Projeto Memória Viva AmBev
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Henio Nalini Junior
Entrevistado por Beth Quintino (P/1) e Rodrigo de Godoy (P/2)
São Paulo, 04 de novembro de 2005
Código do depoimento AmBev_HV013
Transcrito por Rodrigo de Godoy
Revisado por Valdir Canoso P...Continuar leitura
Projeto Memória Viva AmBev
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Henio Nalini Junior
Entrevistado por Beth Quintino (P/1) e Rodrigo de Godoy (P/2)
São Paulo, 04 de novembro de 2005
Código do depoimento AmBev_HV013
Transcrito por Rodrigo de Godoy
Revisado por Valdir Canoso Portásio
P/1 – Bom dia, Henio. Obrigada por estar aqui conosco. Gostaria de começar com você falando seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Henio Nalini Junior. Nasci em 05 de agosto de 1948, em São Paulo.
P/1 – E você morava em que região de São Paulo?
R – Eu morava no Cambuci – morava com os meus avós, os meus pais, numa casa junto – e fiquei lá durante 23 anos.
P/1 – E seus pais eram de São Paulo ou vieram de outro...?
R – Os meus pais, de São Paulo.
P/1 – E seus pais faziam o que? Atividade...
R – O meu pai era optometrista, tinha uma ótica. E minha mãe sempre foi do lar.
P/1 – E no Cambuci, como é que era nessa época?
R – Uma época assim... bem gostosa. Você podia ainda brincar na rua, existia um círculo de amizades muito grande. Os meus avós, os meus pais já moravam lá há algum tempo. Então você tinha um relacionamento muito bom. Era muito divertido e gostoso.
P/1 – Era uma família grande? Você tinha mais irmãos?
R – Eu tinha mais 3 irmãos – e tenho ainda – e era uma harmonia gostosa. Uma infância pobre - com um algum sacrifício, lógico – mas uma infância muito gostosa, com muito amor, muita unidade em casa. Isso foi importante.
P/1 – E você morava no Cambuci perto da Antarctica ou era mais distante?
R – Eu morava bem próximo da Escola Antarctica e morava, eu acredito, que a um quilômetro, mais ou menos, da Antarctica.
P/1 – E você chegou a estudar na Escola da Antarctica?
R – Sim, eu estudei. Fiz o curso técnico lá. Foi uma época de um aprendizado muito grande. Aprendizado no sentido de família, de uma noção muito grande de moral, de caráter; eles primavam muito por isso. Foi muito importante essa época, eu aprendi muito.
P/1 – Você fez técnico...?
R – Eu fiz técnico em Química. Nessa época nós entrávamos às 7:30 e saíamos às 17 horas. Tínhamos o dia inteiro na escola. Aulas teóricas de manhã, práticas à tarde; nós tínhamos um lanche de manhã, almoço, lanche à tarde. Tínhamos uma biblioteca... Era muito importante, foi muito bom.
P/1 – E tinha alguém da sua família que trabalhava na Antarctica já?
R – Nessa época meu pai tinha perdido o emprego na ótica onde trabalhava, e foi trabalhar na Antarctica. E foi nessa época justamente que eu fui ao curso técnico.
P/1 – Que era um período que só os filhos de funcionários estavam na escola?
R – Perfeito. Era só pra filhos de funcionários.
P/1 – E seus irmãos também estudaram lá?
R – Exceto a minha irmã, os outros dois estudaram lá. E graças a isto, estão muito bem de vida, graças a Deus.
P/1 – E a escola, assim, eram muitos alunos? Como é que funcionava, fora essa coisa de ficar o dia todo...
R – Nessa época eu creio que, por cada curso – eram 3 cursos: Eletrotécnica, Mecânica e Química – uns 30 alunos por cada classe, nas 3 séries. Nós entrávamos às 7:30. Quem precisava ou vinha de longe, tinha um café antes disso. Nós tínhamos a hora do intervalo, era uma hora programada para que as séries mais novas estivessem em contato com as mais velhas. Nós aprendíamos muito sempre com os mais velhos, porque o intuito ali parecia que todo mundo queria estudar. Então foi muito importante pra nós isso.
P/1 – E só tinha curso técnico de Química ou tinha outros?
R – Química, Mecânica e Eletrotécnica.
P/1 –. O que te levou a ir fazer Química?
R – Foi uma coisa interessante. Eu não sabia da escola, meu pai ainda não trabalhava lá. E fui fazer o científico da época. Eu fiz um ano desse científico. E tinha uma aula de Química com um professor que era da Escola de Polícia; ele falava com tanta ênfase, com tanta propriedade, que me chamou a atenção. Na realidade eu queria fazer Química pra trabalhar em polícia técnica, essas coisas assim. E quando apareceu a oportunidade, então eu fui pra Química.
P/1 – E aí você acertou, era isso que... se descobriu...
R – Era isso mesmo que eu queria. Foi muito importante.
P/1 – Você tinha quantos anos quando você estava fazendo?
R – Na época eu tinha... agora se precisar cortar a fita, você vai ter que cortar um pedaço...[risos] muito bem... Comecei a trabalhar com 19... Tinha 15 anos.
P/1 – E quando você terminou o curso, qual foi seu primeiro emprego?
R – Eu terminei o curso e consegui um estágio na própria Antarctica, na parte da fábrica de refrigerantes. Então aquilo pra mim foi o fim do mundo... excepcional. Eu não via a hora de trabalhar.
P/1 – E tinha muita relação da escola com a Antarctica naquela época? Chegava a conviver um pouco com a Antarctica ou não?
R – Não, não. A própria diretoria da Antarctica, a presidência, a vice-presidência, a própria diretoria, eles periodicamente estavam na escola, mostravam apoio . Então nós tínhamos uma identificação.
P/1 – E chegava a ter visita à Antarctica?
R – Sim, sim, nós tínhamos visitas à Antarctica. A escola periodicamente ia lá fazer uma visita às instalações da fábrica de refrigerantes.
P/1 – E qual foi a primeira sensação quando você entrou lá?
R – Ali eu estabeleci um sonho. “Eu queria trabalhar aqui”. Me lembro, na primeira série eu estava do curso de Química. E depois a cada ano que passava, eu falava: “Venci mais uma etapa. Agora eu preciso chegar lá”.
P/1 – E era automático sair da escola e ir trabalhar na Antarctica ou tinha que prestar algum exame, alguma coisa? Como que era isso?
R – Normalmente era automático. Então eles escolhiam os mais bem colocados de cada curso para as vagas que tinham disponíveis.
P/2 – Nesse período que você começou a estagiar na Antarctica, qual era sua função?
R – Minha função era estagiário na fábrica de refrigerantes, a gente não tinha uma colocação fixa. Ora trabalhava no laboratório, fazia um estágio lá; depois na fábrica, depois na xaroparia. Mas sempre monitorado por alguém.
P/2 – E quais foram os tipos de trabalho que você fez lá? Você trabalhava com fabricação de essências, análise...?
R – Na fábrica de refrigerantes nós trabalhávamos na produção, na receita do refrigerante. Então era como se você fizesse a calda – que era xarope de açúcar, ali você incorporava todos os aditivos que vão no refrigerante, inclusive a essência.
P/1 – E quais eram os refrigerantes que você lembra da época?
R – Guaraná champagne, guaraná caçula, soda champagne, soda caçula, água tônica, soda limonada, ginger-ale – um produto muito gostoso, na época era tomado com uísque. E acredito que só.
P/2 – O guaraná e a soda a gente conhece hoje. Mas e o ginger-ale... do que ele era feito?
R – O ginger-ale era um produto mais voltado para adultos, e ele tinha um toque de pimenta, algo apimentado, para você misturar com uísque mesmo.
P/2 – Então não era um refrigerante muito infantil, digamos assim?
R – Não. Infantil mesmo eram o guaraná caçula, a soda pequenininha e a soda champagne.
P/2 – E o segredo com relação à fórmula do guaraná? Vocês, nesse período, faziam parte do processo produtivo do guaraná, mas não tinham acesso a essas informações?
R – Não. À parte de essências nós não tínhamos acesso. Só pra te ilustrar, eu fui ter acesso às fórmulas mesmo depois de 20 anos de Companhia. Aí fui transferido para a fábrica de essências – aconteceu em 1985 – aí sim fui ter toda... passei por um período de experiência, pra ver se merecia realmente saber essas coisas. Então após esse período sim, aí tive acesso. Mas antes disso, nunca – nem entrar na fábrica de essências podia.
P/2 – Aí você ficou como estagiário por quanto tempo?
R – Estagiário, 1 ano. Depois eu tentei continuar na fábrica de refrigerantes, mas não foi possível. Então fui trabalhar no laboratório central. Esse laboratório cuidava de todas as análises referentes à cerveja e às matérias-primas adquiridas pela Antarctica, exceto àquilo que se destinava à fábrica de essências.
P/1 – Henio, só voltando um pouquinho... Essa pimenta que você falou do ginger-ale, era gengibre ou não?
R – Olha, não sei se vou poder falar isso pra você... eu creio que sim. Porque toda vez que você faz o famoso quentão, nota que é apimentado. Então pode ser realmente vindo de lá.
P/1 – E você entrou com 19 anos na Antarctica?
R – Na Antarctica, 19 anos.
P/1 – E esse laboratório que você está falando, ficava dentro da Antarctica ou era noutro lugar?
R – Ele ficava na própria Antarctica. Nós tínhamos a Presidente Wilson, ela dividia a Antarctica em Antarctica cervejas e Antarctica fábrica de refrigerantes, escritórios, depósitos e fábrica de essências. Então eu fui trabalhar só do outro lado da rua, na fábrica de cervejas.
P/1 – Ah, tá... Do lado de cá era de refrigerantes, é isso? E do outro lado é a de cervejas, onde tem aquela chaminé?
R – Exatamente, aquela chaminé, aqueles tanques.
P/1 – E a sua área, logo que você entrou, era grande? Você lembra mais ou menos quantas pessoas trabalhavam?
R – Lembro. Nós tínhamos, naquela época, 3 turnos. E nos 3 turnos deveriam ter, mais ou menos, uns 700 funcionários. As fábricas trabalhavam, eu me lembro, dia e noite, não paravam. Nós parávamos no fim de semana para higienização, pra limpeza, sanitização. Mas fora isso, ela trabalhava dia e noite.
P/1 – E você lembra do seu primeiro chefe, quem era essa pessoa?
R – Olha, são pessoas que nós não esquecemos. Algumas pessoas foram meus professores: eu lembro do Limongi, do Valoni, mais algumas outras pessoas... Mário Portuguesi. Mas o meu primeiro chefe realmente foi o Mateus Hernandes Neto. Me chamava muita à atenção, ele deixava, às vezes, o serviço dele lá embaixo, de chefia do departamento, pra me ensinar a fazer um refrigerante, a resolver problemas. E aquilo me deixou muito contente; aquilo fez com que eu estudasse cada vez mais essa parte.
P/1- Essa parte que você fala do “fazer o refrigerante”, são as misturas? Queria que você contasse um pouquinho como era essa área, para as pessoas terem noção de como se fazia esse refrigerante, o processo que se passava.
R – Nós tínhamos um depósito de açúcar, nós recebíamos o açúcar cristal ensacado. Desse açúcar cristal nós fazíamos o xarope, nós chamávamos de xarope simples – era água e açúcar – isso era feito na xaroparia. Depois desse xarope pronto, eram adicionados os aditivos mais a essência. Nesse xarope era feito uma análise muito criteriosa – análise físico-Química, microbiológica – em condições, então, ele ia para a fábrica. Na fábrica era misturado com água, com gás carbônico, que faz a borbulha do refrigerante, e aí era envasado, rotulado e pasteurizado. O refrigerante estava pronto pra consumo.
P/1 – Todo esse processo quantas horas demorava até ser envasado?
R – Desde que você começava a produção, aproximadamente 4 horas. Era um processo muito delicado e que lá na Antarctica sempre dedicaram atenção toda especial. Era muito criterioso. Alguma coisa que estivesse em dúvida, não saia até ter certeza de que estava tudo em ordem.
P/1 – E quanto se produzia? Se fala em litros...?
R – Nós falávamos em dúzias. Naquela época, nos 3 turnos, chegávamos a produzir umas 200 mil dúzias de refrigerantes. Aquilo era uma quantidade muito grande para a época.
P/2 – E com relação ao Guaraná Antarctica... Ele foi criado em 1921, a fórmula original. Ela se manteve igual por todo o período ou aconteceram mudanças na fórmula?
R – Pelo que a gente tem de histórico de 1921 pra cá, permanece a mesma. Isso é um cuidado que a Antarctica tinha e hoje a AmBev ainda tem: manter a característica do produto, os mesmos processos, as mesmas matérias-primas.
P/2 – E com relação ao guaraná especificamente. O fruto ele sempre foi trazido lá de Maués, daquela região? Como é que chegava esse fruto aqui? Chegava em grãos e vocês cuidavam de todo o processo? Era aqui que era feito todo o processo para o guaraná se transformar na essência ou já vinha pronto?
R – Teve uma época que esse produto ele vinha... o fruto do guaraná ele era torrado e ele vinha aqui pra São Paulo; então aqui ele era moído e você preparava o extrato de guaraná. Posteriormente, para o próprio desenvolvimento da região, então começou a vir o extrato pronto.
Vinha o extrato pronto de Maués, era armazenado aqui numa câmara fria na Antarctica. Daí nós processávamos a essência.
P/2 – E com as outras essências também esse era o mesmo processo?
R – As outras essências eram todas fabricadas na Mooca. O único produto que vinha de fora realmente era o extrato de guaraná. De fora eu digo Maués.
P/2 – E a produção do guaraná sempre foi superior à dos outros refrigerantes?
R – Ah, sim. Eu creio que 70% sempre foi o guaraná. Sempre teve mais saída. Apesar de que os outros produtos tinham aceitação, mas era um número limitado de pessoas. A água tônica e a ginger-ale eram produtos mais dirigidos a adultos. Os demais produtos, principalmente o guaraná caçula, tinha uma saída muito grande.
P/2 – Que na verdade, o que mudava era a embalagem?
R – O produto era mesmo, só mudava a embalagem, isso mesmo.
P/1 – E como é que vocês viam o Guaraná Antarctica? Vocês tinham um concorrente, que era o Guaraná da Brahma. Como é que era isso? Apesar de que o Guaraná da Brahma sempre, pelo que a gente observa e que eu lembro da minha infância, ele sempre foi consumido menos do que o da Antarctica. Como é que vocês encaravam? Porque havia uma rivalidade, era concorrente...
R – Nós tínhamos uma preocupação muito grande com o avanço do Guaraná Brahma. Mas depois, com o decorrer do tempo, nós vimos que ele se mantinha estável. Então a nossa preocupação sempre foi manter a qualidade do nosso guaraná, porque nós sabíamos que essa diferença nos manteria sempre numa posição cômoda, não podíamos descuidar de nada. Mas passamos a normalmente enxergar como um adversário.
P/1 – Eu estou lembrando que você entrou como estagiário nessa parte, depois foi para o laboratório, aí ficou na cerveja. Aí voltou pro refrigerante?
R – É. Aí em 1971 eu consegui voltar pra fábrica de refrigerantes.
P/1 – E como que foi essa mudança do refrigerante pra cerveja? Era uma diferença grande?
R – Na realidade, fui pra parte onde ficava a fábrica de cervejas, mas era análise dede matérias-primas: cápsulas, malte, cevada. Análise de cerveja também. Mais matérias-primas. E foi difícil pra mim, porque o meu sonho era a fábrica de refrigerantes. E quando eu fui para o laboratório central, eu falei: “Agora meu sonho acabou aqui”. Mas eu queria muito trabalhar e eu continuei.
P/1 – Esse processo de análise do malte, como é que era feito. Ele era importado ou era nacional?
R – Olha, a Antarctica tinha um cuidado muito grande. As matérias-primas eram importadas, eu tenho certeza, eram sempre matérias-primas de primeira. E nós não tínhamos dificuldades nas análises com relação a algum item fora do padrão. Eram produtos importados, de qualidade. Me lembro que o lúpulo, era importado também.
P/1 – E eles vinham de onde?
R – Normalmente Alemanha ou Argentina. O lúpulo era da Alemanha.
P/1 – E aí a análise que vocês tinham que fazer era pra ver se estava tudo OK com o que chegava. Se não estivesse...?
R – Se não estivesse; a Antarctica nunca ficou com nada que não correspondesse. Era sempre devolvido.
P/2 – E os diferentes tipos de cerveja do portfólio da Antarctica, eles requeriam diferentes tipos de matéria-prima ou era só o processo que era diferente?
R – Olha, normalmente você tem durante o processo alguma diferença. As matérias-primas, normalmente, são as mesmas. Eu não sou a pessoa qualificada pra falar, porque a minha área sempre foi refrigerantes. Mas em síntese, pelo que a gente entende até hoje, é esse o processo.
P/2 – E aí quando você retornou pra fábrica de refrigerantes em 1971, qual era a sua função?
R – Aí eu já tinha uma missão de... Na realidade, eu seria um assistente de fabricante de refrigerantes. E isso já me deixou muito feliz, e eu mergulhei de cabeça nisso. Era o que eu queria. Graças a Deus, depois de um ano eu consegui passar a assistente de produção de refrigerantes. Depois mais 2 anos, graças a Deus, eu consegui ser fabricante de refrigerantes.
P/2 – Isso foi em meados de...?
R – 1974.
P/2 – E aí no decorrer da década de 1970, surgiram outros refrigerantes, como o Pop Laranja. Como foi esse aumento no portfólio de produtos?
R – Aí você já teve Pop Laranja, o Baré Tutti-Frutti, o Baré Cola. Isso foi bem vindo porque foi fruto de uma pesquisa. Nós tínhamos um outro concorrente que lançou o Simba, aqueles produtos. Então a Antarctica lançou os “Barés”. Eram produtos de primeira qualidade também. E o Pop Laranja eu acredito que veio suprir uma lacuna no portfólio da Antarctica. Ela não tinha um produto laranja que pudesse concorrer no mercado. E foi muito bem vindo também.
P/2 – Então realmente o Pop Laranja foi o primeiro produto laranja dos refrigerantes da Antarctica?
R – Posso te dizer com propriedade que sim. Existia, talvez, algum outro produto regional, de alguma fábrica adquirida pela Antarctica. Mas foi o Pop Laranja o lançamento nacional.
P/2 – Ele teve uma boa aceitação de mercado?
R – Ele teve uma boa aceitação, mas como o mercado do refrigerante laranja é muito pequeno, isso não acrescentou muito em demanda. Mas foi interessante ter um produto pra concorrer no mercado.
P/1 – Falando dos refrigerantes; as pessoas mais leigas, que não conhecem, estranham quando se fala que a agua tônica é um refrigerante. Não consideram porque vem como água, e é o club soda, que acaba entrando na parte de refrigerante. Como que é isso? Queria que você explicasse um pouquinho.
R – Olha, na realidade, club soda é um termo que nós usamos para uma água pura, potável, gaseificada. Normalmente, é adicionado um pouco de bicarbonato de sódio, que é para ter alguma diferença de uma água normal, fica um pouco salina. Mas muito pouco, só pessoas que têm sensibilidade vão perceber. Já a água tônica de quinino, é o nome correto. Essa sim é um produto... Eu sou suspeito, eu tomo muita água tônica, eu gosto muito. E é um produto muito bom; são extratos vegetais criteriosamente escolhidos para esse produto. Ele é excelente, é um produto totalmente diferente. Alguns supermercados até nem colocam água tônica junto – corroborando o que você está dizendo – não colocam na mesma prateleira dos demais refrigerantes. Eles colocam lá com água, com club soda, mas não deixa de ser um refrigerante.
P/1 – Você estava falando dessa coisa que você toma muita água tônica. Quando você trabalhava na Antarctica, no começo, logo que você começou a trabalhar, na sua casa todo mundo só tomava produtos Antarctica ou entravam outras coisas?
R – Meu pai simplesmente proibia entrar qualquer outra coisa. Ele sempre foi... ele dizia uma coisa: “Refrigerante é Antarctica e sorvete é Kibon” – não põe isso no filme, hein? [Risos] E ele gostava muito. Só pra te dar uma ideia: se ele entrasse num restaurante - e ele já não trabalhava mais na Antarctica nessa época – se ele entrasse num restaurante e não tivesse produtos Antarctica, simplesmente levantava e ia embora. E eu aprendi com isso. E um parêntese: o meu filho caçula, à noite, a mamadeira dele era de Guaraná Antarctica. E até hoje é assim... [risos] Ele toma Guaraná Antarctica.
P/2 – E qual que é o produto-símbolo da Antarctica na sua opinião?
R – É o Guaraná Antarctica. Com certeza.
P/2 – Por que você acha que teve essa aceitação tão grande, hoje não só no Brasil, mas também no exterior, com relação ao guaraná? É o sabor, é com relação às propriedades do guaraná? Como você explicaria isso?
R – No princípio, o apelo maior era o guaraná em si, o fruto que ia no produto etc. Depois, com o passar do tempo, esse aspecto mudou. Quando os produtos começaram a sair do Brasil de uma forma mais acentuada, já passaram a escolher o Guaraná Antarctica pelo sabor. Eu creio que essa foi, com certeza, a razão - pelo sabor. Normalmente eles dizem que o Guaraná Antarctica tem um sabor redondo: você toma, ele é gostoso e você não distingue o que que tem ali em termos de essência nem nada. É uma coisa gostosa de você tomar, mas você não distingue o que é – isso é o pessoal que diz lá fora.
P/2 – E com relação a linha dietética, você se lembra como aconteceu o lançamento dessa linha de refrigerantes da Antarctica?
R – Nessa época eu estava estagiando no setor de pesquisa e desenvolvimento da fábrica de essências já. Acompanhei bem de perto esse desenvolvimento; não fiz parte dele, mas trabalhava auxiliando em alguma coisa. Esse produto demorou de 2 a 3 anos de pesquisas diárias e ininterruptas. Eu vou te dizer que eram 10 horas de trabalho pra escolher os edulcorantes, pra dar o sinergismo pro dulçor e aquela sensação de doce ficar igual ao produto normal.
P/1 – Henio, aproveitando que você está falando, como era esse trabalho na fábrica de essências? - o que você puder falar, lógico... Como é que se chegava a ir pra um caminho de tal essência, o porquê .... Essa pesquisa, o que levava a se fazer essa pesquisa?
R – Normalmente... – se eu entendi a sua pergunta; depois corta o que precisar - normalmente nós tínhamos uma pesquisa, e nós víamos que, por exemplo, em algum país ou em algum lugar da Europa ou próximo, ou nas Américas, algum refrigerante, vamos dizer, sabor cola ou sabor limão, ele estava em evidência. Então os técnicos da Antarctica traziam o produto pra cá, provavam e então passavam a desenvolver uma essência que desse aquele sabor.
P/1 – Era uma coisa meio de mercado, né? Se tinha uma novidade em algum lugar que estava indo bem, a companhia ia querer chegar em alguma coisa próxima, quer dizer, melhor?
R – Exato. Sempre foi esse o objetivo.
P/2 - E eram feitos testes junto ao público para saber se o sabor seria aceito ou não?
R – Sim, eram feitas pesquisas para saber se a opinião do consumidor correspondia à nossa expectativa.
P/2 – E teve algum produto que vocês começaram a desenvolver e não deu certo porque a aceitação do público foi muito baixa?
R – Eu me lembro que na época que nós trocamos o ginger-ale, que tinha esse sabor, por um outro que também chamava ginger-ale, voltado mais para um produto cola. No início, era aquela novidade e o consumo foi alto. Depois o consumo se reduziu praticamente a nada, então nós fomos obrigados a descartar esse produto. Mas não foi feita nenhuma pesquisa com o consumidor quando esse produto foi lançado.
P/2 – É engraçado porque o ginger-ale, no exterior, em diversos países, ainda faz parte do portfólio. Por que será que no Brasil houve o encerramento da produção?
R – É assim...o ginger-ale que a Antarctica lançou, era um produto bem mais escuro, a cor dele era cor de produto cola, era um produto que não atendia a uma faixa de idade mais adulta; era mais para uma faixa etária jovem, etc. Por isso que realmente não foi pra frente.
P/2 – E você sabe quanto tempo ficou?
R – Ficou por 2 anos. Com certeza, mais do que isso, não.
P/1 – E esse curto tempo de vida trouxe prejuízo pra companhia?
R – Eu não digo que ele tenha trazido prejuízo, porque à medida que as vendas começaram a cair, nós já fomos nos cuidando para que não tivesse descarte de matérias-primas, essências, e isso gerasse prejuízo. A não ser a embalagem de vidro, isso não teve como fazer mesmo.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho – vou deixar à vontade – de quando você voltou pra fábrica de refrigerantes até você assumir a fórmula do guaraná, porque teve uma hora que você deteve isso. Como que foi essa trajetória? Você poderia contar um pouquinho?
R – Em 1971 eu voltei, fiquei 1 ano como assistente de fabricante, como assistente são 2 anos. Aí em 1974 passei a fabricante de refrigerantes e fiquei até 1985 na fábrica de refrigerantes. Nesse período... fui chefe de laboratório, depois chefe na fábrica por um período de 7 a 8 meses numa transição de fabricantes, eu fiquei como responsável; depois trabalhei também na implantação do sistema post-mix na Antarctica, que são essas máquinas de refrigerantes – trabalhei ali por 2 anos. Depois tive mais um período também na fábrica de refrigerantes como assistente da chefia que foi empossada. Aí depois, em 1985, fui pra fábrica de essências. E por incrível que pareça, de 1985 eu só fui ter noção da fórmula inteira do produto lá por 1994, depois de 9 anos. Nesse período de 9 anos fiquei 3 no laboratório central novamente, auxiliando numa reestruturação da parte de refrigerantes como um todo: análises, métodos de controle, padrões, especificações.
P/2 – Só uma pergunta, porque eu nunca entendi o processo...nessas máquinas post-mix... o refrigerante vai pronto e elas só distribuem ou a mistura é feita na hora para não perder o gás?
R – Realmente a mistura é feita na hora. Essas máquinas post-mix são como uma enchedora na própria fábrica e o teu vasilhame é o copo. Então quando você aciona a válvula, que é aquela palheta que tem na máquina, automaticamente ela libera uma quantidade específica de xarope e uma quantidade também pré-determinada de água gaseificada . O refrigerante, na realidade, vai se formar no bocal da válvula, quando cai no copo.
P/2 – Então o processo é realmente feito na hora?
R – Na hora, é um processo feito na hora.
P/2 – Porque é diferente o sabor do refrigerante... acho que a quantidade de gás é diferente, não sei...
R – Na realidade, é tudo feito de forma simultânea. Então quando se termina de fabricar um refrigerante na própria fábrica, o sabor realmente dele é um sabor... eu não vou dizer diferente, mas ele é mais vivo porque você acabou de fabricar. E depois existe uma acomodação normal do produto na garrafa, na embalagem em que está contido. E nessa máquina post-mix é como se estivesse tomando refrigerante no próprio envase. Claro que é um fator muito importante a água que está sendo usada; ela pode também mudar o sabor.
P/2 – E com relação à fórmula do guaraná, quando você teve acesso a ela, assinou algum termo de sigilo, de confidencialidade, como é que é? Porque é uma fórmula, como de outras marcas, que são segredo industrial.
R – Essa é uma coisa muito importante que que eu aprendi na Antarctica: nós dificilmente assinávamos alguma coisa. Nós simplesmente comunicávamos alguma coisa pra chefia, pra diretoria. Nunca foi exigido nada pra gente assinar termo de responsabilidade; isso é uma coisa que sempre me fascinou dentro da Antarctica. Você ainda podia confiar em pessoas. E foi assim. Eu recebi a formulação – me lembro, na sala do meu diretor ainda -; ele entregou e falou: “Olha, isso aqui, agora isso é teu”. Não me pediu termo de responsabilidade de nada. Eu acredito que, vamos dizer assim, a minha consciência foi o maior termo de responsabilidade que eu poderia ter assinado. Eu lembrava de quanto meu pai devia pra Antarctica em termos pessoais, de ajuda, de tudo, na época em que esteve desempregado. Lembrava também o tempo em que eu estive lá –estudei na escola; a Antarctica sempre foi muito importante. Ela tinha a Fundação Antônio e Helena Zerrenner, que detinha naquela época a maior parte das ações da companhia; você tinha tudo: eles te davam caderno, eles te davam uniforme, eles te davam tênis, sapato, o que você necessitasse pra ir na escola. Tinha um hospital, onde tinha consulta, internação, operação, remédio. Isso criou dentro de mim um sentimento muito grande de gratidão para com a Antarctica. Então até hoje eu tenho isso comigo: não posso falhar com quem sempre me ajudou.
Então, nunca assinei nada, mas o termo de compromisso é minha consciência.
P/1 – Além de você e do seu pai, mais alguém da família trabalhou na Antarctica?
R – Não.
P/1 – Só vocês dois?
R – Só nós dois.
P/1 – Seu pai trabalhou quantos anos lá?
R – Por incrível que pareça, meu pai trabalhou um ano só.
P/1 – Só um ano?
R – É. Ele era optometrista e a época ele atendia a um diretor da Antarctica. E quando esse diretor foi uma ocasião na ótica e perguntou pelo meu pai, disseram que ele tinha sido dispensado; imediatamente mandou chamar meu pai. Trabalhou um ano e depois saiu, porque iria abrir uma ótica. Só saiu por causa disso – senão, eu creio, teria se aposentado lá e ficado.
P/1 – Eu te perguntei isso porque você estava falando dessas lembranças, da responsabilidade e de uma certa gratidão com a Antarctica. Quando você recebeu a fórmula, qual foi a sua sensação?
R - Olha, era como se eu tivesse realizado um sonho. Ao mesmo tempo eu realizei um sonho e me casei com a Antarctica, porque de forma alguma você vai trabalhar em um outro lugar, de forma alguma você vai trabalhar em um outro concorrente. E eu até penso: “O dia que eu realmente me aposentar e sair, eu vou fazer qualquer outra coisa, menos isso”. Porque, primeiro, não é um segredo meu; é um segredo da companhia. Eu sou só um guardião do segredo; daqui a pouco terão outros que virão e tomarão posse desse segredo. Então a minha responsabilidade, o meu pensamento, é sempre continuar assim.
P/2 – Quantas pessoas sabem, hoje, a fórmula do Guaraná Antarctica - além de você, claro?
R – Olha, hoje é só o ex-diretor, o Orlando de Araújo, ele era gerente quando entrei como estagiário. Fui com ele até diretor – eu era gerente da fábrica de essências e ele era meu diretor. E é só ele que sabe.
P/2 – E hoje ele ainda continua?
R – Hoje ele é consultor AmBev. Ele continua, nosso relacionamento continua o mesmo. Um relacionamento praticamente de pai pra filho, porque eu era jovem, ele era o gerente. Sempre trabalhamos juntos.
P/2 – Mas só você e ele têm a fórmula? Mas no processo produtivo outras pessoas estão envolvidas. Como é feito? Cada setor coloca um ingrediente, como é o processo?
R – Na realidade, você tem uma parte mais “bruta”, quando entra o extrato de guaraná. Então nessa fase as pessoas tomam conhecimento. Todos as demais fases e passos na composição da essência, eu faço.
P/2 – E manda pronto?
R – É. Ele é feito em duas partes; nós fazemos a parte lá na Arosuco, em Manaus – Arosuco Aromas – que é a fábrica de essências da AmBev hoje. O que nós fazíamos na Mooca, quando Antarctica, nós fazemos agora em Manaus.
P/1 – Quando que foi pra Manaus?
R – Em 2001. Em 2001 começou o processo produtivo lá. A fusão foi em 1999; em 2001 o processo já era todo feito em Manaus.
P/1 – E aí são todas as essências de refrigerantes?
R – Perfeito.
P/2 – E quando da fusão? Você soube que a Antarctica e a Brahma deixariam de ser concorrentes para, na verdade, fundirem-se numa empresa só. Qual foi a sua reação?
R – Minha reação foi assim...eu fiquei paralisado, eu não queria acreditar. Eu me lembro nós tínhamos acabado de sair de uma reunião, na própria diretoria da Antarctica; passando no corredor, a secretária desse meu diretor falou: “Vem aqui que eu quero te mostrar uma notícia”. Então estava passando na televisão, naquela época, anunciando a fusão. Nossa... aquilo, pra mim, me deixou perplexo, paralisado. Falei: “E agora?”. Mas, depois, você... passado o susto, falei: “Bom, a diretoria da Antarctica e a diretoria da Brahma sabem muito bem o que estão fazendo”. Daí eu fiquei mais confortável, mas muito assustado ainda.
P/2 – E você acha que esse susto, essa perplexidade, também foi sentida pelos outros funcionários?
R – Olha, a perplexidade era geral. Todos, sem exceção. E daí a notícia começou a correr entre os setores e as pessoas vinham muito perguntar pra nós, que estávamos mais próximos da área administrativa. E eles não queriam acreditar. E tinha gente que até falava assim: “Olha, eu acredito se você falar, eu acredito se o outro falar. Mas se outra pessoa vier falar, eu não acredito”. Era como se fosse Palmeiras e Corinthians terem virado um time só, não tinha jeito. Mas foi muito benéfico, foi muito bom.
P/2 – A Antarctica tinha uma cultura própria e a Brahma também tinha cultura própria. Como foi, quando a AmBev efetivamente passou a funcionar, o choque entre essas culturas? Como que aconteceu?
R – Olha, foi um choque muito grande. Claro, como toda fusão, existem as pessoas que vão ficar e aquelas que não vão ficar, do lado da Brahma e do lado da Antarctica. Então essas pessoas saíram e, posteriormente a isso, foi muito difícil, porque o choque de culturas era muito grande. A Antarctica tinha, vamos dizer assim, uma cultura mais familiar, mais focada na pessoa. E muita gente não entendia isso dentro da Antarctica; isso era uma coisa que a gente não gostava – as pessoas não entendiam e aproveitavam-se. Já a Brahma, uma cultura mais de resultados. Então foi um choque muito grande. Algumas pessoas não suportaram essa mudança e acabaram saindo. Eu acredito que hoje nós devemos ser, mais ou menos, umas 50 pessoas - das que vieram da Antarctica.
P/1 – Mas da área de refrigerantes ou no total?
R – No total. Nós devemos ser 50 pessoas hoje, no âmbito do Brasil.
P/1 – E Henio, você estava falando e eu estava pensando por conta dessa mudança da fábrica de essências que foi pra Manaus. Nesses anos que você tem de Antarctica, e agora AmBev, houve uma mudança - eu não sei se o termo é correto em falar maquinário, nessa coisa de produção, dessas máquinas
- houve uma mudança muito grande nos últimos anos ou é uma coisa que vai se mantendo e é uma coisinha ou outra que muda? Como é isso?
R – Olha, na parte de essências, eu vou dizer pra você que houve um respeito muito grande, nas duas empresas após a fusão, em manter a fábrica de essências dentro dos mesmos moldes da fábrica de essências Antarctica. Então não se mexeu em nada. Toda essa parte de produção permanece a mesma, só mudou o local.
P/1 – Mas sem ser o local, as máquinas, no decorrer dos anos, foram mudando, ficando mais modernas, ou isso é muito pouco que se muda?
R – É muito pouco, porque tem um equipamento onde é a produção é quase artesanal; e você passa pra um equipamento onde essa produção é toda automatizada. Com isso, em se tratando de essência, você pode mudar a característica do produto. Então as máquinas, a evolução, é sempre muito pequena. Você pode ter alguma evolução em termos de tempo de produção, mas não mais do que isso.
P/1 – E você vai sempre pra Manaus? Você fica lá? Como que é isso?
R – A cada dois meses eu vou a Manaus pra fabricar a essência; e outras vezes, periodicamente, pra verificar algum processo - porque além dessa parte do guaraná, eu tenho a responsabilidade das demais essências do portfólio da Antarctica: água tônica, soda limonada, tônica diet, soda limonada diet, guaraná diet. Então tenho responsabilidade também de fabricar essas essências. Por isso, às vezes, fora desse prazo de dois meses, há necessidade; eu vou e faço.
P/1 – Vamos pensar em dois meses, cada dois meses você está indo. Quanto se produz de essência pra que suporte dois meses de produção?
R – De essência, mais ou menos, se produz uns 40 mil litros; 40, 50 mil litros, dependendo da necessidade de produção, da demanda de produção.
P/1 – E quando você vai lá, vai até Maués?
R – Normalmente, sim. Agora é um pouco mais difícil, porque normalmente tem de 18 a 24 horas de barco pra ir até lá; 18 e 24 horas, entre ida e volta, mais ou menos - é um período longo. E agora só tem um avião que está fazendo essa rota. Antigamente ele ia e voltava no mesmo dia; agora ele vai e ele volta, ou no dia seguinte, e se o tempo não estiver bom, ele nem volta. Então ficou mais dificultoso. Então a cada 4 meses, mais ou menos, estou indo a Maués.
P/1 – E quando você começou a ir a Maués, quantos anos faz isso? Ou é muito recente?
R – Não. Eu comecei a ir pra Maués em 1989, ou 1990, mais ou menos.
P/1 – Você podia contar pra gente como é Maués, como é esse plantio? Porque pra nós é muito distante – o que a gente conhece é o que a gente lê e tem muito pouco a respeito. Eu tenho uma curiosidade: como que é a região, como são essas pessoas, é uma cooperativa? Como
é?
R – Existe a Fazenda Santa Helena. É uma fazenda da própria Antarctica, numa área muito grande. Lá são feitos o plantio, as pesquisas; nós temos lá, sempre tivemos, um agrônomo – normalmente ele vinha da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], que é o órgão controlador de toda essa parte de plantios. O local realmente é muito longe; fica, mais ou menos, a uma hora de avião de Manaus e 20 e tantas horas de barco. É um local que começou a progredir realmente e vive do plantio de guaraná. A região é tão característica que, às vezes, você está num restaurante comendo o seu peixe – que foi pescado na hora e vê-se uma tribo de índios tomando banho nas margens do rio Maués. Uma região muito simples. Os produtores, você só atinge onde eles têm o plantio, - normalmente é de barco que se chega. O plantio do guaraná é muito interessante. Ver aquele fruto crescendo, vermelho, como se fosse um olho preto saindo... Aquilo arrepia, é sério! Até hoje vou e fico assim... gosto muito daquilo, não dá vontade de vir embora. Uma coisa fascinante.
P/1 – E as pessoas que fazem o plantio são índios ou são colonos que saíram de outras regiões e foram...?
R – Normalmente são descendentes. Então hoje eles têm o plantio. Os índios fazem pra própria necessidade deles; usam o guaraná como um energético, principalmente pra caçar, essas coisas.
P/1 – E como que é essa relação? Eles são funcionários da Antarctica ou não? Porque isso não fica claro pra gente.
R – Na realidade, a própria AmBev mantém um plano com eles; fornece as mudas, eles plantam e a AmBev compra a produção.
P/1 – Mas isso na Fazenda Santa Helena?
R – Não. Com os colonos. Na fazenda, são todos funcionários da Ambev, é tudo AmBev.
P/1 – E quanto se produz? De quanto que é a produção? Eu não sei se é contada em pés, como que é?
R – A produção, hoje, deve estar em torno de 20 a 30 toneladas. Só pra te dar uma ideia, de 800 gramas de guaraná, o que é aproveitado num grão pronto pra fazer o extrato, são mais ou menos 200 gramas.
P/1 – E nunca houve um período que houvesse problema ambiental – de tempo, deu uma praga, aconteceu alguma coisa, perdeu metade da produção – a Antarctica já passou por isso?
R – Nunca. O cuidado ali com aquela fazenda é tremendo. E principalmente agora, a AmBev tem um cuidado todo especial com a fazenda.
P/1 – Por que é o único local que se planta guaraná? Ou não?
R – Não, tem na Bahia também. É um clima mais ou menos semelhante. Só que há uma diferença muito grande; a semente do guaraná de Manaus, do Amazonas, é maior, da Bahia é um grãozinho muito pequeno – as mesmas características, mas bem menor.
P/1 – Mas vocês não utilizam o da Bahia – só o de Manaus?
R – Não, só o de Manaus. E é um cuidado que a própria diretoria da Ambev tem ainda hoje, só guaraná de Manaus.
P/2 – E com a fusão, aconteceu também a entrada dos refrigerantes Brahma – pelo menos num primeiro momento. Você também ficou a cargo dessa produção de refrigerantes Brahma ou era uma área à parte?
R – Olha, teoricamente, a AmBev assumiu também os refrigerantes da Brahma. Só que eles têm uma outra característica: a Brahma comprava a essência pronta de determinados fabricantes; assinava um termo de compromisso, então ele fabricava a essência. Vamos dizer, “olha, fabricou a essência do Guaraná da Brahma”. Então era uma essência que já vinha pronta. Só pra dar uma ideia, a Brahma comprava essência de 3 casas de aroma. Então essas essências eram misturadas em proporções pré-determinadas e fabricava-se o Guaraná Brahma. Então não é como nos produtos da Antarctica, onde você tem uma série de constituintes que são manipulados.
P/2 – O Guaraná Brahma saiu de linha?
R – É... a produção hoje é praticamente nula. É mantida ainda por uma questão de mercado, mas a tendência é que acabe também. O Limão Brahma e Tônica Brahma idem.
P/1 – Os 3?
R – Os 3.
P/1 – Mas essa redução que houve, da produção, o que restou ainda é distribuída no Brasil todo ou é só em algumas regiões que ela se manteve?
R – A produção do Brahma?
P/1 – A distribuição, na verdade.
R – A distribuição foi assim, vamos dizer, saindo de algumas regiões. Rio de Janeiro eu acredito que a Brahma era bem forte, em termos de refrigerante; mas normalmente acredito que... no âmbito nacional, saiu.
P/2 – Então, oriunda da Brahma mesmo e que se mantém com algum peso, é a Pepsi, que era produzida por ela aqui no Brasil...
R – É. A Brahma era uma franquia Pepsi no Brasil – eu creio que é a maior franquia Pepsi; só não vou te dizer... no Brasil, mas talvez até fora dele. Acho que é a maior franquia. E a Sukita, que é um excelente produto; é o refrigerante laranja da Brahma.
P/1 – Então quer dizer que só vai ficar com a Sukita?
R – É, a tendência é essa. Só a Sukita.
P/1 – De refrigerantes, os vão ficar os da Antarctica?
R – Vão ficar os da Antarctica.
P/2 – E internacionalmente, com relação ao Guaraná Antarctica, ele entrou no mercado europeu, Japão – isso já tem algum tempo. Como é feito isso? As essências vão daqui pra lá e lá são produzidos os guaranás ?
R – Nós temos uma forma de produção que nós chamamos de concentrado de guaraná. Nesse concentrado de guaraná você já tem toda a essência pronta; ela sai do Brasil e vai pronta e as plantas da Europa funcionam como uma franquia – elas recebem o concentrado e fazem toda aquela mistura, com o xarope, com a água carbonatada, o envase etc.
P/1 – E Henio, nessa linha, qual foi o primeiro país que o guaraná foi?
R – Nós fizemos a primeira planta no Japão. Depois Suíça, mas daí o guaraná não foi pra frente lá. Então a única planta que permanece é a do Japão.
P/1 – Eu não sei se você pode me dizer um pouco a respeito, não precisa ser em detalhes, mas como que é escolhido esse mercado fora? Por que Japão?
R – Vou dizer pra você porque não tenho conhecimento profundo – talvez até muito superficial disso. A Antarctica, na época, atendia às demandas; e dessa demanda, a Arai Shoji, que é o engarrafador da Antarctica lá no Japão, esteve no Brasil e se interessou muito pelo produto. Depois esses contatos foram amadurecendo e o concentrado foi pra lá.
P/2 – Agora como consumidor, no seu caso... Qual teria sido uma campanha do Guaraná Antarctica que tenha marcado mais profundamente? Que você se lembra ainda hoje?
R – A do Boko-Moko. Essa foi uma campanha muito boa, eu gostei. Depois aquela Pizza com Guaraná – é interessante porque eu já combinava pizza com guaraná... E depois teve aquela da Pipoca com Guaraná, que eu achei muito interessante porque conseguia mudar o foco; pizza é um foco e acredito que pipoca é outro foco, uma coisa mais light.
P/1 – Porque, no começo, tinha uma coisa muito do guaraná ligado à criança. Um certo momento, se percebeu que podia também ter o nicho adulto. E aí mudou um pouco essa publicidade. Eu lembro que na minha infância, quem tomava refrigerante era criança. Principalmente guaraná...
P/1 – Nessa linha que a gente estava conversando agora, existia uma época, hoje acho que nem tanto, não sei se na linha de produtos de bebidas, mas existia uma coisa de espionagem industrial, que se falava muito. E hoje em dia não se fala tanto; você não ouve muito porque algumas coisas são muito parecidas, principalmente nos automóveis: a hora que um está lançado, o outro, um mês depois, está lançado também, e muito parecido. Isso ocorre na indústria de bebidas? Ainda essa espionagem industrial, se tenta, como é que é isso?
R – Sim, ainda ocorre. Existe um cuidado muito especial. Hoje a AmBev não contrata ninguém que seja de outra firma de refrigerante, fábrica, nada. E mesmo anteriormente não se contratava ninguém da Brahma na Antarctica e ninguém da Antarctica na Brahma.
P/1 – Nem que tivesse familiares?
R – Nada. Se tivesse familiares então, ficava pior ainda. Mas existe até hoje espionagem industrial, com certeza. Principalmente nessa área de refrigerantes, que às vezes é uma área mais atrativa e talvez um pouco menos trabalhosa que uma indústria automobilística, que é mais automatizada.
P/1 – E das indústrias de bebidas – refrigerantes - os que estão sempre em ponta são o Guaraná Antarctica, a Pepsi e a Coca-Cola? São esses que têm o maior mercado ou não?
R – Sim. Pela ordem, o produto Coca-Cola, depois o Guaraná Antarctica, depois a Pepsi–Cola. São os produtos em evidência.
P/1 – No portfólio da Antarctica – e aí nós vamos falar só dos refrigerantes da Antarctica – em primeiro é o guaraná, e depois vem a soda, é isso?
R – Isso.
P/1 – E depois em terceiro?
R – Água tônica. Mas água tônica e soda limonada é quase ali...
P/1 – A tônica você percebe que nos últimos anos tenha crescido o consumo, ou não?
R – O que eles sempre pregavam e diziam é que o consumo da água tônica se mantinha estável. Hoje eu creio que esse consumo, com o mundo AmBev, agora a Brahma, então eu acredito que ele cresceu. Existe uma política de vendas muito mais voltada pra resultados. E eu acredito que cresceu bastante. Eu vejo isso pela demanda de essências.
P/1 – Eu estava lembrando que, logo que nós começamos a mexer no acervo, encontramos umas receitas de médicos receitando guaraná, de 1921. Lógico que você não vai me falar a fórmula, mas tem alguma coisa nutritiva, pra que se receite o guaraná?
R – O fruto do guaraná, a composição dele em si, ele tem a cafeína, que é um estimulante. Existe uma diferença entre excitante e estimulante – o excitante altera alguma coisa no seu metabolismo; o estimulante não, ele só te dá mais energia. O guaraná tem isso, e ele tem também uma outra propriedade, a de facilitar o sistema circulatório , você acaba se sentido muito bem com isso. Eu tomo a minha pitadinha de extrato de pó de guaraná periodicamente. E faz muito bem.
P/1 – E você traz de lá?
R – Ah, sim, com certeza. Especial...[risos]
P/1 – Da fonte...
R – Da fonte... esse vem da fonte.
P/1 – Henio, voltando um pouquinho, quando você lembra desse seu trabalho na Antarctica de tantos anos, lembra de coisas pitorescas que aconteceram com você ou com a própria Companhia? Que você fala: “Nossa, era de tal jeito” ... “Aconteceu tal coisa com uma pessoa...” No dia-a-dia do trabalho.
R – A relação tempo Antarctica e tempo AmBev, ela mudou muito. Na Antarctica era um tratamento mais respeitoso, a diretoria toda de terno e gravata; os gerentes das próprias fábricas, a fábrica de essência, tinham que estar sempre de gravata. Então me lembro, ia trabalhar de terno e gravata, tirava lá, botava meu uniforme de briga na fábrica de essência – gostava sempre de mexer em produção – e se algum diretor me chamasse, ou por qualquer motivo tivesse que ir à diretoria, alguma reunião, então tinha que me trocar, vestir terno e gravata e ir até à diretoria. Depois quando foi a Ambev, essa política, esse jeito de ser todo, vamos dizer assim, descontraído, eu estranhei na época. Eu lembro que numa das reuniões eu chamei o Cláudio Ferro de senhor; ele parou a reunião pra falar: “Senhor aqui não tem. Você não está mais na Antarctica e tal...” Aí: “Você está de gravata?” “Não, não estou”. “Está de jeans?”. “Estou”. “Então me chama de você”. Isso foi uma coisa que foi um choque no começo, mas depois a gente acaba aprendendo. Uma coisa interessante que aconteceu: nós tínhamos um colega – um japonês – que se você dissesse que o Papai Noel estava no pátio, ele corria pra ver o Papai Noel. Na época, tinha um amigo meu muito...era terrível; ele deu uma chave pra esse japonês e falou: “Essa chave é a chave da câmara fria da fábrica de refrigerantes...” – ele tinha recém-chegado à fábrica – “...por favor, você não perde isso por nada, por nada. E continua com isso”. Ele falou: “Eu vou te dar uma sugestão: põe no porta-luvas do seu carro e deixa lá. Daí no fim do expediente você vem, me entrega a chave e nós vamos juntos fechar a porta”. E ele foi, colocou. E eles tinham um jeito de abrir, eles abriram o carro; tiraram a chave do porta-luvas e esperaram pacientemente mais umas 5 horas, a hora de ir embora. E o japonês foi lá pra buscar a chave. Falou: “Vai buscar a chave agora”. E o japonês foi pra buscar e não voltava, não voltava, não voltava... Então o pessoal foi lá no carro, o japonês estava com mão na testa, branco: “Perdi a chave, roubaram a chave... perdi a chave!” E nós ficamos assustados. Tivemos que levar pro ambulatório médico, porque ele ia ter alguma coisa... [risos] O japonês estava de olho arregalado aquele dia. Essas coisas...se brincava muito com segredo.
P/1 - Coitado... E com você nunca teve nenhuma brincadeira? Por essa coisa de você ter... essa coisa do guaraná...
R – Na coisa do guaraná eles sempre brincavam que iam me jogar sempre dentro de um porta-malas, iam embora, iam me raptar. E uma vez, realmente, dois amigos meus, que trabalhavam na fábrica de essências, apagaram as luzes da fábrica, já era tarde – porque normalmente
a gente ficava até mais tarde, porque tinha certas coisas que a gente só fazia depois do expediente; você descia na câmara fria e lá você ia fazer suas misturas sossegado. Então eu até me lembro que estava saindo da câmara fria, subi o primeiro lance de escadas – gostava de subir de escada porque movimentava um pouco – e me lembro que estava subindo o primeiro lance de escadas, a luz apagou. A luz apagou e normalmente apaga a luz e acende a luz de emergência. E eu só vi duas pessoas descendo a escada, me pegando pelo braço – nossa, aquele dia eu quase morri do coração! O Osniri tinha posto uma meia na cabeça: “Você vai! Agora você vai!”. E no fim era ele..., mas eu passei mal uns 2 dias depois.
P/1 – Isso que é ser uma pessoa importante...[risos]
R – Ah, sim... Tomara fosse!
P/1 – E Henio, me diz uma coisa, quando fechou a Antarctica aqui na Mooca, você foi pra Jaguariúna ou você foi pra outro lugar? Como que foi isso? Como que foi essa mudança? Até esse processo, porque é uma história toda ali. Como que foi?
R – Traumático fechar aquela porta e dizer: “Não volto mais aqui...”. Era o sonho da minha vida e eu vivia lá; vivia 10 horas lá dentro. Você gostava, ficava. E aí quando nós tivemos realmente que... fui eu que tive o privilégio de fechar a porta, quase morri. Fechei e: “Acabou um sonho, ficou tudo pra trás...”. Foi realmente traumático; acho que fiquei uma semana arrasado. Mas depois a própria AmBev vai te proporcionando outras coisas que você vai tirando o foco daquilo. Então tinha um outro desafio: era fazer com que toda aquela produção que estava na Mooca fosse pra Manaus e operasse da mesma forma como na Mooca. Então isso foi criando uma outra expectativa. Depois também eu fui pro Centro de Desenvolvimento Tecnológico [CDT], que ficava em Guarulhos, no bairro de Bonsucesso. Então eu dividia meu tempo entre o CDT e a Arosuco Aromas. isso foi fazendo com que eu fosse deixando de lado aquela lembrança, aquelas coisas, porque tinha um desafio grande, que era manter o sabor, a mesma qualidade do produto. Então isso ajudou bastante.
P/1 – O Centro de Desenvolvimento, em Guarulhos, foi construído quando?
R – Vou dizer pra você... Pelo que eu tenho lembrança, isso foi em 1995. Ele se estabeleceu... Era no Rio, se estabeleceu em Guarulhos...1995. E lá, nesse Centro de Desenvolvimento, tem todo o know-how da AmBev hoje, com relação à área de refrigerantes, cervejas, embalagens, a parte analítica, sai toda de lá.
P/1 - É muito grande, tem muita gente trabalhando ali?
R – É muito grande. Não... nós somos em 20 pessoas ao todo. Pra dar uma ideia do cuidado deles –tem uma planta-piloto pra todos os produtos da área de cervejas, de refrigerantes, serem testados e feitos, analisados, antes de um teste com o consumidor. Então é um cuidado muito grande. É um centro onde tem muitas pessoas capacitadas, em todas essas áreas.
P/1 – O que você chama de planta-piloto? Pra ficar claro...
R – Onde são feitos, por exemplo, testes pequenos de um produto que se quer lançar. Então ali, nessa planta-piloto, acompanhamos o produto desde a aquisição, da elaboração das matérias-primas, até o produto rotulado e prontinho.
P/2 – Com relação ao guaraná diet: a essência é mesma?
R – A essência é a mesma.
P/2 – A única diferença é com relação ao adoçante?
R – Isso, exatamente, aos adoçantes.
P/2 – Mas como que se chegou a esse... o mercado evoluiu a ponto da necessidade de um produto dietético... como foi esse processo?
R – Há muito tempo a diretoria tinha uma preocupação de atender àquelas pessoas que gostavam do refrigerante, do Guaraná Antarctica, e não tinham, por exemplo, um substituto. Eles não podiam mais com o açúcar, então tinha que ter um substituto. E essa preocupação foi crescendo, crescendo, até que um dia o presidente falou: “Nós temos que fazer esse produto”. Aí foi uma imposição de cima pra baixo, então começamos a trabalhar com todo o afinco nisso.
P/2 – E hoje tem toda a gama dietética?
R – Hoje tem toda a gama dietética. O mais difícil foi o desenvolver o guaraná, porque era o carro-chefe da Antarctica na parte de refrigerantes e nós não queríamos que aquele que fosse tomar o guaraná dietético sentisse alguma diferença em relação ao normal. A própria diretoria queria que aquela fidelidade do consumidor no Guaraná Antarctica fosse retribuída agora que ele não podia mais tomar um produto com açúcar.
P/2 – E sendo o guaraná o carro-chefe, qual seria – não nacionalmente falando, mas no exterior – o grande mercado do guaraná fora do Brasil?
R – Portugal. O mercado é muito grande. Pra te dar uma ideia, no mês de julho, eles já cumpriram toda a meta do ano. O produto foi muito bem aceito lá.
P/2 – Então atualmente tem Portugal, Japão, que continua...
R – Portugal, Espanha, Japão. E, por enquanto, nós estamos exportando para os Estados Unidos. Agora existe um projeto AmBev-InBev, em levar o produto pra alguns outros países.
P/2 – E com a InBev? Mais uma fusão...como foi essa notícia pra você?
R – Olha, passada a primeira fusão, essa segunda já recebi mais tranquilo. Lógico, você sempre fica preocupado com o que possa acontecer, apenas mais tranquilo. Eu já tinha vivido uma fusão, então era como se eu já soubesse. “Eu já vi esse filme”. Então foi mais tranquilo. E vi também como outra oportunidade.
P/1 – Henio, o produto de refrigerantes que vai pro exterior, que acaba sendo o carro-chefe da AmBev, é o guaraná porque é um produto que não existe no mundo, não tem nada parecido? É isso que chama a atenção? É isso que faz com que ele tenha destaque lá fora?
R – Se eu entendi bem...
P/1 – É porque o guaraná, a plantação, você tem no Brasil. Outras indústrias no mundo produzem o guaraná? Eu estou te perguntando, eu não sei se...é uma ignorância minha...
R – Não, por favor, você fez uma pergunta certa. Hoje, a semente do guaraná, torrada, moída, o guaraná em pó, ele é exportado. E deu n’ O Estado de São Paulo, há uns 4 meses, mais ou menos – na China fizeram um guaraná. E você tinha a lata do produto era semelhante à do Guaraná Antarctica. Então eles tentaram plagiar o próprio produto, o próprio Guaraná Antarctica. Então existe, você vê...a China é um mercado onde 0,5% é uma fábula. Então eu creio que, um dos mercados da InBev, seja a China – não tem fábricas lá, então um dos mercados é esse. Mas existe isso. Só pra te dar uma ideia, Estados Unidos, perto daqui, meu irmão ele mora lá e quando ele tem que dar um presente, dá uma caixa de guaraná – as pessoas pedem. Tinha até uma pessoa que falava: “Além do churrasco que você faz aqui na sua casa, eu venho por causa do guaraná”. Então era muito gostoso saber isso.
P/1 – É interessante saber...porque é um sabor diferenciado.
R – É um sabor diferenciado. Eu vou dizer que é. Porque nós provamos refrigerantes que tem no mundo – os colegas nossos que viajam pro exterior normalmente trazem e mandam pra gente, lá no CDT. Então aí a gente vai vendo o sabor de um, de outro. E a gente vê que são coisas que diferem muito do guaraná.
P/1 – E coisas que o nosso mercado não iria... Pra você ver, quando teve a Coca-Cola...a Cherry Coke, acho, que não pegou. Aqui não pegou. Você vai pros Estados Unidos e tem N sabores. E quando chega aqui, não...
R – Não, o brasileiro gosta de um produto diferente, sem muita, vamos dizer assim, muita mudança em relação àquilo que ele conhece como refrigerante padrão. No Brasil o padrão de guaraná é o Guaraná Antarctica; o padrão de cola fica sempre dividido entre Pepsi-Cola e Coca-Cola. Mas é um padrão.
P/2 – Henio, você pegou várias fases também da Companhia Antarctica, com o Seu Walter Belian, com a Dona Erna. Quais foram as diferenças entre esses períodos?
R – Olha, eu vou te dizer que o período áureo da Antarctica foi com o Dr. Walter Belian. Ele assumia a Antarctica como um negócio dele, ele era dono daquele negócio. Então eu acho que época áurea foi o Dr. Walter Belian. Não vou te dizer que os demais não tiveram essa mesma preocupação; os tempos foram outros. Então com a Dona Erna já não foi assim uma época tão brilhante quanto foi com o Dr. Belian. E depois, na época do Dr. Vitório, Gracioso, José de Maio, então já foi uma época diferente, quando o mercado era diferente, as coisas diferentes. Foram épocas brilhantes também, mas outras épocas, em que o negócio não dava mais pra ser gerido como o Dr. Belian havia feito. Então necessitava de mudanças. E foi aí que eu te disse que muita gente na Antarctica não entendeu isso e não acompanhou toda essa preocupação da diretoria.
P/2 – E qual era o peso da Fundação Antônio e Helena Zerrenner na vida dos funcionários?
R – Você tinha a certeza de uma retaguarda. Eu vou te dar uma ideia: a preocupação deles chegava a tal ponto que eles passavam a enxergar alguns funcionários, principalmente de fábrica, em suas necessidades. Eles levavam cesta básica na casa deles; caso vissem que as crianças tinham necessidade de roupa, alguma coisa, eles supriam àquela necessidade. E eram funcionários de fábrica; eles dizem peão de fábrica, mas o cuidado chegava aí. Só pra te dar uma ideia, qualquer funcionário que fosse pai ou mãe, durante um ano, a Fundação fornecia leite – duas latas de leite por semana – independentemente da função, do que você fosse dentro da Antarctica. Então era um cuidado muito especial.
P/2 – E como foi a relação da Fundação com os funcionários a partir da fusão?
R – Há uns 2, 3 anos antes da fusão, a fundação já estava um pouco mais distante dos funcionários, mas ainda fazendo uma série de benefícios. Pós-fusão então, essa distância chegou a um ponto de, praticamente, não ter uma relação mais com o funcionário. Então hoje ela atua mais numa parte, vamos dizer assim, burocrática. Assistência social faz, mas muito pouco agora. Só pra te dar uma ideia, nós tínhamos dentistas da própria Fundação; eram seis dentistas por período. Qualquer tipo de tratamento que se podia fazer lá dentro; se não fosse possível, fazia fora. Hoje, no teu plano, você tem uma coisa diferenciada; certos tipos de tratamento você não faz mais nos dentistas credenciados, não tem mais essa facilidade ou esse benefício de um tratamento de canal ou de qualquer outra coisa. Você é obrigado a fazer fora.
P/1 – A Antarctica – você estudou na escola da Fundação e depois foi pra Antarctica – ela incentivava os funcionários a se desenvolverem intelectualmente, a estudar, a ir pra frente, ou não existia um incentivo, uma preocupação?
R – Olha, não existia uma preocupação com isso. Eles entendiam que a pessoa, na fábrica, executando a função dela de forma correta, estava muito bom – porque era tudo feito na mão; hoje já é mais informatizado. Então ela não incentivava. Mas toda pessoa que, por vontade própria, quisesse estudar, eles pagavam até bolsa de estudo pra faculdade – eu fui uma das pessoas que fui beneficiada com isso. Eu fiz um pedido na época da Dona Erna e ela me atendeu.
P/1 – E tinha algum critério ou qualquer pessoa podia fazer esse pedido?
R – Qualquer pessoa. Eles não faziam diferenciação realmente; qualquer pessoa que mostrasse boa vontade, faria. Mas tinha que partir de você, eles não incentivavam.
P/1 – Quando você entrou na Antarctica, como era o transporte de bebidas? Eram caminhões já grandes? Eu lembrei porque você estava falando disso, eu lembrei das nossas fotos...
R – Na Antarctica, eu sou tão antigo lá dentro, que cheguei a pegar o tempo em que o vagão vinha de Santos. Então ele entrava ali por dentro da cervejaria, atravessava a rua e parava na fábrica de refrigerantes para você tirar os engradados – eram engradados de madeira – pra você tirar produtos que vinham de Santos. Pra fazer o transporte, por exemplo, da fábrica de cervejas, eles colocavam em gôndolas, que eram puxadas com trator; então você atravessava a cerveja produzida do lado da fábrica de cerveja pro lado dos depósitos da Presidente Wilson. Então atravessava a Presidente Wilson, lado a lado, com aquelas gôndolas, com os engradados de madeira e tudo. Eu cheguei a pegar essa época.
P/1 – Mas passava uma linha de trem ali? Porque ela fica do outro lado... Entrava ali?
R – É, vinha de Santos. Porque existe até hoje, ainda tem, a linha do trem. Aquele espaço ali, realmente era estrada de ferro. Ele entrava dentro da Antarctica, deixava o que era de cerveja e o outro vagão, que era de refrigerante, ele desviava e atravessava a Presidente Wilson. É bem antigo... Eu peguei essa época.
P/1 – Devia ser maravilhoso. Essas fotos a gente não tem... Henio, alguma coisa que você lembra, que você acha importante falar pra nós que não te perguntamos?
R – Eu creio que vocês abordaram tudo. Pelo que eu me lembro, de todos os aspectos que tenho guardado comigo, vocês perguntaram tudo. Só uma coisa, que vocês devem ter feito isso: no prédio da fábrica de essências, no quinto andar, nós tínhamos um museu. Era o Hedimir que cuidava do museu. E me lembro que ele já devia ter uns 60 anos de Antarctica na época. Não sei se o Sr. Hedimir faleceu ou não, mas era uma fonte de informação e de alguma coisa de acervo, que eu não sei, deve ter se perdido.
P/1 – Ele está muito velhinho, ele está com mais de 80 anos e já não está muito...
R – Porque eu me lembro, você está falando de fotos e lá, nesse museu, tinha foto das gôndolas. Mas quando o museu saiu do quinto andar da fábrica de essências e foi lá pra onde era o ambulatório, onde ficavam os dentistas, aí pode ter perdido alguma. Porque me lembro das fotos lá no museu.
P/1 – Eu não lembro disso. Mas veio tudo para nós; nós estamos ali onde era a creche. Todo o acervo está ali, da Antarctica e da Brahma. Mas essa foto do trem, do vagão...
R – Do trem, eu não sei. Eu sei da gôndola...
P/1 – Ah, não. Da gôndola, sim. Mas do trem que eu fiquei fascinada. Eu não lembro de ter visto esta foto ainda. É que tem muito... nós estamos trabalhando... é muita “coisinha”.
R – É, eu imagino. Você sabe que eu gostava muito de ir lá em cima. Quando você trabalha com essência, é muito número, é muita coisa pequena, é muito código. Então chega uma hora que você não consegue mais; então, para não errar, você para. E eu ia lá no museu, ficava com ele, ficava vendo uma coisa ou outra e gostava muito.
P/1 – Ele cuidou muito; ele guardou tudo, colocou legendas... era a vida dele.
R – A vida dele era aquilo.
P/1 – E como que você vê essa iniciativa da AmBev de estar desenvolvendo esse trabalho – do acervo, da memória das pessoas?
R – Eu acho uma coisa espetacular, porque você está premiando duas empresas que sempre lutaram, e está mostrando que toda aquela luta não foi em vão – era assim, passou a ser assim e hoje é isso, uma grande firma, uma empresa multinacional. Eu vejo de uma forma toda especial, espetacular, eu gosto muito. Eu vou, às vezes, lá na AmBev, onde tem aquele caixa eletrônico, no terceiro andar, e fico olhando aqueles binóculos, eu fico olhando aqueles cartazes, eu fico olhando tudo. Aquilo me fascina.
P/1 – Aquele painel é lindo, né?
R – Exatamente. Porque acho que está premiando as duas empresas e quem trabalhou nelas. Acho muito importante isso.
P/1 – Henio, você consegue imaginar sua vida de outro jeito? Que não tivesse sido...
R – Não. Muito particularmente, quando eu fechei a porta da fábrica de essência, eu fui pra casa e minha mulher falou: “Não vai morrer por causa disso, né?”. Eu falei: “Não vou...” ,mas fiquei sem falar com ela uma semana. Ela falou: “Antarctica fechou e você não fala comigo...”. Mas é... você fica com aquele sentimento, aquela coisa. Mas depois foi moderando. E acho que tenho uma responsabilidade de não desapontar quem me premiou com essas oportunidades que
me deram. Então eu tenho essa responsabilidade. Isso é o meu foco.
P/1 – A sua esposa você não conheceu na Antarctica?
R – Eu não conheci na Antarctica, mas era quando eu passava pra ir trabalhar na Antarctica. Nós temos 6 anos de diferença, minha rua não tinha saída – eu era obrigado a entrar ali; então sempre encontrando, encontrando, não teve jeito... Ela estudou na Antarctica, não na minha época, mas estudou.
P/1 – Você falou dessa coisa de ficar uma semana sem falar. Ela sentiu, nesses anos que é casada com você, que vocês estão juntos, um certo ciúme desse trabalho? Porque eu imagino que é um trabalho que exija muito e que você sempre se dedicou muito...
R – Não, ciúmes não. Ela só dizia assim: “Você tem o seu trabalho e você tem a sua família”. Eu falei: “Eu sei”. Então eu sempre separei isso, trabalho e a família. Então eu dizia assim: “Durante a semana, eu trabalho; sábado e domingo, família” – claro, durante a semana a família também. Mas sempre fiz isso; e ela soube aceitar.
P/1 – E como é pra sua família, ela, seus filhos, essa importância – porque querendo ou não, você é uma pessoa extremamente importante... Como que é visto isso? O Homem do Guaraná!
R – Mas eu não vejo assim. O meu filho, quando eu comentei com eles que eu ia fazer essa entrevista, ele falou: “Mas pra que você vai fazer?”. Eu falei: “Olha, eu não sei; o Dr. Vitório mandou...” Pra eles é uma coisa normal; eles brincam comigo de vez em quando, principalmente o caçula, que ele vai me raptar porque ele está precisando de dinheiro... [risos] Mas pra eles é uma coisa... Eu sempre procurei passar pra eles que era uma coisa normal, e nunca fui a fundo enquanto eles eram menores, do que eu fazia. Porque ás vezes a gente comenta e todo filho gosta de falar: “ Meu pai faz isso, meu pai faz aquilo...”, então pra evitar isso. E depois eles foram crescendo. E agora eu falo, e eles nem lembram disso, pra eles é uma coisa normal.
P/1 -É, agora já tem a noção...
R – Mas na época, foi assim... eles não sabiam. Eu acredito que até eles terem um entendimento – sei lá, o mais velho devia ter uns 20 anos e o caçula uns 12,13 anos. Aí que eles foram ter uma noção; mas fora isso, a gente nem falava em casa.
P/1 – Henio, você queria falar mais alguma coisa?
R – Não, pra mim está ótimo; estou muito contente.
P/1 – Você quer deixar algum recado pra AmBev? Como é que você se sente dando um depoimento?
R – Eu me senti bem estranho durante todo o depoimento. Pra mim, realmente, foi uma grata surpresa. Eu gostei, achei que pude dizer alguma coisa do que eu sentia, alguma coisa do que eu sinto da AmBev, como a empresa na qual trabalho, e dizer que eles podem contar com a minha integridade até o último dia que eu trabalhar.
P/1 – Então nós te agradecemos por você ter vindo e ter dado o depoimento.
P/2 – Muito obrigado.
R – Eu que agradeço.
--- FIM DA ENTREVISTA ---Recolher