Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de José Ribamar Dantas
Entrevistado por Rosali Henriques e Carla Gibertoni
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 16 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista n.º 27
Transcrita por Rosália Maria Nune...Continuar leitura
Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de José Ribamar Dantas
Entrevistado por Rosali Henriques e Carla Gibertoni
Estúdio da Oficina
Cultural
Oswald de Andrade
São Paulo, 16 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista n.º 27
Transcrita por Rosália Maria Nunes Henriques
P - Qual é o seu nome completo, a cidade em que nasceu e a data do seu nascimento?
R - Meu nome é José Ribamar Dantas, nasci no Rio Grande do Norte numa cidade do Interior, bem interiorana, lá no sertão do Rio Grande do Norte, chamada Cerro Corá, é cidadezinha pequeninha, tem dois mil habitantes aproximadamente.
P - E em que ano nasceu?
R - Eu nasci em 1954, no mês de março, dia 27. Eu tive a felicidade de nascer numa rede, num sítio, um local que traz grandes recordações quando a gente chega lá, muito cheio de energia.
P - E qual o nome dos seus pais?
R - Olha, o meu pai, ele é falecido. Ele morreu em 1969, ele era um líder operário, morreu em condições suspeitas. O nome dele era José Cipriano Dantas, ele era um operário da Companhia Nacional de Álcalis lá em Arraial do Cabo. A minha mãe é uma dona - de - casa, operária, uma nordestina convicta, daquelas que está aqui há 30 e tanto anos no Sul do país e não consegue falar sem um óxente.
P - O você passou a infância lá em Cerro Corá?
R - Não, veja só, na verdade eu sou um migrante e sou uma das vítimas da grande seca que ocorreu no período de 1954 a 1955. Nessa época o meu pai era um pequeno comerciante e por força da necessidade econômica foi obrigado a fugir, literalmente, do Nordeste e procurar novos rumos. Então eu vim para o Sudeste com 2 anos de idade. Eu vim em 1956 e meu pai veio trabalhar nessa companhia que acabei de lhe citar, na Companhia Nacional de Álcalis lá em Arraial do Cabo. E passei a primeira fase da minha vida justamente ali naquele local, que inicialmente era uma vila de pescadores e depois cresceu um pouco com o desenvolvimento, com a industrialização do sal, do calcário, na produção de barrilha, que é um produto básico para a fabricação de muitas coisas: isopor, vidro, plástico e etc.
P - Como foi a sua infância em Arraial do Cabo?
R - A minha infância, ela não difere da infância de qualquer trabalhador brasileiro que nasce no berço do trabalhador, a infância de freqüentar escola pública até o período em que o meu pai morreu, que eu precisei interromper, até aos 14 anos. E em sendo o filho mais velho eu precisei assumir uma condição de paide família até porque a minha mãe, diante daquele contexto que eu lhe coloquei de ser uma pessoa enraigada, de ser nordestina inveterada, tal, de não ter procurado se envolver muito no sistema, era uma pessoa que dependia do meu pai até para ir ao armazém. E eu precisei assumir isso. Então a minha infância eu a considero até aos 14 anos, até a pré-adolescência, e a partir daí eu não tive adolescência porque eu precisei assumir o trabalho de educar quatro irmãos e ainda bem que foi tudo certo, encaminhou tudo tranqüilamente.
P - O que seu pai fazia nessa empresa?
R - O meu pai, ele controlava as caldeiras da Companhia Nacional de Álcalis, era um setor vital na produção de toda a fábrica. E no período de 64 ele já tinha uma certa liderança. Apesar de não ser um ativista sindical ele era um operário bastante ativo e participativo no processo de organização. E de 64 a 69 houve alguns movimentos que fizeram com que essa Companhia Nacional de Álcalis, que era uma companhia estratégica, aliás até hoje ela é estratégica para a produção no país de vários produtos porque é a única fábrica existente, hoje atendendendo a apenas 50% da demanda. Então nesse intervalo de tempo aconteceram alguns movimentos paredistas e em todos eles a participação do José Cipriano Dantas foi de fundamental importância porque, se a fábrica parasse inteira, mas não parasse as caldeiras o que aconteceria? O que funcionava automaticamente continuava a funcionar porque as caldeiras é que geram energia para o processo produtivo. Ele normalmente parava as caldeiras antes de todo mundo parar, então obrigatoriamente todo mundo parava. E em 1969, no dia 6 de março, ele teve um "atropelamento" que chocou a população local e ele veio a morrer, sendo que até hoje nós não sabemos de fato como é que num local deserto onde muito poucos carros passavam, um carro vai na contramão e atropela um transeunte, e esse transeunte fica ali sem atendimento, sem nada. Então ele morreu exatamente nesse período, então existem suspeitas muito fortes de que ele foi vítima do sistema vigente na época.
P - Como foi a sua infância em Cabo Frio?
R - Era fascinante, porque eu tive a felicidade nesse período de morar num local onde a natureza foi prodigiosa. Cabo Frio tem 33 praias e nós tivemos a oportunidade de presenciar aquilo, de usufruir daquelas praias quando ainda eram selvagens praticamente. Então a brincadeira que nós tínhamos quando crianças era a brincadeira normal mesmo, brincadeira de índio, é nadar, é correr, correr atrás de passarinho e coisa parecida, nada que fuja desse métier, dessa coisa comum que toda a criança tem que ter.
P - E vocês moravam em Cabo Frio mesmo?
R - Em Arraial do Cabo.
P - E como era a casa, era de vocês?
R - Importante. Olha, quando nós mudamos o meu pai, ele veio primeiro, e seguindo a regra, isso acontece até hoje, depois de um determinado período ele buscou a família. Então ele veio e arranjou emprego, quando nós viemos já viemos direto para o Arraial do Cabo e apesar de ser pequeno eu me lembro de muitas coisas. Nós viemos morar numa casa de pau-a- pique, muito pobrezinha mesmo porque a função do meu pai, na época ele era servente, ele tinha a função de limpar parafuso, imagine vocês, pega os parafusos enferrujados e desenferruja. Dá para se imaginar o nível de renda que se tinha na época. Então nós moramos numa casa de pau-a-pique, depois fomos crescendo, se desenvolvendo. E por contingência do destino a casa nossa, a primeira casa da família realmente aconteceu em função até da morte do meu pai, porque com o seguro que ele tinha nós compramos uma casa para a família. Porque até chegar aí nós moramos em barracos, e morros, enfim, um processo gradativo. Hoje o pessoal está bem alocado, está todo mundo trabalhando tranqüilo.
P - Em que escola estudava?
R - Veja só, o meu colégio primário eu fiz numa escola que pertencia a essa companhia, era a Escola 20 de Julho, da Companhia Nacional de Álcalis. Então eu fiz da primeira à quinta série lá. E aí vem um fato novo, agora que você vai gostar. Quando eu tinha 10 anos de idade, o meu pai era uma pessoa extremamente religiosa, ele era congregado Mariano, para você ter uma idéia, ele era católico praticante. E obviamente a família acompanha, e quando eu tinha 7, 8 anos eu me envolvi no movimento de igreja mesmo. Eu fui coroinha, com 9 anos eu ministrava, dava aula de catecismo e tudo mais. Aí quando eu estava na quinta série eu resolvi ir para um seminário. E aí fui para Niterói contra pai, contra mãe, contra todo mundo e fui estudar no Seminário São José, em Niterói. Passei quatro anos no seminário fazendo o seminário menor, foi uma experiência fascinante. E o seminário ele já estava mais ou menos direcionado na minha vida e coincidentemente, com a morte do meu pai eu interrompi e tive que voltar, aos 14 anos. Retornar, mas aí retornar com uma bagagem multiplicada, com uma carga de responsabilidade multiplicada. Por que isso? Porque aí eu tive que assumir a condição de chefe da casa com 14 anos de idade e tendo mais duas irmãs, dois irmãos, a minha irmã caçula na época tinha 5 anos de idade. Todos no desamparo muito grande, numa desproteção muito grande. Aí eu tive que parar, mesmo assim eu estudei um ano, fiz o primeiro colegial, aí tive que parar porque tinha que sobreviver. Como é que se trabalhava? Com 14 anos de idade já fui trabalhar, eu trabalhei de servente de pedreiro, eu trabalhei em lojas. Mas dá para imaginar um local de zona turística que vive basicamente da pesca e do turismo, no período de entressafra o que acontece. Você tinha que estar descobrindo novos meios de ganhar dinheiro, então eu juntava o lazer, aí o meu lazer de adolescente eu o transformava em dinheiro porque eu ia mergulhar, pegar mariscos para vender para restaurante, pegar mexilhões, mergulhar, pegar lagosta e vender para turista. E a minha vida dos 14 até aos 18 foi mais ou menos essa, trabalhava e dava um jeito de sustentar a família. A partir dos 18 anos aí nós tivemos que tomar uma decisão no sentido de buscar melhores condições não só no estudo, porque não havia condições de estudar mesmo já que os outros quatro estudavam. Aí que foi que eu decidi vir para São Paulo.
P - Sua mãe trabalhava em Arraial do Cabo?
R - Não, ela não trabalhava, ela fazia o trabalho de casa e vez ou outra lavava uma roupa para fora ou coisa parecida. A minha mãe continua assim até hoje, ela tem 65 anos, mas ela continua aquela nordestina enclausurada nas suas raízes, muito.
P - Então você decidiu vir para São Paulo ou foi a família que decidiu?
R - Não, eu decidi vir para São Paulo e vim sozinho. Era uma situação até interessante porque eu estava numa necessidade muito grande de trabalhar e lá era uma época de pleno verão, verão a pique. E dá para imaginar um jovem querendo ir para o clube, querendo enfim, nós participávamos de um grupo de teatro na época, fazíamos, desenvolvíamos algumas atividades e eu me sentia um pouco ressentido de não poder ter uma situação de devolver para as pessoas que estavam na minha volta uma situação de igualdade. Igualdade em termos de quê? De você chegar em casa e ver que o teu irmão está comendo arroz e ovo, quando tinha ovo, ou arroz e um peixinho, quando você tinha conseguido, e isso era uma coisa que massacrava muito. E eu me lembro que num dia de muita apreensão pessoal, eu coloquei: "Olha, eu estou indo embora." E eu não conhecia São Paulo, diga-se de passagem. Eu tinha feito uma pescaria grande, a gente tinha pego uma boa quantidade de peixe, tinha vendido e eu sentei, era uma sexta-feira, eu falei para a minha mãe: "Eu estou indo para São Paulo ou para o Rio, não sei para onde. Eu ganhei um dinheirinho aqui." Eu lembro naquela época eram 5 mil cruzeiros, deixei 2 mil e 500 com ela, isso eqüivalia hoje a um salário mínimo, aproximadamente. Aí deixei a metade com ela e a outra metade, "Estou indo." "Vai para onde?." "Ah, não sei, depois eu dou notícia." E foi interessante que eu peguei o ônibus, desci na Novo Rio, a rodoviária do Rio, e olhei, a primeira placa que eu vi foi São Paulo. Tinha três empresas que faziam. E aí: "Eu vou para lá, vou ver o que é que vai dar." E eu cheguei em São Paulo, eu saí de lá num domingo à noite e cheguei aqui segunda-feira de manhã. Foi uma outra coisa interessante também porque a sorte caminha ao lado de quem a procura. A rodoviária era aqui pertinho, aqui na Praça Júlio Prestes, antigamente. E quando eu desci eu procurei um policial: "Olha, eu estou chegando aqui agora eu não conheço nada e ninguém e só me cabe confiar num policial para me indicar um local onde eu possa dormir, um local que seja barato." E ele me levou aqui na Timbiras que continua a ser o que era na época, numa pensão de uma pessoa amiga dele que me acolheu. E até hoje eu agradeço, não sei sequer o nome dessa pessoa, eu até hoje agradeço a ele esse encaminhamento que me deu. E aí me deu algumas dicas porque eu perguntei para ele: "Olha, onde eu posso arranjar emprego ou coisa parecida aqui?" Ali ele: "Olha, vê o jornal tal, o jornal tal." Me colocou os jornais que trariam anúncios de emprego e eu me lembro que o Estado de São Paulo na época ele tinha 12 cadernos, dos quais quatro eram de empregos. Quando eu vi aquilo eu fiquei fascinado porque eu cheguei em 74, e em São Paulo estava começando a declinar o processo de emprego. Em 71 o Delfim assumiu o Ministério do Planejamento, foi quando começou, mas ainda tinha muito emprego. Aí eu comprei o Estado de São Paulo, Diário Popular, Folha de São Paulo e alguns outros jornais de emprego. Dei uma volta para fazer um reconhecimento no Centro. Eu me lembro que eu saí na terça-feira, era de manhã cedinho. E eu coloquei como ponto referencial ali a Avenida São João, Edifício Andraus, começava a ser reformado na época, em 72 ele pegou fogo. E aí eu passei o dia inteiro conhecendo esse Centro Velho de São Paulo andando, andando. E quando eu cheguei os meus pés estavam inchados. E no jornal, num dos jornais eu vi aquele anúncio, um anúncio que me chamou a atenção, no Centro de Integração das Atividades Médicas, que era um órgão da Secretaria de Saúde, que prestava serviço ao INPS na época e fui procurar. Procurei isso, a sede deles era lá na Praça Amadeu Amaral, fiz alguns testes e eles me indicaram para trabalhar no Hospital Heliópolis e coincidentemente ali no Ciam, conversando com outras pessoas eu encontrei com um outro rapaz e fizemos amizade. E ele foi destacado também para trabalhar comigo no Hospital Heliópolis. E dessa amizade cresceu um envolvimento no sentido de família, nós fomos morar juntos, a família dele me convidou para morar com ele. Eu fui morar no Alto do Ipiranga, morava num quartinho de despejo de 2 por 1, naquela época São Paulo chegou a fazer 2 graus abaixo de zero, uma coisa, uma experiência que eu não consigo esquecer. Mas aí essa família me ajudou e daí nós partimos aí para a história de São Paulo mesmo, da vida da gente em São Paulo.
P - Quer dizer, nessa pensão você não ficou muito tempo?
R - Não, eu fiquei, na pensão eu fiquei o quê. Três dias, quatro dias. Coincidentemente eu cheguei dia 28 de janeiro, dia 4 eu estava trabalhando e consegui uma família que me adotou. Imagine você que naquela época ainda existiam pessoas que confiavam, é difícil você confiar em alguém cegamente, sem ter um envolvimento maior, sem ter um direcionamento. Por isso é que disse que eu sou um homem de sorte, comecei com o pé direito realmente em São Paulo.
P - E nesse primeiro emprego seu, o que o você fazia?
R - Eu fui contratado como auxiliar administrativo e designado para fazer todo um trabalho de pronto-atendimento. Então eu trabalhava no pronto - socorro, trabalhava em atendimento, pré-atendimento de informação e em arquivo médico. E ali foi até bom porque eu aprendi, era uma vida completamente, eu nunca havia me imaginado trabalhando num hospital. Comecei a interagir, passei dois anos lá no próprio Hospital Heliópolis. Depois prestei um concurso para o INPS na época, mas aí já naquele instante nós tínhamos uma necessidade muito grande de complementação de salário. Por quê? Efetivamente você tinha um aluguel alto, as despesas eram proporcionais às de hoje e eu buscava uma melhoria, eu tentava voltar a estudar. E eu tinha também, além de mandar dinheiro para a minha família em Cabo Frio, que está até hoje lá em Arraial do Cabo, tanto a minha mãe quanto os meus irmãos, nós tivemos uma sorte muito grande porque um barco sem timoneiro, apesar de que a minha mãe foi esse timoneiro na sua sisudez, ela consegui controlar o barco de tal forma, alguns se formaram, outros estão muito bem de vida, enfim cumpriram as suas tarefas e são adultos hoje bem colocados na vida. Então desse dinheiro, uma parte ia para as minhas despesas, outra ia para a minha família e outra ia para tentar acumular alguma coisa a nível de futuro e era muito pouco, era realmente muito pouco. E fiz esse concurso no INPS na época, lá no INPS eu comecei a enxergar que não existia uma perspectiva de desenvolvimento, de crescimento a médio, longo prazo. Porque eu entendo que tudo na nossa vida acontece como a própria vida, você é fruto de um ato de amor, é concebido, a mãe- natureza passa nove meses para te fabricar, para te fazer. Você passa uns dois, três anos para começar a andar, mais uns dois para começar a falar, uns 18 para começar a se entender e aí você entra numa vida de maturidade e tudo na nossa vida acontece dessa forma. Agora, quando você não tem perspectiva nenhuma de crescimento, de desenvolvimento, você tem que ir em busca de novos mundos. E é o que aconteceu, eu trabalhava no INPS e apesar de gostar muito do que eu fazia, eu tinha um amor muito grande, aquele trabalho de uma certa forma social, nós éramos responsáveis, inclusive chegamos a ser responsáveis por setor e muitas vezes você tinha um paciente que vinha do Pará, vinha do Amazonas, vinha do Nordeste ou vinha do Sul, em busca de recursos. E na época o Hospital Heliópolis era tido como a menina dos olhos do INPS, nós tínhamos grandes profissionais, que aliás, alguns até estão lá até hoje, eu não vou citar nomes até por uma questão de não milindrar outros. Mas o hospital era muito procurado e eu me sentia muito útil naquela tarefa de muitas vezes você ter que descobrir um leito, fabricar um leito para acomodar uma pessoa que estava carente. Aquilo me era muito gratificante, mas por outro lado tinha necessidade da realização pessoal e do tempo que você tem que ganhar no projeto. E nessa época eu comecei a desenvolver um trabalho na área de informática, eu atendi um anúncio de um banco para treinamento, para fazer entrada de dados. O que é que era essa entrada de dados? Eu fui trabalhar como perfurador de cartões num banco na Avenida Paulista. Então eu trabalhava de 8 da manhã às 5 da tarde no INPS no Hospital Heliópolis especificamente, às 8 da noite eu pegava nesse banco e ia até a 1 da manhã. O que é que você fazia das 5 às 8 horas? Naquela época não tinha metrô e o transporte era tão precário quanto hoje apesar da população ser um pouco menor, esse período normalmente o ônibus levava 1 hora e meia do Sacomã até a Paulista, era o tempo que eu tirava uma soneca, eu tirava uma soneca nesse período. Então o que é que aconteceu? Eu comecei a trabalhar ali e comecei a me direcionar para a área de informática, era fascinante, naquela época por conta própria, de início eu fui fazer um curso de programação de computadores numa empresa que nem existe mais hoje, uma empresa de treinamento chamada Esepro, era aqui no centro de São Paulo. Imagina você, sem a mínima formação técnica, você chega num curso e começa a falar em Cobol, em sistema operacional, porque na época as coisas eram muito precárias também, em linguagem de computador. Eu era perfurador e surgia uma necessidade muito grande de você ir em busca de descobrir o que é que tinha por trás daquela máquina que conseguia processar milhões e milhões de cheques e ordens de pagamento. E de repente saía uma fitinha com todo o total, isso era fascinante realmente. E aí eu entrei na área de informática.
P - Só um instantinho. Essa coisa de perfurador eles exigiam alguma experiência ou não?
R - Não, mesmo porque não existia no mercado. As empresas que se utilizavam de sistemas de computadores na época, na época do IBM 360, barra 360. (riso) Os dinossauros da área de informática entendem o que nós estamos falando. Eles compravam os equipamentos, alocavam, ou alugavam o equipamento e treinavam o pessoal. Eu fui um desses treinados para fazer todo aquele trabalho de perfuração. Então você pegava um lote de cheques e perfurava os valores para depois repassar numa leitora e da leitora tinha uma gravação em fita que ia passar no mainframe, no computador central, tinha todo um processo. Mas o pessoal era treinado diretamente pelo interessado, pela empresa.
P - Não existia nenhum pré-requisito de informações?
R - A única coisa que eles pediram foi que a pessoa estivesse cursando na época o científico, eu tinha o primeiro ano porque eu não tinha concluído o segundo grau ainda. Foi o único pré-requisito de escolaridade.
P - E você falou que fez esse curso de programador, como conciliava esses dois trabalhos e o curso?
R - Eu fazia aos sábados, em princípio eu fazia aos sábados. E foi uma coisa que no primeiro instante não serviu para mim de forma nenhuma. É a tal da desatenção que os órgãos oficiais seja na área educacional, as próprias empresas e a mídia faz porque a mídia tem uma responsabilidade muito grande porque ele pega um produto lança no mercado e ele não sabe inclusive qual o objetivo dali o instrumento que está transmitindo aquilo a única preocupação é no faturamento, na época nós não tínhamos um código do consumidor e hoje nós temos apesar da população não usar muito. E aí de repente você acaba comprando gato por lebre. Esse curso de programação que eu fiz ele foi ser útil para mim uns dez anos depois. Uns dez anos depois é que eu fui saber o que é que eu tinha feito. Aliás isso acontece hoje no mercado, nós temos uma preocupação muito grande com o que nós, no movimento sindical dos trabalhadores em processamento de dados, denominamos de "data -esquina," qualquer um sem a mínima especialização vai lá monta uma escola de informática e põe lá Escola de Informática, começa a ministrar cursos e as pessoas, aliás, sem o mínimo pré-requisito vão lá, pagam, saem com um diploma que não é reconhecido por nada nem por ninguém e pagam caro, diga-se de passagem, e sequer têm a condição de usufruir, de usar aquilo nas suas atividades. Nós combatemos muito isso, até porque eu fui vítima disso no passado, não que tenha sido para mim... foi, a médio e longo prazo foi, mas é muito importante que as pessoas não percam principalmente o tempo, porque de tudo o que você pode investir na vida a única coisa que você não pode recuperar é o tempo, o tempo perdido.
P - Bom, mas aí você estava como perfurador.E aí?
R - Veja só, nós, em princípio aquela atividade era o quê do mercado, puxa você é perfurador. E o próprio crescimento, o próprio desenvolvimento tecnológico fez com que aquilo se tornasse algo de obsoleto, a perfuradora já não atingia as necessidade do mercado, ao volume de tratamento de dados. Aí começaram a surgir os terminais de computador onde você fazia a entrada de dados direto, daí surgiu o digitador. Aliás, antes do digitador tinha outra nomenclatura, era o tecladista conferente, imaginem vocês. Com isso praticamente morreu a função de perfurador e teve uma certa evolução, ela começou a aparecer de outra forma. E esse tecladista conferente o que é que ele fazia? Ele fazia a entrada de dados de uma forma semi-automática, você fazia gravações em fitas cassete, fita cassete comum que você tem no dia-a-dia. Daqueles cassetes você regravava para as grandes fitas de computadores e aí jogava no sistema, o sistema fazia os demais tratamentos. E esse tecladista evoluiu para o digitador e aí foi um problema sério que existe até hoje, é importante se colocar. Para você ter uma idéia, em 1976 eu já fui vítima de uma doença profissional. As empresas para ter agilidade e movimento passaram a fazer o seguinte, porque quando você dá um toque no teclado do computador você contabiliza isso na máquina, a máquina sabe. Você tem uma espécie de contador, se der 10 mil toques ela contabiliza toque a toque. As empresas passaram a se utilizar de um subterfúgio para aumentar a produção, fala: "Eu te dou um salário fixo e se você ultrapassar 8 mil toques por hora você tem um aditivo." Para você ter uma idéia, 8 mil toques por hora dá mais ou menos uns 180 toques por minuto e se você puxar isso dá uns 4 toques por segundo, 3, 4 toques por segundo, são 8 mil toques por hora. E naquela época esse incentivo fez o quê? Nós já trabalhávamos seis horas porque o trabalho repetitivo do digitador, apesar de parecer que não, ele é extremamente extenuante porque você passa a ser um braço da máquina. Para se ter uma idéia, o digitador ele visualiza o que está vendo, ele não sabe o que está lançando e automaticamente sai no tato, na sinergia aqueles dados que vão interagir, vão entrar na máquina. Com isso a maioria das pessoas trabalhava pela produção, então os dez minutos de café, por exemplo, não se fazia, você ia lá porque eram 3 mil toques a mais. Eu, por exemplo, era considerado um digitador de bom nível, eu dava em média 14 a 16 mil toques por hora, ganhava relativamente bem. Mas com um ano de atividade eu tinha um cisto sinovial do tamanho de um limão no meu pulso. Por quê? Porque isso é uma máquina normal e à medida que você trabalha com essa máquina ela vai deteriorando, ela vai gastando. Imagina uma dobradiça, com o tempo ela vai afinando. E já naquela época eu sofri uma cirurgia, fruto do desenvolvimento do meu trabalho, isso não se sabia, não existia nada a respeito, bom, desse trabalho de digitador, e algumas pessoas perguntam: "Está acabando o digitador? Tem os seus dias contados?" Eu penso que a médio prazo tende a diminuir muito a necessidade do digitador. Por quê? Porque houve também uma evolução face a esse advento tecnológico, face ao crescimento da atividade da informática no mundo. Hoje você conversa com alguém em Pequim, com alguém em Washington, ou com alguém lá na Groelândia ou no Pólo Sul, você faz transmissão de dados via satélite. Isso fez com que se desenvolvessem máquinas e equipamentos que fazem a leitura fotográfica, digital dos documentos, surgiram os scaners, por exemplo. E esses scaners automaticamente vão eliminar a atividade de uma série de pessoas que estariam ali desenvolvendo o seu trabalho. Eu penso que a médio prazo pode vir a se extinguir, ainda há a necessidade de mão-de-obra, mesmo com esse crescimento grande e com esse desenvolvimento grande da tecnologia etc, para conferir esses dados, para verificar, porque não dá para você abdicar da inteligência humana nesse processo. Mas aí também nós precisamos enxergar que vai estar num estágio mais avançado, não vai ser o digitador pelo digitador, ele vai precisar ter um determinado conhecimento a mais para poder entrar num processo de monitoramento da máquina. Daí o falecimento da profissão em si e nós temos tido uma grande preocupação com isso.
P - Deixa eu só retornar à sua carreira. Você estava como perfurador no Banco Mercantil de São Paulo e no Hospital Heliópolis.
R - Não, no Hospital Heliópolis.
P - Já tinha terminado, saído?
R - No Hospital Heliópolis eu era auxiliar de administração, trabalhava em outra atividade que não a informática.
P - Mas você levava os dois?
R - Os dois ao mesmo tempo.
P - E aí quando você largou o hospital ficou só no banco, ou foi para outra empresa?
R - Aí foi uma coisa interessante, porque eu fazia isso concomitantemente. Quando eu terminei aquele curso de programação eu achei o seguinte, que eu precisava encontrar uma forma de ganhar um dinheiro extra, uma forma de dar continuidade aos meus estudos e ao meu sustento e da minha família. O que é que aconteceu? Eu aproveitei aquele tempo vago que eu tinha nos sábados e domingos e arranjei um outro emprego, eu fiquei com um terceiro emprego. Eu passei a trabalhar com vendas, venda de livros, trabalhava com enciclopédias. E eu durante um certo período de tempo, até 1978, o meu lazer era o seguinte, eu ia viajar para o Interior. Por exemplo, sábado de manhã eu saía e ia para Jundiaí, e fazia a praça de Jundiaí, passava sábado e domingo lá. E na segunda eu voltava para ter a minha vida normal, já havia cumprido a minha cota em vendas. Em determinado instante estava dando tão certo essa questão das vendas que eu falei: "Olha, eu preciso realmente me encaminhar de uma forma diferente." Fui lá, pedi a minha demissão no INPS, fui taxado de louco "Como é que você larga um emprego público, seguro, que você poderia estar se aposentando aqui?" Pedi a minha demissão, saí do banco também e passei a me desenvolver somente na área de vendas. Aí para má sorte minha, em 1978 houve uma grande crise econômica, a história mostra isso no passado e aí as pessoas não podiam deixar de comprar carne para comprar livro. Foi exatamente quando eu entrei num outro banco, entrei no Baneser, uma empresa prestadora de serviço do Banespa como teclador conferente. Aí tive que largar vendas também porque estava fraco. E o que é que aconteceu? Nesse período de tempo foi o período que eu casei e aí a minha parceira, a minha companheira, a minha amiga, passou a trabalhar, ela já tinha se formado. Nós fizemos um pacto de trabalho conjunto, ela se formou, nós nos casamos e ela começou a trabalhar para me ajudar a estudar. Foi quando eu retomei os meus estudos aí já com 30 e poucos anos e fui concluir o segundo grau. Aí eu fiz o segundo e o terceiro ano colegial nesse período. Aí já estava trabalhando também no Banespa. E começamos uma nova vida lá, já na área de informática, crescemos um pouco. Do Banespa nós tivemos, participamos na época de um concurso, na verdade não era um concurso, era uma seleção pública que houve no Metrô e passamos. E aí para mim foi muito bom porque esse período de Metrô, além de me dar uma experiência profissional muito grande, e na época a política administrativa com relação à empresa pública era diferenciada, era uma política que valorizava a mão-de-obra, que valorizava o processo de desenvolvimento profissional. Foi quando eu consegui fazer faculdade etc, e crescer.
P - E no Metrô você entrou com que função?
R - Olha, no Metrô eu entrei como auxiliar de movimentos, hoje eu acho que nem existe isso lá, era uma espécie de aprendiz de operador de trem. Depois de um certo tempo fui galgando, passei a operar trem, operei trem durante dois anos. Depois um concurso interno, que na época existia nas empresas estatais a questão de reaproveitamento interno, passei para encarregado do setor. E aí já fui para a área administrativa também, já, lá passei para a área de patrimônio, de patrimônio passei para finanças. Tive uma vida muito boa a nível, profissionalmente falando a nível de Metrô. Em 1986 também numa seleção pública eu fui desenvolver as minhas atividades na Prodesp como analista de sistemas, inclusive.
P - Mas no Metrô você trabalhava diretamente com informática ou não?
R - Em princípio não, mas depois as minhas atividades careciam de desenvolvimento nas áreas e aí nós tínhamos que interagir muita coisa.
P - E foi nesse período que você fez faculdade?
R - Exato. Eu fiz nesse período, em 78 eu fiz administração de empresas, desenvolvi, terminei, concluí, fiz uma programação com a nossa família, foi uma coisa até interessante. Quando eu entrei na faculdade nós fizemos uma combinação Na época eram quatro anos de administração, hoje são cinco. "Esses quatro anos nós precisamos projetar a nossa vida." Então aí a minha vida particular tinha sido já razoavelmente direcionada porque eu já tinha casa, já tinha um carro para me locomover, a minha esposa também. Aí chegou a hora dos filhos e os filhos aconteceram exatamente nos quatro anos que passamos, que eu passei na faculdade. E quando inclusive eu me formei, a minha filha mais velha estava com 4 anos, hoje ela tem 16 anos. Mas foi um período muito bom.
P - E na Prodesp?
R - A Prodesp é uma outra empresa que nós precisamos aqui até resgatar. Hoje ela se encontra numa situação de instabilidade. Mas as pessoas muitas vezes criticam a empresa pública, criticam a ineficiência. A Prodesp, para você ter uma idéia, é uma empresa hoje que tem uma importância fundamental no desenvolvimento da sociedade de São Paulo, do estado de São Paulo. Por quê? Ela é responsável, por exemplo, pelo desenvolvimento de todos os sistemas na área de saúde, na área de segurança pública, na área fazendária, na área de administração do serviço público. Então ela é uma empresa que durante muito tempo e mesmo hoje serve de escola de informática nesse país, serve de escola. E nós temos colocado isso com muita ênfase porque nós simplesmente ouvimos as pessoas: "Ah, tem que privatizar." Olha, existem alguns patrimônios que são públicos e até em defesa não da privatização mas da moralização do serviço público eu lanço, no caso da Prodesp, um desafio e até de como seria, por exemplo, o controle da nossa segurança pública nas mãos da iniciativa privada. Uma iniciativa privada que no nosso país não tem uma cultura de desenvolvimento de um trabalho sério. É óbvio que existem as exceções, quero deixar claro isso. Então a Prodesp tem, dá para imaginar todo o banco de dados da arrecadação da fazenda estadual que hoje é 60% da base econômica desse país na mão da iniciativa privada e uma iniciativa privada sem escrúpulos? Olha, é para pensar. Então a Prodesp profissionalmente ela teve um papel fundamental para o profissional de informática no país porque hoje você encontra profissionais que trabalharam na Prodesp em todo o país. E aqui eu quero deixar claro que eu não sou um defensor da Prodesp pela Prodesp, pelo contrário, não me interessam as pessoas, me interessa a instituição, isso por quê? Porque lá dentro eu tive uma oportunidade de desenvolvimento.
P - Você entrou como analista?
R - Entrei como analista para ser treinado como analista, eu recebi um treinamento como analista. E por quê? O pré-requisito é que tinha que ter curso superior.
P - Não exigia nenhuma experiência na área de informática?
R - Exigia, como eu tinha um conhecimento básico inicial, tanto de programação e aí que foi muito importante aquele curso que eu tinha feito alguns anos atrás, exatamente há dez anos atrás, porque isso se deu em 1986, como eu já tinha toda a experiência nos bancos pelos quais eu havia passado, e a pré-experiência do próprio Metrô me habilitou a concorrer para uma das 20 vagas, aliás 18 vagas que existiam na época para 600 candidatos. É óbvio que tudo isso funcionou, mas o projeto de desenvolvimento de carreira, inclusive na Prodesp, quando eu fui para Prodesp e passei, eu fui com uma condição, eu precisaria passar por um tempo de aproximadamente seis meses de treinamento e, se habilitado nesse treinamento continuaria, senão estaria fora. Como eu acredito muito que qualquer desafio depende só de você, é lógico tem todo um contexto à sua volta, eu fui confiando no trabalho. E essa oportunidade de crescimento, de desenvolvimento lá dentro, a empresa concedeu, deu.
P - E em que ano o você entrou na Prodesp?
R - Em 1986.
P - Quer dizer, já tem dez anos.
R - Dez anos. Em maio fez dez anos. E lá você tem oportunidade de verificar todo esse processo também de desenvolvimento das carreiras mesmo, porque depois até por uma questão de ofícios, de desenvolvimento do trabalho, porque o analista ele desenvolve projetos que vão atender às necessidades do cliente, do usuário e para isso você precisa se adaptar ao teu usuário. E por causa desse desenvolvimento você tem que interagir em busca também de outros rumos, eu precisei fazer até, para poder desempenhar as minhas funções bem, eu precisei fazer um curso de economia, fiz extensão em economia, fiz uma extensão em sistemas, você precisa estar se reciclando, isso com investimentos próprios, diga-se de passagem. E hoje eu faço direito, estou fazendo direito hoje: "Você está maluco Nessa idade fazendo." Mas aí esse curso tem um detalhe que é importante, é a questão da realização de um sonho, que é o sonho de... hoje eu estou fazendo não por nota não, é porque quero, porque gosto e talvez até para ajudar outras pessoas num sentido maior. Mas profissionalmente, a Prodesp é uma escola que deve ser mantida. Agora tem um outro fator que é fundamental, eu enfatizo a questão do treinamento. Eu te coloquei no começo que eu faço parte do movimento sindical, eu, com muito orgulho, face à nossa atuação, às nossas lutas e reivindicações, seja em busca de uma condição justa de trabalho para aquele digitador, para o conferente que entra conferindo os dados de uma documentação que é encaminhada para ele, seja pela luta, por exemplo, do analista de sistemas que não tem horário para trabalhar, ele tem um horário normal a cumprir mas ele fica com o desenvolvimento do seu trabalho na sua cabeça. Muitas vezes às 4, 5 horas da manhã dá um clique, você tem que sair correndo porque é o X do problema que você descobriu e você precisa aproveitar aquele momento. Isso envolve a tua família, isso envolve a tua vida. Então na luta por se conseguir melhores condições precisa ficar claro algumas coisas. Essa questão de treinamento, a questão do reconhecimento das profissões na área de informática, e apesar de todo esse trabalho, toda essa luta, nós temos um projeto que foi aprovado em 1978, na Câmara dos Deputados, reconhecendo o trabalho do profissional de informática e esse projeto não foi aprovado pelo Senado porque existe uma série de interesses. E hoje nós temos uma grande luta enquanto sindicalistas que é regulamentar essas profissões, sim. Apesar de muitos dizerem: "Vocês são corporativistas, vocês são cartoriais." O que se quer é o reconhecimento da categoria para que se tenha um conselho de ética adequado, onde o mau profissional não faça com que uma categoria inteira de profissionais altamente habilitados, porque eu acho que nesse instante nós precisamos deixar a modéstia de lado e enxergar que o profissional de informática, quer queira quer não, tem que ter uma certa habilitação. Nós não temos a condição de ter uma pessoa sem uma certa capacidade de cultura, de conhecimento e aqui não vai discriminação a quem quer que seja, muito pelo contrário, é pelo desenvolvimento da própria atividade. O digitador, por exemplo, no mínimo ele tem que saber ler rapidinho. E o analista, por exemplo, o programador, ele para desenvolver o projeto para você, para decodificar esse projeto, ele precisa interagir e assumir a função daquele a quem ele vai atender. Então se eu vou desenvolver um projeto de comunicação preciso aprender o que esse projeto de comunicação vai fazer. Se eu vou desenvolver um projeto na área de direito eu preciso aprender isso. Então nós temos uma grande luta, eu queria colocar aqui dentro dessa coisa da extinção das profissões que é a da regulamentação do trabalho, do trabalhador em processamento de dados.
P - Você atua em que sindicato e qual o seu cargo lá.?
R - Exato. O meu sindicato é o Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados do Estado de São Paulo, nós estamos organizando, é um sindicato novo, nós estamos organizando a categoria como um todo, nós pensamos que não adianta ter o profissional organizado em São Paulo apenas, nós precisamos dar pernas a esse profissional para que ele cresça, se desenvolva onde quer que ele esteja. E hoje temos instalados sub-sedes em Santos, em Campinas, Sorocaba, Ribeirão Preto, Bauru, Araçatuba, Presidente Prudente. Sou vice-presidente e como o nosso presidente que é o Antonio Neto, que também é presidente da CGT, presidente da FSM - Federação Sindical Mundial, nós fazemos um trabalho no sentido realmente de fazer com que a categoria tenha uma representação vital, uma representação onde esse projeto venha a se desenvolver ao longo do tempo com integridade. Nós não queremos, simplesmente, ser mais um sindicalista, nós não queremos ser mais um sindicato, nós queremos ser o sindicato do qual o trabalhador em processamento de dados tenha orgulho de dizer: "Pôxa, eu tenho uma entidade que me representa, que vai à luta, que passou por um processo." E o Neto tem feito esse trabalho com muita capacidade também e eu me orgulho muito de pertencer a essa entidade como vice-presidente.
P - Desde quando você está sindicalizado?
R - Olha, veja só, sindicalizado eu sou desde a época que o sindicato não era sindicato, era associação. E como vice-presidente do sindicato nós estamos desde 1989. Nós estamos organizando o sindicato de 1989 para cá, hoje nós estamos situados aqui na Avenida Jabaquara, na estação Saúde do metrô e com essas tarefas que eu coloquei para vocês, com o objetivo básico de buscar a regulamentação das profissões. Muitas vezes eu falo brincando com as pessoas porque existe alguns que são contra, inclusive, dentro da própria categoria, porque é um campo de garimpagem muito grande, você vê psicólogo que é analista de sistema, eu não tenho nada contra, mas nós temos um projeto que visualiza uma concentração de informações, um direcionamento, ou seja, um ordenamento. E às vezes eu brinco com as pessoas: "Venha cá, você iria tratar do seu dente com um advogado? Ou cuidar da sua causa com um médico?" Então cada um tem que ter realmente uma especialização, um projeto de vida e o projeto do Sindicato é exatamente esse.
P - Houve alguma greve significativa no setor?
R - Olha, veja só, nós temos ao longo desse período de 89 para cá, nós acabamos de ser reeleitos agora, nós tivemos 90% dos votos dos associados do sindicato. Nesse período nós fizemos, nós temos hoje uma conquista de uma convenção coletiva que é considerada pelo Dieese como a quarta melhor do Brasil. Nós tivemos vários movimentos paredistas, nunca de uma forma geral, sempre direcionado para a necessidade. E por que isso? Porque nós entendemos que a greve, ela tem que ser um instrumento de luta e é o instrumento mais forte que o trabalhador tem. E em sendo esse instrumento mais forte ele tem que ser usado como a última instância e de forma a não tornar o trabalhador uma vítima da greve mas fazer com que ela se torne motivo de conquista Então nós tivemos vários movimentos em empresas isoladas, nunca a categoria fez uma greve da categoria como um todo, nunca houve essa necessidade. É óbvio que se necessário for nós vamos defender e vamos levar isso para as assembléias, e a vontade do trabalhador vai ser observada. Mas nós precisamos ter muito cuidado ao utilizarmos as armas que temos, mesmo porque se nós conseguirmos fazer um trabalho, e esse trabalhador que assiste não tiver credibilidade no projeto seguinte, a tendência será definhar. E nós não estamos aqui para isso, nós estamos aqui para construir um processo maior.
P - Dantas, a entrevista está terminando e nós gostaríamos de agradecer a sua presença aqui.
R - Quem tem que agradecer alguma coisa sou eu porque são poucos os órgãos de comunicação, as entidades que buscam tratar do problema do trabalhador. Essa é uma preocupação que nós sentimos em vocês de uma forma séria, de uma forma não pejorativa e precisamos ter a consciência de que estamos participando de um processo no qual a sociedade como um todo tem que estar envolvida, seja no sentido de buscar um desenvolvimento integral de todos os seus membros através de projetos onde todos tenham sua parcela de responsabilidade. E aí nós chamamos a responsabilidade do governo, a responsabilidade da iniciativa privada como um todo e principalmente a sua responsabilidade, a sua responsabilidade de participação porque a clareza desse projeto como um todo tem que ser tal, tem que ter um tamanho suficiente que faça com que você enxergue que você é muito importante nesse sistema. E isso que vocês estão oferecendo, essa oportunidade que se oferece para um trabalhador chegar e colocar os problemas da sua vida, os problemas profissionais que na verdade não é um problema profissional do Dantas, é um problema profissional do trabalhador brasileiro como um todo, independentemente, inclusive, da área que atua. São atitudes como essas que vocês têm agora que vão ajudar a mudar um pouquinho o sistema. Eu acho que vocês estão fazendo a parte de vocês, então quem tem que agradecer não são vocês, somos nós.
P - Muito obrigado.
R - Obrigado a vocês.Recolher