Museu da Pessoa

Arte aperfeiçoada

autoria: Museu da Pessoa personagem: Sylvio Pontes

Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Sílvio Pontes
Entrevistado por Luiz André do Prado e Paulo Tosetti
Estúdio da Oficina

Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 14 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista

nº 22
Transcrita por Luciana Tosetti

P - Gostaria que dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.

R - 4 de julho. Eu nasci na cidade de Mauá, em 4 de julho de 1912.

P - E o seu nome completo?

R - Sílvio Pontes.

P - Poderia dizer o nome e a origem dos seus pais?

R - A origem dele, como se diz? Ele se chama Manuel Henrique Pontes. Ele era do Rio de Janeiro. Minha avó tinha circo, sabe? Quer dizer que quando ele viaja com, assim, com Circo do Lampião, sabe? Aqueles cirquinho de antigamente. Então, acontece que ele ficou gostando da, quando foi assim no circo, da minha mãe. (riso) Ele ficou sendo... Casaram, gostou... Ele estava estudando, antigamente, no Colégio do Rio de Janeiro, negócio para sacerdote. Mas desde que ele viu minha mãe, numa excursão com o circo, em Lorena, se casaram.

P - Qual era o curso que ele fazia?

R - Ah, mas o curso dele, ultimamente. O que ele trabalhava?

P - O senhor disse que ele estava fazendo um curso.

R - Sacerdote.

P - Ah, sacerdote.

R - Sacerdote. Já era para tirar, se exercer...

P - Ia ser padre.

R - É, mas desde que encontrou com a minha mãe... (riso)

P - E como ele conheceu a sua mãe? Ela estava na platéia?

R - É, na platéia.

R - É. Assistindo. E ficaram logo... Ela ficou gostando dele e ele dela, e trataram de casar.

P - O que ele fazia no circo?

R - Olha, eu vou dizer... Ele até largou do circo, que ele não gostava do circo. Que minha avó morava no Rio de Janeiro também, sabe? Ela chamava Maria Bahia Lacerda . Um nome tradicional de lá. Do Rio de Janeiro, pode-se dizer.

P - E o que eles faziam?

R - Olha, o que eles faziam eu não posso dizer se ele era palhaço lá, viu? (riso) O que eu sei é que ele não gostou de ficar no circo. É minha mãe que conestava. E depois que conestava para a gente, já maior. Ele não gostou, saiu. Nem quis saber mais de... Ficou desligado.

P - Sua avó era do circo?

R - É, minha avó já era.

P - O seu avô não?

R - Meu avô acho que não era, não, meu avô.

P - O senhor não chegou a conhecê-lo?

R - Não conhecia meu avô, não. Nem minha avó. Essa avó aí. Só conhecia a avó por parte da minha mãe.

P - Então seu pai cresceu num circo?

R - É, é.

P - Com sua avó que trabalhava no circo?

R - Justamente.

P - E ele se casou e se fixou? Por que o circo ficava circulando?

R - É, circulando. Justamente. Ele não gostava, não gostou. Não sei porque que ele abandonou. Não devia ter abandonado. Continuar...

P - É uma profissão bonita

R - É, lógico. Pôxa vida E eu tenho uma neta que é pequeninha, também faz as mesmas coisas que ele. Assim de pular, faz uma trapalhada danada. Parece que puxou a avó dela. Ela tem quatro anos. Magrinha também, sabe? É interessante. Eu sei dizer que depois ele veio para Mauá. E lá já constituiu família, tudo. Nove filhos. Um meio doente. Sei dizer que ele morava na casa da companhia lá, da SPR. Mauá não tinha, como diz, rua assim, sabe? Tinhas as ruas, mas não tinha nome das ruas, sabe? Era perto da estação, dali da...

P - Mauá, no Rio de Janeiro?

R - Não, não. Aqui, em nossa Mauá.

P - Ah, está certo O senhor falou que ele morava no Rio, antes?

R - É, pois é. Mas depois ele veio de lá. Como eu estava contando, que ele veio para Mauá para procurar emprego, tal. Arrumou emprego de cabineiro.

P - De cabineiro?

R - É, de cabineiro. Toda a vida dele exerceu negócio de cabine, assim. E sempre doente. Doente de bronquite, e tal. Que levou a vida dele embora. Coitado E assim, quem ficou... Depois que ele faleceu... Faleceu no ano, acho que antes de 22, mais ou menos. No ano 22. E nós viemos embora nesse ano, quase.

P - O que sabe da história da família da sua mãe?

R - Da família dela? Ah, a família da minha mãe já era diferente. Que a gente não sabia muito naquele tempo. Mas eu lembro que o marido da minha avó, a mãe da minha mãe, era ruim. Era, como chama? Ele era judeu, sabe? De Israel. O nome dele é Israel, o nome de Israel. Estavares, Israel Estavares.

P - Israel Estavares. É o sobrenome da sua mãe?

R - É. Eu sei dizer que depois ele sumiu

P - O senhor conheceu os seus avós maternos?

R - Eu não conheci. Esse avô eu não conheci. Só minha avó. Tenho até um retrato dela. Mas esse avô aí...

P - E eles eram cariocas?

R - Não, eles não eram cariocas. Eles moravam já em Lorena.

P - Lorena.

R - Depois meu pai tirou todos eles de lá. Trouxe para São Paulo. E ele foi para Mauá. (riso) Vê que coisa Levou num lugar bom, e ele foi para um lugar ruim. Mauá.

P - E o senhor...

R - Nós vivemos lá muito tempo.

P - O seu pai conheceu sua mãe onde?

R - É, Lorena.

P - Com o circo passando por lá.

R - Justamente. Ele largou todo o estudo dele, né, de sacerdote. Ele ia já exercer. Mas ele estudou para alfaiate, professor, fazia (fogos?). Era traquejado, gostava de pescar, fazia ______________, sabe? Cuscuz. Gostava de tudo isso aí.

P - E o senhor, então, era...

R - Eu era aquele garoto pequeno ainda.

P - Eram em quantos irmãos?

R - Nove.

P - Nove. E o senhor é qual, meio, mais para o final?

R - Não, eu sou o penúltimo, assim.

P - Penúltimo. E como era o ambiente na sua casa?

R - Antes do penúltimo eu sou...

P - Ante- penúltimo. E como era o ambiente da sua casa, na sua infância?

R - Ah, uma vida não muito boa.

P - Difícil.

R - Difícil, difícil. Precisava me virar, vender algumas coisa para. Como eu estava dizendo para o moço, que era duro a vida.

P - Seus irmãos trabalhavam?

R - É. Não, eu estava na escola. Pagava a escola, tudo. Apesar que não cheguei tirar diploma, infelizmente.

P - O senhor fez o primário?

R - Minhas irmãs tiraram diploma, professoras. Foram professoras. Mas nós já éramos pequenos, não deu. É uma situação muito difícil, antigamente. Depois que foi endireitando. A gente foi trabalhando, ganhando um dinheirinho, (riso) e assim por diante.

P - Sua família morou em Mauá até quando?

R - Até, mais ou menos, 22. Nós viemos para cá... Mais ou menos 22, depois de 22, acho. Quando foi o Centenário, ainda nós estávamos lá. Depois do 22, acho.

P - Depois da morte do seu pai?

R - É. Ele rezou todo o negócio que o padre deu para ele rezar. Rezou tudo em latim. Aí depois o padre perguntou para a minha irmã:"Ué, ele rezou tudo em latim. O que ele era?" Ela disse: "Não, ele estava estudando para sacerdote. Ele já ia rezar uma missa." Eu sei que o padre ficou espantado. Padre italiano.

P - Isso quando ele estava mal, doente?

R - É, quando ele estava para falecer. Chamou todo mundo, todos os filhos, todos, todos.

P - E o padre foi rezar com ele, e ele rezou em latim?

R - É. Nós chamamos o padre, que ele pediu padre. Para confessar. Eu sei dizer que ele despediu de todos nós. Foi uma... Depois, no outro dia, ele morreu. Faleceu.

P - E a partir daí a família veio para São Paulo?

R - Justamente.

P - Por que São Paulo?

R - Não tinha aonde ir.

P - Tinha alguma família aqui?

R - Não, tinha a minha avó, que arrumou uma casa, como tinha dito, de um cômodo. Um quarto, uma sala, cozinha, quintal. Na rua Conselheiro Lafaiete, lá na Moóca. Então nós ficamos lá. Indo na escola Sete de Setembro.

P - A mãe da sua mãe, sua avó?

R - É, dela. Ficamos lá. Não na casa dela. Perto, vizinho dela.

P - Como era o nome dela?

R - Sebastiana.

P - Sebastiana Estavares.

R - Sebastiana Jesus de Estavares.

P - E que recordação o senhor tem dessa chegada aqui em São Paulo? Qual foi a sua primeira impressão da cidade?

R - Uh, mas eu gostei Quando eu vi o bonde, quando eu saí pela rua, assim, que eu vi o bonde, eu fiquei olhando. Aqueles postes, eu fiquei dobrado, ali, assim, sabe, que é dois, dois trilhos? E Bum (riso) Deu uma emoção aquilo, aqueles passageiros... Ali perto da Moóca. Eu estava olhando. Eu falei:"Eu nunca vi bonde" (riso) Essa é a trajetória da gente. Que a gente vem do Interior.

P - E aí enturmou logo na Moóca, arrumou amigos, ou foi um pouco difícil?

R - Ah, não. Depois a gente entrosou pouca coisa na molecada. Que as molecadas daqui era, geralmente era tudo italiano. Vocês são italianos? Ninguém aqui?

P - Eu sou descendente, mas é longe.

R - Então. Mas, sabe, eles eram diferentes. E minha mãe não gostava que brincasse com a turma. Só falavam nome feio. (riso) E nós levávamos um cortado da minha mãe. A gente gostava de jogar uma bola, sabe? Tinha Waldemar de Brito lá na Moóca. Ali o campo na Conselheiro Lafaiete, sabe? Waldemar de Brito foi que nem um irmão para a gente. Até que ele jogava também, bola era com ele. Ele jogava assim. Ele queria levar eu para o São Paulo, também. Eu dizia:"Não, eu não vou não." Isso eu conto para todo mundo. "Não vou porque eu estou trabalhando, você tem um pai que é gerente do Wilson (Sons?)." Era um português, né, pai dele. "E você pode ficar desempregado, aí. Eu não posso." (riso) Estava trabalhando. Estava trabalhando com negócio de tipografia também.

P - Seu primeiro trabalho aqui já foi tipografia?

R - É, primeiro trabalho. Quer dizer, foi... Eu até esqueci de falar para o moço aí. O primeiro foi de lustrador.

P - Lustrador de quê?

R - De móveis.

P - Lustrador de móveis. Numa fábrica de móveis?

R - É. "Miguel Redondo?". Até pouco tempo disse que tinha essa fábrica, aí. Depois faliu. Depois a gente tomava uma cachaça para não fazer mal. E eu chegava meio tonto em casa. Aí minha mãe tirou. (riso) O pessoal punha, como chama? Aquela pinga... com licor, sabe? Bebia assim. A gente estava acostumando a beber. Depois fui trabalhar no "Vanorbi".

P - Tomava lá na fábrica, mesmo? Eles davam a cachaça?

R - Mandavam. Os empregados mandavam comprar, a gente ia comprar e dava um traguinho só. Pouquinha coisa.

P - Mas a mãe estava no controle e não gostou?

R - Tirou. Falou lá com o cara:"Ah, ele não vai trabalhar mais, não. Vai ficar viciado, aí." E não quis saber mais.

P - Como era a relação da família? Todos os irmãos trabalhavam?

R - Ah, depois foram casando. Foi diminuindo. Trabalhando. Trabalho, todos eram ferroviários. Todos eles. Menos eu. Todos, todos. Tio, irmão, tudo na SPR.

P - De qual?

R - Da SPR, antigamente.

P - Sorocabana?

R - Não, a São Paulo Railway.

P - São Paulo Railway, está certo

R - É, e o outro trabalhou na Sorocabana. O Henrique. Eu, o Mário. Todos eles.

P - Um arranjou e foi arranjando para os outros?

R - Foi todo mundo. Só eu que não quis. Porque eu vi que o meu pai morreu na estrada, eu não quis saber da estrada, sabe? Um tanto que ele sofreu negócio de ser cabineiro, fechar porteira e, como se diz? Aqueles sinais de distância, puxar longe. Quase em Ribeirão Pires, os sinais já eram...

P - O que que é isso? Sinal?

R - É o sinal. Os trens, assim, quando tem outro trem, puxa a alavanca, assim, sabe? É com peso embaixo, aquela alavanca. Não sei quanto pesava. Eles não aguentavam, viu? E é isso Eu achava que ele sofria muito.

P - É uma profissão dura.

R - É. Depois eu trabalhei no"Vanorbi", tal. Foi indo assim.

P - Já estava adolescente. Vinte e poucos?

R - Vinte anos.

P - Quantos anos o senhor tinha mais ou menos nessa fase?

R - Quando eu entrei no "Vanorbi", acho que uns... Eu entrei não tinha 24. Não, 24 não, depois de 24. Porque 27 eu estava no "Vanorbi", ainda. Não, quer dizer, depois de 24 eu entrei. Depois eu trabalhava de margeador. De aprendiz.

P - Margeador?

R - De margeador. Margear assim, sabe? Eu sei dizer que depois eu peguei, como é que se diz? Aí eu trabalhei ali. Fiquei até uns seis meses, já aprendi a margear. Aí um colega lá me chamou para trabalhar no Bianchini.

P - Onde era antes?

R - Na Casa "Vanorbi", uma casa antiga.

P - Casa Banore?

R - "Vanorbi". É em francês. Eu trabalhava, margeava, numa máquina. Tinha uma máquina encostada, velha, já bem usada. E estava lá para vender. Eu limpava aquela máquina para os caras comprar. Mas ninguém queria comprar. Passou, né, ano. Passou, fui trabalhar no Bianchini.

P - Eu queria que explicasse o que é margeador.

R - Não, põe um papel aqui, espalha ele assim, vai você com essa mão, segura e vai empurrando, sabe? para ( _____________________________________________ ?)

P - Vai passando o papel?

R - Até que... Milhares de papel. Até que estragava a mão da turma. Depois disso aí, ainda tem a história toda. Depois quando eu fui, que eu fiquei oficial, eu tinha os margeador. Então, acontece que eu sei que esse camarada me chamou para ir trabalhar lá no Bianchini... Bianchini depois eu fiquei dois... Numa crise que teve em 1930. É foi no meio 29, 30. Fechou uma porção de indústrias aí. E o Bianchini faliu. Ficou tudo na ruína.

P - Crise econômica?

R - Aí foi o tempo que eu fui trabalhar na sapataria. Não deu certo porque eu não... (riso) Eu quis é voar muito e...

P - Queria o quê?

R - Voar, assim, chamar a moça lá para entrar na loja. (riso) Eu fiquei com vergonha do que ela falou, fiquei com vergonha. Mocinho. Tinha uns 14 anos. Aí eu saí. Saí, não fui mais.

P - Ele chamou sua atenção porque o senhor ficava chamando as moças...?

R - É, mas depois eu fiquei parado. Depois um me chamou para trabalhar numa tipografia. Essa tipografia, não gostei. Saí.

P - O que o senhor fazia na tipografia?

R - Não, a mesma coisa. Pautação.

P - Margeador?

R - É. Depois eu saí. Saí e fui fazer o que, mesmo? Não, me chamaram Chamaram já para trabalhar noutra. Foi na Ernesto de Carvalho, sabe? Foi na Ernesto de Carvalho. Lá que ganhava 5 cruzeiros por dia. Trabalhava lá, monestava máquina, margeava. Não tinha margeador lá. A gente monestava a máquina e trabalhava. A gente baixava as canetas. Depois já estava até cheio Também não estudei nada para ganhar um pouco. Na Revolução de 32, lá, a gente ganhava um pouco mais. Fazia hora- extra até 10 horas da noite, ganhava-se um dinheirinho a mais. Depois, no meu aniversário, em julho, a Revolução foi em julho. Me chamaram para... O Bianchini estava já em função, na rua Cantareira. Me chamaram para ver uma máquina lá, se eu podia consertar aquela máquina. Meu chefe do Bianchini, antigo, não conhecia aquela máquina. Ele estava no "Vanorbi", ele deve... Mas eu nunca trabalhei naquela máquina. Eu falei: "Eu nunca trabalhei naquela máquina, lá. Eu limpava a máquina para vender", eu falava:"Não, mas vai lá." Aí eu digo:"Ah, vou sair lá do Ernesto de Carvalho... " onde eu trabalhava "... Estou ganhando pouco, mesmo." E olha aí. Depois fiquei até a minha vida, lá. Minha vida foi lá.

P - Ernesto de Carvalho era o quê? O que o senhor fazia lá?

R - Tipografia, também. Tudo na tipografia. Mas tudo me procurava... Quando eu fiz ano, que eu fui para o Bianchini, de novo. Ali fui ganhando mais. Fiquei lá. O dono lá dizia:"Ó, a máquina é essa aí." Olhei, rodei a máquina assim, eu digo:"Mas..." Eu vi, fiquei espantado:"Ué Eu conheço essa máquina, seu José." Ele dizia:"É, você deve conhecer, que você trabalhou no "Vanorbi". E o Rafael (Zullo?), seu chefe lá, disse que essa máquina não vai funcionar, não. Eu mandei chamar você." Aí eu vi lá tudo. Ele : "Ah, você faz o que quer na máquina. Você fica aí. Arruma tudo." Arrumei a máquina, durou até 72. Com o material tudo bom Tudo bom

P - A máquina fazia o quê?

R - As pautas.

P - Máquina de fazer pauta.

R - É.

P - Como é que funciona uma máquina de fazer pauta?

R - Elas correm pela... As linhas elas num pano, assim... Primeiro ela entra com as linhas. Linha embaixo, linha em cima. Elas rolam, dá volta. As antigas. Hoje não existe mais nada de linha, isso aí.

P - É para fazer pauta para imprimir no caderno?

R - Ela entra ali... Não, depois tem as canetas ali, assim. Um pouquinho que ela dá volta, dá uma volta, até sair daqui, quando a gente põe outra folha. Ela dá volta no rolo, vai, dá volta. Vai até lá, volta para secar, depois ela vai passar lá para pautar lá atrás. Depois ela dá a volta e vai cair.

P - Pauta do outro lado do papel?

R - É. Depois vai, cai na caixa. Até a caixa eu fiz automática, depois. Batia o papel, na máquina.

P - E para que pautava o papel?

R - Ah, fazia livro. Tudo.

P - Fazer livro?

R - Fazia livro. E eu fazia uns cadernos que... É como eu estou falando, para o moço aí, que eu falei assim:"Não, as pautas da caligrafia está tudo errada as de hoje em dia." Principalmente aquela do meio. Aquela tem que ser três centímetros, milímetros ou centímetros, não sei. Pequeninha assim. Agora, a minha já era um pouco maior. Para fazer um A, um R, direitinho. O senhor pode notar. Às vezes eu falo para o meu neto: "Ah, isso aí não está certo. Eu vou fazer um modelo e vou mandar fazer na, tirar na..." Como é que chama essas máquina que tira? Porque não dá para escrever ali, as crianças, não. É muito pequeno o centro. Já viu? Reparou?

P - Caderno de caligrafia?

R - De caligrafia. E os L ficam grandes, e o T também. E o A fica pequeninho, espremido ali.

P - Como é que é o certo? Tem que ter as duas linhas...

R - Não, tem que ser maior no meio. E diminuir as outras laterais. Diminuir um ponto, dois pontos.

P - Tem que ter três milímetros?

R - Eu vou... Eu fiz para o meu filho e mandei para a professora. Peguei uma tira de linha, fiz assim, e mandei. Disse:"Leva, leva." "Ah, não vou levar." "Está bom. Então não vai levar, deixa lá." Entendeu? E assim. Os cadernos eram todos feitos assim. Agora não. Estão tudo... Não dá para as crianças escreverem direito, uma caligrafia bonita.

P - Mas essa máquina fazia pauta...

R - É pauta só.

P - ... margeadora só para caderno de caligrafia?

R - Não, fazia livros. Pautação de livro também.

P - Livro - caixa?

R - É, caixa, tudo contas- correntes. Tudo que é livro. Toda qualidade de livro, nós fazíamos. Eu pautava...

P - Depois encadernava.

R - Essa máquina, no fim, ela ficou cortando... Que nenhuma máquina em São Paulo não cortava papel no meio. Essa, comigo, essa máquina que ficou encostada lá... Ela já tinha trabalhado, né, essa máquina, lá na "Vanorbi". Já estava velha, já Fazia um barulhão Os (ouro?), mandei fazer os mancal tudo novo, no mecânico. Ficou boa a máquina. E sem o rolemã. São as máquinas antigas que não existiam, sabe? Porque, faz de conta, se está... A pautação sai aqui nas pontas, e no meio não sai. Nessas máquinas antigas. A gente precisa escolher toda... O cilindro é bom, o pano também é bom. Então a gente tinha que escolher todo aquele... Tinha um monte de material daquela máquina, tudo jogado. Escolher que não tivesse um batidinho. Mas tem uma ignorância Não ter uma batidinha, sabe? (riso) Por quê? Hoje eu vejo os cadernos que vendem por aí, tudo ruim. Pauta. Eu olho assim e digo... Fazia ali tudo, escolhia tudo assim para dar certo. Agora, a Moderna, não. Moderna, que já tinha moderna também. Ela tem a barra, a gente faz a composição, então vai pondo um disco e um compasso, um disco e um, sabe? Vai enchendo, até fazer o modelo todo. Depois, se não pega, tem um negócio, um rolemã, que nem daquele que a gente põe na caneta, sabe? Vai enchendo.

P - Uma esfera?

R - Não, um compasso assim. Um material que a gente faz a largura das pautas. Então tem um rolemã daquela largura, copiado. Naquele lá, parece que é o número 9. Aqui no 9 tem umas rolemãzinhas e tudo é encaixado assim, com um negócio. E é só apertar, pondo, apertando assim, vai dando gravação no meio. Facilita muito. Porque a máquina que eu trabalhava não tinha nada disso, não. Precisava escolher todo o material, de acordo com a caneta. Caneta torta. E ela ficou até... Morreu na minha casa

P - E que máquina era essa? Que origem?

R - Alemã.

P - Alemã?

R - É. Como é? Willie.

P - Willie.

R - É.

P - E o senhor trabalhou com ela a vida inteira?

R - A vida toda. Parece mentira. Tenho até pena Vendi para o ferro velho.

P - O senhor vendeu a máquina para o ferro velho?

R - Acabou Mas eu senti muito. Todos aqueles metais. Agora, as outras máquinas não tinha muito, como se chama? Que vieram lá, eram muito mais fácil e estragava logo, logo. Com seis anos, o pautador pegava uma máquina de alumínio, ficava tudo embolorado, tudo, estragava logo. Aquela lá era porcaria. Inglesa. O mesmo material.

P - O senhor trabalhou então de 27 até 72, quando o senhor se aposentou, na Bianchini?

R - 72. Quase todo. Nos outros eu trabalhei pouco.

P - Muito pouco.

R - Bem pouco. Me chamavam. "Vamos para lá. Para cá." Eu ía. Antigamente era assim. Eu ía. Porque a gente trabalhava, o pessoal já sabia, já conhecia a pessoa. Porque a gente não fazia hora no serviço. Nunca fiz hora Quando era aprendiz, a gente varria oficina. A parte da gente, na pautação. Para aprender a varrer. Enchia os carrinhos de lixo e saía correndo com eles, para levar embora, que estava quase na hora de sair. Uma vez eu peguei o gerente, o inglês da "Vanorbi". Peguei, levei assim. Fui virar a curva, assim, ele estava lá. Peguei ele por baixo, assim, deu uma brecada rápida, assim. O inglês: por que corre muito? Não precisa correr." (imitando o sotaque) Falando o inglês, lá. (riso) Ah, essa história nunca passa na minha vida, viu? Nunca esqueço. Até contei para... Mas era bom, o inglês. Pensei que ele ia me mandar embora. (riso) Era assim, viu?

P - E a Bianchini, a gráfica, era de propriedade de ingleses?

R - A "Vanorbi" fechou. Fechou, não. Ficou a companhia inglesa, essa de estrada de ferro, comprou porque ali fazia a maior parte dos bilhetes, bilhete de... Tinha as máquinas todas especialmente. Era a oficina mais especializada aqui em São Paulo. Na construção do prédio, mesma coisa, não precisava luz, não.

P - Era da São Paulo Railway?

R - Era bem feita assim, na rua Borges Figueiredo. Um colosso Máquina automática. Eu falo para o pessoal que já tinha máquina automática: "Ah, já?" Rotativa. Tinha máquina automática e máquina rotativa. Aquelas impressoras que faz Vruum, sabe? Já tinha.

P - Isso quando?

R - Velha, já. Mais velha do que a gente. Do que eu, né, que tenho... É, eu vi que minha máquina já cortava papel, e tinha negócio de serrilha, também. Serrilha não adotei porque suja o pano. Sai aquela serrilha, depois o pano... Isso eu não usei. Só o corte. Cortava no meio, saía bem direitinho A pauta saía assim, ó. Quando batia, já saía uma coisa nítida. Punha no corte, ali não tinha erro, não. Quando margear, não. Sempre vai uma folha torta. E quando esses margeador, depois esses margeador que trabalhava comigo, que margeava, tinha um garoto lá que saía sangue. Ele dizia:"Olha, está saindo sangue" "Então deixa eu fazer para você uma dedeira. Amanhã eu trago uma dedeira para você." Arranjei um pneu lá, costurei, assim, costurei com linha, enfiei no dedo dele, no dedo, sabe? Então ele margeava aquilo assim. E gastava aquilo ali, viu? Vai ver, coitado do menino, com sangue.

P - Gastava o dedo, mesmo?

R - E ia depois a borracha também.

P - Tinha que empurrar o papel para dentro?

R - É. Para dentro e gastava. Gastava e ficava... Porque chapa assim, ia assim. Fiiu, fiiu, sabe? Assim, quando não tem nada, punha a mão assim na boca, sabe? Saliva, sabe? E ia correndo. Correndo milhares de folhas assim. O menino ficou com o dedo tudo cheio de sangue. Depois, no nosso vizinho, veio um margeador lá, trabalhar conosco. Tinha outra máquina, lá. Eu dei a dedeira para ele. Ele disse:"Oh, que bom" Eu digo: "Trabalha aí." Depois que ele saiu foi lá no Spina. O Spina fez dedeira, fez dedeira forte, de borracha. Aí não aguentava. Era borracha, e tinha que ser a minha dedeira. (riso) Eles faziam artefatos de borracha lá. O senhor conheceu?

P - Não, não conheci.

R - É uma indústria grande, ali na Rua do Hipódromo. E não aguentavam aquela borracha amarelada. Eu fazia de câmara de ar. Costurava assim as dedeiras e enfim... ______

P - Deu certo.

R - Ah, deu certo Aquilo lá nunca mais. E depois tudo ficava doente, sabe? Não sei o que que acontecia, assim, na saliva. Muita gente morreu assim

P - Ah, é?

R - Do pulmão.

P - O que acontecia?

R - Não sei, não. O pessoal disse que fazia mal para o pulmão, o papel, o negócio do papel. Para fazer,acho que leva a mão na boca, como faziam os trabalhadores, e engolia também. Depois faziam isso aí, na arte gráfica.

P - E morria do quê? O senhor não sabe qual era a doença?

R - Eu não sabia. É, mas morria quando já era grande assim. Mas, olha, o vizinho morreu, José, como era mesmo? Morreu um preto, morreu. Morreu José Inglês. Ah, José Cruz Chefe. José Inglês, José Trama, José de Souza. Quatro José. Numa seção só. Uma seçãozinha da pautação. (riso)

P - Como era a gráfica? Que seção era essa?

R - Era a pautação.

P - Pautação. E como eram as outras seções? Que outras seções tinha a gráfica?

R - As outras? Impressão.

P - Impressão.

R - Tinha a encadernação.

P - Encadernação.

R - Da encadernação faz parte máquina de cortar, e máquina de grampear, e máquina de pôr índice. Cortar para pôr índice, e todas essas coisas aí. Furar, máquina de furar. Furadeira. E tem outras máquinas. Cola. Então na encadernação vai cola, tudo isso aí, sabe, para colar os cromos.

P - Cromos?

R - É. Nas folhinhas, quando fazia folhinha assim, punha os cromos. Toda essas coisas na arte gráfica, aí. E precisava saber de tudo isso aí. Máquina de grampear. Máquina de, como é? Hoje, isso aí, como é que chama? Os cadernos que tem hoje.

P - Espiral?

R - Espiral. Hoje é diferente. Os espiral é bem diferente, viu? Antigamente a máquina grampeava e tinha outro que logo... Punha aqui assim na máquina, aqui assim, às vezes o ______ Ziiip Aí quando pegava, furava aqui assim o dedo. Era de uma mola danada

P - Aconteceu algum acidente?

R - Ah, já. Quantas vezes que a moça furava o dedo. Furava. Depois punha a mão. Muita gente punha a mão. A maior parte lá punha a mão. Não dava conta. Era muito. E os cadernos, também. Hoje é tudo mais moderno. Hoje eu gostaria de visitar uma seção gráfica moderna, sabe? Gostaria de ver uma seção, para ver como deve estar bem aperfeiçoada toda essa arte gráfica.

P - Como era a impressão?

R - Ah, a impressão precisava fazer as chapas. Por ali. Depois punha, tirava a prova, tal.

P - Como era a chapa?

R - Ah, tinha, vinha no (componedor?) assim, sabe? De madeira, bem grande. Ou se não de um aço forte, para escorregar. Quando empurrava assim, vinha todo, já amarradinho. Lá desamarrava. Assim já na parte dos impressores, mesmo.

P - Nunca fez isso?

R - Isso aí eu nunca fiz, não.

P - Era tudo com linotipo?

R - É, tudo tipinho. Tudo tipinho de gaveta. Tudo pequeninho assim.

P - Fazia a composição na chapa...

R - É, dá um trabalho O tipógrafo era espeto também, viu? Fazia tudo de trás para diante. A composição tudo de trás para diante, para dar certo.

P - Tinha que escrever o texto todo de trás para diante?

R - Tudo Precisava ser bom.

P - Letra por letra.

R - Letra por letra. Acento, tudo. (riso) É, a tipografia era espeto mesmo, viu? Era. Duração.

P - E demorava muito?

R - Ah, essa parte aí eu também não estou a par muito. Mas devia tudo demorar. Porque o camarada andava assim num negócio assim, tudo gavetinha, procurando os números, tal e tal, isso e aquilo. Ele já sabia. Que nem farmacêutico, está cheio de remédio lá, pede o remédio, vai lá. Bluur Já sabe onde que está na gaveta. Loja de ferragem também, a mesma coisa. A gente vai numa loja, lá, pede qualquer coisa, diz o nome, eles logo vão lá e encontram. Cada coisa no seu lugar.

P - A máquina de linotipo não é igual a tipografia?

R - É, não, não.

P - Lá não tinha linotipo?

R - Tinha linotipo.

P - Tinha?

R - Tinha linotipo. Vou contar uma história. Até que tinha uma linotipo. E uma vez eu fui varrer lá, a linotipo. Tinha umas caixas lá, eu não gostava de varrer assim por cima, então fui puxar aquela caixa, uma caixa pesada. Eu sei que até eu puxar a tampa, tinha uma porção de chapa de metal, que nem ouro. Bonito Aí o cara, quando me viu pegar naquela lá, o oficial falou assim:"Ô, você mexeu aí?" "Não, estou tirando aqui porque... Olha que bonito, que bonito Me dá um negócio desse aqui." "Não, não, isso aí é da..." Ninguém soube daquilo lá. Nem o novo dono da "Vanorbi", o gerente, seu Moraes. Aquilo estava no linotipo, porque fazia gravação de ouro. Era ouro

P - Era ouro?

R - Ouro. Ouro inglês.

P - O linotipo derretia o ouro, então?

R - É, ele derretia, eu não sei. Ele tinha gravata, aqui os colarinhos... Os botão da gravata dele, quando saía para passear com ele,de vez em quando eu encontrava,tudo de ouro. Tudo aqui, aqui. (vai apontando)

P - O dono?

R - Não, o dono não. O linotipista.

P - Ah, o linotipista? (riso)

R - Me deu uma bronca, lá

P - Como ele se chamava?

R - Esse aí era o seu Moraes. Era o gerente. Ninguém sabia. Eu fiquei quieto.

P - Mas acha que era ouro?

R - Depois ele não deixou eu entrar mais lá, não:"Ah, deixa aí que agora eu vou chamar outro para varrer aqui." (riso)

P - A máquina de linotipo é com estanho ou chumbo?

R - É, estanho.

P - Estanho.

R - Mas não sei porque aquele ouro estava lá, viu? É porque fazia trabalho a ouro também. Livros antiquíssimos. Tem coisa bonita. No relevo. Ah, o relevo

P - Ah

R - Aquilo lá para o relevo. Estava ali, naquele quartinho fechado. O relevo dava o vinco assim no...

P - A estampa.

R - É, dava. Ele nunca mais me deixou entrar lá no... Mas a gente via:"Ô, mas tuas abotuaduras, aí" Eu era criança, eles eram grandes:"Ah, isso a gente compra." Imagina

P - E quem eram os donos da empresa?

R - Não, ali foi como se... Depois fechou, ficou para o Clark. Conheceu o pessoal do Clark?

P - Clark.

R - O inglês. O inglês foi lá, nada ele conhecia de tipografia. O Clark parece que tinha, não o que que ele tinha. Não sei essa história, já não me faz parte saber. Veio lá o (joalheiro?) do Clark, o manda -chuva inglês. Veio lá para ver se punha... O seu Moraes mandaram embora, o seu Moraes com uma porção de gente. Mas não adiantou nada. Ele não entendia Fiquei __________ de papel, de papel, de serviço. Era uma gramatura. Porque a gente precisa conhecer a gramatura no papel, só no pegar no papel eu sei. A gente já sabe o peso dele, o papel. Já sabia, já. E ficou aí. A companhia viu que estava fechando, já estava quase tudo indo embora, aí a companhia comprou para... Ficou só a seção de bilhete. Bilhete para toda a estrada de ferro. Mas já uma seção especializada mesmo, viu? Punha os bilhetes ali e Téiim, téiim, téiimm.

P - A gráfica era ligada à São Paulo Railway?

R - É, ficou ultimamente. E parece que ainda agora ficou do governo.

P - Ainda existe?

R - Ah, acho que existe ainda. Não sei se... faz tempo, nem tenho passado por lá.

P - Onde fica?

R - Na rua Borges Figueiredo... Ela vai assim, como é que se chama aquela rua ali? É um nome italiano. (riso) Mas não sei o nome, viu? Ali tinha a companhia de transporte. Mas não sei qual é o nome também. Uma grande companhia.

P - Qual bairro?

R - Moóca.

P - Na Moóca?

R - Na Moóca.

P - E que tipo de produto fazia na gráfica?

R - Livro, fazia livro.

P - Fazia livro?

R - É. Fazia muito serviço de brochura para a Companhia Paulista, para despachar. Esses blocos, talão, fazia muito. Depois a Companhia Paulista acho que desisitu, talvez. E ficou assim.

P - Voltando para a sua história pessoal. Morou muito tempo na casa de sua avó, em São Paulo?

R - Ah, depois mudamos.

P - Mudaram?

R - É deu para... Mudamos para outras ruas, com mais cômodos, sabe? Mudamos para a rua da Moóca, ficamos na rua da Móoca. rua Borges, rua Eduardo Gonçalves.

P - Foram mudando várias vezes?

R - É. Rua Bresser. É todos eles. Antigamente era assim. Gastava seu dinheiro na mudança. (riso) Não tinha dinheiro, mas gastava.

P - O que ganhava entregava para a sua mãe?

R - Ah, entregava.

P - Ela que administrava?

R - Entregava tudo. Tudinho a gente entregava.

P - E ela dava um troco no final de semana para sair, paquerar?

R - É, para comprar amendoim, quando a gente... (Sem din-din?)

P - Onde se paquerava, naquele tempo?

R - Ah, onde paquerava... Nossa Senhora Ih, isso aí eu nem lembro. Não tem nem cabimento (riso)

P - Não tem?

R - Essa pergunta

P - Por quê? Não tinha namoro?

R - Não, tinha bastante. Mas é... Essa aí, ponto de interrogação. (riso) É demais.

P - Tinha tempo para sair?

R - Tinha. Saía quando já era moço, 16 anos saía em todo lugar. Chegava tarde em casa, sempre. Jogava futebol. Ia para fora, jogar futebol. Tudo isso aí. Ia jogar futebol longe de casa. Às vezes ia ver _________________, lá no sindicato. O sindicato lá de, sindicato de Campinas. Eu com um funcionário, lá. Avisei minha mãe. Porque a gente ia, não ia já se trocado para trabalhar. A gente já trabalhava de colarinho, tudo social, quase.

P - Na gráfica?

R - Eu trabalhava tudo de terno branco. Eu ia de terno branco trabalhar. E a gente já ia... Qualquer coisa convidava a gente:"Ó, você que está pronto aí." Às vezes machucava um lá no Bianchini, lá... Um moço, lá no Natal, pegou a mão, e aí não tinha ninguém para levar, e era patrão lá também. "Oh, mas os funcionários foram, tudo do escritório, foram embora." Já iam me pegar eu para levar, o cara lá, para o hospital. Pegou, a máquina correu, cortou tudos os dedos. Uma porção dedos cortou, do rapaz.

P - Que máquina pegou?

R - Relevo.

P - Relevo?

R - É, aquela que faz o relevo. Corta Cortando folhinha, heim? Cortando as folhinhas para a estampa, assim para colar.

P - Ele pôs a mão junto?

R - Ele estava pondo assim, conversando com a moça. A moça punha assim, conversando, e Pit Pegou a mão direita. E eu logo tive que... Mas eu já era casado já.

P - Então como o senhor conheceu a sua esposa?

R - Lá na firma, Bianchini.

P - Ela trabalhava lá também?

R - É.

P - Fazia o quê?

R - Era na encadernação.

P - Na encadernação?

R - É. Fazia um servicinho lá de...

P - E podia namorar na empresa? A empresa não amolava, não?

R - Não, não podia.

P - Não podia, não?

R - Podia só na rua, quando ia embora. ___________________________

P - Eles eram muito rigorosos?

R - Não, não. Não, um pouco era. Esse último aí era... Uma vez uma moça pôs uma bala assim, ele logo apareceu na porta, ela ia pôr uma bala na boca, assim, e ele ia passar perto dela, ela engoliu a bala. Ele não gostava que ninguém... O novo. Mas o velho, o Augusto Bizarro, lá, gente boa. O velho era italiano mas era bom. Agora esse cara que, Luciano... Também tem a fotografia aí. Esses aí que ficaram já morreram todos. Tem todo o quadro ali dos chefes.

P - Quanto o senhor ganhava?

R - Não, eu não ganhava mal, não. Mas como eu estava falando, ganhava bem, ganhava não sei quantos salários mínimos. Eu fazia serviço ali... Ninguém, era eu que fazia muita coisa ali que... Às vezes eu ia ajudar os outros, conforme era, né, a época. Por exemplo, brochura, essas coisas. Então ia ajudar os outros. Mas eu ganhava mais de 10 salários mínimos. Hoje eu estou com 296, com o aumento que veio de 15%.

P - Na aposentadoria.

R - Defasagem grande que eles fizeram em todos os aposentados. Isso os gráficos estão lutando. Mas é uma sem- vergonhice. Disse que ia ajudar, tudo. Não dá para nada. Antigamente, eu criei meus filhos, meus dois filhos. Eles estudavam e ficavam com o dinheiro para eles. Não precisavam pagar para ir ao dentista. Não trabalhavam. Depois começaram a trabalhar e ficar, né, estudando. Eu pagava aluguel. Mas agora não dá para morar, não dá para pagar nem o aluguel. Preciso ficar aqui. Fico aqui em São Paulo. Faz de conta, esse aqui, eu estou hoje aqui, amanhã já estou lá em Dracena, Mato Grosso. Mato Grosso eu vou quando vou lá na fazenda do meu genro. Andando assim.

P - Fica passeando na casa dos filhos?

R - É, da minha filha e do meu filho. Meu genro lá e meu filhos aqui. Não dá para ficar... Eu gostaria de... Porque eu tinha um apartamento. Eu tinha um apartamento na Moóca. Aquele apartamento eu fui classificado em segundo lugar. Primeiro foi no Diário Oficial. O Diário Oficial foi o primeiro. Mas eu fui que entrei em primeiro lugar lá ________ porque ele diz que só no domingo ele podia mudar. Então, depois deu umas trapalhadas lá, que fizeram. Fiquei bastante lá, fiquei bastantes anos. Fiquei uns quase seis anos, no apartamento. Embaixo. Com o menino, só. Só minha filha, e meu filho. É, dois. Depois foi lá meu cunhado, falou se queria tomar conta de uma farmácia. Minha patroa cozinhava, e não pecisava pagar aluguel, ela ficou com a cabeça que ia ser... Eu falei - "Eu não vou, não. Não vou querer, não." Até ela achou ruim. Ele disse, se eu não vou"Traz a sua mãe, aí." Não é? Eu não ia trazer minha mãe. Mas agora está bonito aqueles apartamentos, lá, viu? Oh, perdi ele. Depois vendeu, passou para os que moravam tudo lá, quase de graça. Todo o terreno. Mas o senhor tinha que ver que beleza que são lá na Moóca, viu? Bonito, mesmo Bonito

P - Com o seu salário conseguiu criar os seus filhos, pagar o estudo deles e ainda comprou esse apartamento?

R - Não, não, esse apartamento não. Esse apartamento era do governo. Estava pagando.

P - Estava pagando prestação?

R - Depois eu saí.

P - Ah, perdeu.

R - Perdeu, perdeu.

P - Não conseguiu comprar outro imóvel?

R - Não, eu não tinha comprado. Aquele lá era aluguel.

P - Era aluguel?

R - E depois ficou agora para os que pagavam. Os inquilinos ficaram tudo com o apartamento, sabe? O governo fizeram um acordo, naquele tempo. Hoje não fazem nada disso, não. Naquele tempo fizeram um acordo para pagar uma parcela um pouco a mais e ficar com o apartamento. Eu fui pagando casa a mais, sem nada. Fui para Santo André, voltei. Fui para tudo que é canto aqui de São Paulo.

P - Hoje mora de aluguel?

R - É. Agora eu moro de carona.

P - Mora com o filho?

R - Gostaria que tivesse aquele apartamento para mim. Ficava lá, estaria melhor. Outra vida.

P - Participou de sindicato?

R - Ah, não, mas não... Participei só de negócio, como é que se chama? Representante, assim, na oficina, sabe? Não quis participar. Mas tem muitos antigos... Conheci muita gente antiga lá no sindicato.

P - Na gráfica, houve alguma greve que se lembre?

R - Ah, uma porção delas.

P - Uma porção delas?

R - Ih, uma greve terrível

P - Participava das greves?

R - Ah, da greve participava.

P - Qual lembra? Lembra de uma greve que marcou?

R - Parece que 29 teve uma greve. Uma greve que durou três meses, quase. Eu ficava... Tinha reunião lá na casa do meu... Antigamente tinha reunião, lá. Ficou muitos anos. E a gente fica vendo quando secreta... Eu tinha um amigo secreto . Eu era mocinho naquele tempo. Eu tinha amigo... Eu só de greve ______________________________________ E distribuía alimento para os gráficos. Já estava muito tempo. Todo mundo estava dando alimentação. Até nisso o governo, naquele tempo, fechou uma porção de.... Fez a venda lá. Eu ia buscar as coisas lá, feijão, arroz, carne seca, farinha.

P - Os grevistas?

R - É. É que tinha meu irmão trabalhando. Eu tinha um irmão que trabalhava no Clark, outro na companhia, que ainda era solteiro. Mas a gente vê, as greves foram brabas. Prendia muita gente.

P - Os gráficos eram ligados aos comunistas?

R - É.

P - O senhor participou de algum partido, ou não?

R - Não, eu não queria saber de partido nenhum, não.

P - Mas tinha muitos colegas ligados ao Partido?

R - Colega de lá da gráfica tinha. Rocha, uma porção deles. Pimenta, Medeiros. Mas eu...

P - Ligados ao Partido Comunista?

R - É. Acho que era ligado. Porque eles eram sempre presos.

P - Eram sempre presos? (riso)

R - Estavam sempre presos. Eles morreram. Todos eles. Depois acabaram com todos eles. (riso)

P - Como a administração da empresa via esses movimentos? Faziam alguma pressão contra quem participava de greve?

R - Fazia, sim.

P - Teve demissão?

R - Naquele tempo mandavam embora. Muitos anos, mandavam embora. Depois que entrou Getúlio é que normalizou tudo, mais ou menos.

P - Era estável?

R - Estabilidade integral. Não valeu nada Integração 100% não valeu nada.

P - Não valeu a estabilidade integral?

R - Não valeu, tiraram..

P - Por que não valeu?

R - Porque não viu o dinheiro que eu recebia, que eu recebo agora? Eu ganhava muito mais. Ganhava um milhão e 400. Um milhão e 400 mil. Naquele tempo, um milhão. Agora 296, com esse aumentinho. Que era 250 e uns quebradinhos.

P - Quando saiu recebeu alguma indenização?

R - Não. Fechou.

P - A empresa fechou?

R - Faliu tudo. Spina. Tudo levaram na cabeça. Foi uma falência rápida.

P - Os empregados ficaram sem indenização?

R - Tinha um empregado lá, que era ______________, que era puxa saco, lá. Quando o pessoal entrava uns cinco minutos, ele foi reclamar lá no departamento do patrão. Ele dizia:" Fala que é o Arnaldo." E o patrão:"Diz para ele que eu não conheço Arnaldo nenhum." _________________________________. Ai, ai, não conheço Arnaldo nenhum. (riso)

P - Tem outro momento de movimento grevista que se lembre? Depois de 64?

R - Não, não. 64.

P - Vou encerrar...

R - Depois que eu casei, já me liguei na família.

P - Casou em que ano?

R - Ano? Depois que terminou a guerra. Outubro.

P - Em outubro.

R - 46. 19 de 46.

P - Mais voltado para a família?

R - É. Eu nem ia nas reunião, em nenhuma lá porque, ah, não adianta, não enche a barriga de ninguém. Sindicato até agora é a mesma coisa. Outro dia não sabia que era o diretor e eu falei para ele, falei assim:"Ah, mas esse sindicato aqui pega cada oculista, aqui, oftalmologista, para a vista. Cada arapuca que tem aqui no sindicato Não pegam oftalmologista bom, que nem o Buzaca?. E tem os outros do Cambuci." Era o diretor. Digo: "Aonde vai o dinheiro?" Porque ele fazia: "Ah,_________." Disse que era careiro. "Aonde vai o dinheiro?" Que antigamente pagava um oftalmologista, o Buzaca, um italiano. Até pouco tempo ele tem o consultório dele na rua, como é que chama? Conselheiro Crispiniano. Mas para entrar é difícil. Deve ser caro também. Não pode ser muito fácil para o convênio. Eu preciso tratar dessa aqui, está cega. Essa vista aqui não... Fecho ela... Eu sei que eu leio ainda sem os óculos, alguma coisa. Mas ela não... Pegamos esse oftalmologista que está aí em sindicato, um é aqui, com consultório aqui, outro é na Penha, outro é lá em Santos, não sei o quê. O senhor vai tratar com eles:"O senhor que que tem?" Eu digo: "Já vim aqui. Não tem a ficha?" O que eu tenho nos olhos? Ah, falei para o diretor ______________________ O cara que estava lá comigo morreu, coitado A moça lá entrevistou ele, depois entrevistou eu. Ela deve conhecer. Ela sabe que ele morreu?

P - Eu acho que não.

R - A Priscila, lá.

P - Acho que não.

R - Não sabe?

P - Não.

R - Ela vai sentir.

P - Depois comenta com ela. Ela deve estar lá embaixo.

R - Ele faleceu agora, no feriado de segunda-feira. E ele dizia: "Não, esse é o diretor, aí." Eu digo:"Ah, diretor" A gente precisa ver, não é verdade, médico que... Para que essas arapuca de, não é verdade? Eu disse: "Arapuca está cheia nos ônibus, bonde, nos ônibus elétricos. No trem agora estão pondo também." Pegavam uns coitados, aí... Não examinam nada, viu?

P - É isso mesmo.

R - Eu falei:"O sindicato precisa pegar médico pouco, mas bom" Né?

P - É isso mesmo.

R - Que nem o doutor Manchone, esse doutor que nós temos aí na rua, como chama? Senador Feijó, também, que ele é de garganta. O doutor Elpídio, aquele do negócio dos ouvidos meu, 35 anos fazia que não ia lá. Ele disse:"Puxa, 35 anos que o senhor não vem aqui no consultório. Que que há?" Eu digo:"Ah, agora eu estou precisando, doutor. O ouvido não está bom. Eu, quando ando faz barulho bum, bum, bum, nos dois ouvidos. Paro, não faz mais." Aí ele foi, limpou:"Olha. Já faz tempo, heim?" Ele fez um tratamento, limpou, olha aí, já estou bom Está a ficha lá, de 35 anos. Agora essas arapucas, aí. O diretor, falei para o diretor tudo isso aí. Fui lá, 35 anos, sabia. Nessas arapucas não sabe nem quem é a pessoa.

P - Falando daquela greve que disse que participou, chegou a comentar que houve empastelamento do jornal, perseguição ao PRP.

R - No jornal não falei.

P - Não. É que eu estava vendo aqui na sua ficha que o senhor tinha falado sobre isso e...

R - Do empastelamento do Jornal Fanfulla... O único jornal Fanfulla que foi empastelado foi com o negócio da Guerra. Jornal acho que foi esse aí. Que eu soube. Quando eu era mocinho, ainda. Na guerra, já casado, Fanfulla, que falou mal das mulheres brasileiras, é? Já muitos anos. Falou mal e empastelaram o Fanfulla . Nunca mais o Fanfulla se ergueu, parece. Acho que não. Não é? Mas eu não participei das...

P - Não teve nada a ver.

R - Não. Negócio de greve aí, não... Eu só fui aí quando era menor. Menor de idade.

P - O senhor se alistou como soldado da Revolução de 32?

R - Ah, mas não deu tempo. Eu fui lá com os colegas, com dois colegas, e eu três, estava lá. Fomos lá:"Ah, vamos se alistar aqui." Lá na faculdade. Então, fiquei lá. Era eu, ele. Eu era o último. Não último, não, que tinha uns três para cá. Daqui a pouco um militar veio lá: Pum. Cortou em mim, aqui assim:" Fica aí. Espera a remessa. Pode entrar. " Abriu o portão. Entrou tudo aquilo:"Ô, Sílvio, não vai?" Eu disse:"Eu vou depois." Mas depois... (riso) Mas depois _________________ Os outros foram tudo embora, eu falei: "Eu vou almoçar agora. Vou comer uma feijoada". Era quarta-feira. Fui comer uma feijoada lá no Piques lá. Naquele _____ de mosca, lá. Era mil e 200 a feijoada. (riso) Mas, olha, não fui mais.

P - Acabou não indo.

R - Agora meu tio esteve em toda ela. Meu tio esteve em tudo que é... Até na caça do Lampião Mas ele morreu de uma doença que um bichinho menorzinho matou ele.

P - O que foi?

R - Maleita. Ele trabalhava para o governo, também, Júlio Prestes. Conheceu Júlio Prestes? Era governador, talvez. Júlio Prestes fazia aquela estrada de ferro, lá em Mato Grosso. E lá ele era enfermeiro de Exército, ele. Chamaram ele, foi voluntário, lá. Eu sei dizer que tudo com maleita lá. Morrendo gente para chuchu Morreu muito. Ih, morre tanta gente lá E ele também pegou a maleita. E foi na caça de todas as revolução. Todas revolução meu tio Benedito esteve. Até quando ele morreu, ele pediu... Até quando ele estava em casa, ele acho que estava precisando de emprego, que saiu porque estava doente, ele pediu para o Banco do Brasil, veio uma porção de cartas do Banco do Brasil. Só do Banco do Brasil, chamando ele para trabalhar. "Ih, esse aí já morreu de maleita." "É?"

P - Queria concluir.

R - Falei muito, eu?

P - Está bom. Se quiser complementar.

R - Será que eu não falei demais? Quantas hora eu falei?

P - (riso) Não Falou um tempo bom. Estamos chegando em uma hora, mais ou menos. Última pergunta, para encerrar: se tivesse que começar hoje, que profissão escolheria?

R - Profissão? Ah, mas isso depende, viu, como está o mercado das indústria assim. Para a gente ter a certeza que podia a gente exercer essa profissão.

P - Escolher uma que tivesse com bom mercado.

R - É, bom mercado. Justamente Porque a gente escolher, a gente podia escolher muita. Tem tantas É que nem no estudo. O estudante, ele pensa em que que ele vai... Para lá ou para cá? Doutor ou, como é, o outro também? Advogado. Professor. Eles não sabem ainda, coitados Porque o campo não promete muito. Então a gente precisa a gente saber. Essa pergunta é bem difícil para lhe dar. Bem difícil

P - Como se sente vendo que esse trabalho de gráfica já não existe mais?

R - Não existe mais. Acho que não existe. Não sei nem se existe.

P - Eu acho que mudou muito.

R - Existe?

P - Eu acho que, se existe, hoje o que faz é a máquina. Não são mais as pessoas.

R - Mas os senhor são a par...

P - Como?

R - Estão a par. O governo, principalmente, deve ter uma arte gráfica que é de tirar o chapéu. E eu não sei. Eu falei (riso), falei para o rapaz se ele podia me levar para conhecer...

P - Para conhecer?

R - ... conhecer uma oficina, assim.

P - Seria interessante ver como funciona hoje.

R - É. Interessante. Eu gostaria de conhecer. Eu falei:"Eu gostaria de conhecer. Ver tudo." Aquele cheiro do papel, da tinta.

P - Tem saudades da gráfica?

R - Tinha. Não, se não tivesse falido, talvez tinha trabalhado mais um pouco, viu? Sabe? Porque eu ando muito, e não me canso, sabe? Não me canso, não.

P - Está forte.

R - É. Subo muito. No metrô, às vezes, a escada está tudo atrapalhada, tem que subir de a pé. (riso) E depressa, que os outros vem atrás da gente. Quando desce, tem que descer depressa. (riso)

P - Está com muita saúde ainda.

R - É. Mas ontem apareceu uma dorzinha, aqui assim. Hoje sumiu, já. E essa aqui assim. No joelho aqui também. Mas não é reumatismo, não. Agora eu já tinha uma dor de cabeça, outro dia. É constipação. Não tá gravando isso?

P - Está.

R - Eu estava com a cabeça inchada, doendo tudo aqui assim. Aqui, aqui. Eu então pus um dente de alho assim debaixo da, mastiguei, mastiguei, embaixo da língua. Debaixo da língua e fiquei lá aarh Arde. Precisa agüentar muito. Queima, queima, queima A gente fica, pára um pouco, suspende o alho. Depois põe de novo. Mas depois o senhor esquece que o senhor tem cabeça. Não dói mais nada.

P - Funciona?

R - Funciona.

P - Vou guardar a receita.

R - Funciona No sindicato, o (Maffei?)... Não o (Maffei?) não era. Esqueci o nome dele. Ele estava gemendo outro dia:"Eu estou com uma dor aqui na nuca, embaixo, aqui assim." Aí eu disse:"Faz com alho assim." Expliquei tudo para ele como era. Eu digo: "Não, eu vou na cozinha. Vou buscar." Aí ele foi, pôs na boca. Só que ele engolia aquele caldo do alho. A gente não precisa engolir aquilo lá, não. Joga fora. Porque tem gente que sofre do estômago, não pode engolir negócio, aquele caldo do alho. Vai cuspindo fora e vai deixando o alho ali. Aï ele fez, depois passou um pouco, disse:"Olha, melhorei, viu?" O remédio. Não tem algum remédio para pôr na língua? Que os médico dão? Quando a gente sente, que que sente? Você sabe que eu fui no INPS da ______, depois minha esposa esqueceu a chapa do pulmão. Ela que estava doente. Eu também. Eu estava no doutor (Savalla?), lá. Então eu esqueci a chapa do pulmão dela, que ela tirou, e saí depressa. Chegando ali na Praça da República, eu pus o remédio na boca, senti a dor. Quando dói, ponha. Pus. Primeira vez eu pus. Quando tomei o metrô, já estava quase lá no Belém, depois vem Tatuapé, onde eu morava, a vista sumiu. Estava sumindo, fazia assim. "Ih, meu Deus, estou ruim" Abriu a porta, quando abriu a porta lá, saiu tanta gente, eu saí na frente, subi a escada lá, depressa assim, sabe? E quando eu chego lá, acho que eu caí no chão, os remedinhos tudo espalhou por aqueles lados, lá. Quando eu vi estava lá dentro da sala do pessoal do Metrô. Os funcionário lá, tudo me pondo ventilador, assim.

P - Desmaiou?

R - Depois quiseram me levar para pegar a chapa. E é subida, heim? É subida. Dali do Tatuapé até o Tijuco Preto é uma subida. "Não, eu vou levar." "Não, deixa, que vou a pé. Daqui eu vou a pé, não precisa." "Não, vamos levar." Levou buscar a chapa da minha esposa. Andei, ainda fui buscar a chapa dela, peguei o Metrô e depois não deu mais nada, viu? Levei. Aí contei para o doutor. O doutor disse, doutor (Savalla?). Aquele lá eu acho que é um charlatão. O governo não sabe a "charlantagem" que deve ter nesses médicos aqui. Tudo pessoal de ponte de safena. E minha esposa era para fazer ponte de safena com ele. Até eu Fazer ponte de safena. Eu fui por um acauso fazer... Então, já faz uns exames particular. Ele já deu um papelzinho. Um lá perto da Vila Mariana, que eu não sei onde é. Procuramos e encontramos. Ela fez, ele deu a nota. Depois: "Ih, precisa ir no doutor, no oculista, que eu tenho marcado para hoje." Eu:"Será que dá tempo?" "Dá, dá tempo. Vamos lá." Chegamos lá no Conte, doutor Conte, falei:"Ah, doutor ela vai fazer um exame da vista para ver o que ela tem na vista." "Mas ela marcou e não veio,né?" "É, mas agora ela veio. O senhor podia dar uma olhadinha?" Olhou assim, nem precisou ir no consultório. Ela estava com, está com, como é? "Está com diabete na vista, sua esposa. Vocês precisam ir nesse lugar aqui." Uma rua, lá no Tamandaré. Um especialista, conhece? Aquele especialista, lá.

P - Não, não conheço.

R - Raio laser lá, para chuchu, nos olhos dela. Ela foi se tratar lá. Ficou a ponte de safena, minha e dela, para trás. Não fomos mais no médico, lá no (Savalla?). A turma que estava todo lá, não vai, não. O senhor não acha?

Entrevista de Sylvio Pontes
São Paulo, 14/10/1996
Código de acervo: PEX_HV022

P - O senhor está certo.

R - Não, mas é uma conversa...

P - ... e a gente continua conversando depois. Queria agradecer pela sua participação. Muito obrigado. Foi uma ótima...

R - Já acabou?

P - ...entrevista.

R - Obrigado. Eu que tenho que agradecer todos.