P/1 – Seu Domingos, pra começar você podia me dizer o seu nome completo, o lugar e a data de onde o senhor nasceu?
R – Posso sim, mas antes eu gostaria de deixar aqui meu agradecimento de coração, por essa oportunidade que vocês estão me dando, vocês na qualidade representa do Museu da P...Continuar leitura
P/1 – Seu Domingos, pra começar você podia me dizer o seu nome completo, o lugar e a data de onde o senhor nasceu?
R – Posso sim, mas antes eu gostaria de deixar aqui meu agradecimento de coração, por essa oportunidade que vocês estão me dando, vocês na qualidade representa do Museu da Pessoa, Júlia e Winny, então antes de qualquer coisa a meu respeito, eu quero deixar aqui meu agradecimento por essa grande oportunidade. O meu nome é Domingos da Fonseca Sobrinho, nascido e criado em Coruripe da Cal, um povoado próximo de Palmeira dos Índios, no dia 06 de julho de 1943, filho de João Razeno da Silva e Maria Joana da Silva, uma família de 15 filhos dos quais o mais velho sou eu, nascido e criado na roça, cultivando a terra.
P/1 – Então, Seu Domingos pra começar, eu queria pedir para o senhor me dizer seu nome completo, o lugar, a data onde o senhor nasceu e o nome de seus pais?
R – Com certeza, mas antes eu quero registrar aqui o meu agradecimento a vocês duas, Júlia e Winny, representantes do Museu de Pessoas, não é isso? E dizer que eu nasci em Coruripe da Cal, município de Palmeira dos Índios, no dia 06 de julho de 1943, meus pais João Razeno da Silva e Maria Joana da Silva, já falecidos, somos uma família de 15 filhos, dos quais eu sou o mais velho.
P/1 – É lá em, desculpa como falar.
R – Coruripe da Cal.
P/1 – Coruripe, que é uma comunidade?
R – É uma comunidade, é uma comunidade. Fica a dez quilômetros de Palmeira dos Índios, lá eu residi até os meus 26 anos aproximadamente, nesse meio tempo, eu iniciei os meus estudos lá em Coruripe mesmo, depois passei a estudar em Palmeira dos Índios, mais especificamente no Colégio Estadual Humberto Mendes até concluir o primeiro grau.
P/1 – E como era morar lá em Coruripe?
R – Uma morada simples, como toda comunidade que vive no interior, entendeu? Uma vida cheia de dificuldades, que se hoje a gente tem dificuldades vivendo no interior, você imagina naquela época? Filho de gente simples, gente pobre, você mais ou menos imagina como seria essa vida do homem do interior.
P/1 – Como seria essa vida?
R – Uma vida cheia de muito trabalho cultivando a terra, entendeu? Plantando feijão, plantando milho, plantando algodão, criando algumas cabeças de gado, que quando o inverno não era muito favorável em termos de chuva, faltava ração para o gado, eu vi muitas vezes gado do curral do meu pai morrer de fome porque não tinha o que dar, entendeu? E a nossa vida foi realmente uma vida assim, com alguma dificuldade, é aquela história: se você dispõe de uma condição e já ___________ passa fome, se comer bem não tem a roupa para vestir, mas felizmente a gente conseguiu vencer, uma família grande, o meu pai um cidadão de bem, muito trabalhador e felizmente conseguiu criar a família de maneira satisfatória.
P/2 – E você e seus irmãos, como era a relação entre vocês e seus irmãos?
R – A relação entre mim e meus irmãos sempre foi a melhor possível, ainda hoje eles dizem que eu continuo sendo um chefe da família, porque não dizer, há quem diz até que com o falecimento do meu pai, eu hoje estaria substituindo o nosso pai para eles, né, não há uma pequena desavença com nenhum deles, todos estão bem situados, trabalhando, dentre esses irmãos, apenas uma faleceu recentemente em Salvador, e o resto continua aí tranquilamente, sobrevivendo dentro das possibilidades, todos casados, assim como eu.
P/1 – E quando vocês eram crianças, vocês costumavam a brincar juntos?
R – Com certeza, a gente brincava junto, aquelas brincadeiras daquela época, era jogar pião, jogar peteca, baladeira como chamam, bodoque, fazer arapuca pra caçar passarinho, arapuca pra pegar preá, coisa desse tipo quando moleque. Depois que eu já fui crescendo passei a utilizar outros artifícios para caçar, por exemplo, que era a espingarda, né, inclusive, diga-se de passagem, eu atirava muito bem no voo, a gente gostava de caçar com cachorro, caçar peba, caçar tatu, e assim por diante, nas horas de folga a gente tinha esse passatempo.
P/2 – E quando criança o senhor lembra de comer o que, assim, o que o senhor gostava de comer?
R – Olha, lá naquele nosso tempo uma comida básica em casa era o cuscuz de milho, entendeu? Com leite tirado do próprio curral, era abóbora, era batata, uma galinha de capoeira, no final de semana, a minha mãe quase sempre gostava de matar peru, para que a gente pudesse ter um almoço mais, sei lá, mais farto na mesa, Lá em casa era uma casa que sempre recebia gente de fora, o meu pai tinha muitos amigos, e a gente recebia visitas com muita frequência, e por conta disso a nossa mesa, apesar das dificuldades que se tinha na época, era uma mesa farta, porque a gente tinha tudo produzido no próprio quintal de casa, no terreiro, como se diz, criava galinha, criava algumas cabeças de gado, criava o bode, criava o porco, então era uma vida difícil, mas farta, felizmente.
P/2 – E ela fazia como, tanta comida, só para os filhos são 15!
R – Só os filhos, nós éramos, nós somos em 15, mas inicialmente três faleceram ainda novos, mas a nossa mesa ela era de 14 pessoas, quando não mais! Doze irmãos e nossos pais numa mesma mesa, era uma mesa grande, viu? Família grande.
P/2 – Aquela mesa larga?
R – Mesa grande, mesa comprida, mesa larga e quando estavam todos juntos, dava gosto ver.
P/1 – E ia muita gente na sua casa?
R – Ia sempre, principalmente aos domingos, aos domingos a nossa casa era um ponto de encontro, meu pai trabalhava como barbeiro inicialmente, e a freguesia estava por ali, a nossa casa era uma casa num local muito apropriado, muito aconchegante, e o pessoal escolheu aquela residência nossa como um ponto de encontro, para bater papo, era uma casa de alpendre, né, às margens da estrada que liga Maceió a Palmeira dos Índios, então aos domingos e de sábado também, feriados, era uma festa na nossa casa, uma verdadeira festa porque a multidão era grande!
P/1 – E a criançada ia para lá também?
R – Também, lá em casa era um encontro de crianças, porque além dos próprios de casa, que já eram um número considerável, nós somos de uma família grande, os primos e outros próximos ali faziam uma festa, era muita gente mesmo, muita criança e muita gente.
P/2 – E como que era quando o senhor era pequeno, por exemplo, quem acordava quem acordava vocês, levavam vocês para onde?
R – Normalmente seis da manhã já não tinha mais ninguém dormindo, a gente tinha aquele hábito de acordar cedo e quem pensasse em ficar mais tarde, minha mãe já estaria chamando o meu pai, porque o café sempre era cedo, seis e meia, ou mais tardar sete horas, o café já estava à mesa, a gente não tinha como acordar tarde não, tinha também o compromisso da escola, quem não ia para a escola ia para a roça trabalhar, entendeu? A gente começava a trabalhar muito cedo, eu aos oito, dez anos, eu já trabalhava na roça, puxando a inchada, como diz, puxando cobra com os pés, né, então a gente começava cedo, muito cedo e veio a escola, a gente começou a estudar Lá com as professoras naquela época, e terminado já o primário, diria naquela época o primário, e eu passei a estudar em Palmeiras dos Índios conforme eu já disse, né, enquanto eu estudava em Palmeira com cerca de 16 anos, mais ou menos, 17 anos, eu dava aula em Coruripe, um grupo escolar que ainda hoje existe lá, dava aula de português e de matemática, então estudava durante o dia e à noite eu dava aula em Coruripe para aquela meninada que não tinha condição de estudar em Palmeira dos índio, ou a pedido de reforço de aprendizagem para aqueles que não estudavam em Coruripe, né, e nem energia existia na época, a gente utilizava uma espécie de uma lamparina que existiam na época, né, movido a ar, e a gente fazia isso de segunda a sexta-feira, das sete e meia da noite mais ou menos até às dez, e durante muito tempo fiz isso.
P/1 – E em quantos anos?
R – Eu com 16 anos, 17 eu já dava aula de português e matemática, com nove anos de idade eu comecei a tocar meu primeiro instrumento, que foi um cavaquinho, presente do meu pai, facilmente aprendi tocar cavaquinho depois ele achou por bem comprar uma sanfona, viu que eu tinha facilidade para música e eu… Comprou a sanfona, e facilmente também eu aprendi a tocar, não demorou muito.
P/1 – Sozinho?
R – Sozinho, nunca fui a uma escola e aprendi a tocar sanfona sozinho, com 12 anos eu já tocava em baile naquela época, naqueles forrós no pé de serra e
fui tocando sanfona e tal, depois comprei uma outra sanfona e estudando em Palmeira dos Índios, terminei o ginásio, que é primeiro grau, e terminado o primeiro grau resolvi estudar em Maceió, fazer o científico, na época seria o científico, hoje seria o segundo grau. Lá fiquei um ano aproximadamente, retornei para casa e não voltei mais ao colégio em Maceió e resolvi ir embora para São Paulo tentar a sorte. Lá, em 1971, chegando a São Paulo, fiquei com uns amigos e nada de
arrumar emprego, estava uma situação um pouco difícil para conseguir emprego naquela época e pacientemente eu fiquei desempregado, com esses amigos, dando
todo apoio deles, nunca me faltou nada e felizmente consegui passar num concurso do correio para carteiro, entendeu, e comecei a trabalhar no dia 1 de dezembro de
1971. Imagine só, uma pessoa que saiu do interior de Alagoas chegar em São Paulo e trabalhar como carteiro numa cidade daquele tamanho, não foi fácil, inicialmente morando na Vila Sapopemba, Jardim Sapopemba, eu trabalhei em diversos bairros, começando pelo Brás, Tatuapé, Água Rasa, Vila Diva, Mooca, diversos bairros ali eu conheci trabalhando como carteiro. Felizmente, decorridos três meses e meio aproximadamente, fui tirado da rua para trabalhar internamente, eu disse felizmente, porque se não tivesse acontecido isso, eu não teria continuado nos correios, que eu já não aguentava mais como carteiro, não aguentava mesmo, e por diversas vezes eu me sentei no meio-fio, debaixo de uma árvore e dizia: “Meu Deus, o que foi que eu vim fazer aqui em São Paulo?” Por pouco, por muito pouco eu não retornei a Alagoas, entendeu? Com uma mão no fecho, outra no cano, como dizem, porque eu não estava suportando mais trabalhar como carteiro, confesso isso, aí resultado: me tiraram da rua para trabalhar como monitor oficiosamente. Na época eu trabalhava no CE de Serviço Especial de Documentos, passei a trabalhar a partir das 14 horas até às 22 horas, recebendo prestação de contas dos demais carteiros, e ainda assim como carteiro, com essa dificuldade toda, eu já estava fazendo, estudando um cursinho para me preparando para o vestibular, veja só, quando alguém quer vencer na vida, saindo de casa cinco hors da manhã, enfrentando aqueles ônibus super lotados, muitas vezes pendurado na porta para chegar ao trabalho e sair do trabalho e ia participar de um cursinho para prestar o vestibular, fui obrigado a desistir enquanto estive trabalhando das 14 às 22 horas porque não tinha como, aí veio um concurso para supervisor postal, em setembro daquele ano, ano seguinte, né, em 72, em 1972, eu participei daquele concurso com aproximadamente, aproximadamente não, exatamente 961 candidatos para 60 vagas, eu passei em 21º lugar, fui para Bauru para fazer o curso de supervisor e ficamos lá 14 meses, retornei como supervisor e fiquei na minha unidade de trabalho ai que foi SEED [Serviço Especial de Entrega de Documentos], fiquei trabalhando como supervisor, coordenando um grupo grande cerca de 80 e poucos carteiros e fiquei um ano mais ou menos como supervisor. Depois o nosso gerente da época, do Serviço Especial de entregas de Documentos, me tirou para trabalhar como relações públicas, eu saí dali da área operacional e fui fazer um serviço diferente, relações públicas, dispunha de um motorista com exclusividade de segunda a quinta-feira, sexta-feira o carro ficava com ele. Eu sei que três anos e meio depois surgiu um outro concurso público para técnico, eu participei com um número considerado, não me lembro de quantos candidatos, passei nesse concurso e voltei a Bauru novamente para fazer o curso, desta feita de 12 meses o curso, voltei como técnico postal, como técnico o SEED já não me comportava, aí eu fui obrigado a ir para uma outra gerência, fiquei na Assessoria
de Planejamento de Controle,
na assessoria de planejamento participei de alguns projetos e tudo, mas, quando menos espera, surgiu um outro concurso para inspetor, eu participei daquele concurso para inspetor, era três vagas, fomos 18 candidatos e eu fui um dos três aprovados, então fomos fazer o curso em Belo Horizonte, um curso de configuração de três meses ou um
pouco mais, terminado o curso fui aprovado e voltamos para São Paulo e fui lotado na inspetoria, aí fiquei como inspetor regional durante oito anos. Nesse meio tempo eu estava me correspondendo, voltando agora para Palmeira dos Índios, deixei uma namorada que é minha esposa hoje, nós namoramos durante oito anos pelo correio, passado os oito anos eu voltei aqui para me casar com ela, fomos para São Paulo, quando eu retornei de férias e assumi de fato a função de inspetor, e passado os oito anos, depois de ter sofrido um assalto e espancado covardemente por dois bandidos, aí fiquei com medo de São Paulo e resolvi pedir transferência para Alagoas. Pedi transferência, felizmente entrei com esse pedido no mês de julho e no mês de outubro eu já recebi a informação de que Brasília havia deferido o meu requerimento! Imagine só quando eu recebi a informação através do meu gerente que eu estava retornando para Alagoas como funcionário dos Correios, confesso a vocês quando me foi dito o meu requerimento havia sido deferido, eu estava numa sala reservada para os inspetores, datilografando um relatório, que na época não existia computadores ainda, eu simplesmente não me contive e chorei de alegria, de felicidade, de contentamento, eu não tive outra alternativa senão chorar de alegria, pois estava voltando para a minha terra, graças a Deus, voltei como funcionário dos Correios como técnico operacional sênior já! Chegando a Maceió fui designado para assumir a gerência da Agência Central de Alagoas, né, em Maceió, gerenciei a agência dois anos, nunca tinha sido gerente de nada na vida, mas tinha experiência adquirida em São Paulo como supervisor, como relações públicas e como inspetor principalmente, que o inspetor tem que ter uma noção básica de todo universo da empresa, a verdade é que depois de dois anos como gerente da Agência Central de
Maceió, surgiu uma necessidade
de um gerente da agência de Arapiraca, e eu fui perguntado se aceitaria ir para Arapiraca, eu digo: “Olha eu aceito com certeza, Palmeira dos Índios fica pertinho de Arapiraca, lá onde residia meus familiares e principalmente da minha esposa que é também de Palmeira dos Índios”, né, e minha família já estava em Arapiraca. Eu digo: “Olha, se possível eu irei ontem, quanto mais hoje!” E aceitei, fui gerente da agência de Arapiraca durante um ano e depois surgiu uma outra necessidade na gerência de região operacional, na época zona postal, o gerente precisou retornar para Maceió que a família não se deu em Arapiraca e eu fui indicado para assumir a região operacional, (endossando?) 51 cidades, quer dizer, essa jurisdição correspondia, houve uma mudança, que na época correspondia nada menos que 68% da área geográfica de Alagoas, quer dizer, eu coordenava os trabalhos dessas 58, 51 cidades, fiquei nessa função durante aproximadamente 18 anos, 17 anos e nove meses exatamente, por motivo de aposentadoria. E essa é a minha história, saindo de Coruripe, passando por São Paulo, por Maceió e chegando a Arapiraca , nesse meio tempo nos casamos, isso em junho de 78, desse casamento tivemos três filhas, só deu mulher lá em casa, hoje todas três formadas já, uma em Turismo, essa está fazendo mais uma faculdade de Administração, a mais nova fez Administração, já fez pós-graduação também e a outra fez Fisioterapia, também já fez curso de especialização de 14 meses em Recife, está se
preparando para passar uma temporada em São Paulo, no Hospital da Clínicas, isso é o desejo dela, eu também consegui terminar uma faculdade de Administração e já fiz também uma pós-graduação em logística empresarial, terminada este ano, veja bem, estou com 60 e tantos anos terminando uma faculdade e ainda vai fazer pós-graduação!
P/2 – Seu Domingos, conta para gente um pouco, só voltando um pouquinho no tempo, como o senhor, como é que era a cidade do senhor na infância, como é que era as ruas, as casas, como que acordava todo mundo, todo mundo ia pra aula e para fazer café da manhã, aniversário, conta um pouquinho para a gente?
R – Olha, não mudou muito. Palmeira dos Índios não mudou muito, se você vir Palmeira dos Índios hoje, entendeu? Quem conheceu nos anos 50 a 60, não há muita diferença não, podemos dizer, estacionou, estacionou no tempo, no espaço, na evolução em tudo e infelizmente essa é a verdade, a vida o que era, era acordar de manhã, quem estudava ia pra escola, chegar da escola fazer seu exercício, o seu dever e mais nada, o homem do comércio era aquela rotina, tomar seu café da manhã, trabalhar, retornar para o almoço, retornar para o trabalho, chegar a noite, ouve um rádio ou fazer uma visitinha a um vizinho ou então dormir mais cedo, e até televisão na época era um pouco difícil, mas a vida era uma vida assim de rotina. Não tinha muito o que fazer não.
P/1 – Como que era a sua casa?
R – A nossa casa, como já disse, ficava lá às margens, até hoje ela existe, às margens que liga Palmeira dos Índios a Maceió, é a primeira casa de quem chega a Coruripe, vinda das Palmeira dos Índios entrando a esquerda, uma casa de alpendre, ela tinha três quartos, sala, uma cozinha razoável e uma sala de janta ampla que a família era grande, e ao lado da casa, né, tinha um curralzinho onde se prendia as poucas cabeças de reses que se tinha.
P/2 –Vocês brincavam lá?
R – Brincava, a gente brincava de tudo um pouco, né, brincava de tudo um pouco, como já disse: peteca, pião, manduque, fazer arapuca, ratoeira, fazer boi de barro, não sei se você já ouviu falar disso? Fazer boi de barro, com pipa, aquela pipa, pipa, papagaio que se chama, a gente já brincava com aquilo também, eram brincadeiras simples, não se tinha aqueles carros, eletrônicos que não existia ainda, pelo menos para nós, não existia, carro de plástico era coisa rara, a gente improvisava, carro, carrinhos pequenos com carretel de linha, entendeu, aquelas latas de doces, por exemplo, que hoje já não se tem mais aquela lata de doce, que é tudo plástico, daquela, que nós fazia aqueles carrinhos de brincar, a gente fazia carro de madeira, pra pudesse ser puxado, aqueles bois de barro, simbolicamente o carro de boi, né, brinquedos assim, simples, muito dia feito por nós mesmo.
P/1 – E na cidade era bastante casas, tinha muito árvore?
R – Muita casa, Tinha muita casa, muitas árvores ainda hoje, a cidade é muito bem arrumada em termos de árvores, né, e casas na época, existiam bastantes casas, o que se tinha na época era, em termos de diversões, era só cinema mesmo, que hoje não existe mais, Palmeira dos Índios não há um cinema se quer. Arapiraca, que é uma cidade quatro vezes maior em termos de população, que em Palmeira dos Índios também não tem cinema,
sabia que, a televisão, o vídeo, na cidade pequena simplesmente acabou com a vinda do cinema, não existe mais.
P/2 – As casas lá eram próximas ou eram distantes?
R – Nas cidades próximas, no sítio não, no sítio era distante uma da outra, né, hoje já está mais perto, a comunidade já está mais bem desenvolvida, já se tem até calçamento, já se tem até água encanada, e, embora não chegue água com frequência, chega a ficar 15 dias, três semanas sem chegar água, mas pelo menos tem canos, de vez em quando chega uma aguinha. Na época não se tinha ainda isso, a gente ia buscar água distante, eu mesmo, durante muito tempo, ia buscar água mais de 15 quilômetros de distâncias no lombo de um burro! Lombo de um borro cangalha, que ela nasce em (corotas?) ou latas, que vai buscar água a 15, 20 quilômetros de distância.
P/1 – Pode continuar seu Domingos, você tava falando da, de buscar água, de como as coisas eram na cidade.
R – Isso, como eu dizia naquela época, tinha terminado os momentos de seca, que os assuntos da comunidade próximos ali secaram e tinha que buscar água muito distante, ou numa cacimba que se tinha lá numa localidade denominada Pendanga ou em Cassi, por exemplo, eu fui muitas e muitas vezes buscar água em Cassi, que era mais próximo, entendeu, e tinha que chegar cedo, duas, três horas da manhã pegar uma fila e esperar aquela água minando para você conseguir encher a suas vasilhas para poder trazer água pra casa, era uma dificuldade.
P/2 – E como era esse caminho de buscar água, que o senhor via no caminho, como se passava o tempo até esses 15 quilômetros?
R – No meu caso eu ia montado naquele burro, entendeu, no meio daquela cangalha, com aqueles (careçotes?), quando muito, um travesseiro ali pra nas melhores condições de viagens, né, e a estrada na sua maioria esquisita, se rodava 10, 15 minutos pra encontrar uma casa, e às vezes até mais, a caminhada inteira demorava em cerca de uma hora e meia no mínimo para chegar até aquela fonte que se pega água.
P/2 – Você ia com seus irmãos?
R – Não, sozinho, eu dessa época fazia esse trabalho sozinho.
P/2 – Quantos anos você tinha?
R – Eu deveria ter algo com volta de dez, 12 anos, começando cedo, só que eu ia só lá a termos de família, de casa, né, a gente vê com outras pessoas também, como o mesmo objetivo, na viagem assim um pouco divertida, entendeu?
P/1 – E como é que era o senhor falou que começou a tocar, a mexer com música desde cedo?
R – Desde cedo, com nove anos.
P/2 – Se ouvia, tinha muitos músicos lá nas cidades?
R – Não, não tinha não, lá não tinha ninguém não, na nossa comunidade não havia ninguém, nós tínhamos o sanfoneiro, na época que residia numa comunidade próxima, a uma distância de cerca de nove a dez quilômetros, numa localidade dominada Moreira, entendeu, mas no nosso não tinha ninguém não, eu fui um dos primeiros lá, o primeiro a começar a mexer com música e o primeiro instrumento foi um cavaquinho, depois veio a segunda sanfona, depois a terceira e eu comecei a tocar. E animando aquelas festas de forró de Pé de Serra, da paz de casa, casamento, aniversário, loteria, tudo que aparecia que dava motivos a um baile, o pessoal estava me convidando, e eu estava lá animando, já com 12 anos eu tocava sanfona, animando o baile.
P/2 – Seu pai gostava?
R – Ah, meu pai se sentia realizado com isso, meu pai não só gostava, como convidava pessoas amigas para me ver tocando, acredita? Ele gostava demais, meu pai era um apaixonado, pela música.
P/2 – Ele ouvia, não tocava?
R – Ele não só ouvia como gostava e pedia: “Toca aquela agora?” Meu pai gostava e onde a gente ia ele ia também, fazia questão de ir, podia tocar em bailes e 800 próximos, ele ia e amanhecia o dia, entendeu, tranquilamente conosco, ele gostava.
P/1 – Seus irmãos iam também? Seus irmãos iam ver você tocar?
R – Não, meus irmãos não gostavam muito não, por incrível que pareça um só dos meus irmãos sequer aprendeu qualquer instrumento, fui o único numa família de 12, os três primeiros morreram muitos novos, muito novos, mas, dos 12, o único que tocava instrumento fui eu, não houve um sequer que batesse um pandeiro, uma tabaca, um triângulo, nada: fui o único, eles não gostavam de acompanhar não.
P/1 – E sua mãe cuidavam de vocês em casa e seu pai ficava na barbearia?
R – É, meu pai trabalhava em barbearia e cuidava da roça também, né, porque em barbearia era só em finais de semana, sábado e domingo e durante a semana era cuidar de roça mesmo, plantar um milho, plantar um feijão, cultivar a terra, que era dali que a gente tirava sustento, né.
P/2 – O senhor contava pra gente a brincadeira com o seu nom… O que podia contar, tem que registrar Domingos?
R – Não, qual foi a brincadeira que...
P/1 – Que domingo, segunda é dia de trabalhar, no dia de descanso?
R – (risos) Ah, mas o domingo é sempre dia de descanso, mas era o dia que eu mais trabalhava, era o dia que eu mais trabalhava porque principalmente no meu tempo de barbeiro, que o domingo o pessoal procura o barbeiro para cortar o cabelo e pra tirar a barba, e eu não descansava, muitas vezes eu tocava num baile de noite de sábado, esses forrós de pé de serra normalmente
constante acontecem em dia de sábado, e era obrigado a trabalhar o domingo inteiro, com sono para não deixar o cliente sem ser atendido e era uma dificuldade trabalhar com sono, mas era basicamente domingo meu maior dia de trabalho, e diga-se de passagem quase sempre fiado o dia inteiro. Em épocas difíceis, o cliente vinha, cortava o cabelo, tirava a barba e não tinha dinheiro para pagar e ficava devendo para pagar depois, e em outros casos era um primo, era um
padrinho, era um amigo de fé que nem cobraria, eu trabalhava o dia inteiro e chegava no fim do dia não tinha dinheiro nem pra tomar uma cerveja, por exemplo, que eu não tomava na época, e era esse vidinha.
P/2 – Conta um caso engraçado que aconteceu lá na barbearia, quando o senhor trabalhava de barbeiro? Ou quando seu pai trabalhava, que você ouviu?
R – Em um caso assim verdadeiro ou você quer um caso criado?
P/1 – Qualquer um dos casos!
P/2 – A gente quer a realidade! (risos)
R – Na realidade eu poderia contar um que de vez em quando conto que não, não seria uma verdade, mas que no final digo: “Acredite se quiser”. Pode contar?
P/2 – Claro!
P/1 – Fica à vontade!
R – Eu, certa vez, estava tirando a barba de um freguês, esse freguês tinha uma barba muito cheia, rosto grande e a barba cheia e a pele muito sensível, sensível mesmo. Para tirar essa barba, o barbeiro tinha que se dispor a uma navalha bem afiada, porque ele ia reclamar com certeza, e acontece que eu já sabendo que a barba dele era barba sensível, tratei de ensaboar a barba muito direitinha, demoradamente na esperança de que ela pudesse amolecer mais pra não judiar do cliente, né, e eu amolei aquela navalha direitinho, afiei... Que na época a gente não tinha os recursos que tem hoje, hoje é fácil se tirar uma barba, se tem a lâmina, se tem o Prestobarba, se tem o barbeador elétrico que facilita a vida do barbeiro, naquela época
não era assim, era uma navalha que você mesmo afiava, e acontece que fui tirar a barba do cliente, né, quando eu peguei a navalha que aparei a costeleta, que puxei a navalha até o queixo ele estava cochilando e se distraiu e naquele soltou um peido no salão, veja só a situação, e não foi um peido qualquer não, assustou até quem estava ali na barbearia esperando para cortar o cabelo e eu inocentemente achei de perguntar para o cliente se queria que eu trocasse de navalha, uma vez que aquela estava tão cega e aquele cliente naturalmente me respondeu: “Não, senhor, o senhor pode tirar, pode continuar com essa de peidar mesmo, porque pode ser que o senhor bote em mim uma outra pior e eu cago na sua cadeira!” (risos) Isso foi motivo de risos para quem estava presente, e esse foi o caso mais singular que aconteceu na barbearia. Outros casinhos aconteceram, mas esse foi o mais interessante, quem quiser acreditar tem toda liberdade de discordar.
P/2 – E lá em Arapiraca, quando você mudou pra lá, aposentou, como é que foi que você assim, de todo trabalho que você teve de ir pra São Paulo tudo, você continuou tocando mesmo seus instrumentos?
R – Continuo tocando, nunca desisti e não desistirei, eu não deixarei uma sanfona enquanto vida tiver e se puder levá-la depois de morto eu levarei, eu gosto, eu faço porque gosto, em Arapiraca, logo que chegamos lá, nós criamos um grupinho de cinco pessoas, e a gente participa de eventos, quando as pessoas nos convidam, entendeu, nós tocamos em igreja, nós tocamos em aniversário, confraternizações, das mais diversas naturezas, até em velório já tocamos, é um grupo cujo nome é Jabá boys, entendeu, a gente toca quase todos os gêneros musicais, infelizmente não tivemos a oportunidade de gravar ainda um CD, embora já tivéssemos ensaiado pra isso, mas não chegou o momento, mas a gente participa com uma certa frequência de eventos, conforme já mencionei.
P/2 – Como é que foi tocar no velório?
R – Naturalmente, naturalmente, a gente sente um pouco do momento, por si só já é um pouco triste, mas esse amigo falecido gostava muito da música, tocava violão muito bem, participava ativamente de encontros na igreja, tocamos juntos várias vezes e no dia do velório dele julgamos por bem tocar e cantar pra ele até meia-noite, que depois da meia-noite, certamente ele gostou.
P/1 – E como é que foi esse, que você começou a chegar mais perto do trabalho do ponto de cultura, conhecer as pessoas?
R – Olha é ser, essa aproximação com Ponto de Cultura, ela já existia, com a comunidade de Canafístula, eu sempre participei dos movimentos de Canafístula, que é onde fica justamente o Ponto de Cultura, tocando em pastorinho, tocando em Reisado, tocando na missa, participando de festas lá da comunidade, festa da padroeira, tudo que era movimento que acontecia ali eu estava envolvido, sempre estive envolvido, faço parte da associação comunitária, sou membro da diretoria e quando surgiu essa idéia da associação mandasse projetos para o Ministério da Cultura, tomaram a iniciativa de incluir meu nome, e tão confiante que sequer me avisaram antes, o projeto foi aprovado, eu fiquei sabendo que estava fazendo parte do Ponto de Cultura como mestre Griô. Depois de tudo aprovado, sequer me foi dito antes, tamanha confiança que o pessoal tem em mim e eu fiquei profundamente agradecido por isso e não fosse isso não estaria aqui com vocês hoje, não estaria participando de um encontro desse.
P/2 – E tem criança...
P/1 – Muda a fita.
P/2 – Ah, é, uma pausinha pra trocar a fita, seu Domingos pra gente retornar.
R – Você ia perguntar se tem criança?
P/1 – (risos) É.
P/2 – É, tem criança lá no ponto de cultura de Aracurá?
R – Muitas, inclusive quando nós procuramos criançada lá nas escolas para participarem desses fogueiros que a gente está se desenvolvendo lá, apareceu mais gente do que a gente tava precisando e estamos desenvolvendo um belo trabalho, precisa ver, tem hora que a meninada tira a gente do sério, mas se você sai dali feliz da vida, porque cuidar de criança sempre bom, nós estamos lá com um grupo de Reisado, inclusive já fizemos a primeira apresentação pública desse nosso Reisado, todos já uniformizados, cerca de 20 crianças envolvidas nesse projeto do Reisado que está nos surpreendendo. Inclusive que está valendo a pena demais, e tem o grupo Pau de Fita, né, que é cuidado pelas nossas mulheres do grupo, temos o pastoril que também já se apresentou publicamente pela primeira vez na semana passada, então criança é o que não falta lá.
P/2 – E o senhor tem contato direto com as crianças?
R – Como tenho! Converso sobre um monte de coisas, esse é o nosso trabalho, né, conversar com as crianças, dizer por que nós estamos ali, o que é a cultura e porque a gente está ali e alguns até perguntam: “Vale a pena a gente estar aqui? O que a gente vai ganhar com isso?” Entendeu, mas a cada dia eles estão se conscientizando que vale mais a pena participar desse projeto e eu tenho certeza que o resultado de lá vai ser bastante satisfatório, pode ter certeza.
P/1 – E qual é o nome do Ponto de Cultura? Por quê?
R – Cultura para o desenvolvimento, Associação Comunitária de Canafístula.
P/2 – E como que foi que, quem desenvolveu esse nome, o projeto?
R – Foi criado pela própria comunidade lá, nós temos lá um, um monte de gente inteligente, que facilitam as coisas, entendeu, desenvolve projetos, criam desenhos, é bom ir lá pra ver quem puder, nós temos uma comunidade de jovens lá que dá gosto, se vê nossa quadrilha estilizada, nossa quadrilha tradicional, pra você
ver, nosso reisado adulto, entendeu, para você ver, a nossa, as nossas destaladeiras de fumo que é um resgate que nós estamos fazendo agora, esteve esquecido durante muito tempo, entendeu, quem vai sai satisfeito.
P/1 – E como que é a comunidade, ela é afastada de Arapiraca?
R – Afastada não, é um bairro da cidade mesmo, é um bairro hoje bastante diversificado, inicialmente, lá, por volta dos anos 60, 70, Arapiraca, aliás, o bairro de Canafístula era constituído praticamente de famílias próximas. Hoje já não é mais assim, entendeu? Muita gente de fora, foram construídos alguns bairros ali em volta de Canafístula e que a nossa comunidade lá está muito diversificada, muita gente de fora, mas de uma boa convivência. Aos domingos você chega lá na igreja, você encontra a igreja lotada de pessoas, tradicionalmente o pessoal frequenta a missa aos domingos, que dá gosto ver, a festa no final do ano em Santa Isabel muito movimentada, muita participação do povo, uma comunidade, como diria, uma participação muito boa do seu povo?
P/2 – Você tem algum caso do Ponto de Cultura interessante que você possa contar?
R – Não, do próprio Ponto de Cultura, dado o tempo decorrido, não tem não.
P/2 – Como as pessoas da comunidade participam do ponto?
R – Um caso assim que tenha chamado a atenção, não só as nossas participações, né, que com esses fogueiros que nós temos lá do Ponto de Cultura, que embora não fazendo parte do Ponto de Cultura propriamente dito, a gente tem sido convidado para fazer apresentação em diversos lugares, inclusive Juazeiro, a gente já esteve lá com o pastoreio da
terceira idade e do Reisado, fomos convidados para Bom Conselho recentemente com as estaladeiras, fomos convidados também para Maceió por ocasião de eventos em Maceió, né, e assim por diante e outras localidades próximas ali a cidade de Arapiraca.
P/1 – E qual a importância que o senhor acha assim dessa tradição oral, desses foguetes, de resgatar essa cultura que o senhor tem?
R – Eu diria a você que não há adjetivo para dizer da importância desse trabalho aí, tu acreditas? Que isso vai nos possibilitar para resgatar todos nossos usos e costumes que estavam esquecidos, entendeu? Porque nós estamos vendo aí, nesse encontro, que temos tomado conhecimento o que está acontecendo por esse Brasil a fora, e o que nós estamos desenvolvendo em função disso lá em Arapiraca e o que temos em mente para desenvolvermos em ações futuras, eu não tenho a menor dúvida que o resultado será o melhor possível, isso vai resgatar nossa cultura sobre diversos aspectos em todos rincões deste país, porque a tendência é essa.
P/1 – O senhor falou sobre desafios futuros. O que o senhor espera fazer ainda dentro desse trabalho de resgate da cultura, o que o senhor sonha em fazer, o que ainda não fez no Ponto de Cultura?
R – Olha, eu pretendo fazer o melhor que eu puder, somar com as pessoas que fazem parte da nossa comunidade, busca outras pessoas que possam somar conosco, pesquisar, entendeu, buscar informações novas outra vez na internet, um grande velho de comunicação que a gente tem hoje, entendeu, e, me dedicar ao máximo porque hoje eu disponho de tempo pra isso, estou gostando cada vez mais do que a gente está fazendo e a gente vai inovar, a gente vai criar alguma coisa, ainda hoje mesmo estava conversando com Mariângela, que é a nossa presidenta da associação e Consuelo que é a Griô aprendiz aqui, a gente pensou em resgatar outras coisas como, por exemplo, a Seresta, que é um grupo de seresteiros ali, entendeu, para sair à noite, madrugada, acordando as pessoas
cantando e tocando aquelas músicas antigas, que faz muito bem ao espírito e a alma desse povo, entendeu?
P/2 – As serestas é legal, ela fez parte da sua vida, a seresta?
R – Fez, de uma maneira diferente, porque os seresteiros não há um que não toque violão, nós sempre fizemos isso, um sanfona, nosso grupo, Sanfona Pandeirola Atabaque Triângulo e
Afoxé, por diversas vezes nós acordamos pessoas, amigas por ocasião do seu aniversário
chegando, cinco horas da manhã ou no primeiro minuto do dia em que aquela pessoa está aniversariando, a gente chega lá num grupo de dez, 15 20 pessoas, a gente se movimenta convida e tal, e vai acordar aquela pessoa do dia do seu aniversário, é um momento de emoção, por demais gratificante e confesso a você: eu não só vi muitas pessoas homenageadas, chorarem como eu chorei junto, tamanha emoção daquele momento que é gostoso demais, se chegar numa casa cinco horas da manhã e começar a tocar e cantar aquelas músicas apropriadas para momentos dessa natureza.
P/2 – Quais tipos?
R – Ah, nem saberia lhe dizer, porque são tantas músicas sacras, entendeu, por exemplo, musicas sertaneja, aquela “índia, encosta tua cabecinha no ombro e chora”, entendeu? “Que beijinho doce”, e outras no gênero, a pessoa que está dormindo ou dormindo se levanta, sai do jeito que está, muitas vezes de pijama ou de camisola, não quer nem saber, sai atordoada assim, é capaz de até não acertar a porta, quantas e quantas emoções a gente já vivenciou até hoje muitas, um momento singular que vale a pena a gente participar e reviver e repetir, é gratificante demais.
P/1 – Canta uma para a gente?
R – Eu não sei cantar, eu não tive o dom da cantoria, infelizmente gostaria de poder e saber cantar, não tenho voz para isso, só aprendi a tocar uma sanfoninha muito mal, mas tem ajudado.
P/2 – Conta assim: como o Mestre Griô, qual é o conhecimento que você passa?
R – Eu passo aquilo que eu aprendi ao longo da vida, contar algumas histórias, entendeu? Tocar sanfona, falar de alguns músicos conhecidos, tipo Luiz Gonzaga, eu estou fazendo inclusive um histórico para distribuir com a meninada, entendeu? Tenho ideia de apresentar vídeos desses cantores e tocadores conhecidos, entendeu? Tipo Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Fagner, e música sertaneja um Sérgio Reis, Cascatinha e Inhana para que eles possam conhecer esses valores, entendeu? Que tanto fizeram pela música do nosso país, essa é a minha ideia e tocar para eles, ensinar bater uma tabaca, a tocar um afoxé, um triângulo, uma “ponderola” eles ficam ali acompanhando comigo, um bate certo, o outro bate errado, mas com o tempo eu sei que eles aprenderão, com certeza.
P/1 – E as crianças gostam da sanfona?
R – E quem não gosta de uma sanfona, eles tanto gostam como insistem em querer pegar! Uma sanfona é pesada! O mais velho, ele tem 11 anos, uma sanfona daquelas ele não pode, mas eu estou tocando ou quando eu estou, mas eles ficam ali ó dedilhando, faz questão, um aperta de um lado, o outro aperta do outro e tal e aí não tem como tocar, porque ele não pode, o peso é acima da possibilidade deles, mas a curiosidade é grande, precisa ver.
P/1 – Conta uma história pra gente?
R – Que tipo de história?
P/1 – Essas histórias que você conta e que a gente adoro ouvir!
R – Ah, história, história é pra contar, não teria assim muito, bem apropriada não.
P/2 – Tem um monte!
P/1 – Essas histórias que você conta.
R – Ah, eu conto história às vezes pouco verdadeira, né, e eles ficam duvidando da minha afirmativa, como por exemplo, certa vez eu saí pra caçar e no mato os cachorros foram atacados por uma caboquinha no ar, aquela flor no mato que estava contando lá no encontro hoje, e depois dessa surra que os cachorros levaram, eles não tiveram mais condições de sair pra caçar, ficaram com medo, a gente amanheceu o dia no mato, sem resultado algum, e naquela época ainda existiam onça, naquele pedaço de Pé de Serra, lá perto do Bonifácio, e a gente já tava voltando pra casa por volta de umas sete da manhã, e os cachorros entraram no mato, numa mata que existia lá, em pouco tempo a gente escutou eles trabalhando acuados, e a gente já percebeu que seria alguma coisa que eles descobriram ali, aí fomos já um pouco apreensivos, né, éramos em quatro caçadores, nos dirigimos ao Pé de Serra e saímos com cuidado, quando chego lá de um pé de uma pedra grande descobrimos
que havia uma toca de uma onça, entendeu, como foi nossa surpresa, ao chegarmos lá naquela toca avistamos uma onça e dois filhotes brincando por ali por cima dela, então, quando a gente observa um dos cachorros justamente o meu cachorro chamado Leão, cachorro de primeiríssima qualidade, estava morto ao lado da onça, a onça matou meu cachorro e aquilo me deixou um pouco triste e ao mesmo tempo aborrecido, com raiva da onça por ter matado o cachorro, eu pensei em atirar na onça e me preocupei com os filhotes. Se eu mato a mãe, consequentemente os filhos da onça, os filhotes vão ter dificuldade para sobreviverem, né, eu digo: “Não, eu vou pegar essa onça à mão”, veja só a ideia, né, o sangue ferveu e eu agi impulsivamente contra a onça com a raiva que estava pelo fato de ela ter matado meu cachorro, cachorro de estimação, eu simplesmente tirei a cartucheira, pendurei
lá num galho de pau, tirei a mochila que eu levava, arregacei a manga da camisa, que era camisa de mangas cumpridas, e parti pra cima da onça pra pegar a onça à unha, quando eu fui chegando perto da onça ela abriu a boca e enfiei a mão na boca dela e virei pelo avesso, virei a onça pelo avesso e ela aqui ó, sumiu no mundo
e deixou os filhotes, eu não tinha o que fazer, peguei os filhotes, levei pra casa e em seguida dei de presente a um amigo fazendeiro, lá ele não sei o que fez depois, e cerca de um mês depois nós voltamos ao mesmo mato, e já encontramos aquela dita onça viva encavalando pelo avesso, dá pra acreditar num negócio desse? É aquela história, a gente conta e acredita quem quiser, coisa de caçador.
P/2 – Ce já ouviu outras história assim, como foi que começou a criar vontade de ser um contador de histórias, assim?
R – A gente vai aprendendo com o decorrer do tempo, a gente vai vivenciando determinados fatos e ouve outras pessoas contando e acaba aprendendo e depois vai passando para essa meninada nova, que não vivenciou esse tipo de coisa.
P/2 – E quem eram essas pessoas que contava histórias para você?
R – Olha eu tive vários amigos, né, vários amigos de infância que, não, a minha infância de já com idade avançada, né, que contavam histórias assim e a gente vivia sempre juntos, caçava, pescava, entendeu? E eles contavam muita coisa e a gente aprendeu muita, muita historinha, assim, algumas verdadeiras outras criadas, a gente aprendeu muita coisa ao longo da vida.
P/1 – Além de seus irmãos, você ainda tinha muitos amigos?
R – Só fiz amigos até hoje, graças a Deus, na minha vida eu nunca tive uma inimizade e nem tenho até hoje, aos 60 e tantos anos, 60 e alguns anos, posso dizer com absoluta consciência e convicção que eu não tenho nenhuma inimizade, graças a Deus, só fiz amigos.
P/2 – Lá na escola você fez muitos amigos?
R – Por onde passei, nos Correios, em 35 anos e um mês de trabalho, só tenho amigos, na escola por onde passei também só fiz amigos, no Colégio Estadual Humberto Mendes, por exemplo, onde eu fiz o primeiro grau, só fiz amigos, fui presidente de Grêmio durante cinco anos consecutivos numa admissão ao ginásio num Colégio Monte Pio dos artistas e no Colégio Estadual Humberto Mendes, fui presidente de classe durante esses cinco anos consecutivos, na faculdade em São Paulo que eu estudei na Tibiriçá, também só tive boas amizades, chegando a Arapiraca a mesmíssima coisa, eu só sei fazer amigos, graças a Deus.
P/2 – Só pra finalizar, é, queria perguntar se você gostou de contar sua história pra gente, como o senhor se sentiu, estar dando essa volta no túnel tempo?
R – Olha, dizer simplesmente que gostei é pouco, entendeu, eu fico feliz da vida por estar aqui com vocês, contando parte da minha história, que a gente conta muita coisa, mas acaba ficando algum detalhe aqui e ali, mas pra mim foi por demais gratificante, vocês me deixaram feliz da vida, é mais um fato marcante que eu não vou esquecer nunca mais.
P/1 – Vai contar pra outra pessoa (risos)?
R – É, vou contar para outras pessoas o que aconteceu comigo aqui e para que vocês fiquem conhecendo algo mais ao meu respeito, mandarei pra cada uma de vocês um livro que conta a minha história, uma autobiografia, intitulada A saga de um caipira e esse caipira sou eu!
P/2 – Muito legal, obrigada mesmo.
R – Eu que agradeço, muitíssimo obrigada por este momento, por esta oportunidade que vocês me deram, que Deus as proteja e lhes dê muita saúde e muita paz e muitos anos de vida para que vocês
possam propiciar cada vez mais momentos felizes e gratificantes e Deus as proteja.
P/1 – Obrigada, é um super prazer também ouvir o senhor contar a sua história, viu seu Domingos? Obrigada.
R – Muito obrigado.
P/2 – O Museu da Pessoa te agradece e espero que a gente se reencontre muitas vezes e vida longa à Ação Griô.
R – Eu Também espero reencontrá-las e quem sabe um dia conhecer o Museu, o qual vocês representam muito dignamente.Recolher