Memória dos Brasileiros
Depoimento de Catarina Ribeiro
Entrevistada por: Antonia Domingues e Thiago Majolo
Alter do Chão, 20 de outubro de 2007
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número: MB_HV070
P1- Vou pedir pra você dizer o seu nome e a data de nascimento.
R- Tá bom.
P1- Nome inteiro. Pode dizer, já começou.
R- Catarina de Fátima Ribeiro, nascida em 28 de agosto de 1961.
P1- E eu cidade?
R- Santa Maria, Rio Grande do Sul.
P1- O nome dos seus pais.
R- Marcos Antônio Ribeiro e Enedina Coelho Ribeiro.
P2- Catarina, você não precisa olhar pra câmera, olha pra gente. Finge que ela não existe.
R- Tá.
P2- Senão você vai ficar super tensa...
R- Exato. Perfeito.
P1- E o que eles faziam? Os seus pais...
R- Agricultores. Eu vivi no campo até os 17 anos.
P1- Como é que era essa vida no campo?
R- Ah, muito boa. Eu acho que a... Todo o aprendizado de grupo, de compromisso com o outro começou nesse processo, né? No trabalho coletivo, né? Muito interessante. Acho que todo mundo, é fundamental na vida da gente uma vivência, um... Uma vivência mesmo, rural. Isso mexe com todos os sentidos da gente, toda a concepção de mundo. Eu me sinto, eu me sinto... Hoje eu vivo numa cidade pequena, mas num centro urbano. Não gostaria hoje de viver no campo, mas eu continuo uma camponesa, né? Dentro do espaço urbano, mas é uma camponesa. É a minha alma, o meu... Tudo é de camponesa.
P1- Qual que á a origem dos seus pais?
R- Eu não sei se foi... O meu bisavô paterno, eu não sei se ele nasceu ou se ele veio pequeno da Itália, né? Então, tem italiano. E a minha bisavó materna era caigangue(?). Depois que eu fui me dar conta da importância disso, eu vou ter, se eu quiser resgatar isso, eu vou ter que fazer um trabalho enorme. Que eu não sei aonde está essas raízes, né? Mas é importante. E também tem portugueses no meio aí. E tem a minha avó, que é viva até agora, que é, o que se chama no Rio Grande do Sul, pelo duro. Ela tá com 86 e está com o cabelo pretinho. Ai que bom que isso eu herdei dela! Então, é essa mistura, essa salada que nós somos. Eu tenho muito isso, do italiano, tem muita essa coisa, né? Mas tem uma coisa que, do indígena, de começar a ouvir e da ligação com a terra profunda.
P1- Como é o nome da sua avó?
R- A minha vó Ernestina. Materna. E ela vive ainda. E a paterna, Georgina. É bem italiana mesmo, daquelas... Polenteira, fazer polenta toda manhã. E a minha bisavó, não era nem bisa, era tatara... É a Fernanda. Essa que eu preciso saber mais, não sei cmo ainda, né? Acho que vou botar o Museu da Pessoa nisso... (risos)
P1- E você teve bastante contato com a sua avó na infância?
R- Todo, todo. Com a italiana, com a outra também. Toda, eu vivi com ela. Eu sou a neta mais velha dos dois lados. Então, com todas as, os mimos e paparicos. Muito...
P1- Quais são as suas lembranças mais fortes, assim?
R- As lembranças é de acordar, tomar chimarrão com eles. De dormir na cama deles, né? E da conversa, que ela gostava de uma conversa... Meu Deus do céu. Gostava de ficar na janela e saber da vida de todo mundo. Então, isso é engraçado, que eu chegava e ela queria saber de todas as novidades. E essa... A comida pra todo mundo. A vó Georgina... Eu acho que é isso.
P1- Que que ela fazia de comida?
R- Comida, toda a comida italiana, né? Polenta de manhã, polenta à noite... Ela gostava de muita gordura, então a gente vivia cuidando dela pra não... Quando a gente virava as costas, ela colocava uma, duas colheres de banha na comida dela, né? E fazia umas cucas maravilhosas também. Que daí entra o alemão na coisa, mas tem muito isso no Rio Grande do Sul, né? E eu digo que hoje eu tenho o privilégio de viver no Norte, né? Mas digo que isso é um privilégio porque me criei entre europeus, entre alemães e italianos e dentro de uma concepção luterana, que eu não sou, mas isso teve uma influência danada na questão do trabalho, né? Daquela questão luterana do trabalho de todos os dias, você tem que... Então, é meio viciada em trabalho e a rigidez que vem, né? Aí eu tenho o privilégio de ir pra um outro extremo, que é o Norte do país e aí começar a me deparar com... Isso há muito tempo, muito jovem ainda, né? Aí, quando eu chego, aí começo a me deparar com os valores. Viver no Rio Grande do Sul é viver uma coisa, hoje não mais, é menos. Mas eu fui conhecer o nordestino com 19 anos. Então, poxa... E agora eu vivo... Aí tu sai desse contexto fechadinho, que a gente tem uma relação muita mais forte com Argentina, com outros países, do que com o restante do país. Aí, você cai numa outra cultura, completamente diferente. Então é um enfrentamento, é um embate interessante. Hoje eu acho, no primeiro momento, foi uma coisa assim muito desafiadora. Agora, hoje é um privilégio. Hoje eu não saio de lá, é o meu lugar, né? Até porque é uma colcha de retalhos. Eu digo que onde eu vivo hoje, Roraima, tem brasileiros de todas as UFs. Tanto que a gente diz: “Tu é roraimense de onde?” “Ah, eu sou roraimense do Rio Grande do Sul.” “Eu sou roraimense de Minas.” E por aí vai... Então, é uma soma, é uma soma e, em determinados momentos, isso também é complicado. Porque tu tem resistência a determinadas coisas de onde vem isso? Como é que é? Né? Mas é interessante. Hoje eu não saio do Norte, isso é claro. Hoje eu sou uma amazônica de adoção.
P1- E voltando um pouco, assim, pra infância, é, como que era, assim, sua vó passava as coisas de conhecimento nas conversas, ensinava? Você lembra de alguma coisa?
R- Não...
P1- Mesmo no trabalho, como era essa relação de aprender a trabalhar?
R- Era muito e, se não, eu tinha essa vivência, mas era... Eu tinha junto, mas não... O meu aprendizado, acho que é mais externo. Eu aprendi mais com os homens da minha família, eu acho. Mais com o meu pai, mas com os tios, com avôs, que até hoje cozinha não é o meu forte, né? Então, era questão de, a questão de plantação, de roça. Então, isso sim... O tempo da lua cheia, o tempo da minguante, na minguante tu planta as plantas de raiz, né? Não se sabia cientificamente porque, mas era, se plantava, naquela época... Na tal lua, tu corta a alfafa, e assim... Então os ciclos da plantação, né? Isso é o saber mais próximo. E das ervas, né? Isso é chá pra isso, aquele pra outro, né? Então, hoje eu identifico, tenho essa proximidade com as plantas. Mas não... Dentro de casa, as artes, os crochês, os tricôs, conheço isso, mas não tenho, não peguei essas habilidades, né, não me interessava. Me interessava tá lá montando a cavalo ou tirando leite, nessas outras lidas mais externas, ao ar livre.
P1- E a escola? Tinha escola?
R-
Hmm... A escola... É, a escola foi em lugares distantes, né? Então, a gente caminhava muito pra ir em alguns cantos e hoje eu vejo isso em outro processo que a gente vive, mas... A escola foi interessante.
P1- O que vocês aprendiam?
R- Aprendia as disciplinas que a gente vê hoje, né? Só que na minha época ainda tinha o SPB, infelizmente, né? E aonde a gente podia fluir mais um pouco era a educação artística. Mas...
P1- Tinha muita mistura de crianças?
R- Tinha, tinha muito. E tinha uma rivalidade com os alemães, né? A gente sempre teve isso... Na escola, o grande, eu acho que a grande recordação era a ida e a volta, que a gente andava 12 quilômetros. Esse que era o... De roubar cacho de banana quanto tava mais ou menos maduro e deixava escondido pra... né? Então era essa construção coletiva, que a gente ia num grupo de 15 meninos, né? E é o que eu tenho hoje presente assim, é a trajetória de ir e voltar. É a proteção que a gente tinha entre a gente, né?
P1- 15? Eram as...
R- É...
P1- Quem eram?
R- Quem era os 15?
P1- É...
R- Quem eram os 15, eram os colegas próximos, né? Todo mundo vivendo no meio rural. Então, se juntava todo mundo e ia. E era, puxa, 12 quilômetros por dia... Pesado...
P1- Você tem irmãos?
R- Eu tenho uma irmã. Mas ela não ia, porque ela era pequena. Isso já foi, esse trecho foi na oitava e... sexta e oitava. Faz um tempo, né, também... Faz um tempo, bastante tempo.
P1- E até quando você ficou no Rio Grande do Sul?
R- No Rio Grande do Sul, eu fiquei até os 22 anos. E depois, o salto de um extremo ao outro, que fui pra Roraima.
P1- Quando que foi isso? E por que? Como foi esse processo?
R- Eu sempre tive vontade de andar e... Andar, assim, conhecer e... Aí, com o meu companheiro na época, a gente: “Bora para um lugar mais longe do Rio Grande do Sul. Bora sair”. “Então vamos.” E aí ele tinha uma referência, tinha um amigo lá, fez esse contato, ele foi, depois eu fui e... isso, desde lá, eu tô lá até hoje. Que quando a gente chegou, era muito pequeno, uma cidade planejada inicialmente. E, assim, e ali foi durante dois, três anos, foi uma coisa complicada pra mim, né, essa questão da diferença. Primeiro a flexibilidade do nortista, que é uma coisa... Ele é mais tranqüilo. O gaucho chega, ele é muito falastrão, né, o gaucho, ele sabe de tudo, entre aspas, né? Ele tem discurso pra tudo. O nortista não, ele só te escuta. Então, isso quando tu chega, tu chega... “Quem não fala não tem opinião.” Então... E ainda de comidas, de todo o procedimento. Mas depois, assim, na medida que vai se apropriando das coisas, experimentando, se abrindo, aí vai criando outras referências. E hoje, assim, em termos de sotaque, eu tenho um sotaque gaúcho. Falou o “L”, vai encontrar, mas já é muito diferente. E se, aí então, eu nem tenho o sotaque nortista, nem tenho o gaúcho. Então, quando eu chego o Sul, o pessoal diz: “Ah, tá falando nortista”. E no Norte, eu sou gaúcha. Então é muito interessante.
P1- Mas o que te fez ficar lá?
R- Em princípio, acho que eu... Ficando. Aí depois fui, viajei muito, andei, conheço quase todo o país, assim. Fui, subi de Manaus até Iquitos, no Peru, de barco, fazendo a região ribeirinha, né? Aí atravessei todo o Peru, toda Bolívia, de ônibus, né? Então, eu andei, andei muito. Eu digo que tudo que eu ganhei, eu viajei. Aí chegou um momento que... E o envolvimento com o teatro, né? E aí... E digo que o artista, ele é sempre adolescente, tudo é possível e a gente sabe que tudo é possível. Mas quando chegou o momento de: “Vamos focar. O que eu vou fazer na minha vida”, aí dá uma parada. “Ei, pera aí, isso que eu quero fazer é aqui porque é aqui ou porque é cômodo ficar aqui?” Aí, essa reflexão, eu fiquei nove meses no Amapá, né, pra ver, assim, pra pensar longe de tudo e de todos. Aí, assim, ok, fiquei no interior do Amapá, sozinha, fazendo trabalho de teatro, então isso foi definitivo, porque aí eu volte: “É isso que eu quero fazer e é aqui mesmo”. E aí, a partir de lá, assim, começou a construção do que a gente tá levando hoje. Então, em princípio foi isso. Sem pensar mais, sem nada elaborado, mas quando chegou o momento, “É isso”.
P1- E quando começou o envolvimento com o teatro?
R- O teatro começou... Eu já tinha um envolvimento com literatura no Rio Grande do Sul, né, com a literatura regional, conhecia alguns poetas interessantes, e muito com a música nativa também. Então, aquela coisa de terra mesmo, né? Quando eu cheguei em Roraima, eu conhecia muito mais Mercedes Sosa, _______________, Violeta Pardo(?) do que Elba Ramalho, que eu nem sabia que ela existia. E logo que eu cheguei em Roraima, né? Então, a minha formação se deu toda lá, né, participando de vários grupos. Aí teve um momento, quando eu fui pra Roraima era território federal. Por isso que tem pessoas de vários Estados, que era uma oportunidade de ocupação bacana lá. Quando passou a território, quem era funcionário público foi embora, pediu sua redistribuição e foi embora. E aí, todo mundo que trabalhava já no movimento, tchuco tchuco tchuco pro Nordeste, né? Aí ficaram alguns, que não quiseram ir. Inclusive o meu parceiro hoje, de grupo, aí a gente deu uma avaliada: “Epa!Pera aí. Ficamos nós, então não podemos ficar fragmentados”. E aí a gente se juntou e construiu o grupo. “Vamos começar. Então vamos juntar as nossa experiências.” E a gente vem nessa caminhada desde o início dos anos 90, porque essa debandada ocorreu depois de 88, né, foi quando passou a território e os anos 90... Por aí. E a gente já teve momentos de troca muito importante, né? Um Estado pequeno, com 15 municípios, que, em um momento tem 11 grupos de teatro produzindo na capital, isso é um movimento bom, né?
P1- Que tipo de teatro vocês fazem?
R- A gente hoje faz um teatro mais... Não é engajado, que isso é muito antigo, muito fechado, não é isso... Mas eu diria quase, também não... É um teatro provocativo que a gente faz, que não dá pra, na nossa concepção, não dá pra gente fazer um espetáculo em cidade pequena sem espaços fechados pra tu ficar dentro de casa, fechada. Então a gente sempre, o nosso teatro, ele pode ser apresentado aqui normalmente num tapiri como esse, em escolas, que é onde, são os espaços que temos, né? E a gente procura sempre construir esse texto com.. Hoje, o teatro é uma ferramenta de mobilização, ele é uma ferramenta de mobilização e de discussão, de trazer, de se perceber, né? A gente trabalha muito com jovens. É isso...
P1- E como é a recepção, no Norte, do teatro? Como que era no começo, quando vocês começaram a fazer, as pessoas estavam acostumadas?
R- Não...
P1- Como que era?
R- Não, não tavam... Mas, quando tu não tem que levar o público até o teatro, quando tu vai até ele, a recepção é ótima. Quando o público vai, o pouco que vai, também. Mas... Ai tem todas as dificuldades que todo mundo tem de levar gente ao teatro, né? Aí tu precisa ter uma produção constante, às vezes tu não consegue, em função de ene razões. A gente diz, em Roraima, que nós todos somos bígamos, né, porque a gente tem uma outra fonte de renda, que nos garante, né, e faz o teatro. Então, às vezes não dá pra tu ter uma produção constante, que tu comece a construir esse hábito de público, né? Então os grupos que a gente tem hoje, a gente tá, cada um tem um segmento meio que mapeado. Nós atuamos no interior, outros atuam em escolas, né? Mas tem recepção sim. Tem, legal.
P- Vocês rodam bastante, assim, o Norte, vão para outros Estados do Norte?
R- Às vezes, quando é possível, porque é muito difícil a gente sair. Ou tu precisa de muito tempo pra andar de barco ou, então tu precisa de dinheiro pra ir de avião. Nós fizemos, em 2005 a gente fez uma... Fizemos o interior, fizemos o Amazonas, Rondônia e Acre. Conseguimos participar, encerrar nossa, a nossa circulação, no Festival do Acre. Foi uma coisa fantástica. Mas isso porque a gente estava dentro de um projeto de circulação da Funarte, então ok, tu tem os recursos garantidos, né? Essa é a grande questão, o intercâmbio. Fantástico...
P1- Como é o intercâmbio entre esses Estados do Norte?
R- Tem essas deficiências em função de custos. Como é que a gente sai agora? No Amazonas tem um festival de teatro. Então, sempre tem um grupo indo, ou pessoas, que é
lugar mais próximo que a gente tem, que dá pra chegar em 12 horas de avião, de ônibus, né? Então ok... Mas a gente tá isolado, todos os Estados estão isolados, em função da geografia. Pra Rondônia e sair por terra e pra cá ________. Então, tem uma questão de isolamento. E isso traz uma série de conseqüências para desenvolver um projeto, poder levar pessoas para intercâmbio, pra capacitação, é complicadíssimo. Porque são custos que... enormes. Mas a gente tem, assim, meio precário, mas a gente tem o canal de comunicação, que é um fórum on-line. Então a gente... Inclusive decisões regionais, a gente toma nesse fórum, né, a gente consegue se articular. Então tem lideranças de produção em todos os Estados e a gente sabe a quem a gente buscar pra mobilização de alguma questão. E, agora, através dos pontos, também é o grande centro que a gente tem que estimular mais isso. Mas precisa o presencial também, não dá pra ser o tempo todo on-line, né? A gente precisa dessa coisa mais próxima, de olho no olho. Essa... Nada substitui o olho no olho. Não existe tecnologia que substitua isso não.
P1- E antes da Ação Griô começar, você já tinha esse trabalho com os mestres, de...
R- É, os mestres é uma coisa que me mobiliza internamente há muito tempo. Muito, sempre. Os cantadores do Nordeste, eu acho, eles sempre me encantaram. Então, quando eu conheci o livro da pedagogia Griô, falei: “Uau, isso que eu quero”. E a nossa mestra, a Dona Bié, que tá no projeto com a gente, eu conheço ela desde 2001. Aí, quando eu vi essa criatura falando, eu digo: “Ainda vou fazer um trabalho com ela”. Quando implantamos as atividades do Ponto de Cultura na vila onde ela mora, ela foi uma das primeiras pessoas que eu convidei pra vir pras reuniões de articulação com as lideranças. E ela já tava com a gente no processo, né? Como a Dona Maura também, que é da mesma comunidade, que trabalha com folhas. Como o Zé Ricardo, que é da outra comunidade, que é o artesão que faz o reaproveitamento de madeira, cascas, sementes, né? E, então, tem outra vila. Aí, quando lançaram o edital, aí nós ficamos buscando na vila, nessa outra vila, a Nova Colina, que tivesse o perfil e a gente começou a observar um vassoureiro, um artesão que trabalha com vassouras, com cipó, faz umas coisas lindas. Mas a gente sentiu que ele não tinha o perfil de vir para o grupo, para o coletivo. Daí nós... “Não vai dar para convidá-lo. Essa vila vai ficar sem, por enquanto, né?” Então, ele já estava integrado, a gente não sabia ainda, e tava começando a construir alguma coisa pra ver como, principalmente a história, né, porque uma coisa que a gente está buscando nessas vilas e a gente sempre achou importante a presença deles, é a memória dessas vilas, porque são vilas que estão do lado da BR 104, que liga Roraima ao Amazonas e Venezuela e é essa coisa, essa colcha de retalhos, pessoas vindo de vários lugares do país. Então, ali a gente entrou na ação com eles nessa perspectiva, de resgatar essas histórias. E a entrada da Dona Bié traz uma coisa, na ação, traz uma coisa importante, que é... Tem muito maranhense em Roraima. Eles vieram uma, por uma circunstância política de um governador que trouxe os eleitores do Maranhão para lá. Então, se diz no dito popular: “O maior trabalho social feito no Maranhão foi feito por Roraima”. Isso criou... Vieram muitas pessoas com pouca qualificação, aí criou uma fricção, um atrito. Hoje, assim, Roraima, para falar de maranhense, é uma coisa que se desqualifica: “Ah, isso é coisa de maranhense”. Então, na comunidade que a Dona Bié vive, é uma comunidade muito introspectiva, mas muito. E a gente começou a ver porque, o que que tem nessa comunidade que todo mundo é trancadinho, né? Aí fomos fazer uma pesquisa, a comunidade foi originada em torno de um acampamento militar, que foi para construir a BR. Então, a gente fez as nossas viagens. Então, o pessoal tá trancado, tá na retaguarda e a Dona Bié sempre cantou essas músicas, sempre falava do Lindô. Mas a gente começou a ver com as crianças e os adolescentes: “Vocês conhecem Lindô?”
“Não.” Ninguém sabia nada. Conversava com as pessoas e ninguém sabia, ninguém lembrava. E aí... Quando a Dona Bié começou a fazer esse trabalho com o grupo de teatro, a memória veio à tona de todo mundo. Todo mundo começou a lembrar que sabe também, né? Então, eu acho isso interessantíssimo. No dia 31 de agosto, ela fez no terreiro da casa dela. Aí foi todo mundo, o diretor não conseguiu segurar ninguém na escola, teve, inclusive, que liberar o ônibus pra ir pra casa dela. E aí a gente viu gente que tinha brincado e tinha esquecido que tinha brincado e outros que: “Poxa, que coisa interessante isso, que novidade é essa?” Mas a minha leitura é: à medida que ela foi reconhecida como mestra no projeto nacional, aí isso fortaleceu a auto-estima da comunidade, sim. “Então eu também posso lembrar que eu sei.” É mais ou menos isso. E a nossa estratégia, da ação, como tem pra entrar na escola, é através dos grupos de teatro de cada vila, que a gente atende a três. Porque todos eles são alunos da escola. Quando a gente entrou, que a gente entrou e tá entrando, então eles já são nossos facilitadores, nossos mobilizadores dentro da escola. Cada grupo tem 15, 16 jovens de várias séries, né? Então, esta está sendo a estratégia e está sendo bem interessante, porque eles estão também fazendo, a partir do, eles estão fazendo na família. E descobrindo: “Ah, meu avô... pá pá pá...” E isso foi um, tá sendo, foi e tá sendo um agente detonador das memórias, porque eles começaram a buscar as histórias da comunidade, né? A gente estimulou isso: “Nós vamos construir um texto de teatro, mas que fale da gente, das histórias da gente, da comunidade. Agora, quem sabe essas histórias são vocês, então vamos buscar isso”. Aí eles começaram a buscar e, na comunidade dela, tá um textos que eles tão construindo que agrega vários elementos das visagens, da assombração que vem nas estradas, né? Tem ma história de uma bicicleta que vai passado... Que isso é tudo é dentro de um grande assentamento agrário, né? Nós estamos dentro do segundo maior assentamento agrário do país, o assentamento Anauá. E o vicinal são as estradas do assentamento, né? Então tem uma história de uma bicicleta, que vai andando de bicicleta e daqui um pouco alguém senta nessa bicicleta e fica pesada, né? Tem uma história de uma pedra enorme que fica na frente da vila, que diz que aparece só uma porta lá e que puxa... Tu abre essa porta e aparece uma mulher, né? E tem uma história mais... Diz que nas curvas de algumas dessas vicinais, tu escuta um caminhão baú vindo e não vem nada. Então, eles conseguiram agregar isso tudo, mais a história de um lobisomem, né, num texto. Então, isso pra gente é uma conquista muito grande, que eles começaram a se ver, olhar suas coisas com um outro olhar, né? Que a gente tá no... E eles encerram a proposta do espetáculo deles, eles encerram com uma festa com Lindô. Quer dizer, já estão agregando algo da comunidade, né, deles. Então, eles estão chamando lobisomem por enquanto, tá esse processo interessante. Ah, e tão agregando também os conhecimentos da Dona Maura. As folhas, pá pá pá... Eles fazem um paralelo interessante de alguém que acredita nas folhas e de outros que não. Isso é na Vila Martins Pereira, que a gente tem as duas mestras. Na Nova Colina, que é uma vila que fica entre as duas, a gente tá tomando emprestado a Dona Bié, dessa comunidade e tá levando a esse novo grupo. E, inclusive, era o espetáculo que a gente tava preparando, tá preparando com o cortejo, com perna de pau, eles dançando Lindô de perna de pau, interessante. Mas... E quando a gente levou a Dona Bié, depois a gente chegou num canto lá, tomar água de coco e a gente tava cantando a música e aí a senhora olhou e aí eu senti que aquilo tinha mexido com ela e perguntei: “Ah, isso é Lindô, a senhora conhece?” “Conheço, eu brinquei muito.” Quer dizer, a partir disso uam outra comunidade: “Ah, eu conheço fulana, que conheceu fulano...” Então é uma frente que se abre, a partir da Dona Bié, nessa comunidade. E aí a gente sai pra outra comunidade que tem, que é o Equador, que tá a dez quilômetros da linha do Equador, né? Aí a gente vai com outro mestre, que é maranhense também. Os três mestres nossos, nenhum é roraimense, porque como a gente tá na zona rural, é zona de imigração. Só teria roraimense se nós tivéssemos ido para o Sul, aliás, para o Norte, que é onde está as comunidades indígenas. E aí o mestre, O Zé Ricardo, ele tá no processo com a gente de a gente fazer pesquisa. Nós estamos fazendo uma pesquisa da linguagem desses lugares, né? Dos dois, da Nova Colina, que tem um grupo estruturado, que tem uma liderança interessantíssimas de jovem, e lá no Equador. E o ZéRicardo, como ele conhece os cipós, as sementes, as cascas e as raízes que estão no rio, que quando baixam as águas tu pode tirar as raízes sem prejudicar. Então ele é o nosso pesquisador junto com músico pra construção dos instrumentos. E o Zé Ricardo também, ele faz umas garças, uns animais em madeira e ele tava me contando esses dias a história dos bichos, da inteligência dos bichos. Então a gente vai publicar um livro com, um livrinho, simples, a história que ele conta dos bichos, da cotia, que é mais inteligente que o homem na hora que vai pegar a castanha e do catinguelê, que é mais inteligente que a cotia, né? Então, a gente tá nesse circuito com a ação. E a idéia, a idéia não, o projeto, é um livro de cada um dos mestres, né? A Dona Maura com as folhas, com as receitas dela, a Dona Bié com as cantigas e o Zé Ricardo com o conhecimento dele, também das sementes, cascas, raízes e dos bichos. E isso, então, a gente tá... No Equador a gente tá dentro duma associação de pescadores, que é uma fonte fantástica de palavreado incrível, né? E a gente... E a partir disso, a gente tá entrando na escola e aprofundar mais isso em 2008. E isso já está, já temos os... Os agentes mobilizadores, que são os grupos, né, de teatro. Então, em 2008 a gente vai, além de aprofundar as escolas que a gente tá, a gente quer fazer algumas experiências em algumas vicinais, que a gente está nas escolas das vilas, mas aí a gente vai sair com essa experiência pra pelo menos duas vicinais próximas, né, ver como é que funciona isso lá na vicinal e a riqueza que tem lá.
(pausa)
P1- Você tava falando do trabalho com os mestres e dos livros... Conta mais um pouco, assim, pra gente, o que você está articulando nos Pontos de Cultura e com os mestres.
R- E tem outros pontos que tem um trabalho fantástico com as quadrilhas juninas. Isso... E a articulação pra um próximo edital, né? Esse é um Ponto público, que tem uma rede e, dentro dessa rede de 12 projetos, tem quatro da sociedade civil. E, em 2008, a gente tá com parceria com o pessoal do Ponto, que tem quadrilhas juninas, que é uma associação com 12 quadrilhas juninas, pra eles fazerem também um trabalho em parceria com a gente, né? Essa é outra questão. Agora o desafio é integrar os conhecimentos dos três, como interagir. Que o Zé Ricardo saia lá do Equador com os conhecimentos dele, que é parecido com a Dona Bié, que todos estão na zona rural, e da Dona Maura, saia e venha pras outras escolas, né, da comunidade, que nós temos duas educadoras. Como essas duas escolas, a 50, 60 quilômetros uma da outra, não dá pra uma atender as duas, né? Então, esse é o desafio pra logo, logo, no início do ano, né? E a Ação Griô vai entrar forte também. Então, nesse projeto de pesquisa, que o projeto de pesquisa nós estamos envolvendo muitas pessoas. Tem a academia, tem o artístico e tem o artesanal. Tem os mestres, que estão nesse processo, tem os criadores e tem dois professores. Tem um professor que é mestre em educação no campo e tem um ouro professor que trabalha, que é geógrafo, ele tem a tese de doutorado dele sobre desterritorialização e reterritorialização. E ele fez essa tese de mestrado justamente em cima dos 15 municípios de Roraima, a criação, como se constituiu, como as pessoas saíram, como elas se recolocaram. Então, eles estão nesse processo dessa pesquisa da gente, na linguagem que a gente quer descobrir essa linguagem rural. E essa linguagem do teatro rural, ela vai somar com tudo, com a história de vida da pessoa, o foco é nessas comunidades. A história de vida dessas pessoas, a linguagem, o linguajar, o movimento, né? Isso foi percebido pela Iandra Firmo(?), que ela foi administrar uma oficina de interpretação e ela percebeu, gente, tinha um bocado, tinha 17 meninos do Ponto. Ela disse: “Gente, esses meninos têm um movimento diferente, têm uma expressão diferente”. Aí a gente começou a discutir e conceber esse projeto. Que o nome do projeto é Território Rural. E aí a gente: “Poxa, a gente tem um bocado de elementos que pode somar”. A gente fez essa... E então a gente já tá começando a pesquisa depois da Teia e vamos fazer um processo de imersão em janeiro. Janeiro, dez dias numa comunidade, dez dias em outra, a equipe dentro, só pra esse processo, vivendo. E depois, em abril, por aí, o produto vai ficar semi-pronto. A gente vai ficar trabalhando e, em abril, a gente reúne todo mundo e aí pra concluir, né? E então, vai ser um momento importante de envolvimento com a comunidade, porque o que a gente desenhou e o que vamos, que a gente vai trabalhar de dia, construir, e à noite a gente mostra pra comunidade e conversa com ela. E busca... É isso, a gente tá inventando, tá mentindo muito, né? Então isso já tá programado. E, quando à Ação Griô a gente vê a importância de articular mais com o Norte. Eu acho que num próximo movimento, tem que, a gente precisa ter mais todos os Estados representados, né? Porque esse país desse tamanho, continental, a gente precisa saber mais dele mesmo e as próprias dificuldades de encontro geográfico, ele impossibilita encontros de culturas e de um bocado de coisas que ficam, como se fossem de um outro pais, né? A gente da gente mesmo. Então, esse é um trabalho com muita força nesse próximo edital que sai. É buscar os demais, né? Mobilizar os demais pra gente tá junto.
P1- Quais são as maiores dificuldades de articular o Norte?
R- Comunicação. Tanto que não tem comunicação na própria Ação, hoje, nessa questão de articulação regional, tem lugares que a Internet entra com muita lentidão, que tu passa a semana sem conseguir conectar. Eu passei uma semana sem conseguir falar com Tabatinga, que eles estavam sem telefone. Então as pequenas cidades no interior do Amazonas, tu fica às vezes sem comunicação, nem de telefone. Numa das vilas que a gente trabalha, faz... Tem uma que faz mais de um mês que tá sem telefone, porque caiu um raio, né? Então... Na vila onde mora a educadora nossa, às vezes a gente passa uma semana sem conseguir falar com ela, porque fica mudo os telefones, né? Então essa é, eu acho que é o maior, acho não, tenho certeza, é o maior desafio que a gente tem: a comunicação. Assim: “Ah, tem tecnologia, todo mundo tem...” “Hmmm hummm...” Tem sim... Às vezes a tecnologia é virtual também. Então esse... E as distâncias. Aqui mesmo no Pará tem um Ponto de Cultura importante, que faz um trabalho super interessante, mas pra ele chegar em Belém, ele tem que andar 12 horas, né? Que é o Ponto de Cultura Vitória do Xingu. Então, isso precisa ser visto com um outro olhar. Tanto que o encontro que tá acontecendo aqui teve que ser viabilizado de outra forma, em função das distâncias. E a distância e a comunicação é o nosso grande incômodo. Esse, o primeiro e o mais importante sim, porque a partir disso, tu consegue estabelecer pontes, parcerias...
P1- O que que é mais fácil, assim, de articular? Que que flui com mais faciliadade?
R- O que flui, é quando tu consegue... As pessoas, elas são muito receptivas. Uma coisa muito bacana que eu sinto na nossa região é que a gente não está na competição com outras. Há um sentido de colaboração, de solidariedade bacana, que às vezes eu sinto em outros lugares o nível de competição, que pra nós não serve. (riso) Acho que não serve pra ninguém, mas para nós especialmente, isso é não constrói de jeito nenhum. Etão, há uma receptividade sim, muito aberta. Não consegue se comunicar, mas quando consegue se articular: “Ok, vamos atuar juntos”. Então, é... São as pessoas. Os meios são as dificuldades e as facilidades são as pessoas, a abertura delas.
P2- Catarina, o que você sente desse projeto todo que você tá fazendo, da Ação Griô? Qual é o sentimento que vem dentro de você?
R- De... De fusão. De ser um... É, de fusão mesmo. Com esses saberes, de sentir eles. E de responsabilidade, né? Porque ele é muito complexo, né? É uma coisa que a gente tem discutido muito... O tamanho da responsabilidade de todo mundo que tá nesse projeto, porque a gente tá propondo uma mudança de paradigma dento da... Numa... O que se conversava nesse encontro aqui, se a gente conseguir trazer esse projeto pra uma geração, aí o projeto tá ganho. Então, o sentimento é de alegria porque, de tá dento, é um privilégio estar nesse projeto, mas de uma responsabilidade enorme, né? Porque, inclusive o lugar do Griô Aprendiz, que é uma coisa que a gente vai descobrindo no dia-a-dia, o tamanho dele, né? Quanta coisa a gente precisa aprender, né? E... Desafiante, né? Extremamente desafiante, quanto tu conseguiu entender e aqui já pipocou um bocado de outras possibilidades, né? Então, é... E fazer na região Norte, então, acho que a gente precisa entrar mais mata a dentro com ele, né? Buscar esses conhecimentos e garantir eles pra gente, garantir ele para os brasileiros. Que enquanto a gente não tá entrando, quer seja com a Ação Griô, mas com projetos nossos, tem outros projetos entrando nas nossas matas, né, buscando os saberes tradicionais.
P1- Como que é, assim, essa... Vou fazer um choque, mas o Aprendiz é uma geração, o Mestre é outra, ele tá aprendendo os ensinamentos do mestre, mas ao mesmo tempo ele tá num mundo diferente de quando o mestre aprendeu. Como é essa relação do aprendizado mesmo? Do Griô Aprendiz, o que ele tá aprendendo? Porque é um conhecimento tradicional, mas tá no mundo moderno...
R- Olha, eu não sei se porque pela minha origem de camponesa, eu me sinto totalmente à vontade na relação com os mestres, que são todos de origem camponesa, né? Então é uma coisa que a gente vai incorporando pouco a pouco o jeito, olhar, a percepção mais... Não tem nada que é do conhecimento deles que não seja viável ou possível, mesmo numa vida urbana, porque são valores importantes, né, valores de preservação, valores de solidariedade, e eles têm uma coisa importantíssima, que é questão que a gente perdeu muito, acho que, na vida moderna, na vida de consumo, que é a questão de estímulo ao outro, né? “Vai, faz!” Essa motivação que eles têm, mesmo quando tu: “Será que eu vou conseguir?” Eles dão uma fora muito grande. Eu vi um exemplo ontem aqui. Tinha uma mestra que queria cantar uma música no início de um processo, aí quem tava conduzindo disse: “Não, você faz no final. Agora não dá por isso, isso e isso, você faz no final”. Aí ela, ok. Aí, no final, ela disse: “Não, agora eu não vou fazer porque eu tô com fome...” Aí chegou a outra mestra e: “Mas, sim... Você não acredita em Deus, mulher? Então faz aí”... Quer dizer, ela deu uma força, que ela fez, contribuiu, né? E o olhar de sabedoria, que às vezes nós estamos enrolados em coisas tão besta e eles vão passando por cima disso, porque é um olhar seletivo, do que é realmente importante. E a gente tem a felicidade de ter as pessoas que agregam, né? E eu tive o privilégio também de caminhar pela regional, né? Conheci os mestres daqui, conheci os mestres de Tabatinga, conheci os mestres do Maranhão, né, da Baixada Maranhense, que é riquíssima, é, mestres do Ceará, do Piauí e eu sinto isso em todos eles. Essa coisa do acolher, é esse... Agora eu achei a palavra, é o acolher, eles acolhem, né, com muita sabedoria todo mundo.
P1- E o Aprendiz? Fala um pouco sobre quem é o Griô Aprendiz.
R- Esse... O Griô Aprendiz, ontem a gente conversava, os Griôs Aprendiz aqui: “Será que se a gente tivesse entendido, lá no edital, qual é o papel do Griô Aprendiz, será que a gente tinha topado esse desafio?” Não... Fazendo, assim, uma reflexão, que a gente faz a cada encontro e esse é o encontro da nossa regional, então esse a gente faz com mais profundidade, né? Porque é o papel que tem que encantar, tem que desenvolver todo o teu lado lúdico, de conseguir encantar, mas também tem que fazer a mediação política, né? Tem que fazer esse aprendizado, essa via de mão dupla com o mestre, essa via de mão dupla com o Ponto, né, e essa via de mão dupla com a escola, né? E ainda com o entorno, com os... Ver quem mais... Tem que ter um olhar mais amplo pra ver quem mais está por aqui que a gente pode agregar, que a gente pode fazer parcerias, né? Então, o que parece inicialmente uma tarefa pequena, como muitos dos garotos diziam ontem: “Ah, eu achei que era ser só coordenador do projeto”. Então, é um aprendizado diário e tem que tá aberto. E tem que tá aberto, é um desafio em cima de desafio, mas é muito interessante. Mas é desafiador e belo. Belo quando a gente faz com a responsabilidade que tem que fazer, né? Com a percepção, né, que o que tem de inovador nesse projeto da Ação Griô, é justamente essa questão da gestão compartilhada, né? E a gestão compartilhada não é só os Grãos fazendo com os Pontos, mas essa gestão compartilhada com a escola, né, tu vai construindo, tu vai... Eu falo sempre da sabedoria das águas, né? Que as águas, com a sua sabedoria, ela contorna os obstáculos, ela se adéqua, mas ela não perde a sua essência, né, ela continua sendo água. Então, é isso que a gente tem procurado fazer, o olhar. E aí tu tem que ser multifacetado pra ver a hora que eu tenho que fazer isso ou aquilo. E quando eu falo da importância do projeto, é também que a sociedade civil que tá dentro, fazendo o que quem tem que fazer as coisas acontecerem, o Estado tem que estar dando suporte em determinados... Ser instrumento, a parte que lhe cabe como Estado. Mas nós, como sociedade civil, fazer a nossa, de pressão e chegar, né, de sair do discurso pra ação, então a Ação Griô é a ação. O discurso a gente vai elaborando no andar. Já, claro, tem toda uma fundamentação, mas a gente vai elaborando e re-elaborando. E é uma coisa, assim, enorme, porque como é que se faz uma... A gente trabalha muito on-line, né, muito on-line com a regional, com os Pontos. Em termos de comunicação mesmo. E uma coisa importante pra mim, é inovador, é a questão do Grãos buscar pessoas que estão dentro do projeto e também estão vivendo o aprendizado, as descobertas, as angústias, as alegrias de como implantar, de como caminhar com esse projeto pra fazer a interlocução com os demais Pontos de uma determinada regional. Acho isso interessante porque tu chega de colega pra colega pra conversar, né, com os Pontos. E o grande... eu acho... Não e desafio, é a... Como é que é... A gente pode qualificar muito a Ação como uma ação extremamente sintonizada com o educador, nós como Griôs Aprendiz. O educador, num determinado momento, ele também assume o papel de aprendiz, né? Então, essa é... E a sintonia do, qual é o papel de cada um. Tem um momento que eles sem fundem, se mesclam, mas cada um também tem o seu papel, isso é fundamental.
P1- Tem mais alguma coisa, assim, que você gostaria de falar sobre a Ação Griô, sobre...
R- A importância dos encontros. Isso é fundamental, porque a gente vai, como eu digo, em todos os encontros, mas, especialmente pra nós, que temos essa dificuldade de nos ver, de falar, né, então como a gente consegue construir um grupo, né? Essa coisa que ontem à tarde a gente fez algo super importante, que foi a reflexão, refletir sobre a Ação, sobre a nossa ação. A cada um de nós, como que a gente tá fazendo dentro dos parâmetros que a gente tá, teóricos, né, que às vezes a gente fica, tu fica muito fazedor sem uma reflexão. Então, os encontros são fundamentais porque os encontros são divisores de águas, pra Ação. Isso eu não tenho a menor dúvida, em todo o sentido. E uma frase linda que eu ouvi foi da educadora do nosso Ponto, que ela disse: “Deus, eu precisava disso aqui, porque eu estou engravidando a todo momento, eu estou grávida”. E isso é uma sensação... Outra, o Chico Malta, que é um Griô daqui ________: “Gente, eu tô me encontrando aqui . Eu precisava encontrar o Chico Malta”.
Então... Fortalece. Esse é o grande colo da Ação Griô, eu acho que o colo, é o colo no sentido de proteção e de troca, né, são os encontros. E tirando isso como reflexão, a questão da gente conseguir manter essa troca, esse intercâmbio com todos. Porque quando a gente participa com outros grupos, a gente vê que as dificuldades são, elas diferem e têm suas particularidades, mas elas são as mesmas. E as conquistas também. E... Fantástica a... Sentir que tem um segmento que acredita nas mesmas coisas e que tá todo mundo trabalhando, saiu só do poético. O poético na prática. É isso...
P1- O que você achou de dar essa entrevista?
R- Legal e desafiador, porque tu tem que ficar pensando aqui na... Vocês ficam perguntando coisas que a gente não estava pensando, então tu tem que ir fluindo (riso). E fluindo e... “Será que eu esqueci de dizer algo importante? Será que eu...” Mas, bacana...