Museu da Pessoa

Chapeleiro de primeira

autoria: Museu da Pessoa personagem: Marciliano Carlos Monroe

Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Marciliano Carlos Monroe
Entrevistado por Cláudia Leonor e Priscila Perazzo
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 19 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº 7
Transcrito por Márcia Maria Guedes de Azevedo Oliveira


P - Para começar a entrevista, diga o seu nome completo, o local e a data de nascimento.

R - Marciliano Carlos Monroe, nasci em 1920, em fevereiro, 20 de fevereiro.

P - De onde vem o nome Monroe?

R - Ah, vem de inglês.

P - E o senhor sabe como, quem veio para cá, para o Brasil?

R - Eu sei que veio um inglês para cá, solteiro, e aqui e constituiu família.

P - E ele era o quê do senhor?

R - Meu tataravô.

P - Qual o nome dos seus pais?

R - João Carlos Monroe.

P - E da sua mãe?

R - Maria Marculina de Jesus.

P - E onde eles nasceram?

R - Eles nasceram em Minas Gerais.

P - O senhor foi criado em Minas?

R - Fui.

P - Aonde?

R - Na cidade de Estiva.

P - Como era essa cidade?

R - Ah, muito pequenininha.

P - Pequena?

R - Pequena.

P - E a sua casa?

R - Era um casebre (riso) no meio da mato.

P - Como era?

R - Ih, meio difícil, era uma casa de quatro paredes (riso), coberta, acho que de capim, era um casebre mesmo e a gente lá viveu muitos anos.

P - O que o seu pai fazia?

R - Ele era lavrador.

P - Mas ele tinha terra própria?

R - Tinha, terra própria.

P - Sua mãe ajudava, não ajudava?

R - Não, a mãe era só prenda doméstica.

P - O senhor tinha irmãos?

R - Tenho.

P - Quantos irmãos?

R - Dez irmãos.

P - Como era o relacionamento com os irmãos?

R - Mais ou menos, dentro do possível.

P - E vocês ficaram lá até quando mais ou menos?

R - Ah, me criei, eu fiquei até 18 anos.

P - O senhor era o mais velho, ou não?

R - Não, tem mais velho, tem um irmão mais velho do que eu, depois os outros são mais novos.

P - Por que o senhor saiu de lá sozinho?

R - Porque não tinha condições de viver, tinha que procurar outros meios de vida.

P - Fale um pouco sobre esse tempo quando o senhor era pequeno, como era a sua vida e por que depois saiu e foi para Pouso Alegre.

R - É, a gente ia passear na cidade e ficava lá um montão de dias.

P - Aonde?

R - Morando com um chapeleiro, quer dizer, hospedado por um chapeleiro.

P - Quem era esse chapeleiro?

R - Era, ih agora não lembro o nome dele não. Não lembro o nome dele.

P - Era parente de vocês?

R - Não era parente, era nosso conhecido.

P - Quando vocês iam para a cidade iam todos os filhos com o pai e a mãe?

R - Não, só ia eu, eu, os tios que já ia mais lá nesse chapeleiro. Dos meus irmãos só ia eu.

P - Por que ele hospedava vocês?

R - Ah, porque ele era muito bonzinho. (riso)

P - Tinha alguma coisa que atraia o senhor na casa dele?



R - Ah sim. P1/ - O quê?

R - Ele fazendo chapéu eu me inclinei, gostei, algumas perguntas eu fiz e daí eu aprendi a fazer chapéu.

P - Aprendeu com ele?

R - É.

P - Como ele ensinava?

R - Ele ensinava como é que lavava, como é que colocava a carneira, como é que colocava a fita, como fazia a goma para o chapéu ficar mais duro, essas coisas que ele ensinava.

P - E quem eram os clientes dele?

R - Ah, pessoas da cidade. Isso em 1939, por aí, exatamente 39. Tinha muito chapéu.

P - Quem usava, eram mais os homens, mais as mulheres?

R - Não, só homem, só homem, mulher não usava chapéu. Mulher há muito tempo lá não usava chapéu.

P - Por que mulher não usava chapéu?

R - É, cidade simples.

P - E quanto tempo ficou lá com ele aprendendo a fazer chapéu?

R - Ah, ia diversas vezes. P/ 1 - Ah, o senhor ia e voltava para casa?

R - Ia e voltava, quando menos esperava os meus tios falavam: "Vamos de novo, nós vamos em Pouso Alegre." Eles iam vender coisaa lá sabe, então eu aproveitava e ia junto.

P - O senhor ajudava a vender também as coisas da família?

R - Ajudava, ajudava sim.

P - Mas, tinha algum local específico onde o pessoal vendia?

R - Não, não tinha não.

P - O senhor ajudava seu pai na...

R - Ajudei na lavoura, trabalhei na lavoura bastante tempo.

P - O que fazia?

R - Plantava milho, feijão, arroz.

P - E essa plantas eram vendidas, ou eram só para o uso da família?

R - Não, para uso da família.

P - O senhor estudou?

R - Um pouco.

P - Aonde?

R - Eu estudei seis meses só. (riso)

P - Ah, é?

R - Escola mesmo assim, concentrada, seis meses só. O que eu aprendi, aprendi no mundo.

P - Que escola era?

R - Não lembro.

P - Era na fazenda?

R - Era, na fazenda.

P - O que aconteceu com a professora?

R - Ela teve que mudar por motivo de doença e não veio outra no lugar.

P - E quem colocava professora na fazenda?

R - O próprio dono da fazenda.

P - Como era o relacionamento da sua família com o dono da fazenda?

R - Era bom,era meio parente até.

P - Ah, é?

R - Era.

P - O que ele era do senhor?

R - Ele acho que era um tio em segundo lugar parece.

P - O senhor ficou em Pouso Alegre até quando mais ou menos?

R - Ah, em Pouso Alegre eu fui diversas vezes, como acabei de dizer agora.

P - Mais ou menos quantos anos o senhor tinha quando já podia ir sozinho a Pouso Alegre?

R - Ah, lá com os parentes ia qualquer idade, eu tinha dez anos, nessa época, dez ou 12 anos se não me engano.

P - Foi a primeira vez?

R - Primeira vez. P/ 1 - E até quando o senhor morou na fazenda?

R - Eu morei na fazenda até aos 17 anos, aí eu vi que não dava certo, procurei me virar.

P - O que o senhor pensou?

R - Fui para a cidadezinha mais próxima que era a Estiva.

P - E aí, o que fez lá?

R - Lá eu fui trabalhar com um ferreiro de cavalo.

P - Ah, o senhor foi ferreiro de cavalo?

R - É.

P - Então diga como era esse trabalho.

R - Lá, a gente fazia as ferraduras, pegava os ferros e envergava eles, fazia as ferradura no martelo e ferrava o cavalo, fazia ferradura na hora.

P - Como era o local onde o senhor trabalhava?

R - Era uma tenda, um barracão no fundo do quintal, lá tinha um fole para fazer aquele vapor, o fogo, e aí a gente fazia o trabalho.

P - E quais eram os seus instrumentos de trabalho, as ferramentas?

R - Barra de ferro, uma marretinha mais ou menos que ficava desse tamanho, para achatar o ferro.

P - E o ferro ele vinha como, ele vinha...

R - Reto, barra reta. Depois era aquecida, avermelhando no fogo ela fica molinha e vai para onde a gente e quer.

P - Como é que se entorta o ferro quente?

R - Ah, pois é porque está mole, estando vermelho ele fica mole, fica mole que nem cera.

P - E como o senhor pega?

R - Pego com, chamava, taia. A peça que a gente pegava o ferro era a taia.

P - Para fazer a ferradura, existia uma maneira de tirar medida da ferradura ou era uma medida padrão?

R - Não, tinha as medidas, porque tem cavalo que tem casco maior, outros tem o casco menor, então primeiro eles viam o casco do cavalo qual é o tamanho, aí pegava o molde, colocava em cima da bigorna e colocava o ferro ali em redor, prendia a ponta do ferro quente, envergava ele e dava aquelas batidas para ir pegar o jeito.

P - Como prendia no casco do cavalo?

R - Ah, prego, prego próprio.

P - Era o senhor que prendia?

R - Ah, eu fazia também isso aí.

P - Como o senhor aprendeu...

R - Ah, isso aprende fácil, isso aprende em duas horas, duas, três vezes que a gente vê, já aprende.

P - Quem ensinou o senhor?

R - O próprio dono da tenda.

P - Quantos cavalos o senhor ferrava por dia?

R - Ah, dez, doze, quinze, não tinha quantidade não, porque naquele tempo usava muito, muita carroça.

P - Chegava a ter trabalho com carro de boi?

R - Carro de boi lá não fazia não, para carro de boi não.

P - Tinha aqueles aros.

R - Não, não, não, aquilo lá não fazia.

P - Como o senhor chegou na tenda desse senhor e pediu emprego?

R - Ah cheguei, eu vi que ele tinha lá a casa aberta, cheguei e perguntei: "O senhor precisa de um empregado aí?" "Preciso." Então eu peguei.

P - Teve algum problema de saúde por causa do lugar quente, dessas coisas?

R - Não, era arejado, aberto, as paredes tudo aberta.

P - Quem eram os clientes?

R - Os fazendeiros.

P - Eles lidavam direto, iam lá com os cavalos?

R - Isso, isso qualquer novidade que havia, quando a ferradura quebrava, eles iam lá para tirar aquela e fazer uma nova.

P - Eram cavalos mais de trabalho na roça, ou eram cavalos...

R - É, cavalos domésticos, bem domésticos, pegava a perna dele, colocava a perna dele, colocava até em cima da perna da gente assim e fica lá, com a perna bem descansada aqui e a gente fazia o trabalho da colocação das ferraduras.

P - Tinha mais alguma coisa em que trabalhava como ferreiro nessa época?

R - Tinha, eu fazia aquelas ferramentas que quebravam, até juntava as duas ferramentas e ajuntava, tinha um líquido próprio que eu acho que é acido muriático, borrava aquela barra, primeiro dá umas lixadinhas para limpar, né, passava o esmeril para limpar as duas partes, aí passava aquele ácido, colocava uma areia, areia branca, a areia era branca, a areia grudava naquele, espécie de um óleo que essa turma colocava ali e eu não lembro bem como é que eles faziam, mais prendiam uma parte na outra, aí eles levavam as duas partes presas uma na outra dentro do fogo, ficava vermelha que nem brasa, aí batia em cima da outra, está soldado.

P - Que ferramentas eram essas que o senhor consertava?

R - Enxada, foice, normalmente enxada.

P - Quebrava muito?

R - Quebrava muito porque lá tem muita pedra, então quebrava, dava aquelas, um desbocamento, fazia um buraco assim na, no corte, ficava aquela brecha, então nessa brecha colocava o remendo. P/ 1 - O senhor tinha alguma roupa especial para trabalhar, algum equipamento de proteção?

R - Tinha, tinha. Tinha uma, acho um avental de amianto, né, porque quando bate aqueles ferros lá quente, junto com areia, ele pula em cima da gente . Usava um avental de amianto e um óculos também de proteção para a vista.

P - E tinha algum risco de vida?

R - Não, nenhum nenhum.

P - O fole, quem manuseava o fole?

R - O fole, às vezes a gente mesmo, está fazendo esse trabalho aqui e está manejando o fole aqui, uai.

P - Com o pé?

R - É. Era um folezinho regular, pequeno, que não tinha muito peso.

P - Interessante.

R - Isso é um trabalho muito bonito. P/ 1 - Quanto tempo o senhor exerceu essa profissão?

R - Ah, uns oito meses, foi daí que eu comecei a rodar e vim cair em São Paulo.

P - Por que o senhor resolveu sair de lá?

R - Ah, porque queria ganhar mais.

P - Quanto ganhava nessa época?

R - Acho que baratinho, nem lembro, nem lembro, eu sei que era muito barato.

P - Dava para fazer o quê com esse dinheiro?

R - Comprar uma coisinha, comprar um par de sapato, comprar uma camisa, pouca coisa.

P - Aonde o senhor morava nessa época?

R - Morava com eles, com o dono da tenda.

P - Tinha mais gente que trabalhava com o senhor?

R - Não, só tinha eu e o patrão, acho que só.

P - Ele também era ferreiro?

R - Ele era, ele era, ele era mestre.

P - Quantos anos ele tinha?

R - Ah, uns 25 anos por aí, ele era jovem também.

P - Ele era chamado de mestre?

R - Não.

P - E aí o senhor ficou uns oito meses lá e resolveu fazer o quê?

R - Aí, eu vim embora para Aparecida do Norte. P/ 2 - O que o senhor fez lá em Aparecida do Norte?

R - Trabalhei em um hotel de garçom, aí melhorou, porque de ferreiro para garçom, é bem mais suave.

P - E quanto tempo?

R - Pouco tempo, acho que uns dois meses.

P - E depois?

R - Melhorei um pouquinho de, peguei o trem e vim cair em São Paulo.

P - Do que o senhor lembra quando chegou em São Paulo?

R - Achei a cidade muito bonita, até aí eu não tinha vindo ainda para São Paulo.

P - Do que lembra mais, o que mais impressionou?

R - Impressionei que a cidade era bonita, muito grande, tinha um medo de sair na rua que Deus me livre, de se perder. Aí, eu arranjei emprego em um hotel, fiquei morando no hotel também.

P - O que fazia?

R - Garçom. P/ 1 - Que hotel era?

R - Hotel Serafim.

P - Aonde ficava?

R - Na rua Meira Lima.

P - Ficou quanto tempo lá?

R - Ah, eu fiquei bastante tempo, acho uns dois anos, eu fiquei ali.

P - Só de garçom?

R - É.

P - E aí, o que aconteceu?

R - Bom, eu não lembro bem o que aconteceu porque as coisas vai mudando, não lembro mais. Eu sei que eu não fiquei muito tempo.

P - E aí foi para onde?

R - Eu acho que aí eu, foi aí que eu arrumei o emprego no Ramenzoni. Foi.

P - Ramenzoni, e na Ramenzoni entrou fazendo o quê?

R - Fazendo chapéu.

P - Desde o primeiro dia?

R - Desde o primeiro dia

P - Como era o seu dia - a - dia de trabalho lá na Ramenzoni?

R - Uai, entrava as hora de, horário comercial, hora certa de entrar e saía na hora, à tarde, saía e ia embora para casa.

P - A que horas? Era às 7 horas?

R - Acho que era às 7 horas. P/ 1 - Quem ensinou, bom o senhor já sabia um pouco.

R - Já sabia, eu entrei para me aperfeiçoar o trabalho, para ficar mais chegado o conhecimento do trabalho de chapéu, aí eu saí em 41, em 41 eu saí de lá.

P - O senhor se lembra de quando entrou?

R - Lembro, em 40.

P - Em 40?

R - É.

P - O que aperfeiçoou lá, o senhor se lembra?

R - Ah, cheguei mais, cheguei mais o conhecimento da coisa, porque eu já sabia fazer, já sabia.

P - Tinha máquinas diferentes?

R - Tinha máquina, ô, cada máquina

P - Conte como elas eram, o que faziam.

R - Ah, as máquinas faziam, para fazer aquele chapéu de veludo, aquilo é feito com uma máquina quase igual à máquina de cortar cabelo, é aproximada à máquina de cortar cabelo e eu fazia essa parte aí. Pegava o chapéu, a carapuça ainda bruta, peluda, passava na máquina até chegar aquele ponto de, de formar aquela, assim como fosse camurça. P/ 1 -O senhor falou da carapuça, quais são as etapas de trabalho para ter um chapéu inteiro, completo?

R - Ih, aí a gente vai longe, tem umas dez etapas.

P - Então vamos começar...

R - Eu não sei bem essa parte, eu não passei por ela, eu só passei na da carapuça já ali com a grossura certa, mas para chegar na espessura da carapuça, para depois dali transformar em chapéu, armado o chapéu, para chegar até ali, vai umas dez sessão, para chegar o chapéu. Eles fazem uma carapuça desse tamanho aqui, tudo fofinha, aí molha e vai batendo, vai batendo, vai batendo, vai batendo, vai batendo de comprido para ela ir entrosando, quando ela chega um ponto de entrosamento suficiente, aí eles engomam, engomam e espera secar e vai para essa parte, que eu faço, que eu fazia.

P - Depois dessa parte o que acontecia com o chapéu?

R - Aí ia para uma outra parte que chama (fulagem?), armava as carapuças na medida certa.

P - De acordo com o tamanho da cabeça?

R - Isso, isso.

P - Nessa época. o que estava na moda?

R - É esse chapéu tradicional, no chapéu não há mudança, só um pouquinho no modelo, fita mais larga, mais estreita, abinha mais pequena, abinha mais larga, chapéu não sai disso aí, não tem muita variação. P/ 1- Na Ramenzoni, quantos chapéus por dia o senhor produzia?

R - Ah, a gente fazia bastante, naquela época fazia dois mil chapéus por dia, três mil chapéus por dia na fábrica, trabalhava muito. P/ 1 - E como eram os seus colegas de trabalho, o senhor tinha amizades, vocês saiam juntos?

R - Tudo boa gente.

P - Mas vocês saiam juntos?

R - Saia junto.

P - Aonde iam?

R - Ia almoçar, voltava, começa o trabalho às três, à tarde saia, cada um ia para a sua casa.

P - Onde almoçava com eles?

R - Almoçava em um restaurante. P/ 1- Na própria fábrica, ou não?

R - Não, não, na rua.

P - Nessa época o senhor tinha carteira assinada?

R - Tinha, quer saber o salário? (riso) 280 cruzeiros, não, não era cruzeiro não, era mil -réis, 280 mil réis. P/ 1- Era um bom salário?

R - Era de acordo com hoje a mesma coisa, a gente para atravessar o mês tinha que fazer economia.

P - E o que o senhor fazia com esse dinheiro, os 280 mil réis?

R - Ah. pagava os almoço, pagava pensão para dormir, e o que sobrava a gente guardava, quase não sobrava nada.

P - Aonde ficava a fábrica Ramenzoni?

R - Na rua Lavapés.

P - Pode descrever como era a casa?

R - A fábrica era um prédio muito bonito de esquina, tudo pastilhado, com aquela pastilha vermelha e era um pavilhão muito grande, era um quarteirão.

P - Inteiro?

R - É, quase que nem a Cury, se alguém conhece a Cury de perto, era mais ou menos daquele tipo lá, era um quarteirão inteiro, era a Ramenzoni, mas tinha, tinha um segundo andar e não era só o térreo. E foi uma pena muito grande parar aquela fábrica.

P - O senhor conhecia o dono da Ramenzoni?

R - Não, não conhecia não.

P - Com quem o senhor se dava ali dentro?

R - Com os mestres, só com os mestres.

P - O que os mestress faziam?

R - Eles explicavam, faz assim, faz assado, isso aqui está errado, faz de novo.

P - Eles controlavam horário de saída, de chegada?

R - Ah, controlavam, até tinha o cartão para picar, para picar a entrada e para picar a saída, não podia entrar ninguém sem chapéu, visitante que fosse visitar a fábrica, que fossem chegando, tinha que pegar uma etiqueta, uma espécie de um crachá e assinar uma ficha e pegar um chapéu da fábrica, para poder entrar na fábrica.

P - Por que não podia entrar sem chapéu?

R - Porque supostamente a pessoa saia com chapéu, entrava sem chapéu e saia com chapéu. P/ 1 - Então, a pessoa já tinha que entrar com chapéu?

R - Ah, tinha que entrar com chapéu, já catalogado com uma carteirinha, um crachazinho e deixava uma ficha marcada na sala, para na saída ser devolvida.

P - Tnha outras regras assim?

R - Não, não, não tinha outras regras.

P - Para os funcionários assim de...

R - Não, não havia regra nenhuma.

P - Tinha período de descanso, lanche?

R - Eu acho que tinha, isso tinha, parece que tinha 10, 15 minutos de descanso, na parte da tarde, né?

P - Depois do almoço?

R - Isso, lá pelas 3 horas tinha um descanso.

P - Como é que era o relacionamento com os colegas?

R - Bom, tudo bom, não havia motivo de haver discórdia com ninguém.

P - Por que saiu da Ramenzoni?

R - Eu saí do Ramenzoni, fui em uma indústria que fazia as ferramentas de chapéu, porque eu já tinha uns trocadinhos guardados e mandei fazer a ferramenta e fui embora para Minas casar com a dona Jorva. (riso)

P - O senhor já conhecia a dona Jorvalina?

R - Já, quando eu vim para São Paulo, nessa parte aí, de trabalhar aqui, eu já vim com o propósito para isso.

P - Como conheceu a dona Jorvalina? Aonde?

R - Em uma festinha.

P - Que festinha foi essa?

R - Festinha assim, aquelas festinha de capelinha do mato, conheci ela.

P - O que nela atraiu o senhor?

R - Ela, atraiu ela, era muito bonita, ainda é, (riso) gostei muito dela.

P - E aí ficou um ano em São Paulo?

R - Fiquei mais, fiquei uns dois anos.

P - E aí mandou fazer as ferramentas e...

R - Levei.

P - Levou para onde?

R - Para lá para a cidade dela, na cidade natal dela.

P - Qual é?

R - Bom Repouso. Lá fiquei um ano, um ano e pouco, até casar.

P - Como chapeleiro, já?

R - Como chapeleiro é, como chapeleiro.

P - Quem eram os seus fregueses lá?

R - Ah, lá naquela época tinha, a cidadinha era pequena, mas os poucos que tinha tudo tinha chapéu na cabeça, dava para sustentar, não havia ninguém sem chapéu na cabeça, naquela época.

P - Todos os homens usavam?

R - Todos os homens usavam chapéu.

P - Aí de Bom Repouso o que aconteceu?

R - Depois que eu casei, casei lá, fiquei uns três, quatro mês morando lá, mas daí eu fui embora para a cidade de Camanducaia, aonde nasceu a Miraci.

P - A Miraci é a sua primeira filha?

R - É.

P - Como se chama a cidade?

R - Camanducaia, ainda é Camanducaia.

P - E lá, diga como era essa cidade, é em Minas?

R - Hein?

P - É em Minas Gerais?

R - É, é em Minas Gerais.

P - Como era essa cidade?

R - Ah, muito pequenininha, mas dava para viver.

P - Lá tinha freguesia?

R - Tinha, tinha freguesia, tinha.

P - Como era o pagamento, a forma de pagamento lá?

R - Ah, deixava o chapéu, a gente arrumava ele, quando eles vinham buscar, pagava.

P - Em dinheiro?

R - Em dinheiro.

P - Não tinha fiado, essas coisas, caderneta?

R - Não, não havia fiado.

P - O senhor tinha uma oficina, como era essa oficina?

R - Era uma oficina, com todas as ferramentas.

P - Então conte como era.

R - As ferramentas são compostas de fôrmas, de 53 a 58, 59, 60, por aí, as fôrmas de madeira e ali a gente fazia o chapéu, de acordo com a medida da pessoa.

P - Quais eram as ferramentas que tinha para trabalhar?

R - Ferro, ferro de passar, uma tesoura para cortar e agulha para costurar.

P - E tinha variação de cor, de tecido.

R - Não, não, isso ia na cor que tivesse, aí que a gente fazia a reforma, o freguês trazia o chapéu velho, sujo, para a gente lavar e tingir o chapéu, às vezes, às vezes algum pedia para tingir, a gente tingia.

P - Lavava com o quê?

R - Água e sabão.

P - Vocês ficaram até quando em Camanducaia, mais ou menos?

R - Eu fiquei até 42, a Miraci nasceu lá, 43, finzinho de 43, eu vim para São Paulo.

P - Por que resolveu voltar para São Paulo?

R - Porque é cidade grande, cidade grande é sempre melhor para ganhar dinheiro.

P - E aí, onde vocês foram morar quando chegaram?

R - Na Penha.

P - Por que escolheu a Penha?

R - Porque já tinha parente próximo ali, que morava na Penha, aonde está morando um parente, vai outro.

P - Aí o senhor montou a oficina aqui em São Paulo.

R - Montei.

P - Em que bairro?

R - Montei a oficina, deixa eu ver aonde, agora me engrossou, tem tanto lugar que eu pus oficina em São Paulo.

P - Não precisa lembrar exatamente a primeira.

R - Bom, eu tive uma oficina muito tempo na rua Guaiaúna.

P - Aonde é, no Centro?

R - É perto, na Penha, na Penha.

P - E quem eram seus fregueses? De onde vinham, da cidade?

R - Da cidade, das ruas, das...

P - Tinha algum lugar de onde vinham mais, da zona Norte?

R - Não, não, tudo a mesma coisa.

P - Quantos chapéus o senhor fazia por dia nessa oficina?

R - Ah, o que aparecesse, a gente fazia até dez.

P - E aparecia?

R - Às vezes aparecia.

P - Pode dizer como se faz um chapéu, desde a hora em que pega o pano, o feltro, que material é, o senhor falou em lavar, ensina para a gente.

R - Ah, isso é chapéu velho, chapéu usado, então vamos falar no chapéu usado? P/ 2 - Então vamos falar do chapéu novo.

R - Novo. O novo, que eu já mostrei lá, a gente compra o feltro da fábrica e faz um acabamento. É mais fácil falar do chapéu usado, reformado.

P - Então, está bom.

R - Usado. O freguês traz, ele compra o chapéu novo e põe na cabeça e usa, usa, usa, até não poder mais, fica pesado de sujeira, aí traz para mim reformar. A gente desmancha o chapéu, vê a medida do freguês, marca em um papel e lava o chapéu, espera secar, tem alguns que precisa pôr goma, para ficar mais durinho, outros não precisa, espera secar e puxa na fôrma, por meio de vapor para chegar na altura certa, aí tira lá ,põe a fita, põe a carneira e entrega para o freguês.

P - Pode explicar o que é a carneira?

R - É aquele courinho de dentro, que vai por dentro, aqui assim.

P - E para que serve a carneira?

R - Proteger um pouco o feltro.

P - O feltro?

R - Se não tiver o couro, não protege o tamanho e também não protege o chapéu, porque o suor da cabeça da pessoa vai direto no feltro, mancha mais depressa.

P - E como é que se sabe a medida da cabeça da pessoa?

R - Porque a gente mede.

P - Como?

R - Com fita.

P - Mostra para mim?

R - A fita métrica, você não conhece a fita métrica, pega a fita métrica e põe aqui assim, aonde der a medida...

P - E aí o senhor põe na fôrma do tamanho...

R - É, do tamanho da cabeça da pessoa.

P - E como sabe a medida e o tamanho da fôrma?

R - Ah, porque as fôrmas já têm a medida, cada fôrma tem uma medida, de 53, tem mais menor ainda, mas vamos dizer de 53, de 53 a 60, que tem mais de 60.

P - E se o senhor não tiver aquela fôrma do tamanho da cabeça da pessoa?

R - Aí, põe um, umas copas de chapéu, que já não presta mais, só serve para fazer copa, já cortou a aba já não tem mais aba, a gente vai pondo uma em cima da outra, uma copa em cima da outra até fazer o número, viu?

P - De que material eram as fôrmas, senhor Carlos?

R - De madeira.

P - E quem fazia essas fôrmas?

R - Era uma industria de, uma metalúrgica que havia no Belém, uma única oficina metalúrgica que fazia esse tipo de ferramenta, mas já não existe mais. P/ 1 - O senhor se lembra o nome?

R - (Pecoralle?), Indústria de Chapéus não, Indústria Metalúrgica (Pecorale?). P/ 1 - E a fôrma, o senhor comprava uma fôrma e ela durava muito tempo?

R - Ah, não acaba nunca, não acaba nunca. P/ 1- Nessa época existia campo de trabalho para o chapeleiro em São Paulo?

R - Existia, ô se existia, cada esquina tinha um, cada pé de prédio, entrada de prédio tinha um, era assim de chapeleiro.

P - E existia concorrência?

R - É, cada um fazia um preço.

P - Como fazia para atrair a freguesia?

R - Ah, colocava um cartaz na porta, assim na beira da parede, assim na porta, pessoa está passando para lá, para cá: "Ah, tem um chapeleiro aí? Ah, o senhor é chapeleiro?" "Sou eu mesmo, pode entrar." Aí... (riso)

P - O senhor teve algum freguês famoso?

R - Só para ser sincero, tive.

P - Quem?

R - O..., como chama, o Adoniran Barbosa, ele foi meu freguês, seis meses antes dele morrer. Mas foi só ele, famoso que eu saiba, só ele.

P - O que o senhor fez para ele, o senhor lembra?

R - Eu arrumei um chapéu para ele.

P - Como era esse chapéu?

R - É aquele tradicional, que ele usava, ele usava sempre um tipo só, aquele chapeuzinho pequenininho de aba pequena e a copinha baixinha. P/ 1- Fale um pouco sobre o dia em que ele chegou na chapelaria para falar com o senhor.

R - Ah, eu não dei nem bola, ele foi entrando, eu falei... Eu que provoquei um pouquinho, daí ele foi entrando...

P - O que o senhor falou?

R - "Ah, o senhor é o Adoniran Barbosa, o senhor é famoso." Puxei um pouquinho, né? Aí, está lá ele, ele está sempre em um sambinha, sempre tocando com uma caixinha de fósforo.

P - E ele foi muitas vezes lá na chapelaria?

R - Não, foi uma vez só, não voltou mais, ele só foi aquela vez.

P - Logo depois ele morreu?

R - É.

P - Qual era a idade do pessoal que freqüentava a chapelaria? Tinha uma faixa etária que...

R - Ah, a faixa etária de 30 para cima, de 25, 20 anos para cima, porque naquela época todo mundo usava chapéu mesmo, até o jovem usava, via os avôs usando o chapéu, os pais usando, eles também usava, mas de lá para cá, de 40 para cá começou...

P - O que aconteceu?

R - Foi caindo, foi entrando a moda de andar sem chapéu.

P - O senhor fazia algum serviço a domicílio?

R - Não, quase não, a pessoa vinha na oficina fazer.

P - Tinha algum cliente especial que sempre ia lá e que...

R - Ah, isso tinha, até hoje eu tenho, até hoje, quando menos espera, de dois em dois meses de três em três meses, vem freguês lá que é freguês há 40 anos. P/ 2 - Quem são essas pessoas?

R - Ah, são assim, gente comum.

P - O que eles fazem, qual o trabalho deles?

R - Ah, já são aposentados, pessoas idosas já.

P - Nessa época que o senhor já estava aqui em São Paulo, tinha algum tipo de uniforme que usava para trabalhar?

R - Ah, usava um avental para proteger a roupa.

P - Por que precisava proteger a roupa?

R - Porque o chapéu ele, por mais limpo que seja, que a gente deixou limpo no lavar, o pó que ele produz suja a roupa, então tem que colocar um avental para proteger.

P - Até agora, pouco tempo atrás, o senhor estava com a chapelaria na Senador Queiroz?

R - Dois anos atrás.

P - Senador Queiroz?

R - Não Senador Feijó.

P - Feijó, e quais os outros locais da cidade que o senhor esteve?

R - Só lá, a maior parte do tempo, eu também fiquei na Penha.

P - No bairro da Penha e no Centro?

R - É.

P - Por que o senhor resolveu sair do Centro, senhor Carlos?

R - Porque tem muito trombadinha, comecei a ficar com medo dos trombadinhas e um dia fui atacado por um trombadinha e chegou a me rasgar o braço aqui assim, que ali ele tentou tirar uma bolsa que eu usava para levar marmita, ele tentou tirar a bolsa e a bolsa passou por aqui assim e me rasgou o braço e a minha patroa estava junto, aí ela falou: "Ah, vamos embora, vamos fechar isso aqui, vamos levar tudo lá para casa, o freguês se quiser vai procurar a gente em casa." Aí eu fiz, está fechada até hoje a sala.

P - A sala é sua??

R - Não.

P - Quando a chapelaria voltou para a sua casa mudou a clientela, ou eles continuaram?

R - A mesma coisa, quem ia lá no Centro, continuava indo na minha casa, continua indo.

P - Até hoje?

R - Só que hoje é mais pouco, hoje muitos desses velhinhos que era freguês meu, que usava chapéu, já se foi, então é freguês a menos, jovem não usa chapéu.

P - Quem usasva continua usando?

R - Ah, continua usando.

P - Já teve alguma encomenda especial, para alguma peça de teatro, alguma coisa assim?

R - Não tive não, não tive, por enquanto não tive, pode ser que ainda apareça, habilidade para fazer a gente tem.

P - Conta para a gente do chapéu do Indiana Jones.

R - Você quer saber o quê?

P - Como é que surgiu isso?

R - Não, o chapéu do Indiana Jones foi o artista veio aqui no Brasil, não sei se você sabe, ele esteve aqui no Brasil e foi visitar a fábrica de chapéu, a Cury, em Campinas, e lá ele pediu um chapéu. Aí, esse chapéu saiu com o nome do chapéu de Indiana Jones, é esse chapéu que eu te mostrei lá em baixo, Indiana Jones.

P - É da Cury?

R - É.

P - Ele já tinha feito o filme?

R - Já.

P - O ator?

R - Já, já.

P - O senhor sabe se eles levaram só um chapéu?

R - Não sei. Pode ser que não, porque naquelas brincadeiras que a gente vê naqueles filme que eles faz, estraga muito chapéu não é? (riso)

P - Fala um pouquinho dos seus filhos, o que eles fazem?

R - Ah, eles fazem a vida diferente, cada um cuida da sua vida.

P - Mas, eles vão até a sua casa?

R - Vai, mora tudo pertinho.

P - Tem algum que quer seguir a sua profissão?

R - Ah, tem um que ele é chapeleiro, ele aprendeu comigo, se eu resolver parar, ele continua.

P - Quantos anos ele tem?

R - Tem 48.

P - Como ele se chama?

R - O Rubens.

P - E por que ele quer seguir a sua profissão?

R - É, porque também ele já está velho, não adianta querer fazer outra coisa, não vai arranjar emprego mesmo, nessa idade não arranja emprego. Agora, atualmente ele trabalha com tapeçaria.

P - E o senhor que ensinou...

R - Com chapéu foi.

P - Como ensinava?

R - Ele vendo, eu fazendo, ele fez, ele faz muito bem feito.

P - Acha que ele seguiria a tradição?

R - Ah, segue, acho que segue sim.

P - Depois que a fábrica, a sua oficina foi para casa, como é que ficou o seu dia-a-dia de trabalho?

R - Não entendi.

P - Como é que ficou o seu o dia - a - dia de trabalho?

R - Quando eu fiz?

P - Quando a oficina foi lá para a sua casa.

R - Ah sim, normal, normal.

P - Mas o senhor acorda a que horas?

R - Ah, isso, a hora, acordo às 7 horas e meia, 8 horas.

P - Quantas pessoas por dia recebe lá?

R - Às vezes não recebeo nenhuma (riso) e, às vezes receb cinco, seis.

P - É mais comum receber menos pessoas, ou receber cinco, seis.

R - É, isso.

P - Qual é mais comum?

R - Não entendi.

P - Receber mais gente, ou menos gente?

R - Ah, mais gente, né, quanto mais gente, mais ganha. (riso)

P - Fale um pouquinho da sua família, quantos filhos tem, o que eles fazem?

R - Ih, eu já não falei lá embaixo? Vou falar de novo?

P - Repete um pouquinho. Quantos filhos o senhor tem?

R - Seis.

P - E o senhor tem netos e bisnetos, quantos são?

R - Bisneto tenho cinco.

P - E tem 18 netos, né?

R - 18 netos, 19, 19 netos.

P - E vocês costumam se encontrar?

R - Ah sim.

P - Em que ocasiões?

R - Ocasião de aniversário, na casa de cada um deles, a gente vai, aniversário dos netos, que quase todo mês tem neto. (riso) Estou com 19 netos, não é, se não tem hoje tem amanhã, se não tem amanhã tem depois. (riso)

P - Que profissão gostaria que seus netos seguissem, hoje em dia?

R - Ah, hoje em dia o chapéu não dá mais, não adianta insistir, só para ganhar um pouquinho, para passar o tempo, mas está superfracassado. Qualquer outra profissão é boa, tem tanta profissão boa.

P - O que seria uma profissão boa para eles?

R - Dependendo, dependendo da inclinação de cada um, eu por exemplo o segundo, o Reginaldo, é o segundo, é o, é o terceiro, vai ser vidraceiro e ele vai muito bem com a vidraçaria, o que falar em vidraçaria, de assim, colocação de janela, colocação de box, falou, ele já faz, o que for possível, ele faz.

P - O senhor morou em outras cidades, ficou em São Paulo e daí foi para aonde?

R - Ah, eu fiquei muito tempo aqui, mesmo que eu fazia essas, essas aventuras nas outras cidades, foi passageira.

P - Em que cidades o senhor passou?

R - Passei Arapongas, passei em Cornélio Procópio, depois vim para São Paulo, depois de uns tempos, não lembro bem a época, fui para Lins, fiquei morando em Lins, um bom tempo fiquei morando em Lins.

P - Quanto tempo mais ou menos?

R - Uns, cerca de um ano e meio, um ano, um ano e pouco.

P - O senhor foi para Lins com duas coisas para fazer, o que era?

R - Fazer chapéu e passar filme nas fazendas. P/ 1- E como que fazia, como ia passar os filmes na fazenda?

R - Eu alugava os filmes nas filmotecas aqui em São Paulo, levava, eles mandavam para mim os filmes, aí eu ia na fazenda, combinava com o fazendeiro, tinha aquelas tulhas de guardar cereais e fazia a projeção aí, cobrava uns trocados, no dia seguinte devolvia o filme de novo.

P - Quem eram as pessoas que assistiam os filmes?

R - As pessoas que moravam na fazenda.

P - Que tipo de filme passava?

R - Passava bastante filme, passava faroeste, passava comédia, diversos filmes passava.

P - Aí o senhor falou que não dava muito certo.

R - Não deu certo porque a chuva perseguia. (riso) No dia do espetáculo vinha um toró de água, aí não ia ninguém, não dava a féria e tinha que devolver o filme no dia seguinte.

P - Era o fazendeiro que pagava para os funcionários assistirem?

R - Não, eu cobrava individual de cada um.

P - O senhor lembra de quanto era o ingresso?

R - Hum?

P - O senhor lembra quanto era o ingresso?

R - Era 5 real, 5...

P - Mil - réis?

R - Acho que era 5 cruzeiro, é cruzeiro já.

P - Era comum essa coisa que o senhor fazia, do mesmo jeito que existia isso em Lins, que o senhor fazia nas fazendas de Lins, existia em Promissão?

R - Ah, existia, tinha outros lugares, tinham outras pessoas, fazia também. Tinha pessoa que era tão equipada, que ele tinha um carro, com motor de produzir força, ele nem dependia da força da fazenda. É, tinha aquele jipe apropriado, instalava um gerador, que gerava mil, dois mil watts e eles passavam o filme com a força da própria, da própria máquina. Eu já era mais fraquinho, alugava filme e usava a luz da fazenda.

P - E que máquina usava para projetar?

R - Uma máquina boa, por sinal tem uma lá em casa ainda.

P - Era, era...

R - Era 16, 16 milímetros. P/ 1 - Lembra de algum filme da época que fez mais sucesso, que o pessoal gostou mais?

R - Não lembro muito bem não, tem um que eu não esqueço do nome dele que era ("Opalon Cacide."?), já ouviu falar nisso? Nunca não é? ( riso)

P - Vamos começar a finalizar a entrevista. O que acha que mais mudou no mundo, de antes para agora?

R - Uh, mas mudou tanto, nossa Mudou muito.

P - Por que acha que as pessoas não usam mais chapéu hoje?

R - Porque é mais prático, muito mais prático não usar chapéu. Você entra em um qualquer pequeno escritório, você está de chapéu tem que pôr aqui, ou pôr no porta - cabide. Cadê o porta - cabide, não tem mais , porta - chapéu, então, tem que pôr aqui mesmo, debaixo do braço e vai assim vai desestimulando o interesse de usar chapéu. Na igreja não pode usar chapéu, no Fórum não pode usar chapéu. (riso)

P - Apesar de ter trabalhado só um pouquinho na Ramenzoni, teve alguma ligação com o Sindicato dos Chapeleiros naquela época?

R - Não, não tive ligação nenhuma.

P - E quando estava no ofício sozinho?

R - Também não.

P - Se pudesse mudar alguma coisa na sua vida, o que mudaria?

R - Eu mudaria para ficar mais jovem. (riso) Se eu pudesse voltar 20 anos atrás, eu voltaria. (riso)

P - E qual é o seu maior sonho?

R - Ah, eu não tenho sonho não, já estou, já estão todos realizados.

P - Está o.k., senhor Carlos, a gente agradece a sua colaboração.

R - Não há de quê, se eu fui útil...

P - Com certeza.

R - Então, está bom.

P - Obrigada.