P – Boa tarde seu Guilherme.
R – Boa tarde.
P – Eu queria que o senhor começasse falando o seu nome e o local e data de nascimento.
R – Meu nome é Guilherme de Brito Bollhorst. O Bollhorst é do meu pai, morreu muito cedo, então eu fiquei com esse nome, Guilherme de Brito ...Continuar leitura
P – Boa tarde seu Guilherme.
R – Boa tarde.
P – Eu queria que o senhor começasse falando o seu nome e o local e data de nascimento.
R – Meu nome é Guilherme de Brito Bollhorst. O Bollhorst é do meu pai, morreu muito cedo, então eu fiquei com esse nome, Guilherme de Brito Bollhorst, Brito da minha mãe e Bollhorst do meu pai.
P – E qual a origem do sobrenome no caso?
R – Alemão.
P – Seu pai era alemão?
R – Não, meu avô, pai do meu pai que era alemão. E eu adotei esse nome e
muito me orgulho dele. Meus netos também se orgulham desse sobrenome. Então tudo bem. Nós vamos levando.
P – E onde o senhor nasceu e em que ano?
R – Nasci em 1930 e, eu não me lembro bem a data que eu nasci, não. Não, 1922. Nasci em 1922 em Vila Isabel. Ali eu me criei. Foi ali a minha infância, a brincadeira minha e foi ali um dia que eu tive que procurar emprego, porque meu pai morreu. Meu pai era chefe da oficina de modeladores do Engenho de Dentro da Central do Brasil. E eu tinha boa vida, mas com a morte do meu pai a viúva demorava muito a receber a pensão. Então o que vale é que nós morávamos em uma casa em Vila Isabel, a minha mãe já tinha crédito com o cara então ele deixou ficar lá. Ela ficar morando lá até receber a pensão do INPS. Foi quando nós saímos de lá, pagou o acumulado tudo e nós aí saímos da Vila Isabel. Mas eu tenho muita história de Vila Isabel para contar. Fui muito arteiro ali. E foi um passado muito bonito, eu lembro com saudade.
P – O senhor tem irmãos?
R – Eu tenho irmãos, eu tive três irmãos. O rapaz que era mais velho eu chamava Urubatino. Tem a outra irmã também que morreu, Maricota. E tem a Helena que é a outra irmã minha, mas essa está vivendo ainda. Está quase com noventa anos, está lá em Brasília. Eu preciso ir lá. Então foi tudo certo, tudo bem.
P – Como era a convivência de vocês quando crianças? Em casa? Como era esse convívio com os seus irmãos em casa, brincadeiras?
R – Era só...
P – Fala um pouquinho como era a sua casa na infância.
R – A casa lá em Vila Isabel, a casa três na Rua Teodoro da Silva, 324. Depois mudou o nome. Tinha a casa três, nós morávamos ali. E então meu irmão trabalhava em uma fábrica de borracha tinha lá quase em frente e essa Helena trabalhava no laboratório Raul Leite. Não existe mais hoje. Aí essa, a
terceira irmã não trabalhava. Era boa vida. Então nós vivíamos ali, e vivíamos bem. Morávamos todos juntos. Meu irmão não casou, nem essa irmã casou. A Helena é que casou com o Roberto, era sargento do Exército. E ela casou depois saiu de lá.
P – Como era a infância em Vila Isabel? Do que o senhor brincava quando o senhor era pequeno? Como era o dia-a-dia no bairro?
R – Ah, eu brincava muito em Vila Isabel. Meu sonho era ter uma bicicleta. Tinha lá o César, um garoto que até hoje eu falo quando passo em uma loja que vejo a bicicleta tão barata. E o meu sonho era ter uma bicicleta. Então o César – era Bolão o apelido desse garoto – eu dava bola de gude pra ele para dar uma volta na bicicleta em troco de uma bola de gude. Se tinha duas, eram duas voltas. Então foi assim a minha vida ali. Ali eu vivi bem a minha infância. A dona Carlota... Era uma casa que tinha no princípio da avenida. Tinha um palacete e eu desenhava as figuras. Tinha um tico-tico na Revista Infantil. Revista Infantil você não conheceu isso. Tinha o Bolão, o Zé Macaco, Faustina. As figuras que tinha nessa revista. E eu sempre tive inclinação para desenho, sempre tive jeito para desenhar, desenhava aquelas figuras todas.
A dona Carlota era uma espanhola que tinha lá, ela ___ também não existe mais. Naquele tempo ela tinha o cabelo muito bonito. Eu me lembro que aos domingos ela abria o palacete e sentava ela e o esposo na varanda, a casa toda escura, ficava ouvindo a vitrola tocando as músicas espanholas. E muitas vezes eu parei de jogar – eu estava jogando pelado – parei de jogar, me sentei no meio-fio para ouvir uma música, eu não me lembro mais qual era a música. Mas ali eu nem pensava em ser compositor. Sentava assim e ficava ouvindo aquela música bonita, música espanhola. Então, dona Carlota não gostava que eu desenhasse na calçada dela. Vinha, desenhava e dizia assim: “É só ela ver.” Quando ela via dava uma briga comigo e mandava lavar a calçada. Mas eu estava sempre, era a melhor tela que eu tinha em Vila Isabel. Desenhei muito na calçada da dona Carlota.
P – E como era o bairro Vila Isabel? O senhor pode contar detalhes? Falar sobre o bonde?
R – É, Vila Isabel era um bairro muito calmo. Basta dizer que a gente jogava pelada, fazia um gol no lado e o outro gol no outro poste, era a medida do nosso campo. Aqui e lá. Fazia atravessado na rua. Ficava jogando atravessado na rua. E para você ver como era, porque era jogando atravessando a rua. Jogando bola. Fazia bola de meia, e escalava os dois times. Um ficava do lado de lá, outro do lado de cá, ficava jogando assim. Aí o Noel Rosa, ah, eu não vou falar do Noel Rosa agora. Vou falar mais adiante. Você vai me perguntar o quê agora?
P – Não, era para o senhor falar mesmo como era Vila Isabel, como era o comércio. Como funcionava o bairro na época? O senhor tem alguma memória do comércio do bairro?
R – Ah, tenho. Antigamente tinha quitanda, vendiam. Uma vez… Eu estou adiantando a coisa. Eu quando comecei a tocar cavaquinho… Lá na casa do meu pai tocava violão. Depois a minha irmã também aprendeu violão com ele. Então ia o Sinval Silva, fazia aquela reunião de pessoal e tocavam lá em casa. Iam vários tocadores para lá. Eu era garoto, e eu fiquei curioso. Um dia eu quis tocar cavaquinho. Pedi ao meu pai se comprava um violão para mim. Mas achava o violão muito grande, e o cavaquinho eu me ajeitei melhor. Comecei tocando cavaquinho. Então de Vila Isabel a lembrança que eu tenho é essa. Eu tocava muito ali na dona Carlota. Tinha a quitanda, eu tocava na quitanda. O português dizia assim para mim: “Ó, toca, canta um negócio para mim aí.” A quitanda estava vazia eu cantava um samba para ele acompanhado com o cavaquinho. Aí ele me dava uma fruta, uma banana, uma laranja. Então eu já estava fazendo sucesso naquela época para ganhar um cachê, uma banana. Então foi assim a minha infância. Muito saudosa a infância.
P – E a escola? O senhor estudava lá em Vila Isabel também?
R – Estudava. Escola Metodista de Vila Isabel. Na Avenida 28 de Setembro. No princípio da Avenida 28 de Setembro. Minha professora era dona Cladir e a irmã dela era da, eu sei que tinha primeiro e segundo ano. Uma delas era do primeiro ano e a outra do segundo ano. A do segundo ano era dona Cladir. E a do primeiro ano era dona Lurdes. Eu tocava, eu já era metido a desenhista, a desenhar. Desenhista não, eu gostava de desenhar. Um dia eu deixei de ir à escola, às quartas-feiras, porque quando ela descobriu que eu desenhava ela mandava eu ir para o quadro-negro de quarta-feira, dia de desenho. Mandava eu, escolhia um desenho no livro, na cartilha, mandava eu ir para o quadro-negro e reproduzir aquele desenho. A caixa de giz. E, pô, quando eu acabava de desenhar ela pedia que a classe batesse palma para mim, e aquilo... Eu tinha vergonha das palmas. Se não batesse palma tudo bem. Mas ela, eu acabava, ela mandava todo mundo bater palma. E eu procurava faltar as quartas-feiras, dia de desenho, para não passar por aquele aperto. Aquele momento de palmas. Eu não me sentia bem, com vergonha.
P – E como era a escola, a fachada, tudo? O senhor lembra?
R – Não lembro como era, não lembro como era, não. Sei que quando a gente sai da Rua Sete de Setembro que entra no... Sai da Praça Sete, eu não sei mais como é o nome disso.
P – Eu acho que é Praça Sete mesmo.
R – É Praça Sete ainda?
P – Ou é Barão de Drummond. Uma das duas. O pessoal chama de Praça Sete ainda.
R – É, Praça Sete. Quem entrava pela Avenida 28 de Setembro, tinha um cinema do lado, a escola era do outro lado. Mas eu trabalhava, trabalhava não, eu estudava com aquele entusiasmo meu. Eu tinha até o segundo ano na escola. E um dia meu pai morreu. Eu tive que trabalhar. A situação ficou apertada lá em casa e eu tive que trabalhar. Aí eu fui trabalhar. Posso falar da Casa Edison já?
P – Não, essa primeira parte do trabalho a gente fala mais da sua vida profissional.
R – Sei.
P – Desculpa, sua vida pessoal e tudo. Depois a gente vai para o lado profissional.
R – Sei. Então eu tive que trabalhar com quatorze anos. Aí a minha sopa acabou. Infância. Infância a gente faz muita arte na infância. Minha mãe me chamava, era a casa três, eu tinha o apelido de Baby. E não, eu detestava esse apelido. Eu achava um negócio meio afeminado. “Baby, baby?” “Ah, não me chama de Baby, não”. “Baby! Para dentro.”
Ela com a mão para trás assim, era o chinelo. Eu fazia alguma arte lá, quando ela me chamava com a mão para trás eu sabia que eu ia entrar. Entrava, levava uma coça de chinelo. Mas foi tão bom aquele tempo, que saudade que eu tenho daquele tempo. Aí eu fiquei ali com a minha irmã, com o meu irmão, meus irmãos, e a minha mãe. “Baby, vem para dentro.” E eu então jogava pedra nos outros. Um dia eu quebrei a cabeça de uma menina – mas de maldade, viu? A menina não estava fazendo nada. Quando ela passou eu peguei a pedra e joguei na menina, e bateu na cabeça. Então foi aquela algazarra e: “Baby jogou a pedra na menina”, então minha mãe: “Baby!.” Com a mão para trás. E foi até a polícia lá em casa. E eu tremi de medo. E essa foi a minha infância que eu gostei muito. Tenho saudade até hoje da minha infância.
P – E a adolescência, a juventude? O que o senhor costumava fazer com os amigos? Os lugares que frequentava?
R – Ali é o seguinte, da minha infância pulei logo para uma responsabilidade grande, fui trabalhar para ajudar a minha mãe. Mas enquanto eu era pequeno ia fazendo arte que todo garoto faz. Tinha o Bolão. O Bolão era o garoto rico de lá. menino rico, família muito boa. E ele tinha bicicleta. Então eu dava, pegava uma bola de gude e dava a ele para dar uma volta na bicicleta. E hoje eu vejo a bicicleta tão barata, se era naquele tempo eu comprava uma. Uma meia dúzia de bicicletas que não pode ser.
P – O senhor falou que na 28 de Setembro tinha um cinema. O senhor frequentava?
R – Cinema?
P – É.
R – Frequentava. Era o Tom Mix. Antigamente tinha o Tom Mix. Era um filme seriado. Tem toda semana um capítulo, vamos dizer. Então eu acompanhava no cinema aquele capítulo. Aquele problema que o Tom Mix vivia. Eu acompanhava e assim eu vivi.
P – E ali assim, ainda tinha aqueles bares todos como é hoje ou era diferente a 28 de Setembro?
R – Naquele tempo eu não me ligava em bares. Eu garoto não me ligava em bares. Mas sei que tinha os cordões de Carnaval. Sempre gostei de Carnaval. E quando o meu pai morreu eu estava todo de luto. Minha mãe tingiu uma roupa. Antigamente tingia roupa, né? E a minha irmã estava lá assistindo Carnaval com o namorado dela. Quando ela me viu, eu todo de preto, de luto tocando tamborim no bloco, me deu uma bronca. Eu saí, só o que eu lembro do Carnaval é isso. Minha mãe foi trabalhar no Convento Nossa Senhora da Ajuda, ali em Vila Isabel. Ainda existe este convento lá, então ela me levava lá pro convento. Até quando eu estive doente, em uma ocasião que eu não podia andar, ela me levava no colo lá para o convento para não me deixar sozinho em casa porque sabia que ia ter. Então ela me levava para lá, ia trabalhar no convento e me levava para lá com ela. Um dia eu ganhei uma andorinha e tinha uma carroça que eu ganhei, puxava assim. Eu ainda vejo essa carroça hoje, não tem mais não, mas eu quis que pusesse a andorinha dentro da carroça e cobrisse. Mas não queria, quando ela pegou: “Vou amarrar a andorinha.” Eu digo: “Não, amarrar não. Deixa ela aí que ela não vai fugir”. Botou a andorinha com aquele peso do pano em cima, ficou quietinha. Eu comecei a correr de um lado para o outro. Acho que bati lá em um buraco, a andorinha se mandou e eu chorei muito aquele dia porque a andorinha fugiu. Eu não queria que a andorinha fugisse. E não queria que amarrasse também a andorinha. Então é da infância é o que eu levo, que marcou foi isso.
P – E como foi a sua entrada no comércio? Como se deu a sua entrada, seu primeiro emprego?
R – Meu primeiro e único emprego. Porque ali eu comecei e ali eu me aposentei. Aí é o seguinte, eu, a situação foi apertando lá em casa, eu tive que trabalhar para ajudar minha mãe. Mas antigamente para o sujeito trabalhar tinha que ter atestado que sabia ler, que sabia escrever e tal. Então a minha mãe começou a se virar. Foi, arrumou o Mário de Brito que tinha conhecimento com o Figner da Casa Edison. Então ela foi atestado do que eu sabia ler, sabia escrever. Mário de Brito Simonetti, foi quem deu esse atestado de que eu sabia ler e escrever. Eu sei porque essa declaração está lá no Museu de Conservatória. Então aí eu fui trabalhar. Tinha quatorze anos. Ficou esperando eu fazer os quatorze anos para poder ir trabalhar, porque só com os quatorze anos é que podia trabalhar. Senão eu iria antes. Então eu fui trabalhar na Casa Edison. Casa Edison do Rio de Janeiro. E ali eu fiquei trabalhando.
P – E ficava em que bairro a Casa Edison?
R – Casa Edison?
P – É.
R – Era na Rua do Ouvidor. Mas quando eu fui para lá, na Rua do Ouvidor, ela foi para a Rua Sete de Setembro. Ela tinha acabado de ir para a Rua Sete de Setembro. Rua Sete de Setembro, setenta, noventa. Não, eu passo por lá ainda me recordo daquele tempo. Fui trabalhar e tem até uma passagem engraçada. Eu já te falei que eu tocava cavaquinho. O português mandava eu tocar: “Vem cá menino, toca um negócio”. Eu tocava, ele dava uma banana, uma laranja. Então quando eu fui trabalhar eu toco. Mas não pensava em ser compositor, não. Mas eu indo trabalhar a situação estava ruim lá em casa, não tinha... Então a minha mãe, eu tinha que andar de paletó e gravata. Antigamente tinha que ser de paletó e gravata. Não é como se fosse como hoje, estava fácil. Então eu tinha que ir de paletó e gravata. Um vizinho deu uma calça, o outro deu um paletó e o outro deu a camisa. E a camisa eu me lembro que a minha mãe fez uma prega aqui nas minhas costas, a prega ficou guardada. Então eu fui trabalhar na Casa Edison. Foi quando os caras começaram a fazer hora com a minha cara. “Pô, a tua roupa parece um balão. A calça parece um balão.” Era muito homem e eu me senti humilhado porque a minha mãe foi quem recortou aquela calça e aquele paletó para mim, minha mãe que recortou para ficar legal. Mas não deve ter ficado bem, porque começaram a fazer hora com a minha cara. Dizia que a minha calça parecia um balão. Foi quando eu fiz o meu primeiro samba: Calça Balão, eu não me lembro mais como era. Calça Balão. Aquela humilhação que eu passei. E ficou Calça Balão. Calça balão, calça balão eu cantava. E ia para o botequim cantar Calça Balão. Mas não me lembro mais como era. Me perguntam, mas eu nunca pensei em ser compositor, não.
P – Você falou agora da roupa, da calça balão, mas como era a moda naquela época? Isso era década de trinta, né?
R – Trinta, é.
P – Como era a moda na década de trinta?
R – A moda era como todo homem. Era paletó e gravata e calça, tinha que ser de paletó e gravata. Mas só que a calça eu não sei como é que ficou. Mas imagino que deve ter ficado esquisito. Vai que a minha mãe foi quem recortou a calça e o paletó e a camisa. A camisa eu me lembro que ela fez uma prega aqui atrás estava sempre me perturbando. E aceitando aquela gozação do pessoal muito tempo: “Calça balão, calça balão.” Foi quando eu fiz o meu primeiro samba: Calça Balão.
P – As principais dificuldades que o senhor teve no início, quando o senhor começou na Casa Edison?
R – Não, eu não tive dificuldade, não. Eu sempre fui muito obediente. Sempre fui muito apegado ao que eu faço. Então eu fui trabalhar na Casa Edison na Rua Sete de Setembro como ajudante de balcão. O sujeito queria um disco, eu encomendava. Vendia o disco, eu botava... E foi assim. Eu pegava mais cedo. Fazia a limpeza. Eu e o outro rapaz que varria tudo. Eu espanava. E aí eu fui, mas eu achava que a minha oportunidade era aquela. De eu poder, saber que a Casa Edison consertava máquinas de escrever. A sala estava lá longe de mim. Máquina de calcular. A oficina era na Praça da República. Mimeógrafo. Então eu queria sair daquilo. Eu queria vencer lá. Eu, garoto, era a oportunidade que eu tinha de vencer, porque a instrução era pouca. Como foi até hoje. Mas eu sabia que se eu fosse para lá eu ia aprender uma profissão. Então eu comecei a pedir a eles para ir trabalhar lá. Fui trabalhar para a oficina de máquina de escrever. Mas lá eles me transferiram para, aí tinha o mimeógrafo que ninguém queria. Era difícil mecânico, porque vivia todo sujo daquela tinta. Então eu digo: “Serve para mim essa mesmo.” E fui trabalhar na sessão de mimeógrafo. Trabalhar, me dediquei. Me fiz mecânico de mimeógrafo, mas sempre com o olho lá na frente. De mimeógrafo eu passei para máquina de escrever, máquina de escrever bastava, tinha máquinas que eram mais importantes que máquina de escrever e era justamente o meu sonho. Já fui para a máquina de calcular, máquina de somar, aliás. Mas tinha a máquina máxima lá que era o Amadeu que era o chefe – me lembro como se
fosse hoje – a gente chegava perto dele, ele olhava assim: “O que você está olhando aí essa coisa?” Então eu saía fora, mas visava a máquina de calcular que a máquina Madas, máquina suíça. Eu dali digo: “Pô, vou, quero a máquina de calcular.” Foi indo, foi indo, até que um dia eu saí do mimeógrafo, fui para a máquina de escrever. Eu digo: “Está, então eu estou chegando lá.” Trabalhei na máquina de escrever, depois eu fui para a máquina de somar. Até que eu cheguei, tem um compadre, o Antonio, que ele se... Porque essa máquina era tão complicada que só tinha um mecânico aqui. Não, tinha dois mecânicos aqui no Rio. Um era da Light, um mecânico da Light e na Casa Edison, representante dessas máquinas. Então a máquina era complicada. Um dia ele, me agarrei com ele: “Você podia me ensinar essa máquina.” Começou a me ensinar. Quando ele saiu para ir trabalhar no Banco do Brasil. Então me deixou no lugar dele como mecânico de máquina de calcular. E ali eu terminei meus dias na Casa Edison, como mecânico de máquina de calcular, era a máquina mais sofisticada que tinha. E então eu me dediquei mesmo. E depois ficou só eu de representante com a máquina de calcular Madas.
P – E a Casa Edison fornecia para outras lojas?
R – Fornecia?
P – Tinha loja própria? Como era?
R – Fornecia. A Casa Edison era a única representante da máquina. Era suíça essa máquina. E o representante era a Casa Edison, Fred Figner. Então a Souza Cruz – era uma máquina que era o preço de um carro. Naquela ocasião um automóvel mais barato era o preço da máquina de calcular – a Souza Cruz comprava muita máquina da Casa. Não era qualquer um escritoriozinho que podia ter uma máquina daquelas. Então a Souza Cruz é que comprava as máquinas de calcular da Casa Edison. E um particular era muito difícil ter aquelas máquinas. Pelo fato de ser muito cara a máquina Madas.
P – E o senhor falou do Fred Figner, o senhor conhece um pouquinho da história dele?
R – Não, do Figner eu conheço pouco. É Frederico, o nome dele era Frederico Figner. Eu sei que ele era, ele dava o passe lá no gabinete dele. Tinha um dia da semana que ele dava passe. Andava com um chapéu com uma aba caída aqui de um lado só. Muito elegante. Ia aquela porção de mulheres. Só dava passe em mulher. Então eu…
P – É, você falou dar passe?
R – Não, ele era espírita.
P – Ah, tá. Porque eu…
R – Ele era espírita.
P – Explica melhor porque eu não entendo.
R – Ele era espírita. Se vestia muito bem, muito elegante. Tinha um dia da semana que iam aquelas madames para o gabinete dele, e eu só de olho nele. E ele dava passe nas mulheres. Ele andava muito bonito, muito elegante. Só era duro para dar um vale. Às vezes eu precisava de um vale e aí só sermão que eu ouvia, eu ou qualquer um que fosse pedir. “Você precisa tomar juízo. Precisa guardar dinheiro”. Mas ele dava dinheiro. Foi muito bom seu Figner para mim.
P – E o senhor conhece o nome da Casa Edison? Sabe por que teve esse nome?
R – A Casa Edison é por causa do Thomas Edison. Esse sujeito americano, eu não sei, inglês, botou a Casa Edison. Foi ele quem trouxe o rádio para o Brasil. Foi Fred, Frederico Figner trouxe, então botou o nome de Casa Edison em homenagem a esse Edison.
P – Thomas Edison.
R – Existe aí. A Casa Edison era muito falada na ocasião. Então foi assim.
P – Sabe a história da fundação? Ele fundou na época do rádio? Como foi?
R – Não lembro a fundação. Quando eu fui para lá já existia a Casa Edison. Mas soube que foi por causa do Thomas Edison, se eu não me engano era Thomas Edison. Inglês, o maluco. E ele botou o nome na casa de Casa Edison. Eram as duas casas mais famosas que vendiam máquina de escritório, era a Casa Edison e a Casa Prate, na Rua da Quitanda, vendiam as máquinas mais caras, de escrever, de calcular, eram as melhores máquinas, eram a Casa Edison e a Casa Prate. Mas a Casa Prate era outra máquina. E a Casa Edison a máquina Madas, era a número um. Depois eu fiquei mecânico. Fui até a Bahia consertar a máquina na Petrobrás. Primeira vez que eu andei de avião. Deixei todo mundo chorando lá em casa, com medo que o avião caísse. Meu filho era pequeno, minha filha era pequena. E quando eu saí com a pasta para ir para o aeroporto todo mundo ficou chorando lá em casa porque eu ia viajar de avião, o avião ia cair. E eu fui lá para a Petrobrás, passei uma semana revisando as máquinas deles. As máquinas Madas. Então foi muito bom esse tempo, muito bonito. A Petrobrás era na Cidade Baixa, me lembro como se fosse hoje. E eu hospedado em um hotel na Cidade Alta. Naquele Elevador Lacerda eu descia e subia todo dia, quatro vezes. Descia de manhã, subia para almoçar. Tornava a descer. Tornava a subir o Elevador Lacerda, já viu na Bahia?
P – Sim, conheço.
R – Era muito bom. E eu procuro guardar tudo que acontece comigo. Então eu me lembro disso. Eu passei muito tempo lá na Bahia. Eu passei quinze dias. Quando cheguei em casa foi aquela alegria porque eu não morri, o avião não caiu. Então até que eu cheguei no avião, quando eu entrei pela primeira vez, fiquei lá no canto. Um camarada, um conhecido meu – que por coincidência estava também nesse vôo – falou: “Você está com medo, Guilherme?” “Eu estou com medo, estou aqui tremendo.” Então ele: “Não, fica quieto aí.” Ele veio me dando uma força e assim fui para a Bahia. Passei quase um mês na Bahia revisando as máquinas da Petrobrás, era quem podia comprar aquelas máquinas.
P – E agora voltando um pouquinho mais para a Casa Edison, você pode descrever como era a Casa Edison? A fachada? O interior? O senhor lembra?
R – Lembro. Quando eu entrei na Casa Edison era na Rua Sete de Setembro, veio da Rua do Ouvidor. Mas eu peguei, eu fui trabalhar na Rua Sete de Setembro. Era uma loja muito grande, muito ampla. Duas vitrines, uma de um lado, outra do outro. E depois tinha o primeiro andar, segundo andar, tinha terceiro andar. Então no primeiro andar era o escritório da Casa Edison e no outro parece que era uma escola de máquina de escrever. Então era assim a Casa Edison. Ainda existe esse prédio hoje, na Rua Sete de Setembro.
P – O senhor sabe o que tem lá hoje no lugar?
R – Não sei o que tem.
P – E quantos funcionários tinha aproximadamente?
R – Naquela época?
P – É.
R – A Casa Edison tinha muitos funcionários. Tinha um quadro-negro lá, inclusive os vendedores iam anotando quem vendia mais máquinas. Eles tinham um concurso de quem vendesse mais máquinas recebia um prêmio no fim do mês. Então eles vendiam a máquina, e anotavam lá, e era no térreo, no primeiro andar era o escritório. Então lá tinha o quadro. A oficina era na Praça da República. Então eu trabalhava na oficina da Praça da República. Ainda existe esse prédio hoje, na Praça da República.
P – E qual horário de funcionamento?
R – Horário?
P – É.
R – Pegava às oito horas até acho que onze horas a gente saía para almoçar. Almoçava e voltava a uma hora. Trabalhava até às seis horas. Era o horário deles lá.
P – E sábado abria?
R – Sábado não. No princípio abria, depois que veio esse Decreto aí de não funcionar aos sábados, mas eu trabalhava sábado. Quando eu fui trabalhar, trabalhava sábado. Depois o Governo baixou esse Decreto que aos sábado não podia abrir, o comércio não abria. Aí foi que eu deixei de trabalhar sábado.
P – O senhor sabe a história da Casa Edison? Como firma de gravação de disco?
R – Não. Quando eu fui pra Casa Edison, não tinha mais gravação de disco. Eu tinha, eu sabia das... Lá vendia discos. Não sei onde foram gravar depois o Baiano. Aquela época você botava o disco, ouvia de gramofone, era gravação de um lado só do disco. _____: “Casa Edison! Do Rio de Janeiro!” O Baiano. Eu conheci o Baiano e o filho dele, trabalhou muito comigo o filho desse Baiano. Quem botava a voz Casa Edison do Rio de Janeiro era o Baiano. Mas quando eu fui trabalhar não tinha mais. Quem trouxe o disco para o Brasil foi o Figner, você sabia? Fred Figner.
P – Isso eu não sei sobre…
R – Ele quem trouxe. Mas quando eu fui trabalhar a Casa Edison não gravava mais. Vendia vitrola e aquela, tem até umas marcas aí que eu esqueço, de manivela. Então o disco era de um lado só a gravação. Mas gravar não gravava mais, não.
P – E o Figner tem uma história da fábrica Odeon, o senhor conhece?
R – E qual é a história?
P – É que ele construiu a fábrica Odeon. O senhor conhece essa história?
R – Não. Eu não, tanta história, tanto tempo que se passou, 82 anos que eu estou... Muita coisa eu esqueci. Eu que manobrava com aquela máquina Madas, eu ia para todo lugar. A Odeon deve ser o disco Odeon, antes deu ir pra Casa Edison. Mas eu ia à Petrópolis na Souza Cruz, era a companhia, tinha máquina... Podia contar as lojas que tinham máquina Madas, pelo fato de ser máquina muito cara não era qualquer escritório que tinha.
P – E aquela história que o senhor me contou lá fora da chave no sabonete (risos), como foi isso?
R – Ah, eu sempre, sempre fui muito levado. Eu gostava de, eles deixavam, mas também fizeram comigo isso. A gente mudava de roupa e deixava o sapato assim, quando eu era menor, o sapato no armário. E eles pregavam sapato com prego. Arregaçava e pregava com prego grande mesmo. Quando tinha serão [plantão noturno]... Fazia muito serão. Um dia eu me arrumei para ir embora, quando fui apanhar meu sapato, sumiu meu sapato. Eu: “Mas agora, como é que vai ser?” Porque depois quem fazia serão era só eu. Chegou em uma ocasião que era só eu, ficava naquela casa enorme fazendo serão. Máquinas Madas, tinha muita coisa, tinha problema. E eu ficava ali para fazer serão. E eles faziam tudo que era safadeza que pudesse fazer. Eles sabiam que eu ia fazer serão, escondiam a camisa, às vezes um molhava a camisa e dava um nó. Mas gente, na hora de eu vestir a camisa a camisa estava com um nó. E nesse dia eu estava lá sozinho e eles pregaram, pegaram no meu sapato e pregaram por dentro do sapato lá. Lá no, não sei onde foi. Tinha uma parte em cima, o estoque. E o cara do estoque botou meu sapato lá e saiu, ele saiu às seis horas e eu ficava fazendo serão lá. O cara saiu quando eu procurei o sapato não achei. Virei tudo que... O estoque não podia virar, estava fechado, a chave com o rapaz. E virei tudo, virei tudo. Saí da Casa Edison meia noite, uma hora da manhã. Arrumaram (risos) um chinelo para mim, o chefe que estava lá. Eu fui para casa de chinelo, porque pregaram o meu sapato lá no estoque. E o cara esqueceu, ele só foi trabalhar, fechou o estoque e foi embora. E meu sapato ficou lá. Então, você perguntou o quê?
P – Era a história da chave que o senhor tinha contado.
R – Ah, da chave. Tinha muita história pitoresca ali. Um dia foi um camarada para lá, de cor. Ficou com o apelido de Jorge Chevrolet. Ele era muito elegante esse rapaz. E ele foi trabalhar lá. E ele queria tirar um carro, o sabonete Lifebuoy, pode falar o nome do sabonete?
P – Pode.
R – O Lifebuoy oferecia um prêmio. “O sabonete, se você tirar a chave do carro dentro do sabonete você vai ganhar um carro.” Então esse Jorge, crioulo limpo, gostava de um banho. Então o Jorge depois ficou meu amigo -ele já morreu - eu fui na Mangueira, encontrei com a mulher dele na Mangueira, ele morreu. Então esse Jorge - esqueço o nome dele - comprou o sabonete Lifebuoy e estava passando o sabonete, tomava banho. Nós tomávamos banho juntos. E _______ só tinha uns dois ou três que eu contei o caso. Então esses caras que sabiam o negócio pediam o sabonete a ele para gastar, porque ele ia chegar. Eu peguei o sabonete, esquentei uma chave, lá tinha sessão de fechadura, peguei uma chave de automóvel, esquentei e meti no sabonete do lado. Depois eu cimentei aquilo que saiu do sabonete, botei lá no armário dele, porque nós todos tínhamos armário. Então toda noite eu pedia: “Jorge, empresta o sabonete?” Eu tomava banho de sabão. “Jorge empresta o sabonete aí?” Eu pegava, tomava, esfregava bastante para, porque ele queria ver o resultado que ia dar aquilo. Mas custou. Os outros lá pediam o sabonete a ele: “Jorge, empresta o sabonete?” Só quando foi um dia já estava fininho o sabonete, que eu meti de lado a chave assim. Um belo dia ele está tomando banho: “Ah, ela aqui!” Fez aquele escândalo todo, pegou. Ele estava tomando banho, viu aquela chavezinha assim, aquele lado da fechadura assim. Meteu o dente. Uma dentadura muito bonita. “Olha aqui a chave, tirei o carro!” Até aí eu estou quieto, eu e mais uns três que sabíamos da história. Eu digo: “Ih, cacete.” Aí ele pegou. A dona Lélia quis comprar a cava, vinte mil réis pela... Ele pegou a chave, limpou a chave toda. Botou em um envelope, botou no bolso e a dona Lélia queria comprar.
P – Dona Léa era?
R – Dona Lélia.
P – Lélia.
R – Era dona desse prédio aqui.
P – Era da família também do Figner?
R – Era filha do Figner. Ele tinha três filhas, a Lélia, a Leontina e Helena. É, três filhas e um filho adotivo, era o, esqueço o nome dele. Bom, então o Jorge ficou todo prosa com a chave.
Ah, nós estávamos na Praça da República, ele foi para a Rua Sete de Setembro. A Lélia quando soube que ele tirou a chave: “Eu te dou vinte mil – não me lembro – na chave.” “Não, não quero, não.” Ficou lá com a chave no bolso. E eu telefonava daqui para a Rua Sete para saber como é que estava o negócio lá. Ele todo prosa lá. Telefonava: “Como é que está o negócio aí?” “Ih, está dando um bode, Guilherme. Telefonaram para Niterói para o chefe da Lifebuoy – ele morava em Niterói. – Então estamos esperando aqui. Jorge está aqui todo prosa com aquela porção de...” A loja assim de gente que passou na rua e viu aquela: “Que foi isso?” “Ele tirou a chave da Lifebuoy, ganhou carro.” Aí ficou a loja cheia de gente lá. Quando veio o gerente da Lifebuoy olhou assim: “Cadê a chave?” Era português. Eu não sei. Eles que contaram pra mim. “Olha a chave aqui.” Ele disse: “Isso é uma grossa brincadeira que fizeram com você.” Então depois eles souberam que fui eu que fiz o negócio. Então depois que passou, aí ele ficou com o apelido de Jorge Chevrolet, esse rapaz, por causa desse caso. Porque a loja ficou cheia: “O que tem? O que há aí?” “Não, o rapaz que tirou a chave da Chevrolet.” Mas o Chevrolet não tinha chave nenhuma, não botou chave nenhuma. O gerente chegou e foi dizendo: “Essa é uma grossa brincadeira que fizeram com o senhor.”
P – O senhor sabe até que ano funcionou a Casa Edison?
R – Não sei. Eu sei dizer a você que eu estava tão enfronhado naquilo que eu tinha medo. Quando eu me aposentei tinha medo de passar na frente da Casa Edison, da mulher me chamar. Aquele estado de culpa de eu ter que ficar lá, então eu procurava passar do outro lado. Eu sei que eu fiquei com medo de passar na frente da Casa Edison porque a mulher podia me chamar. Passei uns tempos, eu não sei quanto tempo funcionou, não. Eu sei que lá eu entrei, conforme eu te falei aí, como office-boy, depois como aprendiz de mecânico. E fui indo, me tornei chefe da seção. Saí de lá, quando eu me aposentei ali.
Ah, teve um dia também que eu interrompi a minha ida lá, tinha um rádio assim, a minha mesa era assim, tinha aquela porção de mesa, e eu estava ali e o rádio ficava em frente. Sempre a música atrapalhando a minha vida. Lá tinha o Gaturama e tinha o Milton, era um camarada que eu estava aqui e a máquina trabalhando, funcionando em frente ali e ele lá nos fundos da oficina queria ouvir música. Então chegava aumentava o rádio. Eu digo: “Isso está ruim”, porque na máquina Madas tem certos defeitos que você tem que sentir no ouvido. Eu certo momento: “Pô, não bota isso alto que está me atrapalhando.” Ele botava. Eu saí na mão com ele, fomos para a rua. Nós dois. Aí o período bravo na minha vida. Eu morava no Méier quando foi um dia, nós passeamos quinze dias, porque o cara ficou tomando conta da oficina, um outro mecânico lá. Puxa saco. A briga que houve entre eu e o cara foi só um sopapo, ele podia relevar. Mas quando chegou um que era o chefe, quando o seu ____ chegou ele disse: “Guilherme e o Gaturama brigou – todo mundo tinha apelido lá - brigaram aí.” Aí veio a ordem e eu fui para a rua. Então passei uns tempos na rua. Ia sempre para o Méier. Quando foi um dia esse cara chegou e disse que estava mandando me chamar na Casa, porque eu não arrumei emprego. Aí quando eu soube que estavam me chamando lá fiquei muito feliz. E fui lá. Me reintegraram no emprego novamente. Eu continuei trabalhando com a máquina Madas e assim foi a coisa.
P – Seu Guilherme, vamos falar agora um pouquinho da sua carreira. Como foi a sua iniciação musical?
R – A minha carreira eu te falei. Eu comecei, um dia eu cismei quando eu fiz a Calça Balão, que eu fui para a Casa Edison, dali eu comecei a procurar a querer gravar. Eu fiz várias músicas mas não conseguia gravar. Eu gravei com... Fui fazendo conhecimento com os compositores. Não conhecia o Nelson ainda. Pedro Caetano, Claudionor Cruz. Vocalistas Tropicais. Gravei com eles. Gravei com Orlando Silva duas valsas muito bonitas. Mas eu não conseguia gravar. Aí tinha um programa Aurora, na Rua Buenos Aires que eu ia para lá, só tinha amadores.
P – É rádio isso?
R – Era rádio, era. Os cantores eram todos amadores. Eu não tinha gravado ainda com o Orlando, não. Não tinha gravado nada. Ia para lá de maneira que todo mundo cantava. “Agora sou eu”. Aquela porção de cantor lá, programa Aurora. Uma senhora que chamava Aurora. E eu um dia recebi de uma fã, esqueci o nome dela. A minha mulher já descobriu onde é que ela morava. Sabia onde é que ela morava. Então eu recebi ela dizendo assim: “Guilherme, você tem uma voz muito bonita. Eu queria que você mandasse uma fotografia para mim.” Então aquilo foi uma glória. A carta foi uma glória. No meio daqueles cantores todos receber aquela carta. Levei para casa para mostrar a minha mulher. “Olha aqui uma carta que eu recebi de uma fã. Fui o único a receber uma carta.” Aí foi aquela decepção. Minha mulher me deu um esporro: “Pô, o que falta é você agora estar recebendo carta dessas piranha aí fora e tal”. E a moça coitada, eu tinha vontade de conhecer essa moça hoje. Já procurei saber onde ela vive e não vi, não encontrei. Aí eu peguei, tirei o retrato sem ela saber. Ela quis rasgar a carta, eu escondi a carta. Aguentei. Fui lá fora e depois de alguns dias depois tirei o retrato, a dona mandou o endereço dela e mandei para ela. Então ela mandou a resposta da carta com o retrato: “Você é muito bonitinho, e a sua voz também é muito bonita.” Mas aí eu não mostrei mais à ela, não. Guardei lá, hoje essa carta está no museu de Conservatória. E um dia essa dona Aurora também, cantor que recebeu carta só eu, ela me chamou: “Guilherme, toma aqui para você. Guarda isso aí que é o teu cachê aqui”. Dez mil réis naquele tempo. Ah, eu que cheguei, a situação lá em casa estava ruim. Eu trabalhava na Casa Edison. Então peguei aquela nota de dez reais, escrevi, botei a data em cima. Não deixei gastar nem por nada aquela nota. Muito embora a situação lá em casa precisasse daqueles dez mil réis. Não deixei gastar. Levei lá para o museu. Hoje está lá no museu. E eu estou muito feliz pelo fato dela ter me dado aquele primeiro cachê.
P – Como surgiu esse museu?
R – É, esse museu, lá já tinha em Conservatória, a Cidade da Seresta. Já tinha o Museu Vicente Celestino. Um dia eu me admirei porque eles fizeram um museu com o Silvio Caldas, Gilberto Alves, Nelson Gonçalves e eu. Eu digo: “Ué, mas eu estou novo, estou vivo aqui vocês vão fazer museu e botar vivo lá?” Você está vivo mas você já está quase morrendo, já está quase batendo as botas, já pode entrar no museu.” E eu fiquei muito agradecido a eles. Levei muita coisa lá para o museu... Isso já é a chamada do homem. Aí eu fiquei muito feliz e o museu está funcionando até hoje lá.
P – O senhor fala um pouquinho do ambiente musical da sua infância, adolescência? Os artistas, se o senhor conheceu alguns artistas de Vila Isabel? Como foi isso?
R – Não, aí eu já tinha saído de Vila Isabel. Na época, nessas ocasiões que eu ia procurar o rádio eu já tinha saído de Vila Isabel. Ah, eu conheci o, conhecia eles lá no, ia na Rádio Nacional, tinha um bar onde os cantores nas horas de folga iam pra lá. E eu então ia para lá para querer me enfronhar. Às vezes eles deixavam eu entrar no bar. Às vezes o guarda lá dizia: “Não, o que você quer?” “Não, eu quero...” “Não senhor, não pode, não.” Corria comigo. Então na Mairinque Veiga também eu não podia ir. Foi um período longo, sempre chegando tarde em casa. Porque eu saía do trabalho, ia para a Praça Tiradentes onde nós nos encontrávamos. Dali saía para as rádios em busca de cantor que gravasse e não conseguia.
P – E quais eram seus cantores preferidos na época do rádio?
R – Bom, cantor preferido meu sempre foi Orlando Silva, mas eu nem podia pensar em chegar aos pés de Orlando Silva. Aí eu encaixei música com Ademilde Fonseca, com o Roberto Silva, depois de persistir muito. Mas eles cantavam no programa de auditório, mas gravar que era bom eles não gravavam. Um dia eu fui indo, fui indo. Passava meses e meses andando atrás de cantor. Quando eu vi que não conseguia mesmo, eu digo: “Pô, eu vou acabar com isso porque só serve para me dar aborrecimento.” Chegava em casa a minha mulher chiava porque eu chegava tarde. “Eu não vou mais compor, não.” Parei de ser compositor. Parei de ser compositor quando um dia eu estava em casa, tinha um concunhado meu, Vaguinho, tocava violão muito bem. Ele estava acompanhando o Augusto Calheiros na rádio Roquete Pinto. Ele arrumou lá de acompanhar o Augusto Calheiros. Eu em casa estava ouvindo o Calheiros acompanhado por ele, “Pô, o Calheiros é capaz de ficar com uma valsa minha”. Eu tinha várias valsas. “Eu vou levar, vou mostrar a valsa Meu Dilema ao Calheiros”. Pedi a esse meu concunhado assim: ‘Vamos lá, deixa eu ir contigo e tal.” Realmente eu cheguei lá: “Calheiros, vem cá, eu queria te mostrar uma música aqui.” Era aquela, mas o Calheiros já estava no final de carreira já. E cantei a valsa para ele, para o Augusto Calheiros. É bonita a valsa que aí ele disse a mim: “É bonita a valsa. Eu na primeira oportunidade vou gravar essa valsa.” Aí o Calheiros tornou-se meu amigo. Ia lá em casa. Eu tenho esse retrato que eu vou mandar para vocês aí: Augusto Calheiros cantando lá em casa. E foi aquele festejo: “Mas tu vai gravar mesmo, Calheiros?” “Vou gravar.” Ficou meu amigo. Ia almoçar lá em casa. Aí eu fiz mais valsas para o Calheiros. Fiz o Anjo Bom, fiz mais uma meia dúzia de valsas para ele, naquele estilo dele. Um dia ele me ligou, disse assim: “Guilherme, tem uma notícia boa para você.” Eu digo: “O que é? Qual é a notícia?” O disco era só um lado e o outro, a música de um lado e do outro. “Eu vou gravar a tua música”. Eu digo: “Vai nada Calheiros, vai mesmo?” “Vou gravar.” Quem dirigiu o disco era o Antônio Almeida, o produtor que tinha naquela época. “Você, mas tem uma coisa, você nasceu com o cu para a lua.” Eu digo: “Por que Calheiros?” Porque quando ele foi chamado para mostrar, ele tinha que mostrar duas músicas, ele cantou uma música que foi esse Meu Dilema. O Antonio Almeida disse: “Essa está bonita. Isso vai para um lado. Agora canta a música para o outro lado.” Ele começou a cantar o repertório que ele tinha, cantou ____. “Não, essa não.” Cantou outra. “Essa não.” Quando ele não tinha mais nada para cantar, cantou outra valsa minha. Não me lembro qual foi. Se foi o Anjo bom. Foi eu acho o Anjo Bom. Aí o Antônio Almeida que não sabia de nada disse: “Essa é a música para o outro lado.” Então vê você, eu penei, mas comecei gravando dos dois lados sozinho, como compositor. Eu frequentava o Bar Nacional, no Largo da Carioca. Comprei uma caixa de disco, distribuía disco para todo mundo. “Quer um disco meu filho? Quer um disco?” Porque eu queria autografar o disco. Dei disco para todo mundo. Foi uma felicidade que você não imagina. Dali eu comecei a fazer amizade com o Pedro Caetano, Claudionor Cruz. E também começou a surgir outros cantores. Tem aquela música que eu gravei, bonita. Muito embora seja bonita o rapaz ouviu, um rapaz que vivia lá em Conservatória ouviu essa valsa aqui no Rio e disse: “Essa valsa é tua? É tua. Então faz botar essa placa lá em cima em Conservatória.” Aí me levou lá, botou a placa: Meu Dilema. Está lá a placa. Aí eu fiz amizade com outros compositores. E Ademilde canta música minha, não gravava. Mas aí eu cheguei a outros compositores, como o Pedro Caetano, Ledo Vi. Aí comecei a gravar com Orlando, com os Vocalistas Tropicais. Aí as portas se abriram para mim e eu estou nessa carreira até hoje. Estou feliz. Agora já não faço mais nada.
P – E como funcionava essa questão de direito autoral na época?
R – Ah, direito autoral? Agora que está bom, porque naquela época era muito, muito triste o direito autoral. Chegava lá a receber, ia receber, recebia dez, vinte mil réis. Hoje estão pagando melhor. Eu tenho inclusive o Perdomo que é presidente da minha sociedade e ele está ajeitando a coisa. E hoje eu recebo melhor, porque antigamente não dava para se viver de direito autoral, não.
P – Então antigamente dava para um artista viver só de música?
R – Eu não sei. Como o compositor ganhava não dava, não. Agora eles podem dizer, né? Porque se ganhava mundos e fundos. Eu não, pelo que ganhava não dava, não.
P – Os compositores em geral tinham outro trabalho?
R – Não, alguns eram vagabundos. Viver de música tu já viu. Mas eu já comecei a gravar trabalhando, continuei trabalhando. Ia de noite. Aí, valia a pena. Porque gravava, fui gravando. E cheguei no ponto que cheguei hoje.
P – E como era o pessoal do trabalho? Quando o pessoal soube que era a música do senhor que estava tocando na rádio, como era? Como era quando o pessoal te escutava na rádio?
R – Você sabe que sempre existe o despeito, né? Ouviam, também não tocava muito. Porque eu nunca tive força para fazer minha música tocar, mas aqueles que ouviam aprovavam, me elogiavam muito, e eu gostava muito de saber que eles tinham ouvido a minha música.
P – E desenho, pintura como o senhor é em relação a…
R – Ah, desenho, eu já te falei no princípio da calçada da dona Carlota onde eu desenhava. Depois, na escola que eu estudava eles descobriram que eu desenhava. De desenho eu me saía bem. E aí professora no dia de desenho ao invés dela dar aula, mandava eu ir para o quadro-negro para fazer um desenho para a turma copiar. Mas só que quando eu ia para lá fazia o desenho, ela escolhia o desenho, mandava eu reproduzir no quadro-negro, ela querendo me agradar mandava a classe toda bater palma para mim. E só faltava o chão se abrir e eu entrar de vergonha. Então eu procurava faltar às aulas de desenho as quartas-feiras. Eu não ia à escola. Mas dali eu vim
pintando. Me liguei ao Sansão Campos Pereira, é um grande pintor que tem aqui na Avenida Atlântica. Liguei a, me liguei ao Aurélio D'Alincourt, foi professor da Escola de Belas Artes. E eu fui desenvolvendo. Um dia eu comecei a me meter a expor, onde tinha exposição eu ia. Um dia eu fui no Salão, Primeiro Salão de Pintura do Galeão. Aí era lá na sessão da Aeronáutica. E eu levei, só podia ser tema do Galeão, da Aeronáutica. Então eu fiquei pensando: “O que eu vou fazer? Fazer o Santos Dumont?” Então eu vi que muita gente ia fazer. “Fazer Eduardo Gomes?” Muita gente ia fazer. Conclusão, eu bolei em um quadro, em um quadro grande assim, essa era a medida mínima. Fiz um recorte da tela, embaixo a lua com aquelas crateras e o infinito, as estrelas lá no céu. E o 14-Bis chegando na lua. Botei o nome do quadro: O Sonho. Levei lá para o Galeão. A emoção. Levei lá para o Galeão, O Sonho. Quando foi no dia da vernissage – que inaugurou a vernissage – eu fui. Peguei a minha mulher e fomos lá. Não, sem pretensão nenhuma. Mas quando eu cheguei lá o meu quadro estava em primeiro plano lá na Aeronáutica, e eles escreveram em um papel: “E tudo começou assim.” Eles escreveram e botaram embaixo do meu quadro. O nome do meu quadro era O Sonho, era o sonho de Santos Dumont chegar a lua. Chegando na lua com o 14-Bis. Então eles puseram isso, deram uma atenção especial. Eu tive prêmio e me deram um dinheiro. E fui à Fernando de Noronha. Eu com outros pintores, foram premiados também. Então fiquei muito feliz. E é isso aí.
P – E agora voltando, a Casa Edison era no Centro. Como era o comércio no Centro? O senhor lembra? Como eram as lojas, que lojas tinham?
R – Eu lembro, deve ter loja daquele tempo ali na Rua Sete de Setembro. Você vê, é uma loja pegada a outra, só muda o ingrediente que tem lá dentro. Então era assim e continua assim. Eu também não sou tão velho assim, não, minha filha. Eu estou com 82 anos só, sou um jovem senhor. Então aquelas lojas eram mais ou menos o que são hoje.
P – Mas tinha alguma loja que chamava atenção do senhor que o senhor gostava, frequentava ali na Sete de Setembro?
R – A Capital. A Capital era na Avenida Rio Branco. Lá era onde eu comprava roupa quando dava o dinheiro. Eu comprava na Capital. Não sei se existe essa casa ainda hoje. Então era assim.
P – E voltando um pouco à Casa Edison, quem eram os principais clientes da loja?
R – O principal cliente era a Souza Cruz. Porque eu estou me tirando pela Madas, que era a máquina que eu trabalhava e era a máquina mais cara, mais comentada da Casa Edison. Então era a Souza Cruz que tinha condições de ter essa máquina pelo preço que ela representava, que ela tinha. Na Souza Cruz eles tinham mais máquina Madas. Era freguês geralmente que a mulher tinha mais consideração.
P – E como era feito o atendimento ao cliente? Por exemplo a Souza Cruz. Era por telefone? Como era? Tinha vendedores que iam procurar, iam nos escritórios? Como era?
R – Vendedores tinha. Tinha até um quadro lá na Casa Edison que contava a história dos vendedores ali, e o que eles vendiam. Mas quando eles precisavam de mecânico telefonava só para a Casa Edison: “Manda um mecânico aqui porque a máquina Madas enguiçou.” Lá ia o Guilherme. “Manda o mecânico na Bahia.” Telefonava: “A máquina Madas enguiçou”, lá ia o Guilherme. Era só eu. Em Petrópolis tinha departamento da Souza Cruz lá então só eu. Porque aqui só tinha três mecânicos daquela máquina. Quatro. Era o Antônio, três. Era o Antônio, o cara que trabalhava na Light, lá dentro. E um outro de São Paulo. Eu não conhecia. Depois que eu aprendi o ofício, ficou eu, Antônio, Valter da Light, que era o outro mecânico da máquina Madas, e esse lá de São Paulo que eu não conheci. E aí que quando se tratava de máquina Madas o Valter não ia sair da Light para atender, porque ele trabalhava para a Light. Lá em São Paulo era São Paulo. E aqui era o centro da representação da máquina Madas. Ou ia o Antônio, esse meu compadre, ele é que ia. Mas depois ele passou o ofício para mim. Foi trabalhar no Banco do Brasil. E eu como mecânico da Madas ia atender a tudo que era chamado que batesse na Casa Edison. Fui à São Paulo, a Bahia. Petrópolis eu ia sempre. Então foi uma maravilha para eu viver.
P – E a Casa Edison, tinha filial?
R – Filial não. Não tinha filial. Bom, tinha filial lá em São Paulo. Aqui no Rio, não. Tinha filial em São Paulo, mas eu não conheci. Sabia que ela tinha filial lá, mas o centro dela era aqui no Rio de Janeiro.
P – E como as pessoas chegavam na loja? Tinha estacionamento na época?
R – Não. A Rua Sete de Setembro era como é hoje, aquele tumulto. Aí que o sujeito deixava o carro lá no estacionamento e ia a pé. Ou ia de, de carro não tinha estacionamento lá.
P – E a loja tinha entrega ou coisa assim?
R – Tinha caminhão de entrega, tinha, porque era muito organizada. A loja era uma maravilha. Quando o Figner estava lá, tinha o corpo de vendedores, tinha os funcionários. Tinha os vendedores e os faxineiros com aquele uniforme. Os mecânicos. Mas depois que ele saiu foi decaindo a coisa e tem muita coisa para contar, mas acontece que eu não posso contar. A dona Lélia foi decaindo a Casa Edison e acabou a Casa Edison.
P – E na época, nos tempos áureos da Casa Edison, tinha propaganda no rádio, impressa?
R – Ah, tinha. Aparecia no catálogo telefônico. Aparecia sempre também a Royal, também era outra exclusividade dele. Tinha para concorrer com a Casa Edison, tinha a Casa Prate na Rua da Quitanda. Então ela representava a máquina Remington. A Casa Prate. E a máquina de calcular era, eu esqueço o nome da máquina. E tinha a Casa Edison que era a máquina Royal de escrever, e a máquina de calcular, a máquina Madas. A máquina de somar era, esqueço o nome, enfim, era representante. Porque as máquinas vinham de fora, vinham semi desmontadas.
P – Então as máquinas vinham de onde?
R – Ah, as que eu trabalhava?
P – Sim.
R – Vinham da Suíça.
P – Ah, é. O senhor falou já.
R – É. Então tudo era a Casa Edison. A Casa Edison que resolvia. Eu ia no cais do porto com ela. A máquina vinha desmontada, eu ia no cais do porto contar as máquinas. Depois o caminhão ia buscar para eu montar. Ficava trabalhando até tarde para montar aquelas máquinas. Foi bom para mim sabe. Foi
muito bom para mim. Uma passagem maravilhosa da minha vida. E seja o que Deus quiser. E ele quis. E eu trabalhei até o final na máquina Madas. Um dia eu me aposentei. Me aposentei, aí ficava com medo de passar em frente a Casa Edison, de me chamarem lá para alguma coisa, porque eu não queria mais trabalhar. Então eu fugi muito de passar na porta daquela casa com medo deles me chamarem para lá dentro para fazer alguma coisa. Mas foi bom. Eu não posso me queixar da vida, não. A vida agora, você vê, eu estou fazendo um show em cima do outro. Tenho a minha empresária que está ali com aquele sorriso maravilhoso.
P – (risos) A Ísis. Ísis, né?
R – Eu esqueço. Estou esquecendo tudo agora. Só não vou esquecer de você com esse sorriso tanto tempo para mim que está muito bonito.
P – (risos).
R – A vida está boa para mim. Eu comprei um apartamento agora lá em Bonsucesso. Graças ao mecânico... Ao meu trabalho como compositor. O Perdomo me arrumou um dinheiro para completar o que eu tinha para comprar esse apartamento. Estou muito feliz lá. Eu com a minha mulher. Está bom para mim. É que não falta mais nada para eu ser feliz. Sempre tive uma vida modesta, sempre fui modesto e minha mulher também. Então eu não tenho grandes ambições. De maneira que acho que está muito bom para mim.
P – Bom, seu Guilherme, falta mais um pouquinho em relação ao seu trabalho. Depois a gente vai entrar na sua família, na sua vida atual. Agora só para a gente poder fazer um contra ponto do passado com o presente, eu vou fazer uma pergunta em relação às embalagens e o sistema de pagamento. O senhor lembra como eram as embalagens? Como os produtos eram embalados na Casa Edison?
R – O menor produto que tinha lá era a máquina de escrever. Com aquele carro em cima. Vinha da Suíça em uma embalagem especial, em um papel especial. Parecia engomado, papel engomado. Com outro feito piche que tinha ali dentro. E as máquinas de escrever eram sem embalagem, porqque eles entregavam. O vendedor botava na cabeça e levava.
P – E a forma de pagamento, podia pagar em prestação, aceitava cheque? Como era?
R – Ah, antigamente era tudo a prestação. Eles tinham o controle e tu pagava a prestação. Você comprando a prestação hoje é a mesma coisa.
P – E era como a prestação em cheque, ou era aquele carnê?
R – Não, não era carnê, não. Naquele tempo não tinha carnê. Era cheque. Você assinava as promissórias e pagava com cheque. Ou a dinheiro mensalmente.
P – Então vamos entrar agora na sua vida pessoal. O senhor pode contar um pouco a história do seu casamento, como o senhor conheceu a sua esposa? Contar um pouco essa história pra gente?
R – Você sabe rapaz, todo rapaz tem namorada. E eu tinha a minha esposa, eu conheci por causa da música também, porque ela tinha um irmão que tocava violão. Então me chamou um dia para eu ir em Ramos,
na casa de um sujeito que fazia esse negócio de Festa de São João e eu fui lá para cantar, para vender meu peixe. Eu fui lá, cantei e toquei, e aí eu conheci a minha esposa. Mas aí, naquele tempo, conforme eu te falei, dinheiro era muito pouco. Mas eu sempre trabalhei, então, na hora de casar ela não tinha vestido de noiva. Tinha um amigo meu que sumiu, não sei o que houve com ele. E eu lamento muito porque eu tinha vontade de encontrar esse rapaz, o Célio. Um dia ele perguntou: “Como é o vestido da tua noiva?” Eu digo: “Ela não tem vestido de noiva. Vou casar com roupa comum porque ela não tem vestido de noiva.” Ele disse: “Não, ela vai ter vestido de noiva sim.” E fez um vestido muito bonito para ela e ela foi vestida de noiva, graças a esse amigo meu, que eu lamento, ele sumiu. Então ela foi de noiva graças a ele. Porque eu ganhava pouco. Lá tinha um barraco pra gente morar, lá nos fundos do terreno da casa da mãe dela. Dona Lica, também uma criatura adorável. Gostava muito das minhas músicas. Então eu casei. Veio o primeiro filho, eu só ia ter um filho. Naquela ocasião que não tem os recursos que tem hoje eu só queria um filho só, achava que era mais fácil de criar. Mas como não tinha o trato, hoje a mulher pode evitar. No tempo que eu casei não podia.
P – O senhor casou em que ano?
R – Ah, eu não me lembro agora. Sei que o meu filho está com trinta anos hoje. O primeiro, o caçulinha. Está com o meu primeiro filho. Há trinta anos isso. Aí eu casei, veio o meu filho. Tanto que a menina, se viesse, ia se chamar Diana, se fosse menina ia se chamar Diana. Por causa de uma menina que eu vi na barca, a menina com vestido aqui em baixo assim. Aqui em baixo, toda... E a mãe chamou: “Diana, vem cá. Diana.” Aquele Diana ficou na minha cabeça. Então o meu filho que hoje tem trinta e tantos anos, tem o nome de Juarez. Foi em homenagem ao Juarez Távora era um político que tinha aí. Então eu pensei: “Pô, vou deixar, vamos deixar vir a menina porque criança sabe que morre à toa.” E não tinha o tratamento que tem hoje para evitar. Então ela tinha que acabar com o negócio de filho. Então eu digo: “Não, vamos deixar vir a menina também, porque aí está mais garantido. Se morrer um vai ficar o outro.” E graças a Deus essa filha é muito amiga minha, como meu filho também é. Eu estou muito feliz. Sou muito feliz.
P – O que seus filhos fazem?
R – Meu filho trabalha em uma fábrica aí. É gerente de uma fábrica de cigarro. E a minha filha é doméstica, é dona-de-casa. Também o marido um sujeito muito legal e ela tanto é minha amiga que ela vai todo dia lá em casa me ver. E ela mora na Ilha, vai em casa para me ver, para me tomar a benção. Então é legal.
P – O senhor gostaria que seus filhos seguissem o caminho da música? Eles se interessam alguma coisa assim, tem…
R – Queria não. Eu quis. E eles seguem o caminho da música. Meu filho tem um casal filhos que não deu para a música, não. Mas ele toca violão muito bem. A minha filha começou também arranhando no violão, mas casou e não seguiu. Os meus netos por parte da minha filha, tem a minha neta que toca bem violão, canta. Meus netos também tocam e tem um bisneto agora que está com cinco anos, já está
começando a tocar também. Quando reúne o velho com a garotada eles fazem uma farra lá.
P – A sua principal atividade é a música?
R – É a música e a aposentadoria que eu tenho, que não é muita coisa, mas com mais o que dá a música e o show, e ultimamente eu tenho feito muito show que fico até sem tempo de fazer show. Mas graças a Deus tenho feito muito show. E com a aposentadoria vai dando para eu viver bem, modestamente com a minha mulher.
P – E o que o senhor achou de estar participando desse projeto Memórias do Comércio do Rio de Janeiro, falando da sua experiência tanto como músico e como comerciário, também no caso das Casa Edison?
R – Pois é, isso. Eu fico admirado como é que está surgindo tanta coisa para mim. Não sei se tem pena de mim porque eu não canto mais como cantava. Então, porra, eu estou admirado de tanto show que eles estão arrumando para mim e com a aceitação que eu tenho tido. Ainda hoje eu fiz um show lá na, esqueço o nome, fiz um show muito aplaudido e fico muito agradecido a eles. Deus que abençoe a esse pessoal todo que me ajuda mesmo no fim da vida. E é muito bom a gente ter o reconhecimento conforme eu estou tendo aqui contigo.
P – Então seu Guilherme, eu quero agradecer ao senhor e queria que o senhor desse uma palinha aí de uma... (risos)
R – Pois não.
P – Para a gente ter registrado aqui.
R – Eu vou cantar uma música para você, falam muito dessa letra. Até já houve quem dissesse que viu ali na internet, eu nunca vi isso, porque eu não sei trabalhar com internet. Mas então foi incluída entre as dez músicas mais bonitas, as letras mais bonitas do seresteiro. Essa, Se Tu Pisava nos Astros Distraída do Orestes Barbosa. Então eu vou cantar: Tira o Seu Sorriso do Caminho que eu Quero Passar com a Minha Dor, que é outra frase também que eles consideram muito bonita. Eu vou contar em tua homenagem isso aí. “Tira o seu sorriso do caminho, ta-ran-ran, que eu quero passar com a minha dor. Hoje pra você eu sou espinho, espinho não machuca a flo-or. Eu só errei quando juntei minh’alma à sua, o sol não pode viver perto da lua.” Tá bonito?
P – Está lindo.
R – Pois é. Isso está muito bonito.
(palmas)
P – Parabéns, muito obrigado por tudo. Agradeço a sua entrevista.
R – Eu que agradeço a você. Só espero que saindo aí por escrito você só não esqueça de mandar para mim.
P – Ah, sim. O senhor vai receber o convite de lançamento.
R – Eu vou guardar de coração. Ainda mais sendo entrevistado por uma criatura tão simpática como você.
P – Obrigada.Recolher