Museu da Pessoa

Seringueiro e tocador

autoria: Museu da Pessoa personagem: Silvito Malakiech Ribeiro

Projeto Memória dos Brasileiros
Depoimento de Silvito Malakieck Ribeiro
Entrevistado por Antônia Domingues e Thiago Majolo
Alter do Chão, 27/10/2007
Realização Museu da Pessoa
MB_HV068_Silvio Malakieck
Transcrito por Ana Lúcia V. Queiroz
Revisado por Paulo Ricardo Gomides Abe

P/1 – Vou pedir pro senhor repetir o nome inteiro e a data de nascimento.

R – Meu nome é Silvito Malakieck Ribeiro, nascido em 13 de julho do ano de 1922. Estou com 85 anos, já entrando pros 86.

P/1 – E o local de nascimento?

R – Local de nascimento: Nova Vista, no Tapajós. Adiante de uma vila que tem por nome Vila de ____.

P/1 – E o nome do pai e da mãe?

R – Do pai e da mãe: Belino ___ Figueiredo e Lavra da Silva Figueiredo. São casados no civil e católicos.

P/1 – E onde eles nasceram?

R – Todos lá em Nova Vista são filhos naturais de lá. Nascidos e criados naquele local.

P/1 – E os avós, também?

R – Também, só a velha mulher de meu avô é de Cuiabá. Chamavam ela de Maria Cuiabana. Ela é de Cuiabá. Agora, ele é de lá mesmo, Nova Vista. Esses antigos andavam por aí não muito tempo e existia. Não é como hoje que existe grande, pessoas logo estudadas. Naquele tempo, os pais da gente quase não se interessavam por estudo, interessavam-se mais pelo trabalho. Tinha que amanhecer e ir pro roçado, tinha que chegar a safra da castanha. Você ia pro castanhal, pra safra da borracha. Você ia pro corte de seringa. Eu fui trabalhador do corte de seringa da Segunda Guerra Mundial, começou em 1933 e foi a 1945. Eu fui um dos soldados a levar a borracha pra mandar pras Nações Unidas. E depois consegui. Logo que terminou a guerra era pra nós ficarmos recebendo os três salários. Quando foi agora há pouco tempo foi que apareceu o Felício, procurador da República, foi que veio incentivar pra gente se aposentar como soldado da borracha. Aí o juiz disse: olha, isso logo que terminou a guerra era pra vocês já estarem recebendo. Eram três salários, mas esses cabeças brancas lá tiraram o salário de vocês, até hoje eles estão comendo. Vocês só fazem dois salários, eram três salários de vocês. Esse dinheiro não é do governo estadual, nem federal, vem das Nações Unidas. Foi o que ele explicou pra gente.

P/1 – E, voltando um pouquinho, quando o senhor era criança o que o senhor lembra do lugar, como era?

R – Eu lembro de quando era criança que eu não conheci meu pai legítimo nem mãe. Quando eu me entendi, já encontrei esse tio, que eu chamo de pai, foi o responsável por mim. Então foi por isso que ele foi o responsável por mim, pela criação, por tudo que eu precisava dele. Única coisa que eu digo a vocês, que eu agradeço a ele. Me deu uma boa criação, que eu estou com 85 anos de idade, a bochecha está funda, de idade, não ___ da mão de ninguém. Porque eu soube sempre respeitar do maior ao menor, dar valor a quem merece e fazer amizade com toda pessoa que aparece comigo. Eu podendo fazer o que eu puder, eu faço. Então nunca soube na minha vida de ter inimizade, e briga. Cansava de dizer pros meus amigos, quando era rapaz de 15 anos, eu gostava de tocar violino, cavaquinho. Eu dizia, vocês tem colegas pra ir com vocês na festa, e eu tocar pra vocês dançarem, nós dançarmos. Na hora da briga vocês ficam só; porque lá eu não vou. E era assim.

P/1 – Conta um pouquinho assim pra gente como era quando o senhor era criança, o que fazia, do que brincava.

R – Quando era criança, minha filha, a gente morava no sítio, interior. Lá a gente, o trabalho da gente, mas quando estava – que eu comecei a trabalhar com a idade de dez anos. Durante os nove anos que tinha, que eu já podia fazer algum trabalho, a gente ia pro roçado, já ia aprendendo a trabalhar. Que os meus pais de criança nunca deixaram eu padecer, que naquele tempo não é como hoje. Hoje a gente diz que até que está melhor, dizem que o tempo está melhor. Mas naquele tempo a senhora só comia coisa natural. Hoje você vai e compra um frango: um quilo de frango e dois de gelo. Naquele tempo você matava uma caça, pegava um peixe, na mesma hora você ia. Hoje em dia: o frango. O frango sabe quantos meses ou anos está ali no frigorífico, sai de lá pra ele tomar um gosto. É preciso comprar isso, comprar aquilo, nunca mais ele tem o gosto que tem a galinha caipira. Porque eu sempre crio aqui, tenho pouca, mas eu tenho. E era assim, a vida da gente lá era caçar, pescar. Comia o peixe pegado na hora. A caça morta na hora. A carne de gado se diz que hoje está conservada, mas naquele tempo você comprava um quilo de carne que ainda estava tremendo. Era difícil sofrer o que a gente sofre hoje. Você come um quilo de carne é dor na barriga, é desarranjo no intestino. Naquele tempo, não. Depois que eu comecei a aprender a trabalhar com castanha, seringa, ___, resina – eu trabalhei com tudo isso –, eu nunca tomei água, eu fazia chafariz de cipó ambé, que chama. Tirava doze fios de ambé, cortava lá em cima, fazia o chafariz, que se chama. Amarrava aqui, aqui, aqui, lá na frente dobrava a ponta pra escorrer no garrafão. Dentro da boca do garrafão tinha um ralo bem fininho e algodão pro cima que era justamente pra bicho ennhum invadir a área. Então nunca soube o que foi dor na barriga. A gente sofreu depois de comer essas coisas de gelo.

P/1 – Quando o senhor começou a trabalhar?

R – Eu comecei a trabalhar com dez anos de idade.

P/1 – O que o senhor fazia?

R – Eu comecei a tomar conta do seringal. Eu trabalhava numa localidade que chamava Boa Esperança. Trabalhava em quatro estradas, duas estradas de 90 e um de 35 e outra de 80 madeiras. A de 80 madeiras e 90, dava 24 quilos de leite diário. Que eu cortava hoje uma, amanhã na outra, e até quando chegava na última e voltava pra primeira. Trabalhava fazendo borracha, defumando. Quando eu fui pra me aposentar com saudades da borracha, o cara lá no INSS: “Você sabe o que é seringa?” Eu digo: “Eu conheço. E o senhor, conhece também?” Eu conheço, eu trouxe essas apostilas, então, pra mim apostila não valeu nada. Porque eu conheço serviço de vista, eu fiz o trabalho. “Quantos cortes de seringa o senhor conhece?” “Ah, não, eu li na apostila”. “Então, o corte da seringa são uns quatro cortes de seringa ou mais: tem o corte de seringa de tigela, tem o corte de seringa de ___, com machadinho, tem o corte de seringa de risco, tem o corte de seringa dos americanos, que é de bandeja. Quem trouxe esse corte de risco de seringa pra cá, me diga quem foi? O senhor estudou pra isso. Me diga quem trouxe pro Tapajós? Isso quem trouxe pra nós foi um peruano, que ele trabalhava num sítio dos Estados Unidos que dava o nome de ___, ele trabalhava pra lá. Então lá, o leite da seringa eles tratavam aquilo, criavam a seringa com injeções, então ela não dava elástico, você espichava aqui, ela arrebentava logo. Essa nossa não, você espicha o que puder”. E era assim. “Eu disse, ah, meu amigo, você vai me desculpar”. Queria que eu levasse faca, levasse machadinho. Pra quê? Basta eu lhe explicar. Você chama as pessoas que me conhecem, e aonde eu moro, que eles conhecem a minha ficha.

P/1 – O senhor diz o corte na hora de tirar a seringa? Qual a diferença entre os cortes?

R – Você rapa a seringa com a tigela, rapa, faz só uma rapagem. Primeiro você prepara ela pra ___, você dá um golpe de machado, machadinho. Aqui, o leite escorre direto lá na tigela. O arrocho você vai, tira o palmito de ___, deixa secar pra depois fazer o arrocho. Faz a cintura na seringa, é coisa que o leite nunca fique preso ali. Ele desce direto pra ir na bica e cai na vasilha. É todo pregado com ___ do mesmo palmito. Defumar é um embrulhão feito de barro, que é assim: aquilo você faz o fogo, enche de caroço, sai aquela fumaça; quando ela está bem quente, você lava a borracha aqui, vira, tira do embrulhão, rola pra cozinhar o leite. Cozinha rápido. Só que a borracha, a seringa, se você fizer 20 quilos de borracha no outro dia você vai pesar ela não tem mais 20 quilos. Ela quebrou cinco quilos. Tem muita água no leite. Já a massaranduba, a jacubirana, a maparanjuga, se pesar lá na Colônia 30 quilos, você leva pra Santarém 30 quilos, se vai pra Belém é 30 quilos. Não quebra nunca. E esse leite da cuquirana, a gente coze ela, só que naquele tempo que ninguém tinha aparelhagem nenhuma a gente derrubava no machado, pra anelar ela todinha. Aquilo acabava duma vez.

P/1 – Cuquirana?

R – É, cuquirana é um pau que dá leite também. Serve pra muita coisa.

P/1 – Mas é um tipo de seringueira?

R – É, ela cresce, madeira grossa, com 40, 50 metros de altura. Nessa idade que eu tenho eu vi muita coisa boa e também muita coisa ruim. Fui explorador de mato durante anos. O pau rosa, vocês tem conhecimento do pau rosa? Eu trabalhei numa empresa de pau rosa, que eu fui o mateiro do pau rosa. Tirava o pau rosa pela raiz, cortava lá embaixo, tirava uns toros de quatro barras assim, pra meter no triturador saía aquilo cavado. Agora eles fervem num tanque grande, mas não ferver o cavaco com água, não. A água era lá em cima, numa ____, comparação: o tanque é isso aqui, aqui tinha uma calha dentro dele. Essa água aqui que fervia e esse cavaco soava aqui. Aqui saía o óleo que passava por uma serpentina pra ir cair dentro do ____. Um tambor de óleo – nós éramos 80 e pouco empregados, o que ganhava mais era eu que ganhava 40 cruzeiros, mil réis naquele tempo. E os outros ganhavam dez, doze. Você sabe quanto dava um tambor de óleo de pau rosa? Um milhão quinhentos e trinta e cinco mil cruzeiros. Dava pra pagar os empregados todinhos e ainda sobrava dinheiro. Quem trabalhava com isso era o Elias ___, morava em Santarém. Depois dele enriquecer, desapareceu. Não sei se foi pra Belém ou Rio, sei que desapareceu. Nunca mais falei com ele. Trabalhei muitos anos com ele.

P/1 – Pra que serve o óleo do pau rosa?

R – Olha, é um perfume que daqui pra outra rua você sente o perfume dele. Pra você tirar de lá da usina uma garrafa de óleo de pau rosa, você tinha que embalar bem ela, porque senão você era preso. Porque era proibido trazer. Agora muita gente me diz que ela em certos pontos também servia de ingrediente pra a bomba atômica.

P/1 – E ainda tem pau rosa aqui?

R – Olha, aqui nesse meio, não. Acabou. Pau rosa dava muito aí pra ___. Agora aí pra ___ é só fazenda, essas coisas. Esses grandes fazendeiros tomaram conta dessa mata toda. Mas pau rosa não tem mais. Agora pau rosa só se encontra no Amazonas, em Campinarana; pra lá se encontra muito. Um braço do amazonas.

P/1 – Quando o senhor era criança, começou a trabalhar no seringal, o que o senhor mais se lembra? Da mata? O senhor tinha medo de trabalhar sozinho?

R – Ficava bem pouco na mata, que os pais da gente naquele tempo tinham muito cuidado. Naquele tempo tinha muita cobra, surucucu que picava a gente. Então eles tinham cuidado com a gente. Como eu dizia, eu vim conhecer o trabalho pesado mesmo de dez anos em diante. Nunca conheci o que foi escritório. Agora mata, experiência na minha vida eu tenho bastante. Eu sei como trabalhar, como viver. Como eu estava dizendo pra vocês. O que teve que fazer, eu fiz quando era novo. Agora na idade que tenho pra que me meter? Vou me meter, vou só adoecer, então, dar trabalho pra família. Então, estou satisfeito; estou feliz por ter essa idade, ainda poder conversar bem. O juízo ainda está perfeito. Porque hoje em dia, pessoa que nasce hoje em dia já não tem. Se um dia ele pegar a sorte de pegar uns 60 anos está feliz.

P/1 – Quais eram as outras árvores que vocês trabalhavam? O senhor falou da resina, da castanha? Como eram esses outros trabalhos?

R – Castanha é ouriço que dá. Os castanhais, você saía da safra da borracha ia pros castanhais, que dá 300, 400 ____. Que é castanhal, não é castanheira, é castanhal. Na _____ a gente sai, pesquisa dela. Aonde tem ___ de você encontrar ela e tirar três, quatro latas de óleo, conforme a qualidade. E tem a mururé, tem várias qualidades. Porque naquele tempo ela só dava óleo solúvel. Quando ela estava a 18 mil reais o quilo, apareceu um cara, com um termômetro que metia no óleo, já era insolúvel, não era mais solúvel. Veio o outro o cara e disse: “Olha, vocês estão sendo enganados, porque não tem óleo insolúvel. Todo óleo é solúvel”. Já o solúvel eles davam o preço de dez, doze. Não tinha mais o solúvel, que dava 18 mil reais. Já diminuiu, quando o cara veio e disse que não, que era bandalheira deles.

Então o pobre sempre foi sacrificado, todo tempo da vida dele foi sacrificado.

P/1 – Como faz pra tirar o óleo da ____?

R – É furado com um trato. Tipo uma rosca, você fura até bater na trinca, que ele tem uma trinca da onde sai o óleo. Ele dá na trinca, ela estrula, ela dá aquele estrulo: triririri. Então você prepara a bica. Ela dá a bica, mete a lata. Não tira o trato direto onde está. Ela vem e escorre direto na lata. ____ que está caindo.

P/1 – Quando tira o óleo quanto tempo depois, demora pra poder tirar de novo?

R – Tira com... Quando ela é boa de óleo, você torna ela, com três meses você vai lá, você tira uma, duas latas. Se ela é boa de óleo. Então torna a tornear de novo. Durante o tempo que se lembra, você vai lá e ela já tem óleo de novo. É assim.

P/1 – E no seringal como é que se organiza isso? De tirar de uma pra depois tirar da outra?

R – Ah, isso é. Você vai cortando ela até terminar o corte, até esperar o leite pingar. Quando ele para de pingar, você vai juntando na vasilha. Leva um saco de ___ e vai vazando aquilo. Você vê se está pronto o defumador onde você vai trabalhar. Esses de agora chamam laboratório. Era o nosso laboratório, o defumador, onde estava o botijão, a bacia, tudinho. Teve um tempo que teve uma empresa, a ____, que dava o material pra gente. Dava bacia, dava ___. Dava todo o material pra gente trabalhar. Só que a nossa borracha era quase nada de preço, nunca ela subia de preço. ___ no interior o negócio é bravo. Pra você viver no interior você tem que fazer – feliz daquele que estudou e hoje está empregado – uma grande felicidade. E hoje em dia tem gente que sabe ocupar seu estudo. Eu me considero analfabeto. Eu fui entrevistado pelo cara da Suíça, do Canadá. Na festa do sairé dá muita gente de fora aqui, pessoal dos Estados Unidos. Veio aqui me entrevistar pra saber como foi pra sair essa festa de sairé. Eu digo: “Olha, quando cheguei aqui, ainda via o pessoal de primeira idade fazer essa festa, faz ____ anos”. Depois foi o tempo que os padres alemães foram embora, vieram os franciscanos e acabaram com o sairé. Depois de 40 anos se reuniram: Nazaré Sardinha, Argentino Vasconcellos de Sardinha, Luzia Lobato e Carolina Lobato. Fizeram uma reunião pra reviver o sairé. Mandaram me convidar e eu fui lá. Desde esse tempo eu fui entrosado no sairé até hoje. Eu sou um dos coordenadores do ritual da festa do sairé.

P/1 – O senhor tem contato com a música, com a festa desde criança?

R – Tenho contato. Agora eu aprendi arranhar um cavaco, um violino, olhando pros outros, nunca aprendi com ninguém. Agora essa ___ desse pessoal que veio fazer essa reunião conosco aí. Eu tenho contado pra eles, que o mais velho dessa turma aqui, que tem essas conversas, é só eu e tem uma pessoa também, a Benita. Mas ela é muito mais criança do que eu. Tem menos experiência. Ela estudava lá em Santarém, com os padres. E eu nunca tive esse estudo. Como eu vim dizendo a vocês: pro pai meu interessava mais o trabalho que o estudo. Que hoje aqui eu já pelejei com a juventude. Eu digo, eu estou esperando de vocês agora. O que eu tinha, eu morrendo, vai comigo. Eu não vou deixar pra vocês. Não tem esse saber que a gente tem na cabeça, que ___ e deixa ____. Se não é herança de terreno nada. Isso é uma coisa que você fica com isso. Se você estuda, você tem. Eu estou contando com vocês daqui pra frente. Já espero vocês, porque o que eu tinha que fazer eu já fiz. Porque se vocês não meterem a cara isso vai acabar. Daqui a alguns anos não vai ter sair mais. Vai acabar.

P/1 – Como é essa festa?

R – Essa festa do sairé é uma festa que tem um símbolo. Esse símbolo está até aqui. É a mulher que toma conta. Pra formar essa festa do sairé tem o juiz, tem a juíza, tem os mordomos, tem os procuradores, tem os alferes. E tem os foliões, que fazem a festa, que cantam as folias das imagens da Santíssima Trindade. O símbolo é composto de três cruzes, que é Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. E mostrando a fartura como era antigamente. A gente tem nos meses de junho. A gente começa os trabalhos. Já começa a tirar madeira pra fazer o barracão do sairé. Já tirou os mastros aí pras matas, tira dois mastros, das mordomas e dos mordomos. Tem a busca deles lá do mato que a gente vai. A catraia que acompanha, são cem catraieiros. Os mordomos, alferes e foliões; tudinho. E as imagens acompanham nas embarcações com a gente. A gente traz, fica ali os mastros, que a gente chama lá. No Cajueiro, que primeiro de chamar essa ponta da ___, agora eles trocaram e deram o nome de Cajueiro. Lá fica, quando deu oito dias pra começar a festa, a gente vai. Reúne os mordomos e mordomas, juízes e juízas, procuradores e o povo em geral acompanham; pra ir buscar. A gente vai cantando, fazendo aquele ritual todinho, até chegar no barracão. Lá eles arrumam em cima do banco, e tem aqui um mato que chama o ___, eles vão enfeitar, amarrar aquela murta todinha. Não tem jeito. Mordomos e mordomas. Os mordomos faziam o deles e as mordomas faziam o delas. Depois de amarrarem as frutas tudinho: laranja, banana, abacaxi. Tudo quanto é fruta vai naqueles mastros. Então vão disputar pra ver quem levanta primeiro o mastro, se é as mordomas ou os mordomos. Os homens também ajudam elas. Tem vezes que elas ganham, tem vezes que elas perdem. E no dia, começa quinta, sexta, sábado – segunda-feira é derrubada do mastro. Tem dois caras que trepam no mastro e vão jogando as frutas. Arriam a bandeira, aquele que pegar a bandeira é o juiz para o ano.

P/1 – E qual o papel do senhor na festa?

R – Eu sou um dos responsáveis da folia toda, do ritual todo. Eu é quem faço e eu tenho meus colegas que me ajudam também. Mas o principal sou eu que faço.

P/1 – Como é essa parte da folia?

R – É cantando, faz a procissão do mastro, vem. Entra no barracão, sai a ladainha, torna a sair pra fazer a procissão do mastro. Então volta, canta pra beijar a imagem, quando terminar, acaba tudo. Vão pro lago dos botos. Agora tem dois botos que pelejam aqui: o cor de rosa e o ___. Vão dançar e dia de sábado vão pra disputa. Esse ano foi o cor de rosa que ganhou: 60 pontos na frente do ___.

P/1 – Como que é a disputa?

R – Eles têm as músicas deles e tudo. É muito bonita.

P/1 – O senhor lembra de alguma música?

R – Lembro, mas não dá pra cantar, não.

P/1 – Mas é uma disputa só pela música?

R – É disputa deles mesmo. Quem dança melhor, quem faz melhor o papel. Tem um apresentador deles. Tem os itens deles, qual o que se saiu melhor, qual o que se saiu pior. É assim. Nunca o jurado é daqui, o jurado vem de Belém, vem do Rio, Roraima. Por aí. Jurado não é daqui, não. Pra não haver desconfiança.

P/1 – E além da festa o senhor tem alguma outra? ___, alguma coisa assim?

R – Eu formei aqui depois de três anos de sairé. Nós tocávamos aqui ensaiando umas brincadeiras de cordão de pássaros, trovador tupi, dança dos portugueses. Quadrilha, essas coisas, éramos nós que ensaiávamos. Depois de três anos, eu disse: “Quer saber de uma cosia? Vamos formar um conjunto de pau e corda”. Então nós formamos um conjunto de pau e corda. Que eram dois cavaquinhos, uma marimba, um pandeiro, um ___. Eram esses os nossos instrumentos. Os violinos eram feitos aqui pelo senhor chamado Tito Alves. Ele quem fazia os instrumentos aqui. Depois ele morreu, a gente já... Eu consegui uns instrumentos no tempo do ___. Ele doou os instrumentos pra nós pra cá, que eu tenho até hoje. Então formamos esse grupo de pau e corda. Faltava o nome. “Como nós vamos dar esse nome? Lembrança de sairé. Não, não fica bom também.” Mas eu me lembrei que meu pai, seu Belino, ele tocava violino, tocava cavaquinho e violão, tocava clarinete e harmônica antiga. Ele disse que o violino era o instrumento melhor que tinha. Que dentro da festa, que naquele tempo chamavam o baile, onde estavam tocando violino o demônio não entrava. Porque está fazendo cruz, chegava na porta e escorava. Eu digo: “E agora como é que fica?” O rapaz que tocava violino disse: “Então fica Espanta Cão!” Ficou, todo mundo quer saber porque é espanta cão, então a gente explica o porquê. Foi assim que nós criamos. Até hoje, eu sou coordenador deles aí.

P/1 – E o senhor toca cavaquinho?

R – Arranho cavaquinho, não toco.

P/1 – Quando o senhor começou a tocar cavaquinho?

R – Eu estava com nove anos. Foi quando comecei a tocar. Aprendi olhando pros outros. Me admirava, ia, olhava, prestava atenção nos dedos, como que eles faziam. Fui experimentar e deu certo. Quando papai deu comigo, eu estava tocando nas festas já, pro pessoal dançar. Violino.

P/1 – E tinham muitas festas?

R – Tinha. Naquele tempo, eram muitas festas que faziam. Olha, aqui mesmo em Alter do Chão quando eu cheguei, faziam a festa do divino Espírito Santo, da Santíssima Trindade, do São Tomé e Nossa Senhora Santana. Tudo isso eles festejavam aqui. E tinha a da padroeira que era a Nossa Senhora da Saúde. Tudo isso tinha aqui em Alter do Chão. E era pouca gente, eles trabalhavam mais na Colônia. Hoje em dia está pouca gente na padroeira Nossa Senhora da Saúde, porque depois que os franciscanos chegaram, você anda nessa beira aqui. Em todo povoadinho tem uma capela feita pelos franciscanos. Então aquele dinheiro que eles ganhavam pra vir antigamente aqui, o padre já leva de lá. Todo dinheiro ele... Quem que não quer uma vida desta. “Ah, porque o padre é bom!” Escuta aí, o padre, ele não é muito bom, não.

P/1 – E além de copaíba, castanha, seringueira, tinha outras atividades, assim?

R – Outros fora esse trabalho aí, era justamente a agricultura, que era o feijão, o arroz, a mandioca. Era isso. Fazia farinha, fazia o beiju. A goma que fazem hoje a gente chamava de farinha de tapioca. Fazia farinha de tapioca. Fazia o beiju de tapioca, tudo isso. Então, a mandioca dava um alimentação boa pro povo, pra gente que trabalhava. E a maior, que dava resistência era justamente o feijão, o arroz, não? Tinha gente, o Arigó, principalmente, ele tendo um pedaço de toucinho é suficiente o feijão pra ele. Não precisa nem de carne, basta um pedaço de toucinho, ele joga lá e está feito o almoço. Ele trabalha o dia inteiro sem sentir fome.

P/1 – E pra quem o senhor vendia a borracha?

R – Isso era vendido em Santarém, para aqueles grandes comerciantes que tinha lá: seu Profeta, seu Jacó ___, esse pessoal.

P/1 – E como ia até Santarém?

R – A gente ia por canoa, ninguém tinha... Naquele tempo não se falava em motor por aqui. Você embarcava cinco ou seis borrachas, saía por aqui pela beira. Onde despertava o vento lá você parava. Até parar o vento, quer dizer. Daqui à Santarém você gastava três dias pra ir à Santarém. Hoje em dia você dá tantas viagens à Santarém.

P/1 – E como eram essas viagens à Santarém?

R – Remo, tem uns remos de mão que a gente fala, faia. Tudo isso a gente usava.

P/1 – E ia parando?

R – A gente ia parando em viagem pra poder chegar em Santarém. Que daqui você ia, o vento despertava. Ficava na cururu. Do Cururru você saía, ia ficar lá na ponta de pedra; da ponta de pedra você parava no ___, ou na Maria José, de lá é que dava pra chegar em Santarém. ___ é como outros barcos grandes, não. E hoje não, tem motor já, que a gente faz viagem. Mas é mais de ônibus, hoje em dia.

P/1 – E vocês traziam alguma coisa de Santarém?

R – Trazia, fazia as compras lá. Aqui não tinha comércio, não. O gênero todo era vendido em Santarém, trazia a despesa de lá de Santarém.

P/1 – O que tinha lá pra comprar?

R – Tudo. Lá existia tudo. O comércio era grande. Até hoje é grande o comércio de Santarém. É muito avançado o comércio de Santarém. Hoje já tem vários empresários dentro de Santarém. Primeiro não tinha, não. O cara vendia, não tinha nem balcão. Era jogado pelo chão mesmo, de lá uma balancinha por cima de uma caixa. Pesava suco, café; tudo era pesado e embrulhado. Hoje não, hoje tem aqueles sacos que colocam tudo dentro. Tudo adiantou mais um pouco. Naquele tempo era sacrifício.

P/1 – E passava por aqui o regatão?

R – Passava o regatão. Naqueles batelões grandes, cheios de mercadoria, passavam. Fiavam. A gente não tinha dinheiro. Fiavam. Na outra viagem, trabalhar pra pagar. Quando ficava com a despesa, batiam lá pra trabalhar pra não ficar devendo. Era assim. A vida do interior que a gente tinha era pesada.

P/1 – O que vendia no regatão?

R – Vendia açúcar, café, sabão, querosene. Tudo era comprado assim. Quando se podia comprar um litro de querosene se estava na boa. No mais era aquela garrafa de um litro e meio. Era só o que se podia comprar. O gênero da gente era trocado por mercadoria, não é?

P/1 – O que eles mais gostavam de trocar? Qual o produto que tinha mais valor?

R – Era justamente o feijão, o jabá. Naquele tempo que se falava em jabá era o jabá, a carne grossa. E pra gente assar ele, ou fazer no feijão, tinha que cortar no meio pra dividir. Pra ver que eram bem altos aqueles ___ de carne. E era assim a alimentação da gente fora da mata, do peixe. Do comércio era isso. Aqui, naquele tempo se fazia como hoje. Naquele tempo nós tratávamos aqui como ____, o dia de trabalho da gente. Que hoje eles tratam como mutirão. Naquele tempo de primeira e segunda idade era ___. Dava 40, 50, 60 pessoas em cada roçado. Quando era ali pelas quatro horas estava pronto o roçado. Derruba e roçado. Aqui nós usávamos muito a bebida que chama tarubá, não sei se vocês já tiveram conhecimento.

P/1 – Não, o que é?

R – Nós tínhamos o tarubá. Ele, quando a gente faz aquele beiju da mandioca, assa no forno, tira de lá, põe no ___, molha ele pra desbugalhar ele todinho. Então faz uma cama de palha muito bem feita no chão, põe as folhas de banana e espalha ele ali. Com três dias você vai tirar ele está docinho, mas se você deixar passar uns dez a doze dias ele fica muito forte. Ele embebeda as pessoas. Você fica porrezinho. Só que no trabalho, quando a gente está no machado, naquele tempo quem falava em motosserra? Era só o machadão velho e brabo. _____, esses pau grossos que eles trabalhavam. Então quando era de tarde todo mundo vinha trincando de tarubá, aquele converse de grito e tal. Era uma animação pra gente. Era a tradição da gente aquele tempo de ___.

P/1 – Era mais barato comprar no regatão ou em Santarém?

R – Era a mesma coisa. O regatão vendia mais caro do que o comércio da cidade. Ele dizia que tinha a viagem, pagava o cara que vinha empurrando o batelão. Era difícil você ver um batelão com vela. Era só na vara empurrando com madeira.

P/1 – Eram sempre os mesmos?

R – E sabe quanto um cara que saía empurrando o batelão, você sabe qual era a diária dele? Eram dez tostões. Que é um real hoje. Eram dez tostões que eles ganhavam diariamente, todo dia. Por isso que eu digo: pobre sempre foi sacrificado na vida, pra ele comer ele tinha que fazer isso. Porque, senão...

P/1 – E sobre esse encontro que está tendo dos griôs?

R – Agora com os encontros, muita coisa melhorou, porque nós aqui, nós tínhamos a nossa cultura que só nós mesmos ocupávamos. Depois de um certo tempo a nossa cultura foi se acabando porque quase ninguém ligava pra ela mais. E hoje em dia com esses encontros desse pessoal, eles incentivam muito a gente. Então vamos resgatar, vamos ver se dá pra resgatar, não é? Porque a cultura é uma coisa que a gente não devia deixar acabar nunca, porque ela incentiva muitas pessoas. Porque como eu estava dizendo ontem, passeando lá na escola, aqui no colégio, eu digo: “Olha, não é porque vocês têm a oitava série que vocês estão formados. Vocês tem a oitava série, cadê a experiência de vida de vocês? Vocês têm a oitava série, você chega em casa papai já comprou a comida, mamãe já lavou sua roupa, já fez tudo, já varreu a casa. Você só faz chegar e: “Eu quero deitar na rede”. Vai embora pra rede, pra cama. Os velhos lá é que se viravam. Então você tem que por seu estudo pra aprender essas coisas também. Tem que estudar isso pra fazer. Porque de repente você não está com seus pais. Você vai pra uma casa estranha, chega lá e fala: “Eu não sei” O que você fazia na casa de seu pai e sua mãe?” “Era dormir”. Eu nunca fui chamado a atenção por ninguém. Eu cansei de trabalhar pros outros. Muito, ganhando mixaria. Mas no meu bolso nunca faltou meu tostãozinho. Porque qualquer serviço que aparecia eu estava lá. ________. Não, vou trocar ela e ___ fazer o trabalho. Era assim. Então eu ganhava muita amizade com os moradores por isso. Porque eu não me ___ de fazer qualquer serviço. Tudo pra mim era bom. Tudo era uma vida boa?

P/1 – E o senhor vai bastante na escola conversar com as crianças?

R – Eu sempre converso com eles. Ontem estive conversando lá eu com essa turma que está aí. O pessoal perguntando aí. Nós estivemos lá.

P/1 – O senhor vai à escola? Conversa com as crianças? Como é que é?

R – Começo a incentivar eles pra procurar fazer o que é preciso e o que se pode fazer. Porque você não vai criar seu filho embaixo da sua saia pra no dia da senhora não ter a vida pra sempre, você ir embora e deixar seu filho. Ele vai servir de quê? De boi pros caras, porque não sabe fazer nada. Ele tem que aprender de tudo um pouco. Ele tem que aprender a varrer, ele tem que aprender a fazer a comida dele, fazer o café dele. Ser bem mandado pelas pessoas. Respeitar do maior ao menor. É o que comigo aconteceu bastante. Eu nunca fui chamado a atenção por ninguém. Respeitei senhora de qualquer pessoa. Ele pode ser baixinho, pode ser alto. Mas é casado, vamos respeitar. Porque vamos dizer uma coisa: mulher de homem fede a defunto. De caboclo sem vergonha não. Mas de homem fede a defunto. Tem que respeitar a família dele. Então, estou com esses 85 anos de idade. Nunca fui chamado atenção por apresentação a qualquer menina que seja. Nem com mulher casada. Eu respeito bastante porque eu quando me casei; casei com confiança. Não tem negócio de eu sair, ficar mulher sozinha, dizer que ela está praticando outra coisa, não. Pouco ela sai de casa. Eu já cansei de sair de casa, passar mês tocando ___ nessas vilas pequenas. Quando chegava a vida era essa mesma. Graças a Deus. Os nossos filhos num certo tempo foram embora pra Manaus. As filhas já casaram lá. Estou esperando por janeiro uma filha que é casada com um cara que é casado na ____ de Manaus. Estou esperando uma outra também que é casada com um cara que trabalha com guindaste. Agora em janeiro eles vêm.

P/1 – Com quantos anos o senhor se casou?

R – Eu me casei com 49 anos. Fui pai de 11 filhos. Morreram dois, ficaram nove. Tem uma filha que casou e mora aqui. É a única filha que mora aqui. É aquela que passou ainda agora aqui.

P/1 – E qual o nome da sua esposa?

R – O nome da minha esposa é Maria Benvinda Pereira. O dela é ___. Aqui a maior família que teve quando eu cheguei aqui foi a família Sardinha e os Lobatos. Maior família. Tinha a família Garcia, mas era pouca. Mas era Sardinha e Lobato. Em todo canto que você entrava tinha uma Sardinha na linha.

P/1 – Como foi o convite pro senhor virar mestre griô?

R – É porque todo povo que chegavam aqui vinham entrevistar comigo e eu contar as histórias que tinha aqui, as histórias passadas. Eu tava contando pra eles que uma vez – eu faço parte da casa de convivência dos idosos também. Como todo tempo eles fazem aqueles convites. Ontem fizeram um convite que eu vinha de Santarém. Mogi dos Campos, idosos de Mogi dos Campos vindos de Santarém; de lá das ____ vinham pra cá também. Fazer o almoço aqui. E vinham os caras contar piada. Pra melhor que tivesse que tinha um prêmio. Aquele que contasse a melhor piada tinha um prêmio. Mas eu não estou sabendo o que está acontecendo. Quando foi dar a hora do almoço, tinha pouca gente pra lavar os pratos. Eu fui embora pra lá pra lavar os pratos. Aí está na hora da piada e eu não estava nem sabendo. Primeiro foi o cara de Mogi dos Campos que veio pra ganhar o prêmio. Contou a piada, mas não teve graça. Foi aquele. Entrou um de Alter do Chão, também nada. Veio um da cidade também nada. O argentino Vasconcellos de Sardinha diz: “Vou chamar o meu aqui”. Eu não estou sabendo o que era. “Silvito, eh, Silvito!” Aqui o cara diz: “Olha, estão te chamando pra lá”. O salão estava cheio de idosos. Esse cara de Mogi dos Campos: “Não, você foi chamado aqui pra contar uma mentira”. Eu digo: “Mentira, você não me conhece? Você já viu eu contar mentira pra você? Você me respeite, viu?” “Não, pra nos contar uma história”. “Mas a história que eu tenho pra contar não é muito boa: “Eu cheguei aqui em 43, quando foi um dia um colega me convidou pra dar uma caçada. Isso aqui era só mato. Daqui a pouco eu me perdi no mato. ‘E agora?’ Até que ia passando no oco de um pau. O buraco era grande. Tinha uma oncinha sentada. ‘Vou pegar essa oncinha’. Então, quando eu cheguei, ela entrou correndo pra dentro do buraco. Eu entrei atrás. Quando eu estava pra chegar perto do filho, lá vem a mãe dele de lá pra cá. Que eu quis voltar, voltei, lá vem outra aqui. E eu fiquei, digo. Elas vieram chegando, vieram chegando, vieram chegando. Nisso que vieram, me calei, não é?” O cara lá de Mogi dos Campos: “Sim, todo mundo se calou e o que aconteceu com o senhor?” Eu digo: “Elas me comeram”. (risos) Aí eu ganhei o prêmio. Parece, tem certas histórias que a gente sabe: um cara que trabalhava no Amazonas, nesse roção de juta, parou ali na ponta de pedra. Tinha um senhor por nome, esquece o nome dele. Danado pra querer enganar os outros. Ele disse, o cara que vinha do Amazonas ia pra ____ pra criar pirarucu. Estava abrindo a empresa dos americanos aí, no porto novo. Ele disse: “Você mora aqui?”. Disse: “Eu moro”. Essa mata aí, muito ____. o cara dizendo esses – já é um senhor idoso. Ele disse: “Olha, essa mata uma vez eu entrei era muito ___. Eu entrei sete horas eu varei no ___ de uma cobra, mais ou menos dessa altura. Eu vou ver aonde finda essa cobra. Fui embora. Quando deu uma hora, ela chegou. E voltou e digo: “Vou ver aqui pro rumo da beira aonde”. E andou, deu seis horas pegou a picada e veio embora, não chegou. Foi ver o tamanho da cobra e ele não chegou. Nem pra um lado nem pro outro. Aonde era cabeça nem o rabo. Então o senhor disse: “Olha, essas coisas acontecem”. Eu fui trabalhador, senhor que ia fazer um ___. Nós éramos 20 homens e no fim do roçado nós temos um pau muito grande. Nós éramos 20 homens. Cortando de machado nós gritávamos um pra outro e ninguém escutava. Todos juntos, mas ninguém escutava. Ele disse: “Mas pra que queria um cipó tão grande?”. Digo: “Pra matar essa cobra que você achou aqui!”. (risos). Era só o que podia matar porque ele não achou nem o fio, nem a cabeça. E era assim.

P/1 – E como que é ser um mestre griô?

R – É bom porque a gente que já teve esses anos de idade, que já viu muita coisa boa e muita coisa ruim, não é? Porque coisa boa é difícil você ver, mas coisa ruim você encontra. Tem pessoas que tratam bem você, tem pessoas que. “Eh, fulano, eu quero saber dele, seu João Ninguém!” Por isso é que comigo sempre acontece. Que seja criança, seja rapaz, seja menina. Eu dou valor. Seja quem for. Porque eu tenho meus filhos, eu e a mulher, eu não sei o que eles estão passando por lá. Então é isso que eu penso: “Vamos tratar bem o dos outros pra um dia encontrarem os nossos também bem”. Se eu lhe conheço, você chegou aqui. Conhece o fulano de tal? Está lá na beira, não tem pra onde ir. Vamos buscar ele; dar um agasalho pra ele aqui durante a noite. É o que eu faço. Então eu ganho muito com isso. Amizade com as pessoas.

P/1 – _____________

R – Muito bom porque incentiva cada vez mais a gente. Principalmente pegando papel, lendo, vendo como que é. É um bom incentivo que a gente tem. O encontro da gente é um encontro que procura se organizar e empregar a amizade um no outro pelos grandes encontros que a gente tem. Porque se a gente não tem comunicação com ninguém, o que a gente é? Ninguém. “Olha, eu não dou confiança pra senhora, que eu não sei quem é, e tal”. É porque que eu sou analfabeto, mas eu tenho grande comunicação com qualquer pessoa. Eu gosto de me comunicar com eles. E me sinto feliz por isso. Muito, muito feliz. Você pode chegar aqui em Alter do Chão e procurar a minha ficha. Nesse arrabalde tudinho, se alguém disser que eu fui mal, está mentindo. Nunca soube o que foi inimizade na minha vida.

P/1 – Tem alguma coisa que o senhor gostaria de dizer pra terminar?

R – Não, o que eu tinha de contar a vocês. E agradecer a boa gentileza de vocês. E pedir desculpas por não ter frases boas.

P/1 – A gente que agradece ao senhor pela gentileza de ceder a entrevista.