheira, uma tarja verde e amarela, escrito: “Made in Brazil. For export.” Então a gente dizia, terminava a propaganda a gente dizia: “isso é uma Eritromicina nossa, e não estamos importando, é nacional.”
P1 – Por que os concorrentes eram...
R - É, os concorrentes, na época os mais fortes eram o Ilosone, do Lilly, e a Pantomicina, do Abbott, era o nosso concorrente direto, que são multinacionais. E nós entramos com o mesmo sal, mas mostrando que era um produto nosso. E com isso aí a gente ganhou o mercado.
P1 – Depois de Belém você foi para onde?
R - Depois de Belém, o Adalmiro tinha ido várias vezes a Manaus e não tinha conseguido, e um dia eu estava lá no escritório, e ele estava falando, eu disse: “eu vou.” Aí ele olhou assim pra mim, “cearense te aquieta, o que é que tu quer fazer lá em Manaus? Haja visto que tu não conhece”, eu digo: “mas Xerife, eu não conhecia aqui e estou aqui.” Aí ele olhou para o Morales, “compra a passagem e manda esse homem para lá.”
P1 – Você foi o primeiro a chegar lá?
R - Fui o primeiro propagandista vendedor do Aché lá em Manaus, na capital de Manaus.
P1 – Como é que foi desbravar esse mercado?
R - Olha, teve até uma passagem muito interessante. Eu fui me hospedar numa pensão, certo, e saí para trabalhar no outro dia, justamente para fazer o cadastro de médicos, tudinho. Quando eu chego, doze horas, a porta do meu quarto aberta, menina, o que eu vi foi duplicata que eu já tinha feito, vendo o que tinha de duplicata no chão, tal, resultado: eu fiquei com as duplicatas e com a roupa que estava no corpo. Levaram tudo, tudo, roubaram tudo. Aí eu telefonei para o Morales, para Belém, e disse: “Morales, me manda dinheiro, que eu tenho que comprar roupa, vou sair dessa pensão aqui, vou para uma coisa melhor, porque me levaram tudo”, certo, aí eu me lembro, ele disse: “e as duplicatas, estão todas certas?”, eu digo: “rapaz, em vez de se preocupar com as minhas roupas, vai te preocupar com papel?” Mas tudo bem, eles mandaram o dinheiro para mim, não tenho grandes problemas.
P1 – Você foi fazendo aquele cadastramento dos médicos?
R - Você faz. Na época que eu trabalhava em Manaus, para você ter a idéia, nós tínhamos 285 médicos, e a gente trabalhava tanto, visitava tanto médico, que tinha médico que às vezes dizia, a gente chegava e ele dizia: “faz só falar, não deixa mais amostra não”, porque tinha médico que às vezes a gente visitava quatro vezes por semana, toda semana. Porque a gente em Belém tinha mais, e a gente trabalhava muito, tinha os horários, então às vezes tinha médico que a gente visitava quatro vezes. Eles diziam: “só fala e não deixa mais amostra.”
P1 – E as farmácias, como é que era esse relacionamento?
R - As farmácias eram muito boas, as farmácias, nós tínhamos dois grupos grandes à época, que era a farmácia das Haddad, que até era do Paulo Haddad e do Mário Haddad, esse Mário inclusive era deputado estadual à época. Tinha a 7 de Setembro, que era uma farmácia parâmetro para nós, em termos de receituário, né? Para saber o que está saindo ou o que não está, lá era bem central. Tinha uma outra que me falha agora, que inclusive pagava péssimo, Adalmiro se danava muito com ela, porque a gente vendia e ele não pagava. Mas era um grupo muito grande, certo, e depois a gente, até eu brincava com o dono das farmácias lá, que eu tinha, ele tinha que me dar todo mês um par de sapato, porque eu gastava muita sola de sapato indo cobrar. Só que Droga Sete, Haddad e São Paulo, tudo era um grupo só de família, então se você brigava com um, brigava com todos, então eu ficava na berlinda fazendo o meio de campo com um e com outro... Estava tudo bem, se vendia muito.
P1- E o Aché vendia?
R - Muito, muito, muito.
P1 – Qual que era o segredo, o que você acha?
R - O segredo do Aché, primeiro bons produtos, segundo tinha um departamento de treinamento muito bom, que era com o Pascoal, não sei se hoje está no Aché, certo, e que brincava muito. E a gente criou amor, acho que nada do que você faz sem amor não vai, certo, então todo mundo tinha uma boa causa que era o amor, certo, e nós brigávamos mesmo pelo Aché, era interessante.
P1 – Diferente da concorrência?
R - Diferente, diferente, diferente de hoje. Eu diria o seguinte, antigamente os nossos jogadores jogavam por amor à camisa, éramos nós à época, é isso o que eu posso definir como a gente gostava do Aché. E eu tenho impressão se você pegar qualquer um colega meu, que tenha trabalhado comigo lá em Belém, faça esse mesmo depoimento, porque nós amávamos o Aché, muito, muito, fazíamos mesmo a coisa, não só pelo dinheiro em si.
P1 – Você foi iniciando em outras cidades também?
R - Nós, bom, quando eu fui para Manaus, nós fazíamos Macapá, fazíamos Rio Branco, fazíamos Cruzeiro do Sul, que já tem um fuso horário já de duas horas diferente, fazíamos Brasiléia, que são cidades do interior, fazíamos Roraima, que é Boa Vista, é, qual é a outra... Que naquele tempo era território, né, porque hoje todos são estados. Então nossa filial, territorialmente, era a maior que tinha, que pegava Manaus, Belém, certo, estado do Pará, vamos falar por estado que fica mais fácil: Pará, Amazonas, Piauí, Macapá, Acre, que é estado do Rio Branco, Roraima, e ainda íamos mais ao norte de Goiás, que hoje é Tocantins.
P1 – E qual que era o maior desafio de ser propagandista nessa região?
R - Quando era no interior, nós não tínhamos a facilidade que nós temos hoje, como estrada, como meio de comunicação, hoje em qualquer lugar você encontra telefone, naquela época não tinha, não tínhamos celular, certo, e era uma região, por exemplo, quando você descia na Belém-Brasília, para você ter a idéia, hoje a Belém-Brasília você
faz em seis, sete horas de Belém a Imperatriz. Imperatriz é a maior cidade do Maranhão, fora a capital, só que na minha época você saia doze horas, meia noite, de Belém, para chegar doze horas da noite, do dia lá, se tudo corresse bem. Porque tinha uma, na estrada tinha um trecho lá chamado Ladeira do Sabão, aqui ficavam dois tratores de esteira, certo, puxando os carros pesados, e os carros pequenos aqui na bitola, e sem se falar os inúmeros assaltos que nós tínhamos à época. Mas, diz que a juventude é um mal que felizmente foi entregue aos jovens, né? E infelizmente foi entregue aos jovens, então nada era perigo. Me pague para fazer muita coisa que eu fazia antes, que talvez eu não tenha essa coragem.
P1 – Tem alguma cidade, alguma viagem que exemplifique bem como é que era esse desafio?
R - Tem. Por exemplo, Santarém, você chega em Santarém você tem Óbidos, Alenquer, Oriximiná e Paritins, certo? E lá eles chamam um navio, e eu pensava que era navio mesmo, e cheguei lá no hotel, e tal, tudo bem, aí todo mundo falou: “vamos pegar o navio, vamos pegar o navio.” E, por sinal, esse hotel era de um cearense que eu tinha conhecido quando criança, veja como isso é o mundo, né? Lá em Martinópolis, que era filho de um sacristão que o meu tio era vigário lá. Aí nós nos reconhecemos, tudinho, aí eu digo: “rapaz, sete horas eu quero ir no cais, que eu quero comprar o camarote, que eu quero viajar pra fazer...”, “Almir, que camarote rapaz? Pega a tua rede e vai para lá armar”, aí eu digo: “não trouxe nem rede”, aí ele arranjou uma, só que você armava, certo? O que era o navio que eles chamavam? Era um grande barco, certo, com dois andares, vamos dizer assim, e você armava a rede. Só que não tinha mais lugar para mim armar a rede, e aí José? O que foi que eu fiz? Bom, botei a rede aqui no chão e fui fazer de travesseiro. O bom foi que em cima de mim tinha uma menina, imaginou, e foi. Lá para as três horas da manhã, quando eu acordei, eu estava literalmente molhado, o menino me xixou todo, todo, todo, todo, certo? Então essa foi assim uma das passagens que até hoje eu me lembro, certo?
P1 – Essa foi uma viagem de onde para onde?
R - Essa aí eu estava saindo de Santarém, certo, aí eu faria Óbidos, Alenquer e Oriximiná, que você só faz de barco.
P1 – E a viagem é longa?
R - Longa, longa. Você normalmente faz em dois dias.
P1 – Dois dias?
R - É, porque você desce numa, pega um barco pra outra, vai pra outra e volta.
P1 – E você ia com a tua pasta, com as amostras, tudo?
R - Tudo, tudo, tudo, tudo.
P1 – E o propagandista ele era esperado nessas cidades, assim, “ah, lá vem o menino do Aché...”?
R - Era esperado. A gente procurava marcar alguma coisa, né? Marcar alguma coisa, certo? É, por exemplo, se eu sabia que um médico gostava de alguma coisa, vamos dizer fumar um tipo de charuto, e você sabia que naquela região não tinha, quando eu ia eu já levava aquele charuto para ele. Porque era uma maneira de criar um elo, certo? E procurava conversar, se ele gostava de determinado autor eu procurava ler aquele livro daquele autor justamente para que houvesse uma maneira de nós conversarmos sobre alguma coisa, não só sobre o remédio, certo, para quebrar aquele gelo. Porque a gente encontrava médicos que eles conversavam com você sobre tudo, mas não queriam ouvir propaganda, então se fazia necessário que você conversasse sobre o que ele quisesse, para depois ele passar a nos ouvir. E assim foi indo.
P1 – Essa conquista do médico era importante, não é?
R - É importante demais. De você marcar a presença, de você, hoje o que a gente diz na, hoje, no linguajar de máquina, quebrar o gelo, certo? Entende, então isso é muito importante.
P1 – E isso era diferente do Aché com outros laboratórios, nesse começo?
R - Muito, muito diferente, porque nós éramos aquela pessoa formal, sem ser informal, certo? Nós respeitávamos o médico como profissional e queríamos ser respeitados como propagandistas. Então, vamos dizer, nem nos humilhavam e nem procurávamos, vamos dizer nos exaltar em função do médico. Então eu acho que esse é o grande segredo de você ser propagandista, saber da sua função e não querer dar aula para o médico, que eu acho é um mal querer mostrar que sabe, não pode ser assim.
P1 – Até quando você ficou no Aché, Almir?
R - Eu fiquei no Aché até 70, se não me falha, até 75, se não me falha a memória.
P1 – Aí você foi fazer o quê?
R - Aí eu abri uma distribuidora, certo, que chamava-se Paradroga e, logo em seguida, Célia quis fazer curso de mestrado em Recife. Tinha que passar quatro anos aproximadamente, e não podia ficar, mesmo pela distância, aí eu fui, vendi a minha parte para o meu sócio, vendi não, eu quase dei, certo? Queria era ir para Recife, e quando cheguei em Recife fui trabalhar na Bayer, trabalhei pouco tempo, e apareceu uma proposta para ir trabalhar na Sherle, e na Sherle eu trabalhei aproximadamente uns seis anos, se não me falha a memória.
P1 – Como propagandista?
R - Como propagandista. Depois vim para cá, aqui que eu trabalhei um ano, saí do Sherle, né? Que aqui era, vamos dizer assim, eu estava em casa. Montei uma pequena cadeia de supermercados, depois cansei de ser comerciante, certo? E fiz, fui trabalhar no rádio, fiz curso para radialista, tudinho, aí passei, fui trabalhar no rádio alguns tempos, e depois os meus filhos entraram na faculdade e eu fui visitá-los, aí eu digo: “vou fazer odontologia, porque aí junta toda a família para receitar Aché, né?”
P1- Tá certo. Só um detalhe, você saiu do Aché para montar uma distribuidora por alguma razão especial?
R - Não, não. É porque você tem aquele sonho de ser independente, né? Acho que é o sonho de todo mundo é ser, de buscar sua independência, e esse era na época, não, porque eu não tinha motivo nenhum. Até o Xerife chegou a pensar, que eu tinha casado, se o meu dinheiro estava dando, eu digo: “não, Xerife, nada com relação ao financeiro, eu ganho muito bem.” Realmente, à época dava e sobrava, nada a reclamar. A questão era...
P1 – Você citou a Célia, que foi a esposa, que você conheceu nessa época do Aché?
R - Era, a Célia. O escritório dela era 13º andar do Edifício Costa e Silva, e o nosso escritório era 12º andar, sala 1201. Então, um dia eu fui visitá-la no hospital Santa Terezinha.
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Ela era médica?
R - Era médica do hospital pediátrico. Cheguei lá, conversei tudinho, certo, e rolou aquele sentimento daquele olhado. E um dia eu cheguei no escritório, e eu tinha uma fita que era de
Gigliola Cinquentti, aquela italiana que tem, até passou o filme, a música é aquela “Dio como ti amo”, certo, e aí eu liguei lá para o consultório dela, no caso ela estava na clínica, aí disse pra Doutora Célia passar lá, aí eu disse: “você pode dar dois minutos?”, que era o tamanho da fita, que era a música, e ela ouviu, aí disse: “ah, gostei muito.” Aí eu convidei para jantar, e daí nasceu o nosso namoro.
P1 – E o casamento?
R - Um mês e quinze dias.
P1 – Depois?
R - Um mês e quinze dias depois. Eu me lembro porque ela tinha ido para um congresso, não sei se na Bahia ou no Maranhão, e como sempre, as TAM do Brasil sempre atrasam, né? E eu fui para o aeroporto, isso foi muito interessante, porque vinham outros médicos que eu também conhecia, que era o Paulo Amora, que era da turma lá da clínica de pediatria. E eu passei numa ourivesaria e comprei um par de alianças e botei no bolso, né, e fui pra lá, cheguei lá no aeroporto, fui lá na lanchonete lá que tinha, no Palheta, e disse: “olha, bota um champagne aí no gelo”, e fiquei esperando, né? Aí, quando ela chegou, um atraso de uma hora e pouco, eu disse “não tire as coisas não”, e ela “vamos pegar as...” “calma”, eu disse: “tenha calma, vamos ali pra cima.” Aí chegamos lá em cima, abri a caixinha, “me dê a sua mão aqui”, botei aqui no dedo e ela botou a minha aliança, e digo: “a partir de hoje estamos noivos, e daqui, dia 17 nós estamos casados. Aí amanhã...”, isso era um sábado, eu disse: “amanhã umas 9:30, para as 10:00 horas eu passo na tua casa, para a gente ir atrás da casa”. Só que eu já tinha comprado, comprado não, já tinha alugado a casa, que Adalmiro conhece, que é essa que tem esse fusquinha na frente, Adalmiro foi várias vezes lá em casa comer, que ele gosta muito da macarronada. E tinha um amigo meu que tinha uma grande cadeia de lojas de móveis, e eu cheguei para o Demitri, ele é brasileiro, mas o pai dele não é brasileiro, o pai dele é, não me lembro qual é a nacionalidade, aí comecei, “Demitri, tem isso aqui?”, “tem”, “eu quero. Agora, só quero se for me deixar hoje”, e ele disse: “pra que isso?”, “pra mim”, “tu é doido, rapaz, vai te casar?”, aí eu digo: “vou me casar”, “mas, rapaz, tu é doido”, e não sei o quê, “manda hoje, ou não manda e eu vou comprar noutra loja”, ele disse: “tu é doido mesmo, cearense.” Aí mandou num dia só, mandou todos os móveis, tudo bem, faltava só uma geladeira, que ele não tinha da que eu queria. E quando eu fui, com a chave, mostrar a Célia, né? Abri a casa, ela disse: “ai, tá boa, toda reformada, mas eu estou gostando das coisas, será que nós vamos alugar com os móveis?”, eu digo “é.” Quando ela olhou, era uma casa de dois pisos, foi em cima, e tal, eu digo: “eu não sei se alugo com os móveis, eu não sei se esses móveis servem, se você está gostando”, e tudo, “não, estou adorando. Inclusive, Almir, parece que nunca foi usado, né?”, eu digo: “é, nunca foi usado.” Aí fomos para a cozinha, ela olhou e disse assim: “só está faltando a geladeira”, aí eu disse: “aí, isso é presente seu para mim, porque esse restante eu já comprei tudinho, é a nossa casa”, pronto, aí ela não acreditou, “é nossa casa” Aí fomos para o cartório, marcamos o dia, que era dia 17, casamos.
P1 – Quantos anos de casamento?
R - Nós vamos fazer, acredito que 30 anos de casados.
P1 – E os filhos são...?
R - Tenho 3 filhos, tem o Almir Júnior, que é o mais velho, certo, está casado, trabalha no banco, tem um filho; tem a minha filha Cristina, que está em Cochabamba, faz medicina, deverá vir agora no meio do ano para fazer o internato do último ano dela, em Sobral, na Santa Casa de Sobral, certo? Tem o meu filho mais novo, o Anderson, que estuda comigo, mora comigo em Aracaju e estuda na Universidade Federal, que está fazendo medicina, e terminará em 2003.
P1 – Três médicos na família, então?
R - Três médicos da família. E eu termino odontologia no ano que vem, que lá em Aracaju eu estudo na UNIT, Universidade Tiradentes, que é uma universidade privada.
P1 – A gente já está finalizando, eu queria te perguntar o que você achou de ter contado, lembrado um pouquinho dessas histórias?
R - Olha, diz-se que foi uma rememorização, e diz-se que você, vamos dizer assim, rememorizar é viver duas vezes. Então está me passando aqui, sinceramente, vendo aqui o Edifício Costa e Silva, a nossa sala, eu como tô aqui, Adalmiro sentado de um lado, fumava cigarro Hilton, fumava que só um caipora Comendo as unhas, roendo as unhas, e tomando café, ele tomava uma garrafa de café, era impressionante. E ali, pronto, e passava a fome dele, você ouviu, eu não sei se você ouviu a Célia falando que, às vezes, ele chegava às sete horas da manhã e saía dez da noite. Quando muito a gente mandava buscar uma pizza, uma coisa assim, ele não se preocupava com comer, que trabalhava, certo? E eu acho que depois disso tudo assim, eu digo que tem uma acontecência dessa, quando eu cheguei, que eu cheguei agora de férias, de Aracaju, a Célia me falou sobre isso. Eu digo: “bom, nada acontece por um acaso, é só um coroamento daquilo que a gente sente pelo Aché”, certo? Então eu acho o seguinte, que hoje é a família toda prescrevendo Aché, porque a minha mulher prescreve, os meus filhos já prescrevem, porque já estão podendo prescrever dentro das universidades. O que vai ter menos oportunidade de prescrever no caso sou eu, mas nós prescrevemos quando fazemos a cirurgia, os antibióticos do Aché, os Biofenac da vida, e os Dorilax, Tandrilax, são três coisas que prescrevemos na odontologia, embora o pessoal do Aché, os representantes não visitem os dentistas. Mas hoje na universidade, inclusive eu telefonei duas vezes, três vezes para o representante do Aché lá em Aracaju, parece que o nome dele é Antonio, falei com ele, pedi que ele levasse, fosse fazer uma visita na nossa clínica, porque lá nós fazemos uma média de 15 a 20 cirurgias por dia, e nós normalmente prescrevemos, inclusive porque são pacientes assim que não tem um cuidado muito grande com a saúde, você tem que prescrever antibiótico com medo de uma infecção, e os analgésicos e os antiinflamatórios têm que se usar antes e depois da cirurgia.
P1 – Então faz parte mesmo da história?
R - Faz parte da história. Eu espero aqui aproveitar, eu não sei se o Adalmiro e o Morales vão ter condições de ver essa fita, mas eu quero te dizer, Adalmiro, mandar um abraço e que está muito dentro do meu coração, de Célia e dos meus filhos, porque sabem da história, a tua imagem e a de Morales, um abraço para vocês e muito sucesso.
P1 – Muito obrigada. Para a gente foi um privilégio poder conhecer...
R - Nós é que agradecemos essa oportunidade de botar tudo isso que sentimos, vamos dizer assim, para que muitas pessoas saibam o antes do Aché e como ele chegou até hoje.
P1 – Está certo, é isso mesmo, muito obrigada, viu, Almir.
R - OK.Recolher