Projeto Memória dos Brasileiros
Depoimento de Dereck Luan Viana
Entrevistado por Thiago Majolo e Antônia Domingues
Alter do Chão, 26/10/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número MB_HV067
Transcrito por Ana Lúcia V. Queiroz
Revisado por Viviane Aguiar
Publicado em 17/03/2008
P1 – P...Continuar leitura
Projeto Memória dos Brasileiros
Depoimento de Dereck Luan Viana
Entrevistado por Thiago Majolo e Antônia Domingues
Alter do Chão, 26/10/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número MB_HV067
Transcrito por Ana Lúcia V. Queiroz
Revisado por Viviane Aguiar
Publicado em 17/03/2008
P1 – Para começar, Luan, eu queria que você dissesse o nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Dereck Luan Viana de Vasconcelos, moro em Alter do Chão, município de Santarém, no Pará, e nasci no dia 8 de maio de 1990.
P1 – Aqui mesmo?
R – Aqui mesmo.
P1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai não sei quem é. Minha mãe é Darci Viana de Vasconcelos, nasceu aqui também.
P1 – O que a sua mãe faz?
R – Minha mãe é líder comunitária. Ela já trabalha há uns seis ou sete anos com isso. Ela dá assessoria para as comunidades, as comunidades além de Alter do Chão. Participa das associações de mulheres, de bairro, de tudo quanto é associação que visa ao cooperativismo e ao bem da comunidade. Ela trabalha nisso. Então, eu devo isso a ela. O trabalho que eu desenvolvo hoje, eu devo isso à experiência dela. Ela foi minha mestra. Meu avô, minha avó. Meu avô é meio índio, minha avó já é de família mais tradicional, já de origem portuguesa. Alter do Chão tem muito isso. É o branco, o negro e o índio, é a mistura, e a minha família é isso. Meu avô é meio, é índio, ele é descendente de índio, e minha avó é descendente de português.
P1 – E qual o nome deles?
R – O nome do meu avô é Heitor Sardinha de Vasconcelos, e o nome da minha avó é Darci Viana de Vasconcelos.
P1 – Você contou que “Sardinha” é uma tradição aqui, esse nome.
R – É. “Sardinha” é porque, na época da colonização, as famílias que não eram tradicionais, as famílias que iam se formando com o entrelaçamento do europeu com o índio, eles não tinham nome. Índio não tinha nome. Então, por exemplo, às vezes, o índio saía da tribo e ia construir outra, ele não podia ficar com nome de tribo de índio. Então, eles pegavam e usavam nome de peixe, nome de árvore, nome de elementos, para poder dar um nome assim. E aí, no caso, “Sardinha de Vasconcelos”. “Sardinha” era algum descendente de indígena, que teve algum relacionamento com um português. E “Vasconcelos” é de origem portuguesa mesmo.
P1 – E você conhece a história deles, como se conheceram?
R – Não, não conheço. Qualquer dia desses, ainda vou fazer o resgate das minhas raízes. Mas o meu interesse mesmo, em estar trabalhando em resgate cultural, surgiu a partir do momento que a gente tem o conhecimento de outras pessoas, na época. Alter do Chão necessita muito do apoio das pessoas para se desenvolver. Comunidade humilde, né? E a gente precisa de ajuda, então. A ideia, o incentivo que eu tive em estar resgatando, além da minha mãe, lógico, que sempre trabalhou em movimento socal, foi quando a gente conheceu pessoas que vieram de fora, vieram para nossa comunidade e sentiram necessidade. Alter do Chão está recebendo, é um lugar de grande potencial turístico, e hoje a gente recebe gente de todo lugar. Uns vêm a somar, outros vêm a “dessomar”, outros vêm a prejudicar a comunidade, mas tem aquelas pessoas que vêm para ajudar. Foi conhecendo justamente essas pessoas que vieram para somar, que a gente conheceu, e a gente sentiu a necessidade que a gente tinha de construir, de conhecer nossa origem. A gente tinha que dar valor aos nossos mestres, porque Alter do Chão está passando por um processo de aculturamento. A gente, desde pequeno, também na escola, a gente não aprende a falar manga, caju, piquiá, andiroba. Não, a gente tem que falar morango, a gente tem que falar maçã. E é justamente, foi buscando isso, e por essas pessoas que tiveram toda uma experiência de vida. Porque, poxa, eu tenho um mestre em casa, meu avô, minha avó, meu vizinho, meu tio. Então, o trabalho já começou assim, baseado nesse incentivo que pessoas de fora vieram, e que, desde pequeno também, sempre tive. A gente sempre tem vontade de saber um pouco da nossa origem, de onde a gente veio. E Alter do Chão tem muito disso. É um potencial turístico, é um lugar que tem uma das maiores manifestações culturais do oeste paraense, que é a Festa do Sairé.
P1 – Antes de entrar nessa parte do Ponto de Cultura, Luan, eu quero saber: você mora com seus pais, sua mãe?
R – Moro com minha mãe.
P1 – E irmãos?
R – Não tenho irmão. Moramos só eu e ela, ela e eu.
P1 – Conta como é que era a sua casa? A sua infância, como é que era?
R – Eu morei, desde quando eu nasci até os meus dez anos, 12, na casa dos meus avós. Era uma casa boa, era uma casa de madeira. Porque foi assim: o meu avô, ele era indígena, ele foi ser soldado da borracha, da borracha, não, ele trabalhou na Petrobrás. Então, por exemplo, na época, a Petrobrás estava furando poços na Amazônia todinha para ver se encontrava petróleo. E meu avô era filho, ele tinha 12 irmãos, tinha que cuidar de 11 porque ele era o mais velho. Na época, numa dessas vindas, porque aí os navios eram todos a lenha, um dos meios de sobrevivência da comunidade era vender lenha. A praia, ela tinha um formato muito maior do que é hoje, tinha um formato de duna, e, na época, para um navio ancorar, era tipo duna, era fundo. E o povo vendia lenha para eles, e meu avô vendia lenha, ele trabalhava, ajudava, meu outro parente ia vender lenha, meu avô. E ele começou, o pessoal da Petrobrás veio. Conheceu tudo, se entrosou com o pessoal. Tem que sustentar os irmãos, e ele foi. Ele entrou num navio desses e foi trabalhar com eles. Ele entrou como foguista, que eles chamam, que era trabalhar com lenha, e depois ele foi subindo. Ele começou a furar os poços. Meu avô tinha uma condição de vida boa, porque ele trabalhava para a Petrobrás. E, nesse período, meu avô viajava muito com minha avó, minha mãe, viajava de lugar para lugar. Só que, antes de o meu avô se aposentar da Petrobrás, a minha avó ficou doente. Mas eles eram bem de situação, só que minha avó ficou doente, eles tinham dois filhos, três filhos, e ele tinha dinheiro num banco. Tinha Banco do Brasil, dinheiro bom no Banco do Brasil. Aí, meu avô, quase analfabeto, trabalhava na Petrobrás, mas teve… A gente morava no Maranhão na época. Ele é daqui, minha família é daqui, mas, quando meu avô começou a trabalhar, eles viajaram muito, antes de eu nascer, antes de a gente vir para cá de novo. E aí o meu avô pega, tira o dinheiro que estava no Banco do Brasil e põe no Noroeste, Sudoeste, que hoje em dia nem existe mais. E deu a crise, não sei que crise foi. Faliram os dois bancos. Todo o dinheiro da família foi junto. Minha vó, ela não gostava de papel antigo, não gostava de coisa velha, ela queimava tudo. Meu avô não tinha comprovante de passagem, extrato de conta, não tinha nada. Na época, os filhos eram pequenos, não tinham nem um conhecimento, meu avô também não tinha conhecimento, perdeu o dinheiro. Era um mar de não sei quantos mil cruzeiros. E cada filho tinha uma conta, só que perdeu. A minha avó, ela vinha de uma família tradicional, que tinha todo um requinte, toda uma tradição. Aí, de repente, ela fica pobre. Meu avô, não. Era pobre e depois ficou bem de situação. Agora, minha avó, não. Era de família tradicional, de repente ficou pobre. Ela ficou muito doente, e eles voltaram para casa. Mas, nessas viagens, meu avô construiu um bom patrimônio aqui. Ele foi a primeira pessoa de Alter do Chão a ter um barco, a ter uma casa boa, de madeira, que naquela época não tinha casa de madeira. Então, uma casa de madeira para nós era uma mansão. Fez uma casa de madeira, e tinha uma coluna com reses de gado. Ele veio pobre já para cá, tinha perdido tudo. Aí, reconstruíram a família de novo, a vida toda, os filhos tiveram que começar a trabalhar. Minha avó ficou mais doente ainda, porque tinha ficado pobre, e meu avô teve que começar a trabalhar. Então, eles começaram a vender, trocar, grande parte das áreas de Alter do Chão era dele. E praticamente deu para poder sustentar a família. Depois disso, se estabilizaram, na medida do possível, e aí estão. Depois de muito tempo, eu nasci, mas sempre moramos na casa da minha avó. Quando a gente veio, a gente sempre morou nessa casa de madeira, que já não era mais a melhor casa de Alter do Chão, porque já tinham, mas que hoje a gente pensa que é pena. Porque deu um tempo que eles pegaram e derrubaram a casa, construíram uma casa de alvenaria que não tinha nada a ver e destruíram a casa todinha. O que aconteceu com a maior parte das casas daqui. Quase a gente não vê casa de palha, que hoje a gente dá valor. Mas por que? Inspirado na cultura de outras pessoas, que a gente vê na televisão. Uma casa tem que ser de cimento, tem que ser lajotada. E, aí, a gente vai perdendo a essência.
P1 – Moravam na sua casa seu avô, você e sua mãe?
R – Não. Morávamos eu, meu avô, minha mãe. Ela, minha mãe, ela é filha e tem oito, tem sete irmãos. Então, meu avô teve oito filhos, minha mãe é a mais velha. E, na casa, primeiro moravam os oito. Aí foram casando, foram mudando de casa, e foram mudando, saindo. Porque é assim aqui, e acho que em todo lugar. Os filhos moram com o pai, e aqui não tem muito o costume de, deu 18 anos, vai para casa, não. Geralmente só vai para a casa quando casa. Às vezes, até não. Tem filho que fica morando na casa dos pais mesmo, né?
P1 – E como era a convivência com essa família na sua casa, quando você era pequeno?
R – Era bom, mas minha avó era um pouco problemática, já explicando isso. Ela nunca se acostumou. Tinha aquelas crises: “Por que a gente ficou tão pobre, tão pobre?” Devido a isso. Uma grande quantidade de terra que meu avô deu, trocou, mas a casa era humilde. Logo antes, teve um tempo em que teve crise na família de falta de comida, mas quando eu nasci não era mais assim.
P1 – E brincadeira, o que era que fazia?
R – Brincadeira, a gente sempre brincava na rua. Brincadeira na rua. Tinha brincadeira que minha avó, meu avô me ensinava, e a brincadeira nossa era brincar na rua mesmo. Sempre, às vezes de dia, às vezes de noite. Tinha o rio também, a gente brincava no rio, na praia, que aqui é bom por isso, tem grande espaço para a gente correr, brincar. E era mais ou menos assim. A gente não brincava de “pira”, “pira” aqui é “pega”. “Pira” é peixe aqui, na língua indígena. Então, tem “pira-pega”, “pira-isso”, “pira-aquilo”, mas é tudo peixe. Peixe isso, peixe aquilo, tudo peixe. “Pira-pega”, “pira-bola”, “pira-se-esconde”, tem um monte de “pira”. “Pira-alta”, tem várias piras, vários nomes assim, de brincadeira.
P1 – E essa convivência com a praia era muito intensa?
R – Era muito bom, era muito intensa. Porque a gente vivia basicamente na praia. Na época do verão, o pessoal tem costume de dormir na praia. Todo mundo vai para a praia. E eram presentes também as lendas, brincadeiras, as histórias que o pessoal contava. Porque aqui é de origem indígena. Então, por exemplo, para justificar algumas coisas que não tinham explicação ou para dar um impedimento para as pessoas, para não fazer o que queria, tinham as “visagens”, que eles chamavam. Visagem é tipo um ente, é tipo um fantasma. Só que não era fantasma, era visagem. E tinham as visagens, tinha também a história do respeito com a natureza, de pedir. Ah, vai no igarapé, então vamos pedir permissão para a mãe-d’água. Ah, vai não sei aonde, pede permissão para a mãe não sei da onde. Tinha esse respeito. E, quando a gente era pequeno, a gente seguia mesmo, né? Ah, não vai sair tal horário porque a mãe… Não vai para o rio tal hora porque a mãe-d’água, nesse horário, está não sei onde. Se tu fores, porque eles acreditavam assim. A mãe-d’água não tinha uma forma humana, ela sempre se gerava. Outra coisa que eles falam: se transformar não era se transformar igual lobisomem se transforma. Aqui, não, era “se gerar”. Se não, a mãe-d’água se gerava para tal coisa e aí não era bom. E meu avô tinha um sítio muito grande, uma área muito grande de mata mesmo e tinha uma casinha, com uma casinha de farinha.
P1 – E como era essa visagem, me conta um pouco disso.
R – Visagem. Ele sempre contava história, porque antes não tinha luz, as histórias eram muito mais presentes. Só que teve um período de racionamento de luz, faltava luz direto. E era geralmente quando estava escuro que a gente começava a contar as histórias. Tinha o arrasta-calça, tinha o padre sem cabeça, tinha a porca grande, a galinha grande, eram várias coisas assim. Tem gente que jura que viu, que vê aquilo. E aqui na comunidade é presente a lenda do boto, que era a desculpa que as moças usavam quando engravidavam, porque diziam que era o boto. Mas muita gente diz que viu boto, muitos idosos dizem que viram boto, que eles apalparam o boto. E era presente isso, que o boto se transformava em gente nas festas. Todas aquelas comunidadezinhas da Região Norte, elas sempre se originaram na beira do rio para cima. Então, na beira do rio tinha a igreja, e, em torno da igreja, é que surgia o povoado. Geralmente, do lado da igreja, tinha alguma festa, tinha algum salão de dança, e aí sempre tinha festa e o boto aparecia.
P1 – Conta mais uma dessas histórias para a gente. Fala mais uma. Conta uma que, quando você era menor, você gostava muito, dava muito medo.
R – Meu avô falava do arrasta-calça. Ninguém via o arrasta-calça. Ele passava na chuva de Alter do Chão, e parecia quando a pessoa está de short molhado, que ela vai para o rio e vem, e faz aquele barulho de calça molhada. Só que, se a pessoa olhasse para a coisa, ela não conseguia ver e ela ficava com uma dor quase insuportável. Outra coisa muito marcante na comunidade é o caminho fundo. Porque, na época, o acesso para Santarém era muito difícil. Então, o pessoal geralmente usava o rio. Duravam três dias para chegar em Santarém, dependendo do barco. Se fosse à vela, era pior ainda. Era tudo mato. Quando eles começaram a construir a estrada – porque eles sempre tinham aquela crença: “Olha, a mãe-d’água.” Quando começou a desmatar, eles tinham medo. Eles diziam que não podiam ir lá na estrada porque certa parte, logo na entrada de Alter do Chão, eles diziam que tinha um caminho fundo. Parecia que era tipo um caminho mesmo, fundo. Eles diziam que as pessoas que passassem às seis horas da tarde lá, elas iam receber surra, alguma coisa ia acontecer com elas. Que não era para elas passarem às seis horas da tarde no caminho fundo. Era sempre presente. Até hoje, quando asfaltaram a rua, quando passam naquela parte. Antes de ir para Santarém, quando está saindo da vila, tem uma parte lá que era o caminho fundo. O asfalto já não passou pelo caminho fundo, já é outro. Mas aquela crença lá, de dizer que o caminho fundo não sei o quê.
P1 – E você acompanha muito esse processo de desmatamento aqui?
R – Quando Alter do Chão foi crescendo gradualmente, antes tinha duas ruas. Isso que eu falei, né? Recebeu muito de pessoas de outra comunidade. À medida que o pessoal chegava, eles iam subindo, subindo, e eles foram desmatando. Tanto em Santarém como aqui, o desmatamento para a construção da cidade foi geralmente assim, da beira do rio para cima. Nunca ao contrário.
P1 – E escola?
R – Aqui, tinha só uma escola. Antes, meu avô contava, não tinha escola. Então, as pessoas, os pais que tinham um pouquinho de condições para dar educação para os filhos, eles tinham que ir para Santarém. Os filhos moravam lá, porque só tinha rios, e demorava muito. E geralmente ficavam no colégio de freiras. Esses colégios mais tradicionais. Ficavam lá. E aqui não tinha escola. Ah, outra coisa também que é muito forte em Alter do Chão é a presença de mulher. A força da mulher. Por exemplo, o homem, nas famílias tradicionais mesmo, ele era só para procriar e para trabalhar. Quem dava as ordens da casa era a mulher. O homem era só empregado, só para procriar. As mulheres se juntaram: “Não, nós não queremos que nossos filhos fiquem igual à gente, analfabeta, isso e aquilo.” Foram para Santarém, receberam capacitação. Quem tinha até a quarta série na época, era o ensino superior da vida. Porque praticamente todo mundo era analfabeto. Eles se formaram, se juntaram, não era um mutirão que eles faziam. Então, eles faziam limpeza. Por exemplo, limparam a praia, “vamos limpar o cemitério, vamos fazer para limpar o cemitério”. Eles conseguiram, com algumas ajudas, eles conseguiram construir uma escola. A primeira escola daqui era o Grupo Escolar Dom Macedo Costa. Foi a própria comunidade que construiu, e eram as próprias mães que davam aula. Eu cheguei a estudar lá, mas já com a atuação municipal, já com a gestão pública, do município. E, depois, já recente, há 20 anos, eles construíram a escola que hoje é a única. Porque só tem uma escola de ensino fundamental, que pega educação infantil de primeira à oitava série. Educação infantil chegou agora há pouco tempo. Antes, a criança entrava na primeira série direto. Mas só eu ainda estudei um tempo em Santarém, de educação infantil foi lá. A gente tinha que se deslocar para lá.
P1 – Como era isso?
R – Tinha uma linha de ônibus, e a gente ia e voltava todo dia. Ia à escola e voltava. Estudava e voltava. E hoje eu faço isso também. Eu estudo lá em Santarém. Faço o ensino médio lá. Naquela época, construíram a outra escola, e o pessoal já foi se desenvolvendo um pouquinho mais. Os professores já tinham magistério, já podiam dar aula. Aí foi fortalecendo a escola. E eles fizeram um anexo agora. São duas escolas diferentes, a de Sousa Pedroso, que foi criada pelo município, e a Dom Macedo Costa, que foi criada pela comunidade. Só que elas funcionam com a mesma gestão, só em uma escola. E funciona o ensino médio em anexo. Só que é complicado o ensino médio em anexo, porque não são os professores daqui. Então, geralmente é o pessoal que dá aula em Santarém o dia todo, vem cansado, falta muito. E, por conta disso, muita gente tem que ir para Santarém, que é outro município. São 32 quilômetros daqui para lá. Para estudar lá. E o que eu faço? Eu vou e volto todo dia. Estou trabalhando pela parte da manhã. De tarde, vou para a escola e, de noite, fico no cursinho. Só venho para cá meia-noite. Aí, acordo outro dia cedo. E muita gente faz isso.
P1 – Os seus amigos da época de infância, todos faziam isso ou eram lá de Santarém?
R – Tem muita gente que não teve a sorte igual à gente, de ter os pais com um pouquinho de condições, pelo menos. Mas, logo que a gente começou a estudar, já tinha uma escolinha aqui. Só que fica assim: o ensino fundamental daqui é bom, porque são os professores daqui. Professor só pode dar aula se tiver ensino superior. Então, a escola de Sousa Pedroso é uma das únicas municipais que têm todo o quadro de professores formados com ensino superior. A escola, ultimamente, foi reconhecida como uma escola indígena. Então, aqui a comunidade está brigando para conseguir demarcar a área indígena. E muitos não tinham a sorte que a gente teve. E então muitos ficavam por aqui mesmo. Ou, então, uns paravam na quarta série, outros paravam na oitava. Porque, antes, tinha magistério aqui. Antes da escola, o ensino médio que tinha era magistério.
P1 – Você gostava da escola? De ir para lá?
R – Gostava. Só que já tinha influência do município. É aquele negócio, a gente recebia uns livros que não tinham nada a ver com a nossa realidade. E, por isso, desde cedo, a gente é acostumado não ter livro da nossa realidade.
P1 – Quais são as festas daqui?
R – A maior manifestação folclórica de Alter do Chão, do oeste paraense, na verdade, é o Sairé. Sairé é uma festa que tem mais de 300 anos de história em Alter do Chão. A cultura de Alter do Chão é muito rica. Porque ela tem a maior manifestação folclórica do oeste do Pará, e essa manifestação já tem mais de 300 anos. Então, o que era o Sairé? O Sairé é o nome de um semicírculo que tem três cruzes interiores e uma cruz exterior. Esse semicírculo era um instrumento de catequização usado pelos portugueses com os índios. Na mesma época de que eu estava falando para vocês, que eles estavam embrenhando viagem no Baixo Amazonas e dando o nome das aldeias e cidades de Portugal às vilas e aldeias que existiam aqui, eles usaram o símbolo do Sairé para catequizar os índios. Então, tinha todo um significado. O arco significava a arca de Noé, era uma adaptação do dilúvio. O arco era a arca de Noé, as três cruzes interiores eram as três pessoas da santíssima trindade, a cruz exterior era o Deus único, Deus todo poderoso, as fitas eram as cores do arco-íris, as frutas. Porque, na época em que eles faziam as festas, tinham os mastros, os paus enfeitados com um certo tipo de vegetal daqui, tipo uma vassourinha, que eles chamam, e com frutas. Aquilo representava a fartura existente na arca, é todo um processo, todo um significado luso, português. Foi um instrumento mesmo de catequização do índio, e acredita-se que Alter do Chão foi o berço do Sairé. Aqui que deu certo. A comunidade aceitou como seu, e, na época, o símbolo do Sairé era um escudo, significava a lança dos cavaleiros portugueses. Então, o próprio símbolo é um escudo. Ele era feito em homenagem a dois santos, Nossa Senhora da Saúde, que é padroeira de Alter do Chão, e São José. Então, tinha o período de cinco dias. Ah, e outra coisa também, que representa a comunidade: os idosos sempre cantam ladainhas em latim. Eles cantam, e tem um que é o mestre. Um dia desses, ontem, ele estava contando uma história, umas músicas. É praticamente um choro, alguma coisa assim, folias, que eles chamam, e que tem todo… Por exemplo, a gente cantando assim, a gente está acostumado a ouvir, desde pequeno a gente ouve. Agora, a gente analisando a letra, a gente vê que é tudo em português. É a Virgem Maria, é o menino Jesus, é não sei o quê. Então, o Sairé era realizado assim antes. Depois que, com a vinda dos portugueses, toda a comunidade começou a fazer todo ano a festa do Sairé, geralmente na festa da santa. O maior patrimônio antigo que a gente tem é a igreja. Ela tem mais de 100 anos, foi construída pela comunidade, demorou 21 anos para ficar pronta. Na época, o Sairé entrava na igreja, porque foi um instrumento usado pelos jesuítas para catequizar os índios. Só que, aí, o que aconteceu? Eles faziam duas festas. O Sairé não podia estar junto com as imagens, então, eles faziam dois barracões. Um para o Sairé, mesmo ele sendo em homenagem a um santo, um para o Sairé, e outra para as imagens. Então, tinha o barracão da santa e o barracão do Sairé. Só que, na época, chegou outro, porque na época eram os padres franciscanos, depois mudou para padre alemão ou alguma coisa assim, a igreja já com o objetivo econômico. A comunidade fazia junto as duas festas, dois barracões ao mesmo tempo. Com a chegada desses outros padres, funcionava assim: no Sairé, a comunidade fazia tudo, era de graça; na festa santa, tudo era pago. Então, para onde as pessoas vão? Para a festa da santa, que tudo é pago, ou para a festa do Sairé, que era tudo de graça? Porque era ao mesmo tempo, eram na mesma época. E a comunidade era bem pequena na época. E começaram a dar prejuízo para a festa da santa, que não tinha condição de conseguir donativo. Aí, os padres proibiram o Sairé. Isso em 1900 e alguma coisa. Ele passou 30 anos adormecido, 30 anos parado, depois de 300 anos de história. Isso baseado nos escritos que tem. A gente vai nos escritores regionais, locais, o Câmara Cascudo, ele também faz um apanhado da festa do Sairé, no dicionário tem. E, 30 anos, ele ficou parado. E aí ele voltou em 1973, já com os idosos, que eram jovens na época, que são os mestres agora. Eles que revitalizaram o Sairé. Baseado nisso, na coleta de informações com os idosos, eles reviveram o Sairé. Só que, aí, ele já não tinha um cunho tão religioso como antes. Ele tinha um cunho mais folclórico, e continuam as ladainhas, os mesmos significados. Por exemplo, na festa do Sairé tem toda uma hierarquia, também baseada na tradição portuguesa. No Sairé, tem a Saraipora, que é a mulher que conduz o escudo, que tem registro, que, na verdade, antes era uma índia. Dentro da festa, tem toda uma hierarquia. Tem o juiz, a juíza, os mordomos, as “mordomas”, o capitão, tem vários personagens. Tem os rufadores de caixa, os foliões. Durante a festa é toda uma hierarquia, cada pessoa tem uma função. A festa, hoje, são cinco dias. De 1973 até 1997, o Sairé era realizado da seguinte forma: tinha a ladainha, que ainda tinha um cunho religioso, e a comunidade fortaleceu muito os grupos folclóricos. Como o Sairé era praticamente um Carnaval, um evento grande, igual aos outros centros, as comunidades, elas vinham para a festa, traziam, vinha gente de barco. Cada comunidade trazia um grupo de dança. Eram presentes grupos de pássaros, grupos de cordões, eram folguedos populares que eles chamavam. Tinham os cordões de pássaro, tinham várias danças. Tinham danças indígenas também, e isso foi de 1973 até 1997. Em 1997, com mudança de governo, e já com um turismo bem acelerado, o que aconteceu em Alter do Chão foi isso: era uma comunidadezinha que tinha uma festa tradicional de tantos anos que, com a chegada do pessoal que veio, essa festa virou uma coisa muito econômica, muito comercial, e eles expandiam muito o turismo, e a comunidade não estava preparada. Aconteceu que Alter do Chão cresceu muito. “Vamos todo mundo para Alter do Chão, vamos fazer isso.” O Sairé cresceu, a festa, mas acabou um pouco com a essência da comunidade, porque ela não estava preparada para receber o turismo ainda. E deixa eu ver o que mais. Em 1997, mudança de governo para dar enfoque maior à festa. Não, vamos mudar aqui. Antes, o Sairé era realizado aqui na praça, e vamos mudar para outro lugar. Vamos construir um espaço próprio, inspirado no boi de Parintins e no Carnaval. Vamos criar duas agremiações folclóricas, que vão dar uma visibilidade melhor para a festa. Vamos enfraquecer um pouco os grupos folclóricos, vamos jogar eles para a quinta-feira do Sairé, e vamos dar enfoque mais à disputa dos botos. Porque não foi invenção. A lenda do boto era presente na comunidade, mas na forma que eles criaram foi cópia, né? Do boi de Parintins e do Carnaval. E os grupos folclóricos foram totalmente enfraquecidos. A comunidade admirada com aquilo que era novo, e, em 1997, deu o maior salto. Ah, outra coisa também. Para dar um enfoque melhor à festa do Sairé, vamos mudar a grafia, que era certa. Desde que eles revitalizaram em 1973, o Sairé era escrito com “s”. Não, vamos dar um enfoque melhor à festa, vamos botar o Sairé com “ç”. Não tem nenhuma palavra com “ç”, então eles mudaram. Sairé em 1997 foi, toda a gente, o prefeito, o Sairé foi com “ç”. Então, deu muita gente, né? Provocou, sim, uma certa revolta na comunidade. Poxa, todo mundo fazia com “s”, e agora mudou para “ç”. A comunidade adotou e, quando foi agora, na gestão dessa nova prefeitura, mudou de novo, porque “ç” era do outro governo, então vamos mudar para “s” de novo. De novo, pela mudança, deu aquele negócio na comunidade, mas que, para mim, é o certo o Sairé com “s”. Porque era escrito assim, os antigos escreviam assim.
P1 – E qual a época? A época em que acontece.
R – O Sairé acontece hoje em setembro. Antes, ele acontecia em janeiro, e depois mudou. E agora é setembro. É a segunda quinzena de setembro. Começa quinta-feira e vai até a terça-feira. Só que a parte religiosa está bem esquecida. Quase não tem. Tem, mas são os idosos que estão morrendo, são os estudiosos que estão vindo fazer a cobertura do Sairé religioso, que têm toda aquela essência, que são velhinhos que cantam em latim, que tocam violino. Ah, tem essa parte também. A música em Alter do Chão sempre foi presente. Eles criaram em 1973, por aí, 1961, um grupo que se chama Espanta Cão. Então, são todos os idosos autodidatas que tocam violino, banjo, cavaquinho. Ninguém sabe onde eles aprenderam a tocar violino e de onde veio, né? Mas eles sabem tocar. Músico de ouvido que chama. E eles faziam toda a cobertura das festas. E eles acompanhavam a ladainha. Por exemplo, hoje, para o Sairé, que tem dois Sairés agora, é a mesma festa, o Sairé religioso e o Sairé profano – profano é de botos. Os grupos foram “desfortalecidos”, são poucos grupos que se apresentam hoje. Só que Alter do Chão tem uma rica cultura baseada em registros, por exemplo, danças tradicionalíssimas que eram dançadas antes que não são, mas a comunidade dançava para cumprir uma tradição, não tinha esse comercial. Hoje, para a gente fazer um grupo de dança, para a gente desenvolver uma atividade, tem que ter recurso para pagar roupa, tem que ter recurso para transporte, tem que ter recurso para isso, é tudo recurso agora. E antes não era. Então, quebrou muito. Hoje o boto é bonito, são duas: tem o boto ¬¬¬¬¬¬¬¬¬tucuxi e o cor-de-rosa. Mas eles gastam. Em relação ao boi de Parintins não gastam muito, é mínimo, uma mixaria. Mas, para a comunidade, é muito. Deve ser o quê? É 100 mil para cada boto, mas que não fica nada para a comunidade. Fazem aquelas alegorias, o dinheiro vai e volta, não fica. E a própria comunidade fica. Porque a própria comunidade ainda tem aquela coisa pequena, aquela coisa assim, são algumas pessoas da comunidade que têm. A gente sempre conversa que a grande dificuldade é que a comunidade, com o passar do tempo, foi perdendo a essência de comunidade, de todo mundo se ajudar, de todo mundo fazer mutirão de limpeza. Antes, o artesanato também era muito presente aqui na comunidade. O pessoal não tinha loja de artesanato, eles faziam, as casas produziam artesanato, as pessoas produziam artesanato. Aí, por exemplo, a família tal produz colher de pau, a família tal produz isso, família tal produz aquilo e aquilo. Era assim que eles viviam, né? E a agricultura também presente. E, com o passar do tempo, foi chegando, e está todo mundo dividido agora. E, hoje, a grande dificuldade de a gente desenvolver um trabalho também de resgate cultural, ou de outra coisa, é a disputa de poder que tem na comunidade. É eu querer ser melhor do que o outro. Já é uma disputa que, de certa forma, a gente aprende na escola. A gente não está mais para dividir, a gente está lá para ser o melhor, para competir com o colega, essa competição que há. A comunidade pegou muito isso, perdeu. Hoje, para desenvolver uma atividade, por mais que seja boa, tem esse problema de ter um interesse. Tudo tem alguma coisa por trás, nada vem de graça. A comunidade adquiriu uma coisa ruim, ela passou de comunidade para uma coisa de desconfiar. Tudo hoje tem que ter dinheiro, é mais ou menos assim. Tudo gera dinheiro, tudo dá lucro. Só voltando um pouquinho à música, que eu disse que era presente na comunidade. Em 1918, foi criada a primeira banda aqui de Alter do Chão. Comunidade pobre, pobre, pobre, construíram uma banda de sopro. Em 1918, a comunidade, porque a comunidade era muito unida, um dos vestígios disso que sobrou é que hoje tem várias associações na comunidade. Então, naquela época, existia assistência de alguns órgãos, tinha isso, tinha aquilo, e a comunidade foi fazendo associações que funcionavam na época. Tinha isso, tinha aquilo. Eram muito presentes as associações com a comunidade. Alter do Chão é uma comunidade que tem cinco mil habitantes, sendo que tem uma grande parte de fora. E, antes disso, quando a comunidade tinha um piso de três mil, até menos, ela já tinha 30 associações. Tudo se associava: barqueiro, doceiro, artesão. E, aí, são várias associações, mas que hoje não funcionam mais. Todo mundo independente, todo mundo briga e não dá mais certo. E, na época, em 1918, eles conseguiram formar a primeira banda. Um professor de fora, com uma mulher, que o Márcio estava contando da mulher que vendia as coisas, no regatão, ela conseguiu construir uma banda, naquela época. Conseguiram, em 1961, construir um conjunto que tocava violino. A comunidade tinha várias conquistas, muitas conquistas, e hoje para tudo a gente depende um pouco de fora. Parece que Alter do Chão ganhou uma dependência, ela não é mais independente igual antes. Não, vamos fazer tal coisa, vamos fazer, todo mundo pegava e sentava. Hoje, não, precisa de outra pessoa, precisa pedir. Ah, outra coisa de tradição da comunidade é que Alter do Chão comemora aniversário em 6 de março, ela foi fundada em 6 de março de 1757
pelos portugueses. Primeiro, já tinham vindo, mas ela é elevada a categoria de vila em 1757, 6 de março. Deve ter uns 249 ou 250 anos, por aí. Eles sempre faziam uma festa da comunidade, que tinha um tradicional futebol, torneio de futebol, todas as comunidades ribeirinhas vinham para participar desse torneio. Era um dia de festa na comunidade. E eles faziam um bolo, era o bolo da vida, que eles chamam, um bolo de 40 metros, 45 metros. É um bolo que dá praticamente a praça toda e que todo mundo comia. Todo mundo fazia, todo mundo comia. As mulheres passavam uma semana fazendo o bolo, e, quando era o dia da festa, o bolo estava pronto. Era um bolo de 45 metros. O pessoal conseguia doação de bebida, o resto, e sempre faziam isso na comunidade. Só que, algum tempo atrás, a produção desse bolo ficou um pouco fragmentada, porque aquele negócio: “Ah, eu não vou dar tantos quilos de trigo, não vou comer tudo” “Eu não vou dar tantos quilos de açúcar se eu só como um pedaço, fulano de tal, a família é maior.” Começou a aparecer tudo isso na comunidade. Hoje, a comunidade tem cinco mil habitantes, ela não consegue mais fazer um bolo de 45 metros, e antes conseguia, né? Já inventaram um negócio, tem churrasco agora, mas mesmo assim.
P1 – E, falando em comida, quais eram as comidas na sua infância? O que se comia muito aqui?
R – Então, aqui era presente. Porque, antes da chegada do turismo, a comunidade tinha que viver de alguma forma, né? O artesanato era produzido mais para utilidade, porque não tinha ninguém para comprar, não tinha gente na vila, e eles nem pensavam nisso aí. Eles trabalhavam muito com agricultura. Comunidade trabalhava de agricultura, aquilo que eu estava falando. Tinha muita fartura de peixe. Então, o pessoal não pescava muito, eles pescavam o que iam comer, como se a pessoa viesse aí no rio e escolhesse: “Ah, vou comer qual peixe?” Era mais ou menos assim. Pegava um peixe na época da seca. Essa praia não tinha só esse tantinho de árvores, ela era tipo mata fechada, e a duna não tinha barraca, não tinha nada. E eles pegavam muito peixe. Eles caçavam também, e eles viviam assim, mais de agricultura. Todo mundo, tudo produzido, eles consumiam. Era agricultura de subsistência, tudo que eles plantavam, eles comiam, pescavam, caçavam. E tinha uma bebida também, que eles chamam, de origem indígena, que é o tarubá. Na época, não tinha bebida alcoólica. Então, para eles ficarem um pouquinho exaltados, alegres, eles faziam o tarubá. Tarubá, ele é feito da massa da mandioca. Eles pegam, para fazer a farinha que a gente conhece, eles pegam, amassam. É assim: metade da massa, uma massa serve para fazer a farinha, e o resto, tipo uma papa que sobra. É porque eles fazem farinha, uma parte da mandioca vai para fazer a farinha, o resto, que a gente conhece, o líquido que fica é o tucupi. E o que fica dentro do tipiti, que é um negócio de palha trançada, tem um formato tubular, ele é um pouco comprido, e eles comprimem aquilo para escorrer o tucupi. E eu não sei se eles dividem alguma coisa. Eles pegam a massa que sobra e botam para fermentar. Eles fazem a cama, que é com uns pauzinhos assim, enrolados com um vegetal que parece um fio, um barbante, mas não é barbante. Eles pegam para fazer a cama, ou com folha de bananeira ou com folha de açaizeiro, alguma coisa assim. Eles fazem a cama e botam aquilo no sol quente. Aquilo fica um dia, dois dias, três dias. Aí tem dois tipos. Aquilo fica fermentando, fermenta por dois dias, três dias, depois eles tiram. Ele adquire um teor alcoólico, um teor muito forte. A pessoa fica embriagada. Ela fica assim uma coisa leitosa, fica com uma textura cremosa. Ele embebeda as pessoas, mas, mesmo assim, tem o tarubá com cachaça e o sem cachaça. Pense no tarubá com cachaça? E eles tomam. Tinha o tarubá e tinha outros sucos, uns sucos de frutas eles ainda fazem.
P1 – Mas você comia o quê, quando pequeno e ainda hoje?
R – A gente comia peixe, né?
P1 – Quais peixes?
R – Tinha pacu, aracu, tucunaré, tinha mapará, tinha o acari, que é o cascudinho, né? Meu avô caçava muito às vezes também. Tinha tatu, paca, o porquinho-do-mato, tudo isso. Mas eles não matavam muito, era só para comer mesmo. Mas, quando eu vivia, já eram raras vezes. Ah, vamos comer carne, já era carne do açougue.
P1 – A figura do regatão, que é muito famosa aqui na região, para cá e para a Amazônia, como ela é vista aqui? Porque há controvérsias, às vezes, né? Uns falam que é um traficante, ou que pode ser só um comerciante dos rios. Existe ainda?
R – Hoje, não. Existe nas comunidades do outro lado. É porque é assim. Era muito longe de Santarém para cá, quando não tinha estrada. Então, tinham dois tipos de comércio: o comércio daqui, que o pessoal produzia aqui e ia levar de barco para vender em Santarém, e os produtos que não tinham aqui, na comunidade, eram geralmente esses, os comercializados. Geralmente, esses barcos iam de comunidade em comunidade, trocando mercadoria, por exemplo: tal comunidade está precisando de arroz, tal comunidade está precisando de farinha. Era assim, iam fazendo essa troca.
P1 – E me fala uma coisa: como é que você adquiriu esse conhecimento da história, da cultura local? Foi de ouvir, foi de ler?
R – Estava falando que a gente teve um primeiro contato com pessoas de fora e, aí, a comunidade – comunidade que eu digo é sempre a tradicional, são poucas famílias. Quando chega uma pessoa de fora, essa pessoa sempre quer saber quem é. “Quem é que está aí, quem é que está não sei o quê?” E esse conhecimento foi sempre a curiosidade de saber as origens, mas já incentivado por esse tipo de pessoa que veio de fora, que incentivaram. “Como é a história da comunidade de vocês?” “Como isso, como aquilo?” Outra coisa também que incentivou foi o turismo. O turismo é muito grande.
P1 – Queria perguntar qual o nome do Ponto de Cultura em que você trabalha, e qual a história dele, como começou, por que começou, me conta um pouco.
R – Então, o Ponto de Cultura. Primeiro, surgiu a criação da ONG (Organização Não Governamental). Foi em 2001. Três casais vindos de São Paulo escolheram Alter do Chão para morar ou vieram transferidos, umas pessoas trabalhavam no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), outros no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Porque é isso. Alter do Chão recebe um grande número de pessoas, pessoas que vêm a somar e outras que não. Ainda bem que essas pessoas vieram a somar, começaram a desenvolver atividades pequenas na comunidade. Antes, Alter do Chão não tinha educação infantil. Então, a criança entrava na primeira série direto, e eles viram uma necessidade. Por exemplo, a prefeitura, a gestão municipal, que aqui é um distrito, a gente recebe todo do município. Eles não estavam muito preocupados com a educação infantil aqui, e não tinha. E um dos objetivos do surgimento do Vila Viva, que é a ONG responsável, foi a criação justamente do CNPJ para que a escola, a educação infantil fosse feita. Um desses casais, ela era bióloga, mas ela tem uma grande experiência com educação infantil. Então, vendo que na comunidade não tinha, ela teve a ideia de começar uma escola comunitária de educação infantil. Pegou umas duas pessoas da comunidade que aceitaram a proposta, que se sentiram intimadas a fazer parte, ver se uma ideia de educação infantil, uma atividade de educação infantil, poderia dar certo. Então, o centro foi criado justamente para ver se eles conseguiam algum tipo de recurso para iniciar as atividades de educação infantil. Na época, Vila Viva, escolinha, o Cajueiro, que eles chamavam. Cajueiro por causa do caju, que, do lugar onde eles estavam tinha muito caju. Então, era cajueiro. Eles conseguiram fazer uma turma de dez criancinhas, mas com toda uma pedagogia diferente, toda uma ideia nova, quer dizer, nova para a gente, não tanto para ela, que já estava acostumada a trabalhar com educação infantil. E, nessa época, a gente trabalhava na escola, só que, na época, já nessa época, a gente sempre foi acostumado justamente a criticar os outros antes de saber por quê, entender. Por exemplo: “Ah, é uma ONG.” A gente ouvia na televisão, a gente ouvia sempre aqui na comunidade: “ONG é uma coisa ruim, é um bicho de sete cabeças, recebe dinheiro norte-americano, que eles vão querer roubar a Amazônia.” É essa a visão que o povo da Amazônia tem em parte de ONG. Desde criança, desde pequeno, a gente era acostumado a ver isso de ONG. Então, a nossa relação com Vila Viva não era muito amável na época. Porque: “Ah, o pessoal de fora, eles não vão fazer isso de graça, eles querem ganhar alguma coisa.” Não queríamos saber de nada, só queríamos criticar. E, na época, a gente já era pequeno. Então, começaram a desenvolver as atividades desde 2001, a gente estudava ainda, e o Vaga-Lume, que é uma associação… Aí está. O Vila Viva foi desenvolvendo a escolinha, passou de uma casa emprestada para um lugar próprio, com maior número de professores, maior número de alunos. Eles criaram um sistema onde pessoas de fora, eles adotam pessoas para estudar aqui. Então, por exemplo, você adota uma criança para estudar durante um ano, e os pais que têm um pouco mais de condição, eles pagam meia bolsa. Na época, eram 30 reais que eles pagavam. Tem os alunos bolsistas, 50% da escola é alunos de bolsistas, e 50% é meia bolsa, que eles pagavam. Seria uma escola comunitária, por exemplo, tem uma atividade, são os pais que vão fazer. Então, é uma escola comunitária porque são os pais que gerem, são os pais que gerenciam. Aí, eles criaram a escolinha, e, nisso, o Vila Viva estava com uma ideia de construir. O Vila Viva começou a desenvolver as atividades com um pouco mais de experiência, já tinha lugar próprio, as escolas já tinham um número maior de alunos, e trabalhando com a educação infantil. Já tinha sido também implantada a educação infantil na escola pública, mas, mesmo com a escola municipal com a educação infantil, muitos alunos preferiam estudar lá, porque eles tinham essa preocupação ambiental. Desde criança, a pessoa, o jovem, a criança ter consciência de que é importante preservar isso, aquilo, e eles sempre desenvolviam vários projetinhos, projetinho de arborização, projetinho disso. Na própria escola, tem merenda escolar, mas também tem aquele negócio de eu levar lancheira. Só que, aí, eu levava lancheira, mas tinha um colega que não tinha condição de levar lancheira. Justamente para evitar isso que o Cajueiro, que era a escolinha, não: a merenda é de todo mundo igual, bolsistas e não bolsistas, a merenda é igual, suco de fruta, suco natural, sempre sem açúcar, mas só com produtos mesmo daqui. E, na própria escola, um monte de caju se estragando ali na escola, e a merenda é suco de morango empacotado, que é o município que compra. E lá, não. Já tinha mais essa preocupação da escola. A escola aqui, o Cajueiro lá. Porque, aí, a gente quase não conhecia o Vila Viva, era o Cajueiro, que Cajueiro é o nome da escolinha. E desenvolvemos, e, quando foi na oitava série, a escola municipal tinha recebido uma biblioteca Vaga-Lume. Vocês conhecem, né? Vaga-Lume, das meninas. Elas instalaram uma biblioteca aqui, e o Vila Viva estava com uma ideia de construir uma biblioteca comunitária, porque a biblioteca da escola era mais restrita a alunos. Uma biblioteca comunitária com mais livros, com um pouco mais de conhecimento para a comunidade, que não tinha antes. E, na época, elas vieram, as vaga-lumes vieram, deram uma capacitação, a gente foi participar como aluno, e como o Vila Viva tinha ideia de construir uma biblioteca, eles foram convidados também. E o Viva Vila veio. O primeiro contato que a gente teve com o Vila Viva foi esse, nessa capacitação com as Vaga-Lumes, porque, aí, a gente ficou sabendo da proposta de eles estarem criando uma biblioteca. A Vaga-Lume trouxe mil livros para a escola municipal, além dos que já tinha, e mil livros escolhidos a dedo para a biblioteca comunitária, que não tinha nome na época. Mas livros bons, livros bons de antropologia, tinham vários livros bons mesmo. E o Vila Viva tinha a ideia, tinha mil livros, e na época eram só pessoas de fora que participavam do Vila Viva, porque sempre tinham essas dificuldades de estar trabalhando com a comunidade. Tinha uma boa relação com os pais dos alunos, mas ainda tinha essa resistência. Ainda tinha essa resistência com a comunidade. A gente fez a capacitação junto, aí a ideia delas era que fosse construído um grupo gestor de dez pessoas, que foi escolhido em assembleia geral da comunidade, onde seriam eleitas dez pessoas para, por exemplo, recebemos doação de mil livros, 500 para a escola, 500 para a biblioteca comunitária. Então, era metade, metade. Era um grupo gestor, na verdade, e a gente foi escolhido para participar como aluno, eu e a minha colega. A gente foi convidado para participar, como aluno da escola, do grupo gestor. Fizemos a capacitação, e a gente foi entrando em contato com o Vila Viva. E eram dez pessoas, eram cinco pessoas da escola e cinco, não, eram seis pessoas da escola, que tinha mais dois alunos, e quatro pessoas do Vila Viva. A gente começou a fazer as reuniões. No começo, tudo legal, fizemos uma campanha de arrecadação de livro no Sairé, onde o lema era “Não deixe lixo, deixe um livro”. A gente conseguiu umas doações também e a gente fazia reunião. Toda semana tinha reunião. Não, era de quinze em quinze dias tinha reunião, uma reunião na escola e uma não era no ponto ainda, no Cajueiro, e a gente fazia reunião. Só que a escola começou a se desestimular. Tinha reunião que a gente fazia dentro da escola e que não aparecia um professor. E a gente, poxa, a gente vai receber uma biblioteca comunitária, tudo isso, aquilo. O que a gente faz? Nossos mestres estão desistindo, os professores não estão nem aí. O que a gente faz? A gente encara, a gente acredita na ideia de um povo de fora que, desde cedo, a gente é acostumado a dizer que eles só estão aí para aproveitar, para ganhar na comunidade, ou então a gente vai em frente e fica com a escola e pronto? A gente resolveu aceitar o desafio de tentar construir junto à biblioteca comunitária. A escola foi desistindo, desistindo, teve um momento em que desistiu. A gente não tinha mais interferência na escola. E foi um processo. Eu já estava na oitava série. Então, uma coisa ruim, uma coisa negativa que acontece aqui na comunidade é assim: parece que, quando a pessoa acaba a oitava série, quando ela vai fazer o primeiro ano, parece que ela nunca fez parte da escola, ainda mais a gente que, por necessidade, tinha que ir para Santarém. Mas a gente ia e voltava todo dia, mas mesmo assim a gente era comunitário. E a gente, logo no final da minha oitava série, a gente foi chegando para o Vila Viva e a gente acreditou no trabalho, viu que não era bem assim. Lá, todo mundo trabalhava junto, tinha gente de todo lugar, e que era sadio aquilo, que a gente estava trabalhando junto e que estava tendo um desenvolvimento muito bom e que aquilo era um trabalho bom para a comunidade. E aí pronto. Começamos a fazer, a gente fazia mediação de leitura, o Vila Viva foi conseguindo vários livros, doação de escola, doação disso, daquilo. A escola graduada de São Paulo doou cinco computadores. A gente não tinha estante, o Ibama doou madeira apreendida, e os marceneiros daqui construíram as estantes da biblioteca com madeira apreendida de lei. Na época, ele doou internet. Tudo isso foi um processo de capacitação, a gente recebeu um programa de catalogação de livros, onde todos os usuários teriam o seu cadastro no computador. E só de catalogação de livros o processo durou um ano, até mais. Livro por livro, e a gente já tinha um acervo de 2500 livros. A gente montou a biblioteca, recebemos doação, tínhamos voluntários, isso tudo gratuitamente, sem receber nada, só no objetivo de fazer uma biblioteca comunitária para Alter do Chão. E a escola lá, na biblioteca deles. A gente teve grande dificuldade no começo porque a gente mudou de escola, talvez por a gente estar indo para longe deles, sempre falavam mal. Parecia que a gente não era mais comunitário, que a gente ia participar da escola. Teve essa resistência no início. E depois, não, a gente foi mostrando para a comunidade, mais pessoas da comunidade de Alter do Chão começaram a participar. Fui convidado depois para participar da ONG, do Vila Viva, que já estava grande, já tinha, além da escolinha, estava com essa preocupação de criar uma biblioteca comunitária, já estava surgindo a ideia de fazer o Ponto de Cultura na época, isso em 2004. E a gente foi fazendo junto, foi participando junto e as pessoas começaram a ver que não era aquilo que pensavam. Então, foram dois grandes desafios que a gente enfrentou: um, de mostrar que é possível fazer um trabalho comunitário sem ganhar nada, só com o objetivo de fazer alguma coisa, e o outro, quebrar esse receio de ONG, que a gente conseguiu, mostrou para a comunidade que não era bem assim. A comunidade começou a participar, tanto é que hoje começou a participar, participar, participar e estaí até hoje. A ideia deu certo. Logo depois, isso em 2004, em 2004 mesmo, a gente foi aprovado para o edital, a gente foi aprovado no primeiro edital do Ponto de Cultura Viva, para ser Ponto de Cultura, e a gente tinha vários voluntários, todos jovens, além do Vila Viva. Que o Vila Viva se dividiu em atividades, o projeto de educação infantil continuou, depois eles criaram uma escola comunitária que já é outra história, uma escola que deu supercerto. Então, ele dividiu isso em projetos. E a gente acreditou. Ficamos, ficamos, ficamos. O Ponto de Cultura foi aprovado, isso em 2004. De 2004, 2005, foi um processo de crise lá com a gente, porque a gente tinha internet, a gente tinha pessoas. Então, as pessoas acabaram, cortaram nossa internet, porque o projeto que financiava internet para a gente acabou. Não era o projeto da ONG, era um projeto que dava incentivo, era um dos parceiros. Acabou, a gente ficou sem internet, mas não íamos morrer porque a gente não tinha internet. Mas a gente continuou o trabalho de 2004, 2005, sem receber nada, todo mundo ajudando. Eu vinha um horário, eu ia para a escola tal horário, eu vinha, meu colega vinha, toda comunidade. Toda a comunidade, não, mas grande parte dela, várias pessoas iam, se disponibilizavam. Com a chegada do Ponto de Cultura, a gente dividiu as atividades, então os próprios voluntários da biblioteca, que já estavam lá há um tempão, eles foram divididos, por exemplo: eu me identifico mais com informática, aí o outro parceiro nosso deu capacitação de informática para a gente. Isso tudo a gente não sabia nada, nem mexer no computador. Então, é uma coisa válida, porque eu não fiz nenhum curso de informática, não paguei nada para ter o conhecimento que eu tenho. Essas pessoas me ajudaram a ver que é importante o resgate cultural na minha comunidade, que o que vale é isso. O que vale é o saber da minha comunidade, é eu ter o mestre em casa. Deu supercerto o trabalho. A gente dividiu, o Ponto de Cultura deu certo, logo depois surgiu outro grande desafio nosso. Foi que a gente podia fazer a parceria com o Cajueiro, com a escola Cajueiro, que já estava lá, era nossa, mas uma coisa que eu vi, que a gente não deveria ser prejudicado, a comunidade não deveria ser prejudicada por um grupo de pessoas que não queriam. Porque a escola tem uma certa resistência devido a uma direção da escola, que já tem 17 anos. O pessoal tem posse da escola. Outro grande desafio nosso foi levar para dentro da escola, mostrar que é um trabalho bom, que é um trabalho legal e que não é uma atividade de mero entretenimento, e que a gente não ia ficar rico com bolsa de trabalho. Então, a gente mostrou também para escola isso, e também que o importante é que as pessoas participem, os alunos que se beneficiam. E a gente quebrou outro desafio, que foi tentar fazer a parceria com a escola que antes criticava, que antes tinha a ONG como uma coisa ruim. E a gente conseguiu. Conseguiu a credibilidade de professores, conseguiu a credibilidade dos mestres, que é mais importante do que qualquer outra parceria, que são aquelas pessoas que fizeram nossa história, que fizeram a historia da comunidade. E eu acho que é isso que vale.
P1 – E como é que é ser aprendiz griô?
R – Ser aprendiz griô é uma coisa muito boa, mesmo porque a outra coisa que eu esqueci de falar é que, vendo todas as dificuldades da escola, os professores, como são daqui, sempre incentivaram a gente a fazer resgate cultural. Depois que a gente ficou com o pessoal do Vila Viva, depois que a gente começou a se relacionar com eles, tudo foi um incentivo a mais, mas o maior incentivo que a gente teve com relação ao resgate cultural foi mesmo com a escola municipal, em todas as dificuldades que teve. Ser griô aprendiz é bom, mas ao mesmo tempo é muito ruim, não para desenvolver um trabalho, mas para quebrar preconceitos, quebrar barreiras. Porque é uma coisa nova, e às vezes a gente tem vontade de desistir porque parece um trabalho ruim, não ruim no ponto de vista de a gente estar fazendo um trabalho ruim, mas no ponto de vista de ser ruim para a gente conseguir desenvolver o trabalho. Quando eu entrei na ação, quando a gente começou, a gente começou a fazer visitas a idosos, coletando informações. E foi isso que influenciou a gente, que incentivou a gente a escrever a proposta do projeto. Então, a nossa maior dificuldade foi justamente em relação à escola, porque a gente achava que o problema não eram os alunos, não eram os professores. O problema era uma direção da escola que tinha um problema pessoal, que eu digo pessoal porque não era comunitário. E a nossa maior dificuldade era essa, e hoje ainda existe um pouco. Não vão mudar da água para o vinho rápido. Então, hoje a gente ainda tem umas brigas, umas divergências, mas aos poucos a gente está mostrando para o pessoal que não é bem assim. E o encontro regional veio a somar para isso. A própria Ação Griô é muito boa, o próprio Ponto de Cultura. A gente não recebeu uma assessoria, pelo menos nos dois anos que a gente trabalhou com o Ponto de Cultura a gente nunca teve. Teve, sim, o pessoal da cultura digital, que veio, mas uma assessoria pedagógica que veio, que acompanhou o trabalho, que ajudou a gente mesmo, que deu o apoio necessário, pelo Ponto de Cultura não teve. Mas a Ação Griô teve. Então, é importante que as pessoas cheguem. A gente vê retorno, a gente vê a credibilidade dos idosos. Isso é bom.
P1 – Como eu sei que você tem o horário com a Ação Griô, eu queria te fazer uma última pergunta, que são, aliás, duas. A primeira é: o que você espera daqui para frente com essa Ação Griô?
R – Eu espero, com a Ação Griô, que a gente consiga pelo menos resgatar um pouco da essência da comunidade, com a valorização do idoso, com todo o conhecimento repassado para a a gente, os jovens. Que a gente possa, que a gente consiga voltar um pouco ao estilo da comunidade que era antes. Não vamos voltar, não queremos que cortem a nossa luz, não queremos voltar ao tempo da pré-história, na época deles, na época que não tinha luz, não tinha nada. Mas a gente quer um pouco da sabedoria deles, que eu acho que é isso que a sociedade precisa hoje, dos valores, dessas coisas que às vezes a gente acaba sendo aculturado, por um monte de coisa, pelo que a televisão ensina, pelo que a internet ensina, tudo aquilo. Não que isso não seja importante, mas que a gente não esqueça a essência do que é mesmo. Então, o que eu espero é que a gente consiga firmar mais parcerias, que a gente consiga um apoio maior tanto das parcerias não locais e principalmente das locais, porque eu acho que, com todos os problemas, as parcerias não locais estão muito mais fortes, muito mais concretizadas do que as parcerias locais, que são importantes. Eu espero isso, que as barreiras sejam acabadas, que elas sejam minimizadas ao longo do tempo e que a gente firme, que a gente consiga fazer parcerias locais, a atividade se desenvolva.
P1 – E a última pergunta é: o que você achou de ter dado essa entrevista?
R – Ah, eu achei legal, porque a gente conta. Eu aprendi que conhecimento não se paga para ter. Tem a escola, mas eu acredito que é isso que vale. O conhecimento é transmitido, a tradição oral tem que ser transmitida, é aquilo que não está escrito, não está na gramática, não está no dicionário. É aquilo que tu vais aprendendo com o teu avô, vais aprendendo com o teu pai, tua mãe, sei lá com quem. Mas eu acho que é isso que fica para a sua vida: é o conhecimento que tem. Então, é mais ou menos por aí.
P1 – Então, obrigado.
R – Obrigado.Recolher