Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Odette Alves de Almeida
Entrevistada por Cláudia Leonor e Rosali Henriques
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 14 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Código: PEX_HV021
Transcrita por Rosália Maria Nun...Continuar leitura
Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Odette Alves de Almeida
Entrevistada por Cláudia Leonor e Rosali Henriques
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 14 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Código: PEX_HV021
Transcrita por Rosália Maria Nunes Henriques
P/1 - Dona Odette, comerçar, diga o seu o nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Local que eu moro?
P/1 - Local de nascimento. Aonde a senhora nasceu?
R - Eu nasci no Belenzinho, na Rua Cesário Alvim.
P/1 - E que dia nasceu?
R - 1º de abril de 1916.
P/1 - Qual é o seu
nome completo?
R - Odette Alves de Almeida.
P/1 - E o nome dos seus pais?
R - Era, ele é falecido, Ranulfo José Alves e Artêmia (Zatelli?) Alves.
P/1 - O que os seus pais faziam, dona Odette?
R - Meu pai era filho de fazendeiro mas depois ele era motorista, tinha carro na praça, ali no Brás no tempo das porteiras do Brás. Porque as porteiras não faz muitos anos que saíram, não é, mas eu era menina. Então o ponto de táxi era ali, meu pai tinha carro na praça. Ele tinha mais carros com empregados.
P/1 - Qual era a atividade da sua mãe?
R - Mamãe não fazia nada, naquele tempo mulher era difícil trabalhar e depois não tinha necessidade.
P/1 - Quais são as lembranças da sua infância, da sua casa?
R - Bom, da minha infância eu não me lembro porque mamãe morreu e me deixou no berço, então isso aí eu não lembro. Mas depois eu lembro quando era menina que eu morei no Belenzinho, depois fui para São Caetano do Sul, depois fui para a Moóca. Fiquei na Moóca até que eu casei, me criei na Moóca. A minha infância foi danadinha, eu fui criada com madrasta e ela me dava lá o dinheiro e falava para
mim: “Vai lá na chácara, vai comprar couve.” Bom, eu tinha que vir com a couve de qualquer maneira, viu? O chacareiro estivesse ou não estivesse eu tinha que vir com a couve, viu? De qualquer jeito. Então se ele estava eu comprava, se ele não estava eu pulava e pegava e levava a couve para
casa. Um dia eu enganchei a minha roupa lá na cerca, caí no monte de lixo lá, que jogavam lata lá, fiz um corte que eu tenho a cicatriz até hoje. Não é muito grande mas naquele tempo era, eu cresci ficou menor. E assim era. Ela me mandava comprar as coisas que eram longe, São Caetano, e eu tinha uma vontade de brincar e não podia, sabe? Porque eu era a mais velha, depois ela casou e teve logo filho, então tinha que sair comprar as coisas e vir pajear os outros. Então eu saía para
comprar as coisas e via as crianças brincando na rua, pulando corda e eu esquecia do mundo, punha a sacola ali do lado e ficava espiando porque não eram conhecidos eu não podia brincar, mas ficava espiando. E quando eu via, ela ia me buscar e eu ia apanhando até chegar em casa. Foi essas peraltices.
P/1 - A senhora acompanhava
seu pai no trabalho?
R - Não. Meu pai, eu não acompanhava no trabalho dele. Mas meu pai, ele levava a gente de vez em quando para
passear lá para o lado de São Miguel, ainda tinha índio lá. Eu tinha mais ou menos uns 8 anos de idade, tinha índio ainda em São Miguel. Faziam aquela festa de frente à igreja, o quebra - pote, o quebra -
moringa. Levava a gente para
passear e quando foi uma vez ele comprou um carro novo, estreou e foi lá para Amparo para a casa do meu avô, pai dele. E o carro estava com defeito no chassis e quebrou o chassis, quase que nós caímos tudo lá na Serra dos Cristais, lá num precipício. Aí a gente ficou hospedado lá na casa de um conhecido dele e ele despachou o carro para
cá. E depois levou nós para a
casa do meu avô. E lá a minha avó fazia, tinha colméia de abelha, sabe? Então eu gostava de ver as abelhas voar, e escondido de vez em quando eu pegava uma pedrinha “tacava” lá. “Tacava” lá e saía tudo correndo, gritando. (risos) Coitada da avó.
P/1 - Tinha amigos no bairro?
R - Amigos assim para
brincar tinha conhecidos, mas não podia brincar. Não podia brincar porque ela não deixava, mas tinha. Tinha lá um moleque, ele era assim miudinho, eu era maior que ele mas ele era mais velho que eu. Ele era ruim, danado, o Juca, e esse dia eu estava brincando um pouco na porta de casa e os meus irmãozinhos tudo lá. E o meu irmão abaixo de mim e o Juca pegou e deu nele, comendo não sei o que lá e ele espiando, ele era muito brigüento o meu irmão, e espiando. Aí ele deu no meu irmão aí eu peguei ele lá e rolei com ele no chão, viu? Dei-lhe uma surra, viu? Que nunca mais ele... Aí ele foi lá: “Ih, agora o seu. Fonseca.” Seu Fonseca era o pai dele. “Agora o seu Fonseca vai falar para o teu pai, seu Fonseca vai fazer, seu Fonseca vai acontecer.” O que ele fez? Disse para
ele: “Bem feito, você não tem vergonha, apanhar de mulher.” Essas coisas.
P/1 - Quando os seus irmãos cresceram,
a senhora brincava com eles?
R - Não, eu brincava com eles assim só quando era a hora do meu pai chegar para
ir almoçar, então eu pegava o mais pequeno. Aí eu ia brincar um pouco com as minhas amiguinhas e com
criança sempre. Então brincava que era o meu filho, que era isso, era aquilo, brinquedo de casinha... só.
P/1 - A senhora estudou?
R - Ah, eu estudei.
P/1 - Em que escola estudou?
R - A primeira escola que eu estudei foi no Grupo Escolar Oswaldo Cruz, na Moóca, na Rua da Moóca mesmo, ainda existe esse grupo, Grupo Escolar Oswaldo Cruz.
P/1 - Como era o cotidiano lá na escola, recebia
algum tipo de educação?
R - Bom, lá
estudo era muito diferente. Tinha, além da gente aprender a ler e escrever tinha o dia de bordado, tinha o dia de desenho, tinha o dia que eles davam, tinha uns negocinhos de madeira, chamava torninho. Então dava para a gente brincar na classe, fazer casinha, fazer desenhos.
P/1 - E era uma escola mista?
R - Não, era mista mas na sala não era mista não, era tudo separado. Era assim, a escola era assim, prédio no meio e dos lados assim tinha o recreio, então era tudo separado, os meninos iam daquele lado do recreio e as meninas do outro lado.
P/1 - E como era o seu
uniforme?
R - Era branco, saia pregueadinha e blusinha com aquela nervura, sabe? Golinha, botoãozinho, nervurinha assim, tinha uma palinha com biquinho aqui, da ponta do biquinho saiam as nervuras.
P/1 - Alguém da sua família a incentivava a seguir uma profissão, a trabalhar em determinado tipo de coisa?
R - Não, a minha madrasta não. Quem mandava e desmandava era ela, o meu pai não tinha ordem de tocar em nada. Então para
ela o que interessava só era o dinheiro. Então quando eu fui trabalhar nessa Linhas Corrente era preparação já para a tecelagem. Mas eu fui trabalhar lá eu tinha 13 anos, eu subia num caixãozinho e era só eu de menina porque foi no tempo do Getúlio e ele obrigou selar as mercadorias, sabe? Então ali eram moças de idade e não tinha criança nova trabalhando não. E como Getúlio obrigou a selar, aí tinha um vizinho meu, ele já era moço, trabalhava lá no escritório e aí ele arrumou para
mim. Ele arrumou para
mim que ele tinha muita dó de mim, ele via que a minha vida não era fácil não, ele arrumou para
mim lá. Aí eu fui trabalhar lá e não é mesa, é balcão, era alto. Então como eu não alcançava eu subia num caixão e às vezes eu esquecia e pensava que estava no chão e caía lá. E assim, fazia pacote. Depois eu fui aprendendo a fazer tudo, fui ficando maior, deram o lugar para
outra menor e fui subindo. Aí eu sabia fazer de tudo lá, eu trabalhei 9 anos e meio lá, quando entrou a estabilidade, estava entrando a estabilidade. Aí um dia eu estava pensando assim, na hora do almoço quando eu entrava eu via as moças passar do outro lado da rua, elas iam para uma tecelagem que tinha ali pertinho. Então o pessoal dizia assim: “Olha, está vendo aquelas? Elas ganham mais do que uma professora.” E ganhavam mesmo, ganhavam mesmo, até hoje se é uma tecelagem boa, boa mesmo, ganha, viu? E eu tinha aquilo na cabeça, sabe? Então ali eu trabalhava com contrato e em tudo eu já tinha tanta prática, que
em tudo eu trabalhava com contrato. Contrato, sabe o que é? Quanto mais produz mais ganha. Então eu estava fazendo um serviço e estava adiantada, estava saindo bem o dia. Daqui a pouco vem o mestre e falava para
mim: “Ah, você vai lá tocar a máquina da Margarida ou da Antonieta, qualquer uma.” Tanto trabalhava no manual como na máquina. “Porque ela não veio.” Aí eu tocava, eu desarrumava tudo, fechava tudo, arrumava, limpava o lugar e deixava o lugar em ordem, já era tempo que perdia para
ir para
outro lugar. E era assim. Aí eu me aborreci eu estava com 18 anos, não, tinha 19 anos, mais, já. Aí eu disse assim; “Eu vou dar um jeito.” Mas a minha madrasta não me deixava sair dali porque era pertinho de casa então ela contava os minutos que eu chegava em casa.
P/1 - A senhora ia à pé?
R - Ia à pé, era pertinho, dois, três quarteirões, três quarteirões. Eu disse assim: “Eu vou dar um jeito nela.” E todas as férias eu trabalhava, sabe? Entregava o dinheiro para
ela, não tinha um tostão na minha mão.
P/1 - O que ela fazia com o
seu dinheiro?
R - Ah, ela guardava e todo o ano ela ia passear para
Taubaté, lá no Interior, onde ela viveu, onde ela nasceu, viveu lá. E lá ela levava presente para
todo mundo, ia se bacanear lá, viu?
P/1 - Como era o nome dela?
R - Cecília, Cecília (Bonvechio?). Aí eu disse assim: “Eu vou arrumar ela.” Aí eu fui temperando ela, disse assim: “Ah, mãe.” Eu chamava ela de mãe. “O serviço está fraco, eles vão dar férias mas vão dar férias em casa, esse ano aqui não vai dar para
trabalhar não, eles vão dar férias em casa.” E ela ficou quieta, não falou nada. Eu falei para
ela: “A (Iduciana?) foi trabalhar lá na Ítalo -Brasileira, ela tem a tia que é mestra lá e arrumou para
ela aprender tecelã e ela já está tocando tear. Se eu arrumar a senhora me deixa ir, eles pagam 700 réis por hora.” Quer dizer, eu estava de férias e ainda ia ganhar 700 réis por hora, era negócio. Então ela me deixou ir, eu vou experimentar se eu vejo que dá, às vezes pode ser que não dê, se der... Aí ela deixou, aí eu fui. Fui, pegava o primeiro bonde, nem o bonde pegava, pegava o “cara-dura” aquele bondinho que ia atrás do bonde porque pagava menos é onde ia os chacareiros tudo, que iam para o mercado fazer compras. E lá ia eu para
entrar às 5 horas da manhã ali na Rua Joly, Brás, na Rua Joly. Aí eu aprendi, quando foi uma semana lá ele já me deu um tear para
tocar, quando fez 15 dias que eu estava lá ele me chamou para
fichar e eu disse para
ele: “Eu não posso fichar ainda.” Ele falou: “Por quê?” Eu falei: “Porque eu não estava desempregada, quando vim aqui eu estava trabalhando.” Aí ele falou: “E porque você veio?” Eu falei: “Porque eu queria aprender tecelã e queria ganhar mais, por isso que eu vim. E agora eu não acho que eles não vão me deixar sair sem marcar os 30 dias.” Aí eu já tinha entrado, já tinha carteira profissional que foi o Getúlio pôs, aí ele disse para
mim: “Você vê, faz tudo para
não marcar os 30 dias, mas se precisar marcar os 30 dias você nos avisa, se eles te aumentarem, você for ganhar mais e não quiser vir, você avisa também.” Eu falei: “Não, não se trata disso, não tem aumento não tem nada, eu venho, o que posso não vir é antes dos 30 dias.” E foi assim. Aí eu marquei os 30 dias e fui para
lá.
P/1 - Esses 30 dias eram de aviso prévio?
R - Não, naquele tempo não era aviso prévio a gente não ganhava nada, mas tinha que marcar, tinha que marcar e trabalhar. Se eu faltasse continuava até eu pôr os 30 dias. E aí eu fui para
lá, trabalhei lá, aprendi bem, trabalhei lá um ano. Aí quando venceu as minhas férias eu arrumei lá perto de casa e fui trabalhar perto de casa.
P/1 - Como a senhora conciliava, ainda na Linhas Correntes, o trabalho e o estudo?
R - Ah, bom. Aí foi outro caso, viu? Eu só tirei o quarto ano quando eu era adolescente, só o quarto ano, eu fiquei no quarto ano. Agora quando foi no ano de 79 eu entrei na Associação, porque eu fundei, ajudei a fundar aquela Associação de Aposentados. Aí me puseram eu como primeira tesoureira, aí eu disse: “Agora é que eu vou me danar.” (riso) Aí eu fui, me matriculei e eu fiz o supletivo segundo grau, foi assim.
P/1 - E aonde a senhora fez mesmo?
R - Lá no Itaim mesmo, era uma escola de madureza, à noite. Quer dizer que de dia eu trabalhava e de noite eu estudava e depois logo me aposentei. Aí eu continuei estudando e sexta-feira eu ia na Associação, tocar a Associação, que o meu dia era sexta-feira.
P/1 - Depois que saiu das Linhas Correntes
em que
empresa entrou?
R - Depois da Linhas Corrente foi a Tecelagem Ítalo -Brasileira, na Rua Joly.
P/1 - Na Ítalo -Brasileira. Quem
lhe ensinou o ofício, o trabalho de tecelã?
R - Foi lá dentro mesmo com a própria tecelã, fui aprendendo com ela depois ele me pôs para
ajudar uma que os rolos iam muito mal e foi assim que eu aprendi. Agora a tecelagem naquele tempo era muito diferente, não era automático. Se quebrasse um fio ela continuava até pegar mais e fazer defeito, fazer um rombo grande, entendeu? Não é como hoje não, viu? Quando eu me aposentei já estava tudo moderno, é automático, quebra um fio e o tear estando bem ajustadinho, bem arrumado, ele pára então não faz defeito, você emenda o fio, passa e pronto.
P/1 - Como é o processo de produção do tecido?
R - Tem o tear aqui na frente e lá atrás vai o rolo. Vamos supor que nem um carretel só que ele é enorme, grosso e bem grande. Então ele é que nem um carretel, se a gente vai tecendo aqui na frente ele vai desenrolando. Agora a trama é a gente que põe. Quando eu entrei eu não conhecia o nome eu falava barquinha, mas chama lançadeira, ela tem uma ponta de metal bem pontuda e aquilo quando ela voa ela faz desordem, sabe? Principalmente quando trabalha com fio engomado.
P/1 - E por que ela voa?
R - Porque às vezes o tear não está bem ajustado, às vezes um fio quebra e empata ela dela passar, então ela pula. Mas hoje em dia tem tudo proteção nos teares para
ela pular ela bate, mas naquele tempo não tinha não.
P/1 - Dona Odette, e como saem os desenhos das tramas?
R - Ah, os desenhos. Se for pano liso a gente só põe a espula na lançadeira, coloca no lugar e ela vai e vem. Tem feito dois braços de madeira e um joga para
lá, e o outro joga para
cá, e o outro joga para
lá e assim tece o pano. Agora isto aqui é estampado, é feito na tinturaria, agora o desenho mesmo, que é feito no pano mesmo, é feito no tear. Aí tem um negócio de madeira, depende do desenho, se ele é grande ele é grande, se é menor, ele é pequeno, então tem tudo buraquinho, sabe? As tabuinhas com buraquinhos e naqueles buraquinhos tem os grampinhos de madeira então ali que é feito o desenho, você entendeu? Vai passando o fio e conforme aquilo vira vai fazendo o desenho aqui. Agora se cai algum botãozinho daquele dá defeito, então a gente tem que conhecer o desenho, virar ele, saber onde é que está faltando botão para
colocar no lugar direitinho. Aí desmancha aquele pedaço que fez de errado e tece de novo.
P/1 - E a diferença de cores, quem escolhe as cores do desenho?
R - A cor para
pôr no desenho? É o mestre, a dona. A dona pede que quer assim e assim, dá para
ele, ele vai lá e escolhe as cores, dá para a gente as cores para a
gente colocar.
P/1 - Que tipo de tecido se costuma fazer em tear?
R - Bom, tem tear para
seda, tem para
algodão, antigamente dizia casimira, hoje é tergal, casimira é muito pesado, a lançadeira é grande, enorme, viu? Até com casimira eu trabalhei também, o desenho também é feito no tear.
P/2 - Era muito barulhenta a tecelagem? Como era?
R - Muito barulhenta, que eu tinha uma dor de cabeça, mas uma dor que eu tinha. Quando eu era menina não, depois era aqui assim, ela começava fraquinha, fraquinha e depois ela batia que nem um martelo na cabeça, isso era todo dia, todo dia. E quando eu aposentei me deu duas vezes que eu pensei que eu ia ficar louca, eu tomei tanta coisa que eu não sei nem o que foi que me fez bem, mas foi indo, foi indo e sumiu aquela dor, nunca mais eu tive, mas custou. Outra coisa, eu não atendia um telefone, porque eu não ouvia, eu era surda, não ouvia nada, nada. Quando eu peguei a Associação lá, tocava o telefone aí eu pedia para
quem estava perto de mim para
atender o telefone para
mim, agora não, agora eu ouço bem, foi indo, foi indo passou tudo. Isso aí é a tal insalubridade que eles dizem que agora aposenta com 25 anos, é insalubre e agora querem tirar tudo isso, já pensou?
P/2 - Mas vocês não usavam equipamento para
tapar o ouvido?
R - Não, não usava nada não.
P/2 - Não tinha nenhum equipamento de proteção?
R - Não. Não tinha nada não.
P/2 - A senhora falou que a naveta podia machucar, é isso?
R - A lançadeira machucava, uma vez ela tirou três dentes de uma colega minha, da Leonor, e não foi lançadeira dela, porque a da gente não pulava na gente, pulava nos vizinhos. Bateu nela que levou três dentes dela.
P/1 - Dentro da tecelagem tinha regras para ... como era o cotidiano na tecelagem, a que horas vocês entravam, a que horas vocês saíam? Tinha lanche?
R - Bom, na Ítalo-Brasileira trabalhava das 5 horas da manhã à 1:30 da tarde, na outra semana da 1:30 às 10 da noite, sábado até 4 horas à tarde, a turma da tarde e a turma da manhã não trabalhava, não, a turma da manhã trabalhava até meio-dia e a outra pegava meio-dia e saía às 4 horas, não trabalhava até 10 horas da noite. Quando era 10:30, 11 horas parava para a
gente almoçar, agora à tarde, era às 6 horas a hora da janta, esquentava marmita lá na estufa e ia comer.
P/1 - E tinha regras, a senhora comentou com a Priscila
sobre ir ao banheiro.
R - Ah, bom, isso foi agora, agora depois já de casada, ainda tinha mais coisa, viu? Isso aí foi, quer ver? Eu parei 11 anos, depois que eu casei eu parei 11 anos sem trabalhar, quer dizer, eu trabalhei, eu peguei na enxada, serviço duro lá em casa mas não tinha nem condução onde eu morava, tinha três trens por dia só. Então eu não fui trabalhar fora, fiquei 11 anos sem trabalhar. Aí quando o meu menino caçula estava com 2 anos é que eu voltei a
trabalhar. Quando eu voltei a trabalhar estava uma crise, todo dia saía para
procurar serviço e não arrumava. E aí a gente tem coleguinha no trem e uma disse assim para
mim: “Ah, dona Odette a senhora está boa de ir lá na Rua Cachoeira, lá tem uma tecelagem, todo dia ele pega gente.” Eu disse: “Mas como, que negócio é esse que todo dia pega gente?” Ela falou: “Ah, não sei, sei que a placa está lá todo dia pedindo gente.” E elas riam, uma ria, olhava para a outra e ria. Eu disse: “Me dá o endereço que eu vou lá.” E ela me deu e eu fui. Fui lá e veio um gerente lá, veio um turco bonitão, novo ele era. E tinha lá umas moças bonitinhas lá, novinhas, pegou elas. E quando ele olhou na minha caderneta ele falou assim para
mim: “Faz 11 anos que a senhora não trabalha?” Falei: “É.” Ele falou: “A senhora não sabe mais nem tocar tear.” Eu falei: “Mas eu não estou louca ainda, você me dá o tear que você vai ver se eu toco ou não toco.” (riso) Aí ele falou assim para
mim: “Vem amanhã.” Mandou as outras entrar e eu ele mandou eu vir no dia seguinte. Aí ele disse assim para
mim: “Olha, mas a experiência é
de três dias, se passar continua trabalhando e ganha, mas se não passar não vai ganhar os dias não.” Eu falei: “Está bom, eu aceito.” Não tinha em lugar nenhum. Aí eu fui. Quando eu cheguei lá o tear era automático, aí eu digo: “E agora? Agora danou, tear automático.” Aí eu pedi uma explicação lá, as moças eram boazinhas, disse assim para
mim: “Sabe o
que é? Quando quebrou o fio ele pára, se ele não parar, fazer defeito é porque o tear não está bom.” Aí me explicou, tinha umas lamelas a gente passava o fio lá para
depois passar na malha, para
depois passar no pente para ... Aí passava o fio lá, quando quebrava o fio ela descia, ela desce e acende uma luzinha lá, ficava piscando até emendar o fio e levantar outra vez. Não foi difícil não, eu sei que os três dias eu já estava trabalhando com desenho, desenho no tear mesmo, sabe, um liso e outro com desenho. Aí eu fiquei lá, fiquei lá dois meses. Aí quando foi um dia entrou uma colega lá, entrou uma colega não, ela não era minha colega, ficou e pegou o tear perto de mim, era uma lituana mas ela falava muito bem o português. Aí ela estava com os óculos fracos e não estava enxergando direito, o meu tear estava rodando e eu fui lá ajudar ela a passar um fio, eu passei atrás para
ela pegar na frente porque a gente precisava dar produção, se não desse produção ele mandava embora, a gente ia perder os dias. Aí ele veio e me pegou lá, êta: “O que é que você está fazendo aí?” Eu disse: “Eu estou ajudando ela.” “Por quê? Ela não sabe trabalhar?” “É claro que ela sabe”, eu falei “Mas o meu tear está rodando, eu fui passar.” “Mas não pode.” "Está bom, não pode." Era assim, o dia inteiro ele passava olhando o relógio para
ver se estava produzindo, se o relógio não produzisse ele xingava de nome feio, viu? E queria saber o que é que a gente estava fazendo, o que estava acontecendo porque ele já passou ali não sei quantas vezes e o tear não andava. Mas o meu não, no meu não acontecia isso porque, graças a Deus, estava bom, rolo bom, tearzinho bom. Mas o danado tinha uma tabuinha para
ir no banheiro, viu? Eu trabalhava lá no fim da tecelagem. Então quando a gente queria ir no banheiro a gente nem precisava ficar no meio do corredor para
olhar.Quando uma punha a tabuinha lá para a gente pegar até que a gente corria, chegava lá, outra de mais perto tinha pego. Era assim. Agora quando a gente não agüentava mais a gente ia assim mesmo. Sabe, o que ele fazia? Ele entrava dentro do banheiro! Entrava dentro do banheiro, agarrava a gente pela blusa, xingava e punha para
fora. E isso não é de admirar não. A última tecelagem que eu trabalhei, uma tecelagem muito boa, bem conceituada, é a Santa Constância, essa existe até hoje, a da Cachoeira não existe mais, mas essa existe. Você sabe que a patroa, ela era tão miserável, tão unha-de-fome que quando mudou lá para a
Dutra, prédio próprio, a tecelagem era enorme, ela olhava até quem gastava muito papel no banheiro, sabe o que ela fez quando a gente passou para
lá? Ela dava um rolo de papel higiênico para
cada empregado por semana. (riso) Agora você já pensou, você está indo ao banheiro, você não quer carregar o rolo você puxa o papel, você leva de mais, leva de menos. Olha que pouca vergonha! Outra coisa, tinha uma lâmpada vermelha acesa que o banheiro lá era banheiro chique, viu? Mas a gente entra, não entra diretamente no banheiro, tem a sala, a salinha e depois é que tem os banheiros lá dentro. Então tinha uma lâmpada vermelha lá, se a porta do banheiro estivesse fechada lá dentro aquela luz estava vermelha. Então as mestres, qualquer um de longe via. (fim da Fita 21 - lado A1) que a luz estava vermelha, que o banheiro estava ocupado. Não podia ter ninguém naquela salinha ali. Sabe o que é que a gente fazia? A gente entrava no banheiro e não fechava a porta, deixava um vão. Deixando um vão a luz não acendia. Aí um dia ela deu com a coisa, abriu a porta da salinha lá, pegou assim, estava cheia, viu? Ah, mas eu vou te falar.
P/1 - E o pessoal não reclamava dessas condições de trabalho?
R - Reclamava, mas vai fazer o quê? Ali não podia reclamar porque eles não admitiam nem que fosse sócio de sindicato, ali eles não admitiam, se soubesse que era sócio do sindicato mandava embora. Eu era sócia do sindicato mas passei a pagar lá porque eu precisava trabalhar, não podia e lá ganhava bem. Aí eu fui lá no sindicato, eles sabiam também. Então ia pagar a mensalidade lá.
P/1 - O que o sindicato achava dessas condições de trabalho?
R - Sabe de uma coisa, que a gente nem ia se queixar no sindicato, só mesmo quando fazia greve, viu? Aí sim, senão a gente nem ia se queixar, ia ser mandada embora. A gente estrilava no serviço, mas fazer reclamação no sindicato não podia porque eles mandavam embora.
P/1 - A senhora participou de greves?
R - Muitas, muitas greves. No tempo do bonde ali no Largo da Concórdia, eu andava no estribo de bonde segurando aquelas faixas de greve, ia pegar lá no sindicato, a gente marcava encontro com... Isso tudo de solteira, só que a minha madrasta não sabia, viu? Ela pensava que eu estava trabalhando. (risos) Aí a gente marcava encontro no sindicato na hora do almoço e enquanto a gente ficava esperando os companheiros tinha uma vitrola lá, aquele tempo da vitrola com gramofone, ficava tocando lá, a gente ficava dançando lá, cantando, dançando, até reunir todos os companheiros, quando a gente se encontrava todos, aí pegava as faixas e saía, ia, pegava o bonde quando era longe, quando não ia a à pé.
P/1 - A senhora se lembra de alguma greve em especial? De algum ano?
R - Lembro de uma greve que eu ainda não estava nem trabalhando, eu não trabalhava, eu saía da Rua Conselheiro Benevides porque eu morava na Moóca, fazia a Rua Borges Figueiredo todinha
à pé, saía na Rua da Moóca, fazia a Rua da Moóca até a Rua Piratininga, andava a Rua Piratininga inteirinha, vinha ali no Brás no número 1, levar o almoço para o meu pai, ainda não estava trabalhando. E um dia eu vi os grevistas, fui levar o almoço direitinho mas quando eu vim, vim acompanhando os grevistas, paramos, eu achava bonito aquilo! Xingar os operários de carneiros, tirar, tinha gente que entrava lá dentro da fábrica e tirava. Aí, sabe, eu fiquei bem na frente para
olhar lá dentro. Sabe aonde que eu fui? Nessa companhia de linha para
cozer, eu fui. E você sabe que quando eu entrei lá para
trabalhar elas me conheceram? Elas me conheceram, sabe? Aí a situação em casa não estava lá muito boa, sabe como é, sapato era para
calçar só para
ir na missa, então o pé cresceu o sapato não servia mais, o meu avô era sapateiro, a minha madastra mandou ele dar um jeito no sapato, ele pôs um bico lá no sapato e ficou, sabe, que nem sapato de homem. Aí um dia, uma cochichava, cochichavam lá dentro. Aí que eu vim a saber o que era: “Sabe quem está aí? Aquela sem-vergonha, aquela menina de pé grande que estava na frente dos grevistas ajudando a tirar nós daí. É ela que está aí trabalhando de pôr selo nos pacotes.” Aí eu tive que me limpar. Eu falei: “Não, vocês não viram? Eu estava com a marmita do meu pai, eu não sabia o que era aquilo, andava acompanhando mas eu não era grevista não.” Foi assim, aquela greve foi grande.
P/1 - A senhora lembra o ano?
R - 34. 34 ou 35.
P/1 - Quais eram os principais motivos que levaram às greves das quais participou?
R - Justamente era por causa de salários sempre, salário baixo porque tecelagem tem disso, sabe? A gente está trabalhando com um artigo, a gente está ganhando mais ou menos, razoável ou ganhando pouco, seja o que lá, mas se estiver ganhando bem quando vem outro aumento a gente faz a conta muito fácil, o que a gente está ganhando com aquele aumento, a gente faz a conta já sabe quanto vai ganhar. Mas a questão é que
só naquele mês, porque no outro mês eles já trocam todo o artigo. Então o aumento da gente já foi, você entendeu? Troca o artigo, põe outro artigo mais batido, eles embrulham lá. Então era o motivo das greves, porque trocavam os artigos da gente e a gente não atingia o ordenado que devia atingir. Atraso de pagamento, as firmas atrasavam muito o pagamento também.
P/1 - Qual era o
seu salário?
R - Eu sempre ganhei bem. Quando eu trabalhava ali nas Linhas Corrente, eu tirava uma média de 1.100, aquela moeda amarela, falava 1.100, por hora. Depois quando eu saí dali e fui na Ítalo-Brasileira fui ganhar 700 réis por hora, mas só para
aprender. Aí logo que eu peguei tear eu fui ganhar mais.
P/1 - Qual é a diferença entre um tear manual e um tear automático? O que muda?
R - Bom, o tear automático ele é assim, tem essas lamelas que eu falei para
você, se o fio cai, ela abaixa, então ela bate lá no outro negócio lá, começa a acender as luzinhas e o tear pára. Agora, as lançadeiras também, se é duas lançadeiras ou uma não, se é duas lançadeiras é assim: um lado tem as caixas de ferro, tem duas caixas e o outro lado é de madeira então ela sai uma por vez, ela sai, entram naquela caixa lá, depois daquela caixa desce, dá lugar para
outra, a outra abaixa, aí sai a outra e entra. Agora quando é mais lançadeiras é feito uma escadinha, uma prateleira, sabe, a gente coloca a trama nas lançadeiras e ela vai abaixando e vai trabalhando conforme acaba a espula o tear pára, é isso aí que é o automático, que ele pára. Outra coisa, o tear não tem correia, ele trabalha por meio de polia, não tem correia e antes de eu casar que os teares não eram automáticos, era correia. Então a correia tem aquele grampo que emenda e aqui dentro vai um prego para
segurar assim e um dia o contramestre deixou aquele prego com a ponta para
fora, não dobrou e quando eu fui colocar a correia, a correia caía muito porque o couro é novo, eles põe a correia, daqui a pouco trabalha um pouco a correia fica grande, precisa pedir para
cortar um pedacinho, aí eu fui fazer assim para
colocar a correia, a correia veio, passou naquele prego aqui e me pegou os dedos.
P/1 - A senhora disse que ficou 11 anos sem trabalhar. O que aconteceu?
R - É, eu estava criando as crianças. Mas eu costurava, eu plantava o quintal, criava galinha, colava saquinho. Antigamente todo saquinho que hoje usa, hoje é feito com máquina, antigamente eles levavam para
esses lugares que não tinham serviço. Então eu colava saquinho muito, de camisa, macarrão, tudo quanto era saquinho.
P/1 - para quem
trabalhava nessa época?
R - Eu trabalhei para
diversas firmas, trabalhei para
Selo Brasil, trabalhei para
muitas firmas mas não era registrada não, ninguém, eles não registravam.
P/1 - Onde fazia o trabalho?
R - Em casa. Eles davam uma fôrma de papelão para a gente, a gente pregava na mesa, davam cola, pincel, tudo para a
gente e a gente fazia.
P/1 - Como conseguia conciliar a criação dos filhos e esse trabalho dentro de casa? Era complicado?
R - Bom, aí o meu menino maior era pequeno ainda mas eu pegava saquinho pequeno para
ele, aqueles saquinhos de cravo, canela, pegava para
ele. Então ele ficava ali perto de mim na outra mesinha, do outro lado da mesa colando. E era só três: tinha o Rui, do meio, e o pequeno ficava na rede. Eu punha o do meio a balançar o pequeno na rede, a rede perto também. Era assim.
P/2 - Na primeira época que trabalhou com tear, quantos metros fazia?
R - Olha, isso aí varia porque se o pano é mais ralo, não é muito batido faz mais. Se o pano é muito batido faz pouca metragem mas é mais bem pago. Agora, às vezes dá para
você ganhar mais com o pano menos batido porque você produz mais e dá para
ganhar mais, mas trabalha mais, aí você tira peça até todo dia, 50 metros todo dia, isso aqui nas oito, dez horas, se for de turma é menos.
P/2 - O que é o mais batido? Pode explicar?
R - Mais batido é... você vê que você compra um pano, o pano é ralo? Você não vê fralda, fralda de criança? Você vê, é tão ralo! Ali não tem batida. É isso, o pano quanto mais fechado mais batido ele é.
P/2 - Então ele é o mais caro, se paga mais por ele.
R - É, paga mais, mas às vezes você produz menos do que o outro, mais barato. Você entendeu?
P/1 - Quais são os melhores tecidos?
R - Hoje em dia já está muito diferente e há muitos anos que eu já não trabalho. Mas o pior tecido é o estampado, o estampado não o desenho, porque o estampado dessa estampa aqui é feito na tinturaria e quando ele é feito liso no tear ele pode passar todo defeito a não ser buraco muito grande, mas um buraquinho pequeno, uma falha de fio, uma taqueta, por exemplo, a lançadeira passa, chega ali ela passa por cima então o fio fica assim por cima, não fica tecido e não fica buraco, isso passa tudo, esses panos estampados. Mas é o melhor para
trabalhar.
P/2 - Por que vai mais rápido?
R - Vai mais rápido e passa sempre alguma coisinha, porque depois a estampa tapa.
P/2 - Tinha algum inspetor de qualidade, alguém que ficava verificando esses defeitos?
R - Não, sempre tem um mestre na tecelagem, além do gerente tem o mestre que a gente... conforme a tecelagem que você trabalha você sabe o regime lá dentro, conforme o defeito você vai chamar ele, se ele acha que pode passar ele põe a assinatura dele ali no pano mesmo com um giz de cor porque depois aquele pano vai para a
lavanderia e sai, ele põe a assinatura dele ali e a gente toca, não precisa desmanchar.
P/1 - Tem alguns tecidos que vêm já com a marca do lado, isso também é feito pelo tear?
R - Você diz um cartãozinho que eles põem?
P/1 - Não, parece que ele está na trama mesmo, escrito
tergal.
R - Ai, ali, é o desenho da auréola, aquilo chama auréola, é o desenho da auréola, um fio quebrado não pode passar por ali porque dá defeito e eles não...
P/1 - Auréola é a beiradinha?
R - É, é a beiradinha, e ela é fora do rolo, é uns carretéis que a gente coloca fora do rolo e precisa pôr pesinhos adequados. Agora a trama é a mesma que passa mas tem o desenho, já no próprio desenho tem o desenho da auréola e se o pano for liso, tem aquele desenho na auréola, então tem o desenhinho só da auréola lá no tear, se o pano for liso.
P/1 - O que mais mudou? A senhora trabalhou até que ano mais ou menos?
R - 73.
P/1 - E nesse período o que mais mudou na tecelagem?
R - O que mudou, você quer saber como, no serviço? O que mudou foi isso aí, a gente trabalhava com tear simples, tear de correia, muito peso nos teares, agora os teares não têm peso, é um peso que você pega com uma mão assim, mão fechada, tira, põe, nem precisa, a gente desmancha o pano com o próprio peso no tear. Agora é muito melhor. Só que tem uma coisa, lá na Santa Constância a pessoa não toca mais que dois teares porque lá o pano é pronto, não vai para a
lavanderia, não vai para a
tinturaria, para
lugar nenhum. É muito pano liso mas é furta-cor, você entendeu? Então o rolo é de uma cor, a trama é da outra então o pano é furta-cor. Ah, esse costureiro, o Denner e esse outro, como é o nome desse outro? Não é Waldimir, é Clodovil, eles iam lá no meio da tecelagem ajudar a gente a tirar a peça, a gente está trabalhando, daqui a pouco eles vinham lá buscar porque queriam 10 metros, 15 metros e vinham lá e ajudavam a gente a tirar a peça para
eles levarem. Mas é uma beleza o pano furta-cor, por exemplo: rolo preto põe trama verde, rolo roxo, rolo preto, põe trama roxa. É pano para
artista, sabe?
P/1 - É aquele pano que muda de cor conforme... o changeant que chama.
R - Isso.
P/1 - Qual a diferença do rolo para o
que a senhora está falando.
R - O rolo é de uma cor e a trama é da outra. Por exemplo: rolo preto eles não põe trama preta, se quisessem, se tiver pedido põe, porque senão põe a cor que quiser ali: põe rosa, põe roxo, põe verde, amarelo. É assim.
P/1 - Qual é a diferença entre o tecido fabricado em tear e o sintético, a senhora sabe?
R - Aí não sei porque esse sintético não é do meu tempo, aquele tempo não tinha. Eu já estava agora quase para sair quando saiu esse tecido, como é que fala? Não é tergal não, artigo ruim para
trabalhar.
P/1 - Rayon?
R - Não, rayon era bom para
trabalhar. Poliéster. Oh, meu Deus, como é ruim trabalhar com aquilo.
P/1 - Por quê?
R - Ai, porque arrebenta demais o fio e quando arrebenta ele faz assim, sabe, que nem cabelo de preto, ele estica, ele é esticado, quando ele arrebenta ele encolhe, onde ele pegar ele gruda e aí arrebenta um monte. Agora esse sintético eu não sei não porque já não é do meu tempo.
P/1 - Não tem problema. Em alguns períodos se usa mais um tipo de cor para tecido, o que a senhora se lembra sobre isso?
R - Ah, tem sim. Teve um tempo que eu trabalhei muito com artigo para
terno de homem chamado albene, ai, como ganhava bem com aquilo, viu, ia bem nos teares. Linho, esse aí trabalha nesses teares comuns mesmo. Agora quando eu estava já para
me aposentar estava entrando uns teares lá na Santa Constância que já faziam o pano redondo, sabe? Pano redondo que nem pano para
camiseta, mas não pano de camiseta, seda mesmo, mas redonda.
P/1 - Mas ele sai redondo?
R - Redondo, sem emenda. Estava entrando esses teares lá, a coisa realmente está muito mudada, viu?
P/2 - Normalmente comprava tecido na loja da fábrica? Tinha loja de fábrica ou não?
R - A única loja, eu comprei muito, mas eu comprava e vendia, era no Scaff, numa tecelagem só que eu trabalhei lá. Eles vendiam para a gente, fim de peça mas pano bom, por exemplo: eles faziam os cortes e o último saía fora de medida, dois metros, fora da medida deles, então eles vendiam.
P/2 - Então a senhora revendia esses tecidos.
R - Eu revendia para
poder ganhar um pouco mais.
P/1 - Dona Odette,
a senhora tem preferência por algum tipo de tecido para seu uso pessoal?
R - O tecido, a cor, o quê?
P/1 - O tecido.
R - Ah, tecido leve.
P/1 -O que acha dos tecidos de hoje em dia?
R - Está muito mais avançado, muito bonito.
P/1 - Agora, indo para o lado mais pessoal, a senhora
se casou?
R - Eu casei.
P/1 - Como foi seu o seu casamento e como conheceu o seu marido.
R - Ah, o meu marido foi assim, eu gostava de outro, namorava outro e um dia, lá em casa disseram assim: “Ah, veio um moço de Taubaté, veio para a
casa do seu avô.” O pai da minha madrasta, que eu chamava de avô. Aí eu fiquei louca para
conhecer ele. A minha avó estava doente e eu levava comida para o meu avô e para a
minha avó, mas era na rua de casa. Mas eu já trabalhava, era moça, eu casei com 30 anos, não casei nova não. Aí na hora do almoço que eu vim para
almoçar eu fui levar almoço, quando eu fui levar o almoço lá a minha madrasta disse assim: “Hoje eu preciso pôr mais porque tem o rapaz lá. Até ele arrumar aí onde ele vai morar, até onde ele vai comer, precisa pôr um pouco a mais para
ele.” Aí foi que eu conheci ele. Mas
quando fez dez anos que ele já estava em São Paulo foi que nós casamos, não namoramos, não tiramos linha, nada. Um dia ele falou comigo, eu aceitei ele e casamos. Casamos porque a minha madastra não deixava namorar, ela não queria que eu casasse de jeito nenhum, viu? Aí eu aceitei ele mas eu não achei que aquilo ia dar em casamento porque eu ia dançar, sabe, porque eu ia dançar, ia para
lá e para
cá, era difícil conversar com ele mas quando chegou o dia, ele foi lá, marcou o casamento e nós casamos. Casamento meio sem graça mas casamos, casamos na Igreja São Rafael ali na Moóca, no Largo São Rafael.
P/1 - Por que o seu casamento foi sem graça?
R - Foi sem graça porque, sabe, quando é de acordo com o pai, o meu pai não mandava nada, ela era... ela fez de tudo para
atrapalhar, um dia eu tive uma briga com ela, eu nunca respondi para
ela mas esse dia eu respondi, minha irmã estava namorando e ela falou para
mim que eu estava encalhada aí eu falei para
ela: “Se eu estou encalhada a culpada é a senhora.” Eu falei: “Mas a senhora fica sabendo que o dia que eu quiser casar está assim ô, e o primeiro que falar comigo pode ser um preto é com ele que eu vou casar.” E eu cumpri a minha palavra. Meu marido falou comigo, eu aceitei ele, quando ela soube estava tudo já, não roupa, mas assim entre nós dois já estava tudo decidido, tudo bem encaminhado. Aí não teve mais jeito não. Ela falou lá para
ele o que quis. Ele falou: “Não tem problema não, eu gosto de mulher brava.” (risos)
P/2 - E ele fazia o quê?
R - Ele era sapateiro também mas ele tinha a oficina dele, depois ele por intermédio do meu avô, ele pegou muito conhecimento aqui, quando nós casamos já fazia dez anos que ele estava em São Paulo. Então ele tinha a oficina dele ali na Moóca, de calçados.
P/1 - E quando ele veio de Taubaté para
São Paulo, o que ele veio fazer aqui?
R - Aí ele veio para
cá porque ele foi criado com a avó e ele estava namorando uma moça e a moça estava esperando um nenê e ele disse que não era dele e a avó queria muito que ele casasse com ela porque ela era uma moça boa, costureira, isso e aquilo. Ele disse que não era dele e fugiu, veio para
cá, e não foi mais para
lá não. Agora, se é ou se não é eu não sei. Eu sei que depois que eu já tinha o meu menino mais velho, ele estava com 15 meses quando deu paralisia infantil nele e eu estava grávida da minha segunda filha, que ela nasceu durou... não chegou um mês e morreu porque deu pneumonia nela e ela morreu. E eu estava grávida dela e fui cumprir uma promessa que eu fiz para o meu filho em Aparecida do Norte. Mas como eu não agüentei ir até lá nós paramos em Taubaté, dormimos lá na casa do meu tio e no dia seguinte é que fomos para
Aparecida do Norte. E aí ele soube que ela casou com um policial, diz que estava muito bem, então se era filha ou não era eu não sei, mas eu não soube isso logo, eu soube isso só depois que eu casei, nunca soube o motivo porque ele veio não, depois que eu casei que eu soube. O meu marido era um homem muito bonito.
P/1 - Como ele era, pode descrever?
R - Ele era moreno de pele clara mas cabelos ondulados, pretos, era bem atraente.
P/1 - Era alto?
R - Alto, musculoso.
P/1 - Ele praticava esportes?
R - Lá no Interior praticava sim, mas aqui não.
P/1 - Dona Odette, estamos chegando ao
final da entrevista.Se se a fosse mudar alguma coisa na
sua vida o que mudaria?
R - Se eu fosse mudar alguma coisa? Mas alguma coisa pode mudar?
P/1 - O que a senhora quiser sonhar, o que tivesse vontade.
R - Olha, para
dizer a verdade, eu acho que eu não mudaria nada não, porque do jeito que ela está agora ela está muito boa, eu não ia mudar nada não. Se você me perguntasse isso para
mim há uns 20, 30 anos, ou mesmo quando eu era solteira eu diria para
você mas agora não, como está, está muito bom.
P/1 - E há 20 anos atrás o que a senhora mudaria?
R - Queria uma vida mais sossegada, justamente antes de eu casar, o que eu queria era isso: casar, ter filhos, ter minha casa. E isso eu consegui, agora os filhos estão criados, estão casados, estão mais ou menos bem encaminhados na vida. Eu, financeiramente não preciso deles nem eles de mim, então eu estou com saúde, o que mais eu quero?
P/1 - O.k., dona Odette, agradecemos a
sua atenção e a ajuda para a
entrevista.
R - Está bom.
P/1 - Obrigada.
P/2 - Obrigada.Recolher