Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Anézio de Oliveira
Entrevistado por Priscila Perazzo e Rosali Henriques
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 16 de outubro de 1996.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº 26
Transcrita por Luciana Tosetti
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Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Anézio de Oliveira
Entrevistado por Priscila Perazzo e Rosali Henriques
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 16 de outubro de 1996.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº 26
Transcrita por Luciana Tosetti
P - Gostaria que dissesse o seu nome completo, onde nasceu e a data de nascimento.
R - É Anézio de Oliveira. Nasci dia 7 de setembro de 1930, e...
P - Onde?
R - Fazenda Santo Antônio, município de Itapira.
P - E os seus pais, como era o nome deles?
R - Francisco Pedro de Oliveira e Maria Biachi.
P - De onde eles eram?
R - O meu pai era de Santa Catarina, Barra Velha, cidade. Minha mãe é de Rezende, Rio de Janeiro.
P - Fala um pouquinho do seu pai. O que ele fazia?
R - Bom, o meu pai eu conheci ele... Quando ele faleceu, eu tinha 12 anos. Mas ele sempre trabalhou assim em roça. E quando mudou em Santo André, em pouco tempo morreu. Não chegou a trabalhar nem em indústria. Ficou com problema de doença e nunca trabalhou em indústria.
P - Em Santa Catarina ele trabalhava com...
R - Ele era pescador assim de... Pescava no mar. Alto mar. Depois veio para São Paulo e aí vivia de roça.
P - Sabe por que ele chegou em Itapira?
R - Ah, ele chegou assim mais por aventura. Acho para sair do lugar que ele morava, em Santa Catarina, e ele foi morar numa fazenda lá onde que eu nasci. E lá conheceu minha mãe também, que era mocinha. E foi namorar e se casaram e moraram lá 40 anos. Tiveram tudos filhos lá.
P - E a sua mãe? Por que ela veio de Rezende?
R - É, a minha mãe ela era descendente de italianos. O meu avô, quando veio para o Brasil, ele foi morar no estado de Santa Catarina também. Aí depois ele mudou para o Rio de Janeiro. Quer dizer, em Santa Catarina nasceu dois filhos, que são meus tios. O João e o Henrique. Depois o meu avô mudou para o estado do Rio. E lá no Rio, em Rezende, nasceu a minha mãe. Depois meu avô, com saudade dos pais dele que ele tinha deixado na Itália, cismou de voltar para a Itália. Aí ele levou toda a família para a Itália. Aí moraram mais 18 meses lá. Minha mãe aprendeu a ler e escrever lá. Ela tinha sete anos. Aí, saudades do Brasil, meu avô não se deu mais lá com a Itália, voltou aí no estado de São Paulo. Desceram em Santos, aí. Há muitos anos. Mais de 100 anos, porque a minha irmã mais velha está com 93 anos. É, isso aí faz mais de 100 anos.
P - Ela foi morar na fazenda também?
R - Foi morar. Antigamente as fazendas tinham um gerente, administrador, que ia no Porto de Santos pegar os imigrantes para levar para trabalhar nas fazendas. Era muito comum isso, antigamente. E ficou lá 40 anos. Depois cismou de mudar, cidade grande. Modo de falar. Santo André na época não era grande. Fábrica. Trabalhei em fábrica que fazenda não dava. Trabalhar para fazendeiro não tinha leis nenhuma. E, então... Salário também é de acordo. Você plantava, depois repartia com o fazendeiro. Dois terços para o dono da fazenda, um terço para o produtor, o que produzia.
P - O que vocês plantavam na fazenda?
R - Ah, lá tratava de cafezal. Plantava arroz, feijão, milho. E criava assim porco, galinha, assim. Para o gasto. Todo mundo tinha lá. Antigamente criava galinha era para o gasto próprio. Que todo mundo tinha no Interior. E isso aí. Carne, verdura, essas coisas sempre teve. Mas dinheiro para comprar sapato e roupa, era sempre difícil. Andava descalço. Eu mesmo fui pôr sapato quando mudei em Santo André. Ia nas escolas descalço. No meu tempo era comum. Ninguém ligava. E depois assim começou a pôr tamanquinho. Na época era tamanco. Depois sapatinho. Ah, sapato também era só quando ia numa missa lá. Aquilo durava (riso) Não usava. Criança também gosta de andar descalço. Não ligava muito. Agora ficou aí. Até meu pai ele gostava muito de Santo André. Minha mãe não gostava muito. Ela não queria sair lá da fazenda lá. Não sei, ela tinha raiz lá, parece. Mas ele gostou. Pouquinho tempo, morreu. E ficamos lá até hoje.
P - Descreva como era a fazenda. Quem eram os proprietários? Com quem vocês moravam?
R - Ah, a fazenda onde eu nasci era... A fazenda era muito grande, entende? Ela pegava grande área do município de Itapira, ela encostava com Lindóia, atrás. Era mais perto ir em Lindóia do que ir na cidade de Itapira, entende? Então, eu mesmo fui batizado em Lindóia. Porque da fazenda onde que eu nasci em Lindóia, ia a pé. Agora, da fazenda na cidade Itapira tinha 18 quilômetros. Era longe. Naquela época não tinha ônibus. Ia de charrete, assim, cavalo. (riso) Então... E a fazenda lá era, que eu me lembro, eu era muito criança, que o dono lá chamava doutor Maciel. Porque o Banco do Brasil, na época, financiava a fazenda. E depois, às vezes não dava para... Problema de lavoura depende muito do tempo. Às vezes plantava, depois, problema de chuva, não dava chuva. Ou dava muita seca. Não, não colhia nada. Mas o banco, tem que pagar o banco. Daí não tinha, então o banco pegava. Administrava, o banco. Até a época que eu era criança, falavam muito disso daí. Eu sei que o dono era o doutor Maciel. Mas esse daí era um dirigente da fazenda do banco. E hoje em dia lá é tudo criação de criar gado. Café acabaram com tudo. Que na época o café era muito importante na exportação brasileira, né, o café. Teve uma época boa. Mas depois, com o tempo, foi acabando. Lá onde tinha lugar que tinha cafezal cortaram e fizeram pasto, para criar gado. Ou se não, plantação de cana. Dá muito, na região lá, muito canavial.
P - Como era o convívio com as outras crianças na fazenda?
R - Bom, o convívio lá, fazenda é assim, não é que nem numa cidade que tem uma rua tudo cheia de casa, casa dos dois lado. Tem muita criançada. Lá era assim longe uma casa da outra. Tinha uma casa às vezes dois, três quilômetros longe. Então não tinha aquele... Só de vez em quando. A maioria lá era tudo assim comadre. Nascia um lá, um batizava, né, filho de alguém lá. Outro nascia e batizava. É tudo compadre e comadre. Então eu tinha assim contato com essas crianças só quando eu ia na casa da comadre. Chegava lá, na época, não tinha nem assunto. Tudo sem escola. Não tinha rádio, televisão. Então não tinha quase assunto para conversar na época.
P - Tinha uma colônia de moradores que trabalhavam na fazenda?
R - É, tinha.
P - Como eram as casas, as pessoas que moravam lá?
R - As casas eram de tijolo. É, simples. Coberta de telha. Simples. Tinha às vezes um quilômetro longe, sabe? Às vezes tinha três, quatro no mesmo grupinho, depois dois, três quilômetros longe tinha mais outro grupinho de casas. É isso aí. Agora na fazenda tinha, onde morava o fazendeiro lá, lá tinha um terreiro que secava o café depois de colhido. Então era secado naquele terreiro. Grande Tinha uma área muito grande. Tudo tijolado, piso. E lá tinha tudo. Tinha as máquina de beneficiar o café, entende? E esse café já saía pronto da fazenda e ia direto, carregado em carroça que não tinha caminhão, para a estação da estrada de ferro de Itapira. De lá ia para Santos, acho, na época. Era.
P - Tem idéia de quanto café saía daquela fazenda?
R - Ah, idéia assim... Era bastante. A fazenda era muito grande. Idéia certo, mesmo... porque faz muito tempo. Eu era muito criança. Porque eu saí dessa Fazenda Santo Antônio foi logo depois da Revolução de 32, entende? Eu tinha... 31 teve a Revolução. Que lá é divisa quase de Minas, então teve muito movimento lá. Na época a Revolução era tudo... Naquele tempo tinha que fazer trincheiras, coisa, esses buracos lá. Para fazer a guerrinha deles lá da época. E, então, e lá tinha que fazer comida para os soldados. Que São Paulo era contra o resto da Federação. Então lá era divisa, então eles avançavam. E o paulista ficou aí até que deu. Depois, acabou. Se entregaram, porque... Então o que vinha muito aí do lado era soldado mineiro, carioca. Eles atacavam nessa parte aí, que é o sul do Minas. Que faz divisa aí com Itapira. Logo para lá, passou Itapira, é Jacutinga, que é Minas. Então, nos 32, eu tinha 2 anos. Então dois anos depois eu mudei dessa fazenda para uma outra fazenda, mas no mesmo município de Itapira. Fazenda Santa Bárbara. Depois de lá meu pai cansou dessa vida de trabalhar a vida inteira e não ter nem roupa, sapato. Tinha, mas era difícil.
P - O seu pai ganhava salário ou só ganhava as comissões?
R - Não Ganhava assim. Trabalhava, plantava, o fazendeiro colhia. Depois repartia. Às vezes era “a meia”que falava. Metade era do dono da fazenda e metade de quem plantava. E dinheiro às vezes ganhava assim, você criava assim um porco. Ou uma parte de feijão que você ficava, arroz, você vendia na cidade. Então aquele dinheiro você comprava roupa e sapato.
P - E o café, ficava um pouco ou não?
R - O café ficava um pouco. A gente mesmo tinha que torrar e na época tinha pilão. É um de madeira. Socado. Torrava ele, depois socava aquilo. Fazia o pó. Depois aí começou já a aparecer maquininha manual de moer o café. Já melhorou. Fazia menos (menas) força. E depois até, quando eu mudei na cidade, já tinha já assim de pacote. Já.
P - Vocês eram em quantos irmãos?
R - Nós éramos em dez. Eu era o mais novo. Eu tenho uma irmã, a mais velha, ela ainda mora em Itapira. Ela não saiu de lá, continuou lá. Ela está com 93 anos. E tem uma outra irmã também que não saiu de lá, ficou morando lá, está com 89.
P - E como eram as brincadeiras entre vocês irmãos, na fazenda?
R - Ah, brincadeira era simples. Por exemplo, menina não tinha brinquedo. Brinquedo que tinha a gente fazia lá. Um pedacinho de pau lá já era brinquedo para a gente. (riso) Pegava um bambu, montava nele e saía correndo, dizendo que era o cavalo. (riso) Menina, por exemplo, boneca não tinha. Enrolava numa espiga de milho lá num paninho e dá o nome que ela queria. Criança. Dava aquele nome, lá. (riso) O maior carinho aquela espiga de milho. Não tinha brinquedo.
P - Vocês estudavam em alguma escola?
R - Bom, em Itapira eu cheguei só acho que uns seis meses. Eu entrei na escola lá, foi no começo de 1939, numa escola na cidade. Lá você tinha que andar a pé 8 quilômetros, 5, 10, né, para ir lá na escola. Eu fiz lá o curso primário, só uns seis meses. Depois nós mudamos para Santo André. Aí eu entrei na escola aí em Santo André.
P - As crianças também tinham que trabalhar na roça?
R - Trabalhava, sim.
P - Como era a vida da criança?
R - Ah, as crianças sempre faziam o servicinho mais leve. Mas sempre o pai, a mãe, às vezes levava as crianças de colo, levava lá e deixava deitado embaixo de um pé de café. Ou às vezes ficava em casa porque, na época, tinha muitos filhos. As mulheres tinham muitos filhos. Mas quando eles já estavam grandinhos, já ia, voltava para roça outra vez. E lá ajudava. Arrumava uma enxadinha menor, mas carpia. Mas tinha que pegar o gosto do cabo da enxada, que falava.
P - Dava tempo de brincar?
R - Ah, não tinha, porque vinha da roça já escurecia. Não tinha rádio, não tinha nada para assistir. Ia dormir, senão ficavam lá falando coisa da época lá. Coisas simples. Quase não tinha assunto assim que nem hoje tem. Hoje uma criança vai na escola, sempre tem assunto para criança falar em casa. Tem, sempre tem.
P - Em 1939 vocês vieram para Santo André?
R - É.
P - Por que seu pai decidiu sair de lá?
R - É, ele decidiu porque os meus irmãos já estavam... Eu era ainda menino. Então já as irmãs tudo moça. Melhor Na época já tinha, a gente já tinha saído de lá, tinha vindo para São Paulo, Santo André. Cidade grande que tinha indústria, que lá não tinha indústria. Então, tinha leis, no tempo de Getúlio Vargas tinha leis que favoreciam o empregado. Porque lá não tinha nenhuma. Trabalhava em fazenda, não tinha nenhuma. Hoje ainda tem. Mas antes não tinha. Tinha féria, trabalhava em indústria tinha féria, tinha o salário, tinha os horários certos de trabalhar. Então, e na fazenda não tinha féria, não tinha horário. O sol clareava, ia. Só a única coisa que o lavrador torcia era quando chovia. Aí não ia trabalhar porque quando escurecia assim:"Uh, graças a Deus vai chover.". "Não precisa trabalhar hoje." Mas também não ganhava. Na indústria, chove ou faz sol, escurece, ganha. Na roça não.
P - Por que a sua família escolheu Santo André?
R - Porque tinha um cunhado meu que na época ele era solteiro, namorava com a minha irmã. E ele veio para São Paulo, veio sozinho aí. Ele arrumou um emprego na antiga Light. E gostou, achou bom. Aí ele foi lá, voltou lá em Itapira. Ele casou com a minha irmã. Aí, ele tinha arrumado uma casa em Santo André. Minha irmã veio para Santo André. Aí eles:"Ah, vamos tirar seu pai de lá, pôr na indústria." Pegava muita gente do Interior, eles gostavam muito. Não precisava ter profissão. Maioria era indústria de tecido. O pessoal queria, eles preferiam gente do Interior. Simplicidade, era criado diferente. Então, arrumava mais fácil. Chegava lá... Oh, nós mudamos no dia 8 de agosto de 1939. Quando foi acho no dia 12, por aí, já estava tudo empregado na antiga indústria de tecido que tinha em Santo André, Ipiranguinha. Entende? Hoje é Pão de Açúcar lá. Pão de Açúcar. Hoje virou um supermercado. E pronto. Trabalhava oito horas. Dia 12, dia 13, tinha o envelope com dinheirinho dentro. As horas marcadas, né, tudo certinho. Depois de um ano tirava, na época, parece que era 20 dias de férias. Acho que era 20 dias. Tirava. Então, e lá na fazenda não tinha nada disso.
P - Quantos dias da semana trabalhavam na indústria?
R - Na época era de segunda a sábado. Porque nessa época era Getúlio Vargas. Era ditadura. Não tinha sábado livre. Essas coisas não tinha. Então você trabalhava de segunda a sábado. Era tudo normal. Oito horas por dia. Depois que, quando entrou, acabou a ditadura, aí criou essa lei de sábado livre. Antes era só o domingo era livre.
P - Seu pai arrumou emprego?
R - Meu pai, na época ele tinha um problema assim de pulmão. Não sei se a mudança acho, do clima quente lá para um lugar que era mais úmido, Santo André. Sempre foi mais úmido. Aquela garoa E, problema assim, água no pulmão. Não sei dar o nome científico. A gente chamava água, criava água no pulmão. E estava sempre ruim. Ele vinha em São Paulo. Naquela época Santo André não tinha quase médico, era pequeno. E vinha com médico especialista do pulmão, ele tirava a água do pulmão assim. Mas depois de um certo tempinho, voltava tudo. E acabou morrendo, problema disso aí. E nunca deu para trabalhar em indústria.
P - Quem se empregou em indústria?
R - É, os irmãos que vieram para Santo André. Porque uns ficaram lá em Itapira mesmo. Eles foram, a maioria, foram trabalhar nessa Ipiranguinha. Depois, com o tempo, foram trabalhar na Pirelli. E ficaram muitos anos também nessa indústria. Acabaram casando, depois veio os filhos deles. E, o tempo passou. Agora... E ficou assim.
P - O senhor foi trabalhar aonde e quando?
R - Ah, eu terminei o curso primário foi em 1943. Então eu não tinha ainda idade para entrar em fábrica. Eles pegavam só com 14 anos. Aí eu cismei, não sei, eu pus na cabeça que queria aprender a ser torneiro mecânico. Eu nem sabia o que que era isso, sabe? Ouvia falar, alguém que trabalhava. E eu, minha mãe me matriculou na Júlio de Mesquita, Santo André, Escola Industrial. Aí depois chegou a época de entrar na fábrica aí, a gente, eu era inquilino do que era prefeito de Santo André, o Pedro DelAntonia, na época. Aí minha mãe falou assim que ia tirar eu da escola que precisava trabalhar. Pobre E não podia, não tinha mais escola. Só tinha essa e um ginásio, Duque de Caxias, que era particular. Aí chegou a época minha mãe falou que precisava tirar, que eu precisava trabalhar. Aí ele falou: "Não...", conselho desse que era o dono da nossa casa. E que era besteira, para deixar eu lá estudando. Aí foi meio no sacrifício, mas terminei o curso ali da escola profissional. Aí começou assim. Profissão que eu arrumei? Torneiro mecânico. (riso)
P - E na escola primária, em que escola o senhor estudou?
R - Eu estudei... Eu comecei lá em Itapira. Fiz só seis meses num grupo escolar de Itapira, do grupo Júlio de Mesquita. Depois saí, meu pai me matriculou na Vila Pires numa escolinha que tem na Vila Pires. Hoje é a sede do Esporte Clube Vila Pires. Tinha só três classes. Tinha primeiro ano, segundo ano e terceiro. Na época era assim. Agora é diferente. Depois do terceiro ano não tinha quarto ano. Aí tinha que sair, procurar uma vaga de quarto ano no grupão velho, Grupo Escolar, Primeiro Grupo. Então aí eu entrei lá no quarto. Aí terminei. Aí depois, que eu fui na escola profissional. Fiquei lá mais quatro anos. Aí... Tinha profissão, tinha fresador, pelinador. Retífico, fundidor. Tudo isso podia aprender na escola profissional. Serralheiro. Ajustador mecânico. Na época, ferramenteiro não se falava. Era ajustador mecânico. Você trabalha com lima, tudo manual. Agora chama ferramenteiro. Depois que entrou essa indústria automobilística aí, chama ferramenteiro. Mas antigamente era o mesmo, ajustador mecânico. Ele não trabalha na máquina. Trabalha na lima, lá. Monta as peças lá, os estampo. E eu gostava de ser torneiro, e fiquei. Tive oportunidade, em indústria, de mudar. Às vezes tem máquinas que você queria passar. Mas não, eu gostava e fiquei. Tinha às vezes salário maior. Eu não sei por que eu peguei tanto amor por essa profissão, que eu não saía. Não trocava. O cara chegava:"Vamos lá que você vai ganhar mais." "Ah, vou ficar na minha mesmo." Eu falava:"Eu gosto dela." E fiquei.
P - Só foi trabalhar depois que terminou a escola?
R - É, a escola.
P - E o senhor só...
R - A primeira fábrica foi... Olha, eu estou registrado dia primeiro de maio de 1948. Na época existia o feriado, mas no Brasil... Agora, de uns anos, é feriado. Só sabia que era dia do trabalho, mas... Agora é feriado. Um vermelho lá. Então, depois da escola profissional. Ainda eu entrei lá e eu precisava arrumar emprego logo, né, "Marca lá, ajudante." Eu falei"Ah, eu entro de qualquer coisa. Eu quero trabalhar" Eu entrei de ajudante, marca ajudante. Mas eu cheguei lá já comecei em torno, tornos, pequeninhos, sabe? Tudo peça pequena. Depois com o tempo eu fui para o torno maior. É igual, só que torno maior eles pegam peças mais grandes. Menor é peças pequenas.
P - Que empresa entrou em 48?
R - É fica aqui em Utinga, Santo André mesmo. Laminação Nacional de Metais. Ali eu fiquei uns oito anos trabalhando. Aí sempre fui saindo de um, entrando em outro. Mas sempre como torneiro mecânico. Depois eu trabalhei mais um ano e meio, dois anos, Brasilit, também em Santo André. De torneiro lá na oficina mecânica. E foi indo. Depois eu entrei na Mercedes, no começo, em 1958. Trabalhei uns três anos, três, quatro anos. Depois eu saí. Saí, não Me saíram. É, às vezes né, a gente ficava meio enjoadinho assim, começava a arrumar umas encrenquinhas lá para pegar uma indenizaçãozinha. Aí a gente ia para outra. Da Mercedes eu fui trabalhar na Volkswagen. Trabalhei seis anos lá. Sempre aparece na indústria problemas assim que o dono da firma, ou o encarregado chefe não gosta. Problemas que colega de trabalho arruma assim contra a firma, depois é despedido sem direito, né, essas coisas? Aí eles abrem processo. Então sempre tem que pegar alguém para ser testemunha, contra a firma. E a gente às vezes, mesmo sabendo que está errado, a gente aceita ser testemunha contra a firma. Então quase sempre, depois já viu o que acontece. Perde emprego o colega e perde quem foi testemunha. Aconteceu duas vezes isso aí comigo. Na Brasilit aconteceu isso. Um colega arrumou um problema lá. Foi punido, depois abriu um processo. Ninguém, a maioria tem medo. Não quer porque depois perde o emprego. Então eu falei:"Ah, me põe lá. Eu não ligo." Ele às vezes ganhava o processo. Mas ganhava o processo, perdia o emprego ele, e quem era testemunha também perdia. Na Volks também aconteceu isso. Trabalhei seis anos, tinha um colega meu até espanhol. Ele fez umas coisas erradas lá. Foi suspenso. Ele não gostou, abriu um processo. Depois nem chegou a terminar o processo ele foi mandado embora. Arrumou outro problema lá, foi mandado embora sem direito. Ele arrumou um outro processo e pegou eu outra vez. Mas, no dia da audiência, esse que abriu o processo, esse espanhol, foi embora para a Espanha. Quer dizer que não tinha, o interessado não estava lá no Fórum. Estava o advogado da firma, tinha o advogado que defende a firma, o chefe que também defendia a firma. Era um monte de coisa e o interessado, que abriu o processo, não estava. Foi uma irmã dele. Mas ela não pode. É processo trabalhista. E estava eu, eu e um outro colega. Ele perdeu o processo, nem nunca mais vi ele. E eu perdi o emprego. (riso) Aí eu voltei outra vez. Eu fiquei desempregado. Eu fui trabalhar na Fuller. Também é de auto- peças, Santo André também. Trabalhei lá uns 12 dias, aí a Mercedes, por intermédio de colegas, soube que eu estava ainda desempregado. Na época eu tinha arrumado aquele empreguinho naqueles dias. Aí ele falou:"Ah, você está desempregado?" "Não, eu arrumei emprego na Fuller." Ele falou:"Oh, o fulano lá...," um chefe que continuava na Mercedes, ... "falou para você ir lá." Aí eu, a gente pega: "Mas eu já trabalhei lá. É difícil. Eles não pegam." "Não, mandou ir lá." Aí eu fui lá, voltei pedi a conta lá na Fuller porque trabalhei uns 12 dias. Voltei lá na Mercedes e fiquei 13 anos. Foi quando me aposentei.
P - O torneiro mecânico trabalha com quais equipamentos?
R - O torneiro mecânico? É assim, existe um torno. O torno e tem as ferramentas que prendem uma parte do torno lá. Prendem a peça numa placa. É uma peça que prende o material. E as ferramentas é a gente mesmo que faz. Pega o aço, que é a ferramenta, e a gente faz de acordo com a necessidade. Aí...
P - Descreve o que é o torno.
R - Ah, o torno O torno é assim uma máquina. Máquina operatriz. Bom eu acho assim, eu acho que na própria mecânica é o principal de uma mecânica. Porque ela, uma máquina, a maior quantidade de peças é redonda. Existe a peça que não é redonda, retangular, quadrada. Mas então se é redondo, é feito no torno mesmo. Tem que ser feito no torno. Que nem às vezes, quando eu trabalhava na Laminação... Vamos voltar, em 1948. Era uma indústria grande. E lá tinha, na mecânica, tinha 24 tornos e tinha duas fresas apenas que, que completa a mecânica. E tinha retítificas. Tinha uma retífica, os estampos lá temperados, tinha que retificar. E tinha que retificar cilindro de laminar. Os metais que eram laminados lá. Então vê, 24 tornos e duas fresas.
P - Explica para a gente o que é a fresa.
R - A fresa é uma máquina também operatriz que ela hoje em dia, ferramentaria ela usa muito. Muito estampo que usa na fabricação do automóvel. E engrenagens. Ela fabrica engrenagens. Entende? Hoje em dia com o modernismo aí, quase, engrenagem quase está sumido. Eles têm outro meio de movimentar a máquina. Antigamente era tudo engrenagem ou correia. Sabe, correião em couro. Passa em duas polias. Então sai do motor elétrico e movimenta a máquina por meio de correia ou engrenagem. Porque qualquer movimento numa máquina é por intermédio de engrenagem. Ainda usa muito. Mas tem muitos lugares que antigamente usava correia, não usa mais. É eletrônica. Engrenagem. Tudo. Então é por isso que muita profissão está...
P - No caso do torno, ele faz a ferramenta para fazer a peça do carro para a indústria automobilística?
R - Não, o torno ele faz a peça do carro. Mas só que em indústria grande a fabricação é serviço em série, tem torno automático, torno especial. Que tem torno assim nas indústrias, nessas multinacional que tem, eles tem, que fabrica lá os eixos, aquelas engrenagens que usa no carro, aquelas. Muita peça. Então esses tornos são assim acertados para fazer um tipo de serviço. A maioria fabrica aquele torno só para fazer aquela peça. Se for precisar fazer outra peça, aquele torno já não tem... Tem que modificar todo ele. Agora, o torno mecânico não. Ele é universal, é versátil. Você faz do jeito que você quiser. Basta prender na placa lá a ferramenta, colocar o desenho, medir. Aí surge de acordo com o desenho, como queira.
P - Como sabe as medidas da peça?
R - A medida é o desenho. O projetista lá, o desenhista. Vem o desenho, desenho mecânico. E tem lá. A gente olha o desenho, vê as medidas. Então o que está lá no desenho vai sair num pedaço de ferro ou outro metal. Sai aquilo.
P - E o torno a revólver, o que é?
R - Torno a revólver é um torno também. Ele também é assim de fazer serviço em série. Ele faz mais rápido. Serviço mais, de não muita precisão, às vezes. Porque ele ao invés de usar uma ferramenta, que nem usa o torno mecânico, ele tem um dispositivo que ele usa seis. É só virar que para já ter uma broca, e fura né? Acabou uma operação, virou, já sai um alargador, ou sai uma ferramenta para fazer uma rosca. Ou tem, no próprio dispositivo, coloca tarraxa. Ih, tarraxa que faz rosca. Uma pecinha que faz rosca, você não precisa fazer com ferramenta. Faz com ferramenta a rosca, no torno. Mas se quiser uma rosca assim, mais sem precisão, usa a tarraxa. Já tem as medidas. Só faz aquela rosca. Coloca lá e faz. Um macho. Chama macho o que faz a porca. E a tarraxa faz o parafuso que vai na porca.
P - Nessas empresas em que trabalhou tinha um regulamento interno?
R - Bom, tem o regulamento. Tem alguns horários a obedecer. Porque a gente trabalha nessas indústria aí, as indústrias são grandes, mas a quantidade de máquina às vezes é pouca. Então eles fazem dois turnos, três turnos. Que dizer, numa máquina trabalham três operários ou dois. Um trabalha de dia, outro trabalha de noite. E às vezes até três turnos. Oito horas, oito horas... Uma máquina ocupa três. Três funcionários. Pode ser numa fresa, uma retífica, num torno.
P - Trabalhou em que turno?
R - Ah, eu trabalhei em vários. Cada indústria tem um horário diferente, às vezes. Eu cheguei a trabalhar na laminação uma vez só de noite. Trabalhei uns quatro anos das 6 horas da tarde às 6 horas da manhã. Naquele tempo as leis não eram muito que nem é hoje. Hoje já não pode. Conforme vai passando o horário da noite vai mudando a porcentagem. A margem que você vai ganhando no salário. Antes não, era aquilo. Você entrava às 6 horas. Até às 10 você ganhava tudo, depois era uma porcentagem muito pequeninha, sabe? Até às 6 horas do dia. Agora não, agora vai mudando. Com as leis aqui.
P - Trabalhou na Mercedes, por duas vezes.
R - Duas vezes. Trabalhei mais ou menos 17 anos.
P - Como é trabalhar na Mercedes? Como era a chefia?
R - Ah, a Mercedes para mim foi a que eu gostei mais. A prova está que eu até voltei. Eu trabalhei quatro anos, gostei muito, saí por... Mas depois eu voltei e fiz 13. Mas lá é bom. Tinha... Quando eu entrei na Mercedes, em 1958, oh, as vantagens eram diferentes de onde que eu trabalhava, lá eles davam roupa para trabalhar. Macacão, chamava macacão. Hoje já nem usa mais. Uma peça só, enfia aqui. Chamava macacão. E a comida eles cobravam, mas era dinheiro de cachaça Verdade. Às vezes ia lá fora tomar umas duas pingas, ficava mais caro que o almoço. (riso) Ficava mesmo. Condução de graça. Na época, por exemplo, na Mercedes, era de graça. Não pagava O ônibus, ele deixava perto da minha casa. Era uma grande coisa. Para quem andava quilômetros a pé e ainda pegava ônibus Ia e voltava. Depois pegava perto de casa lá, o ônibus, de graça. Ia e voltava. Comida, pode dizer quase de graça. Cobravam um preço vamos dizer, simbólico. A roupa era de graça. Dava dois por ano. Agora assistência médica era muito boa, para o operário e para família, entende? Não pagava nada. Tinha cirurgia, tinha tudo. A família, entende? Não pagava nada. Então...
P - Tinha acidentes de trabalho para quem trabalhava no torno?
R - É, de vez em quando sempre tem um acidente. Mas é acidente assim, cortinho na mão, né, uma martelada no dedo. Não é nada. No dedo dos outros (riso) É isso daí. Agora assim, tem acidente feio que acontece em prensa. Todo esse tempo eu nunca vi. Sempre teve assim um cortar, fazer um corte na mão, assim. Bater com alguma coisa na mão, um martelo. Só isso aí.
P - O torno não é uma máquina perigosa?
R - Não, não é perigoso. Não é não. Porque mesmo às vezes, né, acontece de ser preso. Já muitas vezes. Girando em alta velocidade, lá, duas mil por hora, rotação por minuto, na peça lá. E às vezes um erro da gente, entrar de uma vez com a ferramenta, sobrecarrega a resistência que está presa na placa e a peça sai. Mas já vi bater. Nunca bateu... Porque sai numa velocidade, às vezes com três, quatro quilos. Se bater na cabeça... Mas nunca, nesse tempo nunca vi acontecer nada disso daí. Sempre teve cortinho, coisinha simples.
P - No tempo que trabalhava na Mercedes ou nas outras empresas participou de greves?
R - É, participei sim. Aqui, quando eu fui trabalhar na Mercedes, aquele tempo o Sindicato dos Metalúrgicos era um só, do ABC. Que era em Santo André. Então eu era sócio desse Santo André. Depois foi fundado esse de São Bernardo aí. Esse famoso aí, do Lula. Todo mundo que fala de sindicato lembra do Lula. Isso aí foi em 59. Foi também, foi em maio de 1959. E nesse tempo eu trabalhava na Mercedes. E eu fiz parte da fundação desse sindicato. Nesse tempo aí eu acho que o Lula ainda estava lá em Pernambuco, acho que cortando cana. Ô, se ele escutar Então, depois é que o Lula apareceu. Aí o Lula apareceu, o sindicato já... Mas sempre teve... Teve uma época que não teve greve não. Na época da ditadura militar. Aí não tinha greve. Mas depois que deram uma abertura aí, em 79, né, aí começou. 80... Em 81 não teve, 81 também aí eu me aposentei. Mas 79 e 80 teve uma de ficar 30 e tantos dias, 40 dias.
P - Lembra episódios dessa greve?
R - É, nesse greve aí de 79, mesmo assim já a turma fazendo greve e a ditadura não estava muito. Era o Figueiredo, né, na época o presidente. Ele era da ditadura, né, o Figueiredo. Mas mesmo assim, sempre vinha polícia. Aí em São Bernardo, aí mesmo, a prefeitura liberou lá um estádio que tem na Vila Euclides. Então, na rua a polícia não deixava. Naquele tempo muitos caras já badernavam, faziam quebra-quebra. Então as reuniões eram feitas no campo lá, no estádio. Então, mas depois também aí foi fechado. Aí ia fazer na igreja lá em São Bernardo. Aí o bispo lá liberou a igreja, fazia na igreja. Mesmo fora ficavam aqueles sempre da tropa de choque, aí tudo. Até resolver o aumento lá. Aí, acabava.
P - Participou desses movimentos?
R - Ah, participava porque a gente, de tudo a gente tem que participar. Porque não dá. Se é uma greve, é greve. Dê certo ou errado a gente tem que participar. Porque tem gente que às vezes vai trabalhar, mas aí fica muito feio. Aí quando volta a outra turma, sempre vai carregar aquele fama de fura - greve, né, contra os colegas. Essa coisa. Então fica lá, aconteça o que acontecer. Oh, eu nunca perdi por causa de greve, eu nunca perdi emprego.
P - Em 63, antes da ditadura, teve algum movimento?
R - Teve.
P - Lembra-se?
R - Eu lembro assim, tinha assim umas greves, mas não eram tão organizadas como era ultimamente. Era meio assim, uma firma parava, a outra não parava. Aquela confusão. Agora, ultimamente não. Se é dos metalúrgico, todos param. Embora sempre tem alguém que vai lá, mas a maioria pára. Pára sim.
P - Acha que os movimentos de greve ajudam ou atrapalham as conquistas dos trabalhadores?
R - Bom, eu acho que ajuda. Porque muitas vezes, se o salário não está muito bom e querendo melhorar um pouco o salário... Porque às vezes o patrão assim, de espontânea vontade, ele não... Às vezes forçando um pouquinho aí o patrão dá. Não digo que ele dava tudo que a turma quer. Mas sempre dá um pouquinho. E um pouquinho por pouquinho, vai melhorando.
P - Aquelas condições que descreveu na Mercedes a Volks tinha?
R - Tinha. Na Volks também tinha sim. Tinha tudo também. Tudo igual. Mas só que eu não sei se é por causa de horário, eu gostava da Mercedes mais por causa do horário, entende? Quando eu entrei eu fui trabalhar na Volks eu entrava num horário noturno, eu entrava 9 horas da noite e saía às 7 horas da manhã. Agora, na época de verão, por exemplo, 7 horas da manhã, até chegar em casa, tudo, é, chegava em casa 8 horas, 8 e 15. Aí um calor, aquele sol quente, a gente ia deitar para dormir e às vezes não conseguia. Então, agora, da Mercedes eu achava o horário melhor. Entrava às 3 e meia da tarde, horário noturno, né, que falo. Entrava às 3 e meia da tarde e saía uma e 15 da manhã. Aí chegava em casa 2 horas da manhã, bom para dormir. Mas chega de dia já em casa, dorme. Mas às vezes ficava o dia inteiro não conseguia dormir, entende? É Quantas vezes deitava, não dormia. Depois chegava a hora que ia trabalhar outra vez sem dormir. Agora chega na fábrica lá, de noite dá uma soneira que ninguém agüenta. Eu até penso: "Pôxa, cara, aqui eu não posso dormir e dá sono" É. Às vezes eu chegava em casa, dormia um pouquinho, acordava e não dormia mais. Então achava, para mim, ruim esse horário. Então, na Mercedes eu gostava mais do ambiente, não sei. Às vezes é ambiente também. Lá da Volks também era bom, bom.
P - Essas vantagens dos trabalhadores foram conquistadas pelo sindicato ou a firma dava?
R - Ah, a firma... Quando montaram essa Mercedes e outras aí, eles já vieram com aquele estilo europeu. Entende? Lá tinha um, e aqui nós... Agora que está ficando acho mais ou menos igual. Mas eles já tinham já o salário bom. Você saía de umas firma, nessas mais comuns que existiam na época, você chegava lá ganhando às vezes 50% a mais fazendo a mesma coisa que você fazia na outra. Entende? E às vezes mesmo sem... Na Mercedes, quando eu entrei na Mercedes eu entrei ganhando um salário, três meses de experiência. Em dois meses já aumentaram, nossa Eu falei:"Puxa" Fiquei cinco anos num lugar e não tive esse aumento. Então entusiasmava trabalhar. E outra, quando terminava a experiência já vinha um outro aumento, sem nada do sindicato, entende? É, depois aí o sindicato ele queria melhorar mais. Sempre a greve melhora. Não digo muito, mas melhora sim.
P - Normalmente vocês conseguiam algumas coisas com a greve?
R - É, consegue E precisa também. Não, tem muitas greve aí que é só baderna, quer arrebentar com tudo. Entende? Pô, os caras metalúrgicos fazem greve e eles vão parar a Via Anchieta. Por que isso? Quantas greves O cara vai num outro lugar que não tem nada a ver. Metalúrgicos vão lá, entende? Mesmo na Avenida Paulista. Quantas vezes fazem greve lá em São Bernardo aí eles vão na Avenida Paulista, pára tudo, complica tudo aí. Oh, faz a greve, fica na tua casa e espera a negociação entre o sindicato e o patrão, entende? Mas às vezes tem gente no meio que sei lá, interesse político. Que faz tudo para dar tudo errado. Dá errado o lado do patrão, o lado do empregado. E depois fica ruim.
P - Disse que nunca quis deixar de ser torneiro mecânico.
R - É.
P - Chegou a ter convites para exercer outros cargos?
R - Cheguei, cheguei.
P - Que tipo?
R - Ah, por exemplo, trabalhar em fresa. Antigamente o salário de torneiro assim, numa ferramentaria, eram iguais, entende? Torneiro de primeira, falava primeira categoria, tem de segunda, terceira, e... Tinha fresador então de primeira, de torneiro retificador. O salário era igual. Mas ultimamente uma mudança aí, que o fresador ferramenteiro tem o salário mais alto que o torneiro. E o ferramenteiro também tem mais alto que o fresador. O ferramenteiro é aquele que, bem dizer, quase monta o estampo lá, entende? Porque vem quase tudo prontinho. Torneia, fresa, retífica, nã, nã, nã, é só montar o estampo. São esses que têm o salário mais alto na ferramentaria. Ferramenteiro mesmo.
P - O senhor falou que a sua profissão está sendo extinta. Que modificações houve nessa profissão até se aposentar?
R - Bom, eu depois que aposentei eu não tenho assim muito mais... Diminui muito as ferramentaria, por exemplo. Nessas indústrias grandes eles dão assim para fazer serviço para fora, sabe? Antigamente a ferramentaria era feita tudo lá. Eles davam para fora outros serviços. Algum estampo mais, sem muito, assim, como é que fala? Muita precisão. Então eles davam fora. Porque tem serviço que pode assim uma oficina simples, sem muito maquinário, pode fazer. Então eles davam serviços assim. Igual serviço mais necessário aí, eles davam mais precisão, era feito lá. Eles mesmo que fiscalizam o serviço. Então, agora eles estão dando tudo para fora. Eles vendem até máquinas da ferramentaria. Assim eles se livram de muito encargo social, né, que fala? É isso? Ele só pega o serviço, quanto é, deu lá tanto. Agora, a outra que pega o serviço é que vai se preocupar com o operário, com a saúde, com sei lá, condução. Então, diminuiu muito esses empregos aí nessas indústrias, essas multinacionais aí.
P - Durante o período que o senhor começou a trabalhar, de 48 até o período em que se aposentou, houve modificações no seu trabalho, na sua rotina?
R - Não. A rotina era a mesma, e as máquinas eram as mesmas. Agora, depois que parece que estão surgindo máquinas mais modernas. Com computador. Já é um negócio computadorizado. Tem essas coisas aí, não sei. O cara programa lá e... Antes era tudo feito mesmo na mão.
P - Como vê o futuro dos metalúrgicos, com todos esses computadores?
R - Ah, eu acho que vai ter muito desemprego. E a produção está sendo a mesma ou até mais. Estão produzindo carro até mais do que antes. Antigamente, quando eu trabalhava na Mercedes, tinha uns 15 mil a 16 mil funcionários. Então, agora me parece que estão com uns 4, 5 mil. E estão fazendo a mesma coisa. Até mais ainda. É que modernizou alguma coisa. Alguma coisa está diferente aí. De bom para o patrão. Que o, cada vez o povinho está mais sem emprego. Está assim. Tem muito desempregado. Nunca teve tanto assim.
P - Como foi que o senhor conheceu a sua mulher?
R - Ah, a minha mulher ela é muito assim, é religiosa, é muito católica, sabe? E ela morava em Mauá. Então, antigamente tinha muito terreno vazio, assim. Esses terrenos, perto de igreja, né, que faziam quermesse, essas coisas. Igreja sempre fazia uma quermessinha para ajudar a reformar a igreja. E ela sempre estava lá na barraquinha de qualquer coisinha lá da igreja. Eu morava em São, eu ia lá dar uma voltinha nas quermesses e... A gente era moço, novo. E ela também era nova. Ela olhou para mim, eu olhei para ela, aí se gostamos. Aconteceu isso: casei Faz 35 anos já.
P - Vida inteira vocês viveram do seu trabalho como torneiro?
R - É
P - Ela não trabalhava?
R - Ela trabalhava quando era solteira. Mas depois que casei... Aí, eu tinha minha mãe que também... Era só eu. Aí era só eu e minha mãe. Aí, não tinha jeito, ficou em casa. Minha mãe já era velhinha e:"Ah, fica aí. Meu salário é muito ótimo." Mentiroso. (riso) Dava para sustentar todo mundo.
P - Dava ou não dava?
R - Dava. Ah, antigamente dava. O salário antigamente, se pensar,... Antigamente, uma pessoa com salário mínimo dava para manter a família razoável, dava para sustentar a esposa, dois filhos, pagar aluguel e ainda dava para guardar um dinheirinho na época. Que nem lá em Santo André, tinha terreno barato. Comprava o terreninho, devagarinho construía a casa. Com salário mínimo.
P - Chegou a construir sua casa?
R - A minha, quando eu comprei onde que eu moro, eu já comprei pronta. Aí, na época que eu comprei já era tudo cidade. Quando eu mudei em Santo André não, era tudo terreno vazio. Hoje está tudo...
P - Gostaria que o senhor encerrasse dizendo quais são seus sonhos.
R - Ah, o sonho meu é continuar bem, de saúde. Saúde boa e pronto, está bom, muito bom. E o dinheiro que ainda eu recebo não é muito, mas dá para nós vivermos. A casa paga um aluguel, então está bom, para mim está bom. Porque tem gente que não está satisfeito com nada, com nada. Ah, eu estou bom.
P - Se tivesse que mudar alguma coisa na sua vida, mudaria?
R - Ah, mudar eu acho que eu não mudaria não, viu? Não mudava, não. Eu quero continuar assim. Está bom. Eu gostei da vida que eu levei Vida de pobre, mas está bom.
P - Obrigada.
R - Nada. Anézio de Oliveira foi entrevistado pela equipe do Museu da Pessoa em 16 de outubro de 1996, em São Paulo.Recolher