P/1 – Para começar, eu gostaria que você dissesse para a gente o seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R – Meu nome é Naílson de Oliveira Macedo, conhecido mais como Naílson Macedo ou, até uma brincadeira que eu vou fazer aqui, Louro. O Barrô me chama assim, que não tem nada a ver. Eu nasci aqui em Maués em agosto de 1972, dia 11 de agosto.
P/1 – E qual a origem dos seus pais?
R – Aí tem, diz o caboclo amazonense, uma origem de Mura, de Sateré-Mawé e de cearense. Quem criou o artesanato aqui em Maués, para começar foi cearense.
P/1 – Quem começou?
R – A família Doce.
P/1 – Que era uma família do Ceará?
R – É, família do Ceará. O nome não é Doce. Foi o mesmo que a história do forró. Em inglês era For All e ficou assim. Não existe a família Doce. Existe aqui em Maués, colocada em cartório porque, se não me engano, o tabelião errou. Ele errou ao colocar. Não sei se era Dulce, que é uma família, não sei se é português ou se é italiano. Então, em vez de colocar essa palavra colocaram Doce, e Doce ficou até hoje.
P/2 – E essa origem sua da família Doce, é por parte de pai ou por parte da mãe?
R – É por parte de todos os dois porque são primos.
P/2 – E essa mistura que você falou do Sateré-Mawé vem por onde?
R – Porque vieram do Ceará, do Ceará para o Madeira e já começou. Chegou para cá para o Amazonas ou Amazônia e já foram começando a imigrar. Aí tem os Mura, os Mundurukus. Chegou perto de Maués, tem os Sateré-Mawé. Queira ou não queira quando a gente viaja por aí a gente é índio. Eles botam o olho na gente, avista a gente e diz, não, é. Digo que sou índio, sem preconceito nem nada. Sou índio.
P/1 – E você gosta disso?
R – Eu gosto. Gosto porque não tem como fugir, nem que tivesse eu fugiria. Fica até melhor para o meu trabalho, porque pode ser um trabalho indígena, que não é. Eles estão pensando que é trabalho indígena só que não é trabalho indígena. Isso aqui é trabalho caboclo. Os índios não sabem fazer o artesanato do pó do guaraná. Eles podem até fazer da semente furada, vamos dizer, colar. Mas esse aí não, esse aí foi a minha família que criou aqui dentro de Maués.
P/1 – E qual era o nome do seu pai e o nome da sua mãe?
R – O nome do meu pai, Raimundo Nazaré Macedo. Da minha mãe, Maria Aparecida de Oliveira Macedo.
P/1 – E o que eles faziam?
R – Olha, só meu pai que trabalhou com artesanato, há muito tempo atrás. Ele sabe, mas parou. Não quis trabalhar. Não é essa a vocação dele.
P/1 – Ele mexia só com artesanato?
R – Não, ele é marceneiro. Carpinteiro, melhor.
P/1 – E quantos irmãos o senhor teve?
R – Somos em 12.
P/1 – E todos eles se envolveram com a questão do artesanato?
R – Não, só eu. Só quem trabalha lá em casa sou eu mesmo. E lá, dos meus tios, só um que tá trabalhando. De resto, ninguém se dedicou a trabalhar no artesanato do guaraná.
P/1 – Eles foram fazer o quê de um modo geral?
R – Lavoura.
P/1 – De guaraná também?
R – É, de guaraná.
P/1 – E como que era a cidade da sua infância?
R – Aqui? Ah, era muito diferente. Não tenho nem idéia de como passar isso. Eu nem sabia se eu sabia fazer o artesanato de guaraná. Fui incentivado pelo Barrô. Ele chegou uma tarde com a gente, lá em casa, daquele jeito dele: “Aí, rapaz, vamos trabalhar!”. Eu não conhecia o Barrô. Conhecia, assim, superficialmente. “Vamos trabalhar?”, “De quê?”, “Eu sei que vocês sabem fazer artesanato de guaraná, que é da família de vocês”. Isso foi há 11 anos atrás. Aí fomos lá para o interior, lá no Rio do Pupunhal. E aí como o meu tio, que está parado agora, sabia fazer, sempre trabalhou com os antigos, Manuel Doce, Tiburca Doce, João Doce, Benedito Doce, que acho que foi o melhor figurista que teve dentro de Maués. Se ele olhasse para você ele fazia do guaraná. Isso eu não tenho capacidade de fazer.
P/1 – Ele fazia coisas de que tipo?
R – Ele fazia estátua de qualquer pessoa. Se ele visse você assim, do jeito que você está aí, ele pegava o guaraná e fazia igual. Daí fomos para o Pupunhal, que é um rio que vai pela estrada. Chega aonde tem plantação de guaraná de meu avô. Aí a primeira coisa que eu fui fazer foi um macaco. Saiu meio feinho, ali. Eu disse: “Rapaz, se eu pegar, eu faço”. Eu tinha visto muito os antigos fazerem. Aí eu fiz. Daí o meu tio só disse: “Só falta orientar isso aqui”. Pronto, aí foi. Eu deixei, abandonei por uns dois anos. Fui trabalhar em Manaus como caseiro. Depois eu disse: “Quer saber de uma coisa? Vou para Maués que tenho profissão para eu ganhar dinheiro”. Aí vim me embora. Eu morava ali na esquina, bem na subida ali da rua. Parei uns dois anos ali na esquina. O pessoal foi conhecendo, o Barrô incentivando ao máximo. Eu já dei um curso no que era uma oca dos adolescentes aqui em Maués, implementado pela prefeitura em convênio com o Banco Real. Nesse tempo aqui, no ano passado, eu estava administrando um curso. Eu estou indo viajar, tô vendendo artesanato de guaraná. Eu estou indo viajar, não o Brasil todo. Eu pude pisar em São Paulo. Fui em Guarulhos para ir para Belo Horizonte, mês agora de novembro do ano passado. Teve em Manaus, Mato Grosso.
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P/1 – Isso tudo para expor o seu trabalho, é isso?
R – É, através do Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio à pequenas e Micro e Pequenas Empresas], um grande parceiro.
P/1 – Bom, espera aí, deixa eu só entender algumas coisas. Então só há 11 anos atrás que você começou a produzir o artesanato. Foi seu tio que ensinou, é isso? Você tinha quantos anos na época?
R – Eu tinha 24.
P/1 – E nesse intervalo você se dedicou a quê? Por exemplo, você chegou a estudar? Até que série você foi?
R – Não, meu estudo é muito pouco. Vamos dizer que eu sou analfabeto. Fiz só até a terceira série, nem terminei a terceira série do ensino fundamental.
P/1 – Qual que era a dificuldade de estudar?
R – As condições financeiras. Primeiro que papai não tinha casa em Maués, aqui na cidade.
P/1 – Vocês não moravam no centro urbano?
R – Não no centro urbano, morava nesse rio do Pupunhal, aqui, próximo. Sabe, na casa de parente fica difícil. Mas não vamos falar disso. Fala de outras coisas melhor. Aí eu trabalhei em lavoura também, mas não me dei bem. Meu forte mesmo foi trabalhar com artesanato, é onde eu tô me dando bem. Aí eu consegui comprar esse meu barraco aí, porque eu não tinha, eu morava na casa do meu tio. Aí aperreou. Com dinheiro de cursos eu consegui comprar essa aqui. Até porque eu casei, eu tenho mulher. Quando comecei a trabalhar, era solteiro e agora tenho dois filhos. Foi preciso comprar casa. E eu estou trabalhando. O brasileiro não para de sonhar, sempre para frente na vida dele, não para trás. Às vezes não dá certo, mas vai tentando.
P/1 – Queria que você explicasse como é que foi isso. Você aprendeu primeiro a fazer o guaraná, fez aqueles primeiros objetos e tal, e aí como é que você começou a comercializar isso?
R – O Barrô, como já tinha a loja dele aqui em Maués, comprava da gente, sempre comprou da gente, de quantidade. Aí eu fui ficando alegre, via logo a bufunfa, o dinheiro. Eu disse: “É aqui que eu vou me dar bem”, sem fazer muita força, sem sol na cabeça. Eu me dei bem, eu vendia para ele. Agora, não. Eu vendo para ele. Para você ver, vocês chegaram numa época que eu tenho muito pouco. Eu não tenho jogo de xadrez que eu faço. Eu faço todo animal amazônico. Eu não tenho a colheita, eu não tenho a orquestra pronta, eu não tenho muita coisa. Eu não tenho para vocês devido o tempo estar fechado de chuva e assim como eu vou fazendo, vai saindo, não dá para segurar. Aí eu vendo para Manaus, o pessoal compra para levar para o Japão, os imigrantes, para toda parte. A Itália tem o Luca, italiano que tá chegando agora aí, sempre ele leva para a Itália. Canadá. E tudo quanto é pessoa aqui tem se interessado pelo trabalho. Agora não é mais só o Barrô. O Barrô tem muito concorrente aí para fora. Ele tem que brigar muito para conseguir.
P/1 – Existem algumas figuras que são tradicionais, você falou da orquestra de macacos. Quais são essas figuras que são muito comuns os figureiros fazerem?
R – Olha, a orquestra dos macacos e a canoinha, essa canoa de pescador.
R – Todo o figureiro faz essa canoinha, é isso?
P/1 – Olha, aqui em Maués só dois fazem, eu e meu tio, que está no interior. Tem, mas só fazem o porta-caneta, chega na parte do animal eles têm dificuldade. Da família Doce só dois que trabalham aqui em Maués: sou eu e o Antônio André Doce, que é conhecido como Tony. Outros não são da família e não tem essa característica de trabalho que nós temos. É difícil, eles acham difícil. Então até os meus colegas, são 11 artesãos que tem aqui em Maués nesse projeto do Sebrae. Eles pediram para o Sebrae me contratar para administrar um curso para eles no ano retrasado. E eu administrei esse curso para eles.
R – Conta prá gente então como é esse projeto do Sebrae.
P/1 – Essa também foi uma coisa que eu nem sei como começar. Eu acho que eu vou começar por aí: eu estava sentado ali, uma bela tarde, não vou citar o nome das empresas, nem o nome das pessoas, porque não estou aqui para falar mal de ninguém. Estamos aqui para o trabalho de artesanato, então tinha vindo um monte de pessoas, prometiam mundos e fundos, vinha e voltavam, e eu não via nada. Às vezes até me desmotivava de trabalhar. Apareceu o Sebrae e eu disse: “Lá vem bomba”. Eu brinco com o Wilson até hoje. O Wilson é um cara muito bacana, o nosso gestor aqui em Maués, do GO. Daí chegaram, assim como vocês chegaram agora, de repente. Chegaram aí e disseram: “Você que é o Nilson?”, digo: “Sou eu mesmo”, “Então, nós viemos aqui com você começar um projeto”. Aí me deram tudo lá que era. Fiquei olhando para ele, não fiquei acreditando não que a gente levava tanto pino aí. Até pegavam artesanato, levavam e tal. Daí: “Vamos ter uma reunião lá no IDAM [Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas], lá na sede do IDAM”, aí falou tal hora da noite. Fomos prá lá. Fomos ali, fizemos reuniões. Aí quando passou um mês e pouco, chegaram de novo: “Olha, vão lá que vocês têm uma surpresa”. Fizeram outra reunião e disseram: “Vocês vão ter uma viagem para Cuiabá, quatro artesãos.“ Fomos lá nas nuvens. Aí quem era? Aí meus colegas, como são gente boa, e eles consideram o meu trabalho o melhor: “O primeiro que vai, me apontaram, é você”. Eu digo: “Tá bom”. Aí botaram nas nossas mãos. “Vocês podem escolher dos dez os quatro que vão!” Daí fomos os quatro. Então esse projeto GO, como o artesanato do guaraná ainda é desconhecido no Brasil e mundialmente, ele está levando para divulgação. Não tanto para venda como para divulgação. Nós não levamos muitas peças, o máximo de peças que nós levamos é umas cem peças, duas de cada, e tudo quase a gente vende. Então é uma estratégia de amostra para venda. Então eles querem deixar agora em 2007, se não me engano em julho, que a gente tenha um bom comércio, para ter o melhor comércio. O grupo GO, se eu não me engano é um projeto piloto. O projeto GO significa: Gestão Estratégica de Venda para Resultado. Um negócio assim, nem sei o que significa, mas é um negócio assim. Então o Sebrae tem sido, graças a Deus, um parceiro muito forte aqui em Maués para os artesãos. Eu considero muito o pessoal do Sebrae porque tão dando uma força muito grande. Eu tenho vendido muitas peças.
R – E vocês têm algum tipo de associação entre vocês os artesãos ou não, só se reúnem com o Sebrae?
P/1 – Não, nós fizemos uma associação através do Sebrae. Mas não está indo para frente. Eu não vou culpar os outros. Isso é devido cada um de nós, porque nós já abrimos a associação, tudinho através do Sebrae, e não está indo para frente, não sei o porquê. Interesse nosso. Não vou não falar dos colegas não, vou falar de mim também. Agora estamos querendo ver se a gente faz alguma coisa com o Barrô. Ele quer levar uma loja para dentro de Manaus, com nosso trabalho.
R – Por que os lugares que vocês expõem fora são geralmente feiras de artesanato, é isso? Levados pelo Sebrae?
P/1 – É, levados pelo Sebrae. A gente faz duas ou três feiras no ano, quatro. Esse ano não sei se vai ter. Ele tá chegando aí, mas até agora não veio.
R – Eu queria, se você pudesse, que você mostrasse cada uma das peças, e fosse explicando o que é, quem ensinou você, se essa peça vende mais, se essa peça vende menos.
P/2 – Por que essa peça é feita dessa maneira. Por que o macaco, por que a canoa?
R – A canoa é feita por causa do pescador. Os turistas, quando vêm, compram muito a canoa, para guardar uma lembrança daqui da Amazônia, de pescador. E olha, eu trabalho só com animal amazônico. E diz: “Faz leão?”, “Posso fazer”, “Faz elefante?”. Elefante eu já fiz, de encomenda eu faço. Eu faço por causa dos turistas que pedem. Eu não vou fazer pinguim, não vou fazer baleia. Chegava a ficar em cima da mesa. Então eu faço pirarucu, o sapo, que é aqui da Amazônia, o boto, que eles dizem que é animal em extinção, o peixe-boi que não tem aí, a tartaruga. Agora o macaco. Porque dizem que o macaco é safado, o macaco-prego, a gente faz, ó o pinto dele. Por causa disso que vende mais o macaco, por causa disso aqui. Quanto maior o pinto, eu digo: “Isso aqui não é mais pinto, isso aqui já virou peru, que é grande”. Então é por isso que vende muito. Isso aqui é para botar caneta. Vocês já viram a lenda da Curupira?
P/1 – Se você pudesse contar para a gente?
R – A Curupira, contam os caçadores, que eu não caço, caço só no meu prato, quando tem. Dizem, não sei quem viu, eles contam lá, acho que alguém viu. Até agora não pegaram, eu sei que nunca vi. Dizem que o pé é prá trás. Por isso o Barrô disse: “Faz um para mim?”. Eu disse: “Faço”. Então quando os caçadores entram no mato, ele pega essa marreta aqui, bate a sapopemba da madeira. Ele faz as pessoas que entram na mata se perderem. Aí os caçadores se perdem e passam às vezes mais de um mês na mata, perdido. A questão é essa: quando eles se perdem eles dizem que é Curupira, que a gente não sabe nem se existe. Mas como a gente vê no livro, lá que os cientistas fazem, então a gente trabalhou isso aí. É o que vende muito, negócio vendável. Tem também a lenda do Anselmo de Maués, tem a lenda da índia Cereçaporanga. Quanto mais trabalhar em cima de lenda da região mais saída tem.
P/1 – Então as coisas que mais vendem são as coisas ligadas a lendas da Amazônia. E você acredita nessas lendas? Por exemplo, da Curupira, ou do Boto.
R – Olha, fico indeciso, porque tem cada coisa que a gente pensa que não existe e acaba existindo, mas eu não vou dizer que sim nem que não porque eu não posso falar uma coisa.
P/1 – Qual que você acredita mais?
R – Da Curupira.
P/1 – Por quê?
R – Isso aí eu nunca vi, mas sempre ouvi. Quando a gente faz as caçadas, os passeios para ir para cima, para o lado da cachoeira, tem aqueles baques no meio do mato. Aí dizem que é a Curupira. Bate. Que algumas vezes é macaco, tem algumas vezes não é macaco, coisas da natureza que bate aí. O que eu ia colocar pra vocês também é porque a gente não pinta a cor que é o animal. É para ficar a origem do guaraná. É por causa disso. O pessoal diz: “Por que não pinta igual pirarucu?”. Não, porque a maioria dos clientes que vem aqui, de 100%, mais ou menos, 10% gosta de coisa pintada. A maioria é tudo natural. Eles querem levar até desse jeito. Agora o verniz tem que passar um bocado. Com o frio, muito frio, ele cria uma bactéria, o guaraná. Então a gente passa verniz que é para tirar, para proteger.
P/1 – E quem que compra principalmente? São só turistas ou tem outras pessoas que compram, empresas?
R – Às vezes empresas, no final de ano, para dar de lembrança. Eles compram várias peças. Mas é mais o turista que compra.
P/1 – Só que eu vou te cobrar que você diga para mim como é que você chegou a esses bonecos. Alguém te ensinou, especificamente? Se alguns você foi tirando da cabeça, se outros você foi ensinado?
R – Não, não. Isso aqui foi o que eu tirei da cabeça. O que eu vejo no livro e vejo na televisão, eu faço. E outra coisa: os detalhes que eu faço não é qualquer um que faz porque eu procuro fazer do jeito que eu vejo o animal. É desse jeito que eu quero fazer. Então eu pego, assim por acaso, eu pego aqui a casca do tracajá e vou conferir isso aqui. “Quantas que tem aqui nas costas?”. Para poder fazer. Então se faz, o tucano, a arara, eu vejo na televisão, as fotos no livro, e vou trabalhar em cima daquilo. Por isso que o meu trabalho sai assim.
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P/1 – Então queria que você explicasse para a gente o processo de você pegar a semente até você chegar no boneco. Quais são os passos?
R – Para o guaraná chegar aqui?
P/1 – Isso.
R – Primeiro você tem que tirar ele da árvore. Ele é idêntico á isso aqui quando está na árvore.
P/1 – Aí você explicou para a gente que tem as partes.
R – É, tem as partes. Eu tiro ele da árvore como ele está aqui.
P/1 – Você podia contar para a gente o que é o casquilho? Dessa fruta, o que você tira?
R – Isso aqui os caboclos chama, aqui em Maués, essa bactéria aqui é a remela do guaraná. Por que é branco, mas por causa do olho diz que é a remela do guaraná. A casca aqui, ele é uma nódoa, uma tinta, que se pegar numa camisa isso aqui nunca mais sai, você pode colocar água sanitária, o melhor sabão do mundo, que não sai mais. Até a própria massa está aqui. Então daqui você vai passar na máquina, para limpar ele. Aí você vai levar para a água, vai tirar do mato, da árvore do guaraná, a colheita dele. Aí você vai limpar, lavar ele bem lavado, aí você vai torrar no forno. Isso dura mais ou menos umas quatro ou cinco horas ou mais. Quanto mais ficar no forno, bem torrado, melhor fica o guaraná. Depois de torrado ele fica pretinho assim. Preto não, fica meio marrom. Ele é preto assim quando tá na árvore, depois ele fica meio marrom, torrado. Aí que eu vou pegar, eu compro o guaraná, eu vou bater o guaraná, todinho ali, ele fica misturado, pego uma peneira, peneiro, aí eu escolhi. Trabalho demorado. E por isso que às vezes a pessoa acha meio caro o artesanato de guaraná, mas é um trabalho bem demorado. Aí eu vou escolher todas as sementes, fica igual amendoim. No Barrô tem. Se vocês virem lá no Barrô, às vezes tem, fica igual amendoim, feitinho um amendoim. Só que ele não é doce, nem salgado, ele é amargo. Aí eu pago um real no quilo, para triturar, para fazer o pó, transformar nisso aqui. Daqui esse pó, se você quiser tomar, aqui não tem nada de química no meio.
P/1 – Esse pó aí é o mesmo que fazem a bebida?
R – É o que faz o guaraná em pó. É sim, eu vendo para eles de tomarem. Eu não tenho quase guaraná em pó para vender. Eu vou colocar ali no pilão, misturar com água, bater e fazer aquela pasta que está ali. Esse material que eu ia fazer um para vocês olharem.
P/1 – Existe um guaraná que é melhor para fazer o artesanato? Se o guaraná é plantado do jeito tradicional, ou plantado com adubo, como é que é?
R – Sem dúvida nenhuma, o guaraná orgânico é o melhor que tem. O clonado não pega essa liga que esse aqui pega.
P/1 – O que seria o guaraná clonado?
R – O guaraná clonado? Eles pegam a semente e fazem a clonagem para ele dar fruta antes do tempo. Porque um pé de guaraná orgânico, o guaraná da mata, como diz o caboclo, para começar a dar guaraná é de cinco anos para lá. E o guaraná clonado em sete meses, um ano, tá dando; árvore pequena, porque eles tiram uma árvore que dá muita fruta, emendam com outra e faz esse processo laboratorial e fica o guaraná clonado. O guaraná orgânico, não. Ele vai aí só com a limpeza, ele vai crescendo devagar. Acho que não cresce 20 centímetros ao ano, até ele chegar nos cinco anos que começa a dar os primeiros frutos.
P/1 – O que produz mais é o clonado ou o orgânico?
R – Ah, não, o clonado. O clonado porque já tem uma coisa mais especializada ali no meio. Mas tem árvore de guaraná orgânico que dá bem guaraná. A maioria, aqui em Maués está tendo muito o guaraná clonado.
P/1 – E você identifica qual que é um e qual que é outro?
R – Olha, é meio difícil, mas a gente está tão acostumado com guaraná que a gente pode ter essa identificação.
P/1 – Por onde você identifica?
R – Primeiro pelo tamanho: o guaraná, que eu já vi guaraná clonado, ele não é graúdo, a semente dele é menor. E desse orgânico ele é maior. Não, porque a maioria do guaraná clonado que tem aqui em Maués é da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], não sei assim, acho que AmBev deve ter alguns pés clonado. Usa muita pesquisa. E tem vários produtores que já tem guaraná clonado aqui em Maués.
P/2 – Mas você usa ambos, o clonado e o orgânico?
R – Não, eu uso mais o guaraná orgânico. Só se me venderam enganando.
P/1 – Por que o outro não dá tanta liga?
R – Não, não dá tanta liga, não dá a liga original como o guaraná orgânico. Nem que eles queiram dizer, isso aí. Já fiz o teste.
P/1 – Você diz que você compra o guaraná, você separa o casquilho e depois pede para fazerem o pó numa máquina. Por que você não compra o guaraná já em pó?
R – Porque sai mais caro e eu não conheço o guaraná que eu vou comprar. O guaraná em rama eu conheço o que eu estou comprando e, mesmo assim, às vezes eu me engano pela torragem. O nosso amigo Barrô conhece isso, a gente não compra tanto o guaraná em pó por causa disso. Fica difícil a gente conhecer. De repente eu chego ali e compro um guaraná que não é bem torrado, ou o guaraná clonado, que bom para trabalhar. Fica difícil de eu trabalhar com ele e eu vou levar prejuízo. O guaraná em pó já tá na faixa de 20 a 30 reais o quilo e já eu posso levar prejuízo, e o guaraná em grão, em caroço, ele chega à nove reais. Vai sair para mim onze reais porque eu vou beneficiá-lo. Todo aquele negócio, pagar. Mas aí eu tenho lucro porque eu sei a qualidade do guaraná que eu vou trabalhar. Então eu compro dos meus tios, que eu sei que é guaraná de qualidade no interior. Esse guaraná é lá do meu tio, que eu comprei, ele tem um bocado de guaraná. É que eu não comprei guaraná esse ano. Eu tenho muito.
P/1 – O guaraná é colhido no começo do ano? Do final do ano para o começo do ano. Aí você tem que comprar e planejar a produção do ano inteiro? Como é que você faz para você ter matéria prima para o ano inteiro?
R – Ah, com certeza. A gente procura nas casas que vendem guaraná, quando acaba o da gente, o ano passado eu comprei cem quilos de guaraná, deu pra eu trabalhar até pelo período da festa do guaraná, que é final de novembro.
P/1 – Então explica para mim assim: em tal mês eu compro o guaraná, em tal mês. Como é que funciona a tua agenda durante o ano para você ter sempre como fazer as figuras?
R – A gente compra durante a safra do guaraná. Do mês de outubro ao mês de novembro, quer dizer, a gente compra outubro, novembro, dezembro e agora janeiro. Antes não tinha segunda safra, agora já tem a segunda safra. Há 50 anos atrás não tinha segunda safra não, só era a primeira, aí pronto, acabava, acabou o guaraná. Agora não, tem a primeira safra, os caboclos vêm, esperam, tem outra. Agora vem uma nova safra. Dizem que vai dar mais que o ano passado. Meu tio foi um que disse: “Rapaz, devo colher 70 quilos de guaraná esse ano”.
P/1 – Essa segunda safra sai quando?
R – Agora em janeiro. Estão colhendo.
P/1 – Aí você compra o guaraná nesse período e aí depois como é que você faz os outros processos? Você já faz tudo pó?
R – Não, a gente deixa em grão, armazena ele no saco de estopilha, na sarrapilha. De lá a gente vai tirando aos poucos. Outra coisa, que é bom vocês saberem, as pessoas que não tem conhecimento do guaraná, ficarem sabendo: olha, eu não mando moer dez quilos de guaraná para fazer guaraná em pó, porque ele perde essa proteína dele, a cafeína que ele tem. Dez quilos de guaraná em pó é muito trabalho para fazer, então eu mando moer de três, dois, três, quatro, conforme o trabalho. Se tiver encomenda até cinco quilos, aí conforme vai acabando. Por que ele perde, quando vai chegando para o fim, tá fraco, não pega mais a liga, nem sendo o guaraná orgânico. Já vai perdendo a força dele.
P/1 – E cinco quilos dura para você quanto tempo?
R – Umas duas semanas, se eu for trabalhar. Umas duas, três semanas.
P/1 – Então você podia contar para a gente, como é o seu dia a dia. Você acorda que horas? Você trabalha todos os dias na coisa das figuras? Você intercala com outras atividades?
R – Não, eu todo dia acordo às sete horas da manhã. Quer dizer, eu acordo umas seis, mas eu levanto umas sete horas da manhã. Daí a primeira coisa que eu faço é ligar minha estufa, quando está chovendo, olhar artesanato. Então eu vou tomar um banho. Às vezes não tem a comida, você tem que ir lá comprar, a farinha, o arroz, uma carnezinha, um peixinho, conforme as condições financeiras que a gente está naquele dia, a gente tem que comprar para fazer o almoço. Aí quando chega às nove horas eu sento aí e não tem hora para terminar. Essa hora que o pessoal tá passando para bater a bola e eu estou aí, na hora de bater a bola, eu estou por aí. Não pode deixar o guaraná. Ah, outra coisa: não pode deixar o guaraná, se pilar tem que terminar hoje. Tem que pilar uma quantidade para terminar hoje, para deixar para amanhã já não serve para fazer tanta coisa, bem pouca serve.
P/1 – Depois que você fez a figura, você tem que colocar na estufa. É isso?
R – Na estufa, no sol, tem que pegar quentura, porque se não pegar quentura ele parte. O guaraná é muito sensível. Tanto para eu trabalhar como ele, quanto para embalar, para comercializar. Se não for uma embalagem própria, ele quebra.
P/2 – Além do trabalho manual com a mão, quais as ferramentas que você usa?
R – Eu uso tala de madeira, antena de rádio e televisão, faca, tesoura, isopor, pena de pássaro, quando eu dou os detalhes uso pena de pássaro. Aqui a formazinha é madeira, que a gente faz por baixo, depois a gente tira para fazer, a gente cobre com guaraná. Por dentro a gente coloca uma tala. A gente usa muito material.
P/1 – Todos eles são feitos na mão, não existe nada de forma, nada disso.
R – Não, não. Forma mesmo a gente só usa isso aqui: tubo PVC. A gente corta para encapar ele, mas o animalzinho, isso aqui, tudo é na mão.
P/1 – E deixa eu te perguntar sobre a história desse artesanato. Você disse que foi a família Doce que começou, não é isso? Mas você sabe quem dos Doce começou com isso?
R – Isso eu tenho na lembrança, mas me saiu da memória agora. Foi Delfino Doce, um dos mais antigos que chegaram aqui em Maués. E é uma longa história. Chegou o artesanato com meus bisavós, tataravôs. Moraram até pela ilha, no tempo dos Cabanos. Eles queriam matar, aquele negócio que teve, aquela guerra, aquela revolução que queriam matar os imigrantes, aquele negócio que vinha de um país para outro, vinha de toda parte, tal. Então eles moraram numa ilha que tem aqui. Aí que foram trabalhar numa pilação de guaraná. Eles nem sabiam também se eles sabiam trabalhar. Como no Ceará é cheio de artesanato, eles vieram, trabalharam muito com artesanato de barro, então eles vieram. Eles pilando o guaraná acho que viram – na mente de um deles lá – que dava para trabalhar. Aí eles fizeram com aquela massa do bastão, começaram a modelar. De lá eles modelaram na cera de abelha, de lá eles modelaram na fruta de favo, daí voltaram para o guaraná de novo. Daí como viram que dava liga, eles foram moendo mais fino e foram fazendo. Agora não sei contar para vocês como que eles tiveram a idéia de fazer a orquestra. Contam que eles resolveram fazer a orquestra já que sabiam fazer o macaco e como tinha a história, que antigamente o povo contava, que o macaco era inteligente, fazia festa, eles usaram a criatividade deles. Para ver que naquele tempo eles tinha criatividade. A canoinha não, porque a canoinha já foi mais fácil. Mas a orquestra de macacos. Quem que viu macaco tocar? Eles tiveram essa idéia.
P/1 – Essa é a figura mais famosa?
R – É, é a orquestra de macacos que chama. Ela e essa aqui: o macaquinho. Você perguntou aquela hora como foi que eu aprendi. Tem muita coisa que eu faço que nunca fizeram, como a peça de xadrez. Esse italiano perguntou se eu garantia transformar as peças de xadrez de guaraná, transformar tudo em guaraná, e modelar no modelo dos animais amazônicos. Eu passei um mês, pensando como que eu ia colocar. O macaquinho está certo, fiz sentadinho na base. O boto, a coruja, o peixe-boi, jacaré, como que eu ia colocar aqueles bichos em pé? Aí fui trabalhando, até que eu botei, eu mostrei para ele: “Pô, muito bonito”. Aí ele levou, ele comprou e levou. Aí pronto, fui trabalhando, fiz mais ou menos dez a 20 peças. Isso aí os antigos nunca fizeram, acho que nunca passou pela cabeça deles fazer o xadrez, peças de xadrez. Já o tabuleiro é marchetaria, é madeira. Dá para fazer de guaraná, mas também vai levar muito guaraná, vai vender muito caro. Então isso que eu digo: eles fizeram muita coisa, foram bons profissionais do artesanato de guaraná, que é chamado figurinhas de guaraná, mas eles não criaram o xadrez. Acho que a Curupira eles nunca fizeram. Várias coisas a gente vai criando, e cada dia eu crio uma coisa.
P/1 – Então essa coisa do artesanato já tem uns cem anos ou mais, você tem uma idéia assim?
R – Perto de uns 200 anos mais ou menos. Só os antigos que vieram aqui e morreram. Meu avô morreu com 115 anos, outro morreu com cem, outro com 105, e já morreram há mais de 50 anos atrás. Porque eles vieram de lá faz 160 anos, da cultura da figura do guaraná.
P/2 – Você diz que está fazendo coisas que ninguém fez.
R – É, como as peças de xadrez.
P/2 – E, depois de você, quem que você acha que vai continuar, como vai continuar essa tradição?
R – Pôxa, não sei, fica meio difícil, não sei. Meu filho, ou um dos meus irmãos. Eu tenho irmão adolescente que pode, ou um dos filhos do meus tios. Porque se eu parar e ele parar, não sei. Acaba o artesanato de guaraná, desse tipo, dessa qualidade aqui, como Barrô conhece. Ele mesmo diz, acaba. Acaba essa característica de trabalho de animalzinho.
P/1 – Mas já tem gente mais nova que você vê interessada em fazer?
R – Não, ainda não vi. A juventude não quer saber, eles querem saber de estudar e ganhar dinheiro mais fácil. Isso aqui, não sei. Se uma pessoa se interessar nele, ganha um bom dinheiro. Não dá para enriquecer não, mas para passagem, dá.
P/1 – Daria para você dizer para a gente quanto custa uma peça dessa.
R – Essa aqui está custando 20 reais, a unidade; quantidade faz diferença. Esse aqui tá cinco, esse aqui está custando dez, esse aqui está 15. Os animaizinhos assim estão custando cinco reais a unidade. Esse aqui, mais trabalhoso, está custando dez, esse aqui 20, e aí vai embora. Já o xadrez está custando 200, são tudo miudinho, mas é trabalhoso. A colheita do guaraná, que é o processo todinho da cadeia produtiva do guaraná. São oito elementos, tá custando 400 reais, e assim por diante. Tem umas que custam cem. Um dia desses um rapaz da Embratel [Empresa Brasileira de Telecomunicações] chegou comigo, o ano passado, antes de eu viajar para essa feira em Belo Horizonte, e perguntou se eu tinha feito uma árvore de castanheira, uma árvore de seringueira. Não que fosse idêntico, mas que fosse assim para comparar: “Rapaz, nunca fiz não, fiz uma árvore de guaraná”, “Mas tu faz?”, eu disse: “Rapaz, eu faço”, e fiz. A primeira eu vendi, eu fiz para ele, a secretária comprou para dar para o presidente Lula. Deram de presente para ele, levaram em dezembro. Aí eu fiz outra e mandei para ele, ele queria assim: a seringueira, com o seringueiro cortando, com as folhas de seringa no chão, os galhos. Mesma coisa a castanheira, cheia de castanha, fiz castanha no chão. Ele com a castanha, o facão na cintura, a espingardinha nas costas do castanheiro, chapeuzinho na cabeça, e mandei para ele. Então tenho feito peças que os antigos não faziam. E também acho que eu não tenho feito peças que os antigos também fizeram porque, uma que eu não vi, mas a canoinha mesmo e a orquestra e esses animaizinhos, que eles trabalhavam.
P/1 – Eu fiquei interessado nessa peça que você falou que tem as fases da produção do guaraná, que você diz que são oito fases. Conta para gente quais são elas.
R – Uma que está colhendo o guaraná, na árvore de guaraná. Está colhendo, metendo a mão, com o paneirinho nas costas. Como trabalhando na colheita: o outro tá limpando o guaraná abaixado ali; o outro está torrando, no forno; o outro está pilando o guaraná; o outro está fazendo o bastão; o outro está ralando o guaraná; o outro está tomando o guaraná; e o outro está fazendo artesanato. São oito elementos. É uma peça linda, mas eu só faço por encomenda. Aquilo é caro. Dá uns 15 dias para fazer uma peça daquela, é o máximo, e pra eu não vender, então, eu vou fazendo essas peças pequenas aqui, sai uma, duas, três, quatro, cinco. Dia eu vendo, dia não, assim dá para vender. Agora essas peças aí, de 20 para lá fica mais caro para qualquer um comprar.
P/1 – Quantas peças você faz, mais ou menos, por dia?
R – 15 a 20 peças pequenas. Estou até trabalhando tarde agora. Fiz nove hoje, comecei a fazer às nove.
P/1 – O que muda na cidade de Maués na época da colheita do guaraná?
R – Corre mais o dinheiro. A economia é melhor porque vem os compradores de guaraná de fora, os agricultores trazem guaraná para vender, isso aí corre. O movimento da cidade fica melhor.
P/1 – E a festa do guaraná?
R – Tem sido boa, ela traz também vários turistas. É onde a gente aposta ganhar um dinheirinho, na festa do guaraná. Por isso é que sempre que chega a festa do guaraná, a gente está se preparando. O Barrô conhece isso aí. A gente vai se preparando, ele compra da gente. Sempre que chegam os turistas arruma para gente vender para eles.
P/1 – E você se lembra dessa festa antes dela ser patrocinada? Ela só existiu depois de 78? Qual é a sua primeira lembrança da festa?
R – Eu lembro da primeira festa. Naquele tempo eu tinha sete anos de idade, seis anos, por aí.
P/1 – Ela tem muito tempo? E lá eles encenam a lenda do guaraná, não é isso?
R – É, a lenda. Agora já tem mais a do Curumim, que é outro mito. Tinha tanta história do guaraná, por causa desse olho. Os índios se mataram naquele tempo e enterraram no chão, na terra. Depois nasceu dessa terra. A lenda conta que o guaraná nasceu do olho da índia. Já o mito do curumim que nasceu do olho dele.
P/1 – Você pode contar prá gente a diferença entre uma coisa e outra, entre essa lenda e o mito?
R – Não, não sei explicar para você. Sei só através de livros. Os mais antigos poderiam identificar isso aí.
P/1 – E eles encenam as duas coisas na festa?
R – Na festa, agora de quatro anos para cá, estão levando as duas, e fica bonito.
P/1 –. Você consome de outras formas o guaraná, fora a questão do artesanato?
R – Não, não. Só o artesanato.
P/1 – Você não bebe?
R – Eu bebo algumas vezes, mas não sou viciado em tomar. Mas de vez em quando eu tomo um copinho de guaraná. É bom. Dá mais energia, a gente fica mais agitado para trabalhar. Acorda meio devagar, a gente toma um copo e dá aquela energia para a gente trabalhar melhor. Agora o que eu gostei muito de tomar foi o xarope do guaraná com mel. Ele é feito da casquilha. Antes se jogava toda a casquilha, essa debaixo. Agora tem que guardar; tem mais de um quilo aqui. A minha vizinha é que faz. Eu vou pagar para ela fazer o xarope, que aí já tem o açúcar. Só chego ali na sala, eu vou lá, coloco no copo, coloco água, geladinho, né?
P/1 – Você pode mostrar para a gente o que é a casquilha?
R – A casquilha é isso aqui. Depois de torrado ele fica solto dentro e quando a gente bate sai essa casquilha aqui. Fica só a parte preta, fica tipo um amendoim mesmo.
P/1 – Você toma o xarope de guaraná só porque é gostoso ou tem um outro motivo?
R – Não, eu tomo porque ele é gostoso. Com limão, até com açúcar, até eu. Eu tomo porque ele fica gostoso.
P/1 – E você conhece outros usos medicinais para o guaraná? Costumam dizer que tem usos medicinais?
R – Tem, dizem que os antigos tomavam guaraná e duravam mais. Dá potência sexual e inventam esses negócios. Se é verdade eu não sei. Um dia, lá em Belo Horizonte, contavam isso: “Não sei o quê, é o viagra da Amazônia“, e eu digo: “É nada, eu tomo isso é porque é gostoso mesmo, eu vou comprar aqui, eu vou tomar porque é gostoso”. Mas muitos compravam porque pensam esses negócios, essa fama e tal, do viagra da Amazônia e tal. E tem gente que disse, para mim lá, que se deu bem.
P/1 – E você sabe se o uso do guaraná pode fazer mal?
R – Sempre que a pessoa ia comprar o pó do guaraná, nas feiras que vão comprar de mim, seja aqui, seja onde for, eu pergunto se ele tem pressão alta. Porque se tem pressão alta não é muito bom porque ele pode atacar, ele ataca a pressão alta, não é aconselhável. Mas tinha uns que compravam assim mesmo: “Não, eu quero assim mesmo”. Eu digo: “Se acontecer alguma coisa...Se tiver pressão alta não é aconselhável para você”. “Por que não?”, “Porque ele agita o corpo, se você tem pressão alta, tomou guaraná, pronto”. Eu tive um colega que tomou guaraná e passou o dia inteiro dormindo, lá no interior. Ele trabalhava com guaraná foi tomar exagerado, uma colher dessas de sopa, tacou no copo de 150 mililitro. Primeiro ele disse que começou a dar vontade de chorar, depois dormiu até de noite, passou para o outro dia, arredou a tarde, passou a noite e foi acordar no outro dia. Então por isso que para uns ele faz bem para outros ele não faz. O guaraná é como um remédio.
P/1 – Quando você toma, qual é o jeito certo?
R – Olha, eu coloco uma colher dessa de chá cheia em um copo de 200 mililitro. Porque também eu não tomo forte porque pode prejudicar, depois com o tempo vai.
P/1 – A gente está também um pouco atrás da coisa dos causos, das histórias da região. Você conhece algum causo, alguma história que envolva o guaraná ou que você ache interessante mesmo?
R – Não tenho lembrança de história.
P/2 – Você tem dois filhos, você disse?
R – Dois.
P/2 – Eles são pequenos? O que eles fazem?
R – São pequenos. O pequeno aí passa o dia inteiro mexendo as coisas na casa, para cima e para baixo; o outro o dia inteiro chorando.
P/1 – Bebê?
R – É.
P/1 – E o que você gostaria que eles fizessem, gostaria que eles se envolvessem com o guaraná? O que você gostaria?
R – Não precisava que eles praticassem, mas queria que eles soubessem trabalhar no artesanato.
P/1 – Por quê?
R – Porque teria orgulho de chegarem e dizerem que tinham aprendido com o pai deles. Eles sabiam fazer porque é daqui de Maués e aprenderam com o pai deles.
P/1 – Por fim a gente gostaria de saber o que você achou de contar essa história?
R – Olha, contar uma história dessas para vocês, da origem do guaraná, não é a primeira vez que eu conto aqui. Já foram mais de sete, oito entrevistas que eu tenho, tanto para a rede Amazônia, quanto para Crítica, emissora de rádio. Para mim, cada entrevista que eu dou é uma satisfação muito grande, porque divulga meu trabalho, conta como foi a origem desse artesanato do guaraná. Vocês vão levar para contar no Brasil e para fora do Brasil. Para mim é um prazer imenso, maravilhoso estar contando, poder sentar e contar essa história. Que bom que vocês vieram descansadamente para me ouvir, perguntar e ouvir assim como eu estou com vocês. Às vezes as pessoas chegam aqui: “Não, é ligeiro”. É bom contar assim, bem lentamente, para vocês terem uma noção de como é que foi criado o trabalho do guaraná. Para chegar no artesanato de onde veio, que é tirado do mato, passado por cima de cobra, uma formiga, tucandeira, sapo, bicho peçonhento, carapanã, para chegar no artesanato. Então o pessoal é capaz de dar valor, mais valor ainda, o trabalho. Não é como uma madeira. A madeira chega, corta ali, já vai trabalhar em casa. O guaraná não, chega na beira do forno, ficar mais de quatro horas, cinco horas na beira do forno, suado que só. Tenho um prazer grande de ter contado essa história para vocês.