P/1 – Vou pedir para o senhor falar o nome do senhor e o local de nascimento.
R – O meu nome é Jorge Kagnãn Garcia. Nasci e me criei na terra indígena Nonoai. _______ nessa região Nonoai.
P/1 – Nonoai é uma cidade?
R – Ela é uma pequena cidade, mas é uma cidadezinha. É um municíp...Continuar leitura
P/1 – Vou pedir para o senhor falar o nome do senhor e o local de nascimento.
R – O meu nome é Jorge Kagnãn Garcia. Nasci e me criei na terra indígena Nonoai. _______ nessa região Nonoai.
P/1 – Nonoai é uma cidade?
R – Ela é uma pequena cidade, mas é uma cidadezinha. É um município.
P/1 – E qual que é o nome do povo do senhor?
R – É Kagnãn Nonoai, terra indígena Nonoai. É o nome da aldeia indígena.
P/1 – E qual que era o nome dos pais do senhor?
R – Do pai?
P/1 – Da mãe e do pai?
R – Da mãe e do meu pai?
P/1 – É, qual que era o nome do seu pai?
R – Do meu pai e da minha mãe, eu tenho lembrança, né? Ela se chamava Margarida de Paula e o pai João Garcia.
P/1 – E dos avós, o senhor se lembra?
R – Dos avós é a mãe da minha mãe pouca lembrança eu tenho do, longa passagem, quando a gente, eu na minha idade que eu estou agora já, a gente para divulgar o nome de uma pessoa assim imediatamente eu tenho que voltar muito meu pensamento através da minha idade, né? Então minhas avós, meus avôs, eu sei que eles, o avô era Garcia e da avó era de Paula, o pai dela, mãe também. Só eu não me lembro o nome delas, porque a passagem do tempo que, mas conheci elas, né? Conheci sim. Elas que ajudaram a finada minha mãe a criar nós. Velhinha muito especial, o velho também. Daí uns tempo morreram os coitados. O pai, e a mãe, a finada minha mãe, então ela morreu aqui, outra área Chapecozinho, nós viemos em um passeio. Na época o índio andava muito, andava de área de em área. Parava um pouco em uma área, depois em outra. Então era o nosso prazer era andar um visitando o outro nos toldos indígenas, era um costume indígena. Porque hoje já nós somos quase mais diferentes, é dificilmente nós sair para outros toldos. Só que uma reunião, um passeio, a gente vai. Mas dizer, sair daqui, vou morar lá é bem difícil. A gente vai, às vezes, mas não é como era antes passado.
P/1 – E o senhor nasceu na terra indígena?
R – Nasci em terra indígena Nonoai. Lá se chama lugar do nome onde eu nasci Passo _____, passo _______ até hoje. Lá tem uma aldeia de Guarani, hoje, sempre foi uma aldeia de Guarani. Nós estávamos em uma época, que ela tinha coisa de guarani, a finada mãe, nós estávamos, paramos junto com os Guarani. Quando eu nasci, dizia ela. Daí nós estava andando, andando nas área, me criei, já que ela morreu em Chapecozinho, depois voltamos de novo para Nonoai. Tivemos morando em uma outra área, Votoro, se chama. Lá me criei já rapazinho moço, daí que eu voltei para Nonoai, meu nascimento lá, até hoje estou lá morando. Me casei. Quando eu me casei, eu tinha 16 anos e a minha patroa tinha 17. Até hoje estamos vivendo junto. Ela é viva e eu sou vivo ainda. E sempre só com ela também, nunca troquei de mulher. Ela se chama Maria Constante, e eu Jorge Kagnãn Garcia. Índia pura. Eu tenho uma cruzinha com Guarani, mas não é lá, a mãe era de origem Guarani com Kagnãn.
P/1 – _____________ o senhor estava falando da terra indígena. Como é que era essa terra quando o senhor nasceu?
R – Quando eu nasci já era indígena Nonoai. Então nasci lá dentro. Porque lá tem, ela é, tem quatro toldo indígena dentro de uma área só. Tem o Posto Indígena, depois tem a Bananeira, depois tem o Pinhalzinho e depois tem a Vila Alegre. E nessas quatro toldinhos é tudinho na área indígena Nonoai. Tudo dentro dela, do mesmo território.
P/1 – Mas era diferente assim, o senhor tem lembrança?
R – Sim, nessa época era tudo diferente, ali era matão. Ali, Nonoai, quando eu conheci ele, eram umas casinhas lá longe uma da outra, era uns vizinhos lá. Que eles, Nonoai que dizia, hoje eles chamam Nonoai, mas o nome desse cacique Nonoai ele morava, ele fez um toldo indígena Nonoai ali, ele morava ali. Dali passado uns anos, um tempo ele faleceu ali, então ficou o nome Nonoai, Nonoai. O nome era do índio velho. Ficou aquele nome, então ele abarcou aquela área indígena Nonoai. Então quando nós convivemos ali que nós tiramos reconhecimento aqui de pessoa já de, quando crescemos, né, aquilo ali era puro sertão. Um pinhalão que não tinha fim. Coisa mais linda do mundo que existia. Ali tinha pinhão, ali tinha abelha, ali tinha tudo quanto é espécie de bicho. Tinha o cateto, o porco, o tatu, o quati, o bugio, ou macaco, o papagaio. Aquilo era, fazia nuvem. Tão aquelas papagaiada. E ali foi terminando, foi indo, foi mudando era na época do SPI [Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais], passou para a Funai [Fundação Nacional do Índio]. A Funai numa renca ela deu uma pegadinha boa, mas depois afastou também, começou de certo, não sei lá a lei dos governos, que eu não sei a lei do governo. Sou, digo perfeitamente que eu fui criado com a lei na mão lá dentro da minha terra indígena, mas lei de fora eu nunca participei. Eu tenho participado lei de fora agora nessas saídas assim. Eu vejo advogado falar, eu já falei, tive oportunidade de falar com o doutor juiz, já tive oportunidade de falar com muita lei de fora. Recém, depois de velho que eu comecei sair fora, mas sempre comandei os índios lá dentro da área indígena. Até hoje ainda sou um velho conselheiro. Muito calmo, sempre fui. Fiz as coisas direitinho, por isso ninguém, todo mundo me queria bem, não queriam que eu saísse do encargo. Que às vezes nós nunca ganhávamos nada com o serviço, com o trabalho de autoridade, né? Não tinha lei para nós termos salário. Então nós sofria bastante nessas coisas. Só que nós tinha que aguentar porque é nosso costume indígena. Nosso costume indígena nós nunca abandonamos. Onde tem um índio, se eu sei que tem um índio para fora da área, eu ando por aí, eu vou lá prosear com ele, quero ver ele. Prosear pertinho com ele, que ele é meu sangue. Sempre fomos assim, gostamos de viver junto. Extraviar não.
Não somos de acordo ser extraviado. Por isso que, só que nossas terras sempre foram atingidas assim pelo branco. Nas épocas das outras leis, no tempo do Leonel Brizola, uma lei muito importante que ele bateu na vida nossa, que atingiu bastante a nossa área indígena. Mas o que é que eu vou fazer? Já que aconteceu, aconteceu. Pinhal, botaram três, quatro serrarias lá dentro. Que é uma coisa que se fosse hoje nós não deixava de maneira nenhuma. Na época nós não sabíamos o que é que é lei de fora. Nós pensávamos assim: que o chefe de posto seria o governo. Na nossa opinião, que nós não sabemos o que é lei de fora, né? Na época o nome do Joaquim, o primeiro Joaquim que eu conheci da área indígena lá, chamava Joaquim, Joaquim... Joaquim Frázio. Velhinho, velhinho que ele morreu. Primeiramente ele era mais novo, forte, igual eu assim, mais ou menos, quando do conhecimento dele, né? Mas depois ele faleceu e não saía para fora. Ele só comandava também dentro da área. Daí que veio o chefe do posto, e mudou a lei para a Funai, daí caiu para chefe do posto. Aí botaram o tal de Francisco Vieira para ali. Ele já era do tempo do SPI, mudou para chefe de posto. Ele ficou 20 anos dentro da área indígena. Mas só que o que ele fez? Destruiu o pinhal que tinha naquela região de Nonoai. Porque tem outra região para lá que tem um pinhalão, que é uma reserva nossa, dentro do mesmo parque, da nossa terra indígena. Fizeram um parque, Leonel Brizola mandou fazer um parque florestal do estado. Bom, nós fomos lá com dificuldade, nós tiramos de volta. Fizemos lá um, nós se revoltamos, os índios, fomos lá, acampamos: “Aqui é nosso.” Atropelamos o guarda que cuidava em roda, e: “Não, de hoje em diante somos nós que mandamos.” Nós sabemos que a terra é nossa. Até hoje está lá ainda. É proibido até nós entrar lá para destruir. Podemos ir lá matar um passarinho, comer uma cacinha lá, mas dizer, derrubar madeira não. É proibido pelo nosso cacique que, e nós mesmo, os índios mesmo acham que não é para destruir. Vamos conservar para os nossos próprios filhinhos um dia conhecer o que é pinheiro, o que é mato. Se nós índios abrir mão, termina aquele matão. E é grande o mato, bem grande. Lá tem tudo quanto que é espécie de bicho: tem macaco, bugio, macuco, veado, porco-do-mato, cateto, cotia. Olha, tudo quanto é pássaro. Só o papagaio é bem raro. Não é como era século passado, bem pouquinho os papagaios. Não, tem uns bandinhos por lá.
Não sei se, como é que se some, né? Então foi por ali nossa vivência de vida. Sofrida, mas valeu a pena. Depois veio aquela invasão, invadiram as nossas terras, a gente teve que correr. E ficaram um tempo, invadiram bastante. Derrubaram matas virgens, mata sem pinhal, não tinha pinheiro, mas lá tinha tudo quanto que é espécie de madeira de lei. Mas eles chegavam lá faziam um mutirão de 15, 20, 30, 40, 50 homens, devoravam. Nós ia lá proibir, não tinha como. Nós avisávamos a polícia, a polícia: “É, nós vimos lá.” iam lá, diziam para eles que não, mas eles só paravam um pouquinho de trabalhar. Mas a polícia virava as costas eles continuavam igual lá, a polícia de fora. Porque, na época, nós já trabalhava com a polícia de fora quando era nas horas de perigo. Então a gente nunca tomou, assim, facilitar bem de nós agredir ninguém sobre essas causas, nem o branco e nem o índio. Então nós que era da lei, as autoridades indígenas, a gente tinha muito cuidado isso aí, de dar um conflito grande lá, de Deus o livre matarem metade dos índios. Mas isso, graças a Deus, não aconteceu. Mas foi trabalhado firme, nós tinha que trabalhar mesmo. Nós tinha que cuidar, cuidar, como cuidasse uma criança, aquilo lá, para não ter briga de índio com branco. Aí fizemos outra combinação lá, tiramos. Isso já faz 30, 40 anos que tiramos os invasores de novo, né? Com a ajuda da Federal, a polícia aí que entrou no meio, deu uma mão para nós. Dentro de, eu não sei ______ tinha lá morando já lá dentro. E que eu contava: “Nós estamos perdidos.” Até tinha a Ziembinski, que dizia que ia levar nós tudo para o Mato Grosso. “O índio nós vamos levar lá para o matão, Mato Grosso.” tinha mulher que chorava, dizia: “Mas que barbaridade, nós deixar nossas terras e ir para Mato Grosso.” Choravam, não, tenham coragem, nós não íamos perder não. Até que a gente foi e fizemos uma reunião lá com as autoridades, lideranças nossas: o que é que nós íamos fazer? “Vamos enfrentar ou bem, ou tudo ou nada.” Enfrentamos lá e tiramos os invasores. Começamos e tiramos tudo, eles saíram e ficamos livres. O governo também deu uma mão, que dessas causas, claro, o governo sabe que nós temos nossos direitos. Só que nossos direitos hoje que daqui, por exemplo, que ele está aparecendo. Eu estou enxergando que nós temos lei mesmo. Só que nós na época não sabíamos procurar ela. Era muito atrasado. Mas hoje ainda a gente está trabalhando assim para estudar os filhos, para eles terem mais experiência, os netos. Eu tenho há já uns 15 ou 20 bisnetos, tudo já, apostando em base de aula. Eu mando meus filhos: “Vão estudar, que o movimento é grande dentro do nosso Brasil.” A gente vê, está fechando o Brasil. Olha, nessa corridinha que eu fiz de, que eu nunca saí em corridas como essa que eu fiz agora, né? Atravessar, pegar Chapecó, São Paulo. São Paulo a Rio de Janeiro. Rio de janeiro, Paraty, lá foi o final. Mas eu fiquei, me deu uma admiração. Tudo quanto é cidade a gente já não vê casa de madeira. Será que terminaram a madeira e agora vão começar a cavoucar terra para fazer casa? (risos) Nas épocas, a gente via uma cidade pura, pouquinhas casas de material, as coisas. Só casa de madeira. Porque existia. Agora terminaram a madeira, viraram para a terra. E até quando eles vão cavoucar a terra? Nós mesmo vamos destruir a terra daí, né? Calculo eu no meu pensamento. Não sei se é um pensamento bobo, é certo ou não. A água não se existe mais água como era. A planta não dá como você plantava. Tudo está de mudado. Tudo isso eu tenho validade de consciência assim de ver se eu boto alguma coisa na cabeça de algum filho meu, algum sobrinho, neto, uma coisa lá que eles enxerguem um pouquinho para a frente. Porque eu até agora não enxerguei nada. Tudo que eu passei está ficando para trás. Então tenho que só olhar para a frente porque se eu olho para trás não adianta mais, né, como eu falei. Será que nós temos que amanhã, depois, cavoucar terra para nós fazer casa igual o João de Barro, né? (risos) Eu acho que é parecido que eu vi a cidade grande aí, a maior parte, é só casa de terra, casa de barro. Então eu fico admirado, mas é a evolução do Brasil. O que temos que fazer?
P/1 – Me conta uma coisa: como é que era assim, quando o senhor era criança na aldeia?
R – Mas era uma beleza, aquela época era calmo. O tempo que o Getúlio Vargas mandava era outra lei. Aquele dava mais atenção no índio. Era, que a gente via as notícias, eu tenho lembrança do outro governo, Borges de Medeiros, parece que era, então eles queriam muito bem a nação indígena. O que é que eles faziam? Lá, de vez em quando, porque lá era o soturno, era mato, não tinha estrada de carro, nada, o que é que eles faziam? Eles mandavam assim de carreta. Então ali vinha carro, mandavam foice, machado, enxada, comida, banha, tudo enfardado, para distribuir para cada um índio para ele continuar trabalhando. Só que o índio, nunca ele foi do serviço, a cultura dele é outra. Ele mais gosta de lidar com artesanato. Taquara, essas coisas. A cultura indígena é por ali. A cultura do branco agora que eles estão encaminhando, agora eles já estão compreendendo a cultura de soja, milho, o feijão. Que na época eles plantavam muito feijão e milho, né? Tempo da canjica e a quirela que falavam, mandioca, as coisas, plantavam. Criavam porco. Então eles sempre passavam bem mesmo na época. Porque naquela época tinha o, tinha fruta, peixe, caça do mato e tudo o que se dava no mato eles comiam. Tem uma fruta de canela, canela preta que diz, fruta tão boa, boa, e é saudável. Por isso que tudo aquilo é remédio. Porque a gente nota, até hoje dá para notar, tem que ter um plano assim de notar até os passarinhos, os bichinhos. A gente vai lá na mata, mata um bichinho lá, ele é bem sadiozinho, que não tem um verme sequer. E como é que ele vive na mata, né? Será que ele, alguém vai lá curar, fazer curativo nele? E não se acha um morto também, empestiadinho também não se acha. O pássaro a mesma coisa. O pássaro se mata um ele é bem sãozinho, não tem nada de, e é saudável. Comer ele é o mesmo que tomar um copo de remédio, porque ele é sadio, ele come só frutinha do mato, e ele é bem sadiozinho. Não tem nada contra ele. Então na época que nós éramos assim, era a mesma coisa do bicho do mato. Nós, o nosso alimento era a mata, hoje não existe mais. Então, queira ou não queira, nós temos que partir para outro ponto da cultura, porque senão nós íamos morrer tudo de fome. Se nós queremos comer a comida que nós comíamos não tem mais. Tem que comer, como estamos comendo. Só que já está fazendo mal para nós. Como eu canso de falar que eu nunca fui em um hospital, só fui visitar doente, mas eu, meu corpo nunca deitou em uma cama de hospital. Por quê? Eu uso muito artigo do mato, né? Como fruta, eu vou no mato masco uma folhinha de mato, vou engolindo. Fico o dia inteiro e não passo fome, só bebo água. Então, mas para mim é uma saúde, e nunca tive nada no corpo. Me dá uma gripezinha. Mas gripe isso é comum, eu pego um chazinho de marcela ali, se foi. Ou tem muitas qualidades de remédio que é bom para a gripe. Você pode dizer em português ou, eu digo crimé. É muito facinho, acho que ele dá em qualquer capão esse crimé. O pariparoba? Aquilo lá é um, pode a criança estar com febre, bastante febre. Faz um chazinho, dá lá um meia, meia “xicrinha” assim, meia morna, não quente. Quando dali uma meia hora ele vai acalmando até que termina a febre. Muito bom o crimé.
P/1 – Mas como que era assim, o que é que o senhor fazia quando era criança na sua aldeia?
R – Pois é, na aldeia a nossa vida era, nós plantávamos pouco, porque plantar bastante não adiantava. Nosso comércio era muito mais para comprar um sal. Nós tínhamos que caminhar, às vezes, 10, 12 quilômetros com o produto nas costas. Atilhava o milho, né? Você não entende o que é tilha, mas a tilha é quatro espigas de milho. Pega, rasga a palha, faz o rabichinho na palha, aqui ata ele, aquele rabichinho. Ficam quatro espigas. Então a gente pendura uma para cá, e duas para cá, e umas duas para cá, fica grudado ali. Nós fazíamos seis, assim, numa volta de taquara, botava na testa e levava aquele milho ateado. Porque naquela época era difícil até bolsa, não existia, né? Fazia um cesto também, um balaio grande assim, enchia de milho, feijão. Nós levava longe, comprar erva, às vezes, que muitos velhos já, na época, era acostumado a tomar chimarrão. O tempo que eu era criança, né? Era muito custoso de nós comprarmos o que era do branco. Nós comprávamos mais sal. Porque o sal para tudo quanto é comida nossa ele servia. As folhas de mato que nós comíamos. Tem várias, várias folhas de mato que era nossa comida. Cozinhava, botava um pouco de sal e ali nós comíamos ele. Depois nós comíamos mel, comíamos outras frutas, o pinhão, no tempo, na época de pinhão. Porque o pinhão ele, na época, aquela época, ele dava uma safra de pinhão que os índios não venciam. Dava mesmo. Eu ia debaixo de um pinheiro aquilo vermelhava, dava para juntar com a mão assim, e jogar no cesto. Então o que é que nós fazíamos? Nós enchíamos aquele balainho assim, e as velhinhas elas mandava nós trazer, fazia cerro de balaio cheio de pinhão. Ela bota as folhas por cima, de mato, uma samambaia preta que tem no mato, em cima ali. Tampava. Assava bem datadinho por cima. Fazia uma toca no chão botava ele ali, três, quatro cestas. Quando ela tirava uma cesta, que ela gastava aquilo ali em quatro, seis, oito dias, ela ia lá tirava outro. Passava o ano tranquilamente com o pinhão. Era a mistura que ela tinha. Ela guardava. E aqueles que guardavam pouco e não dava para vencer a outra safra sofriam também. Mas não sofriam tanto porque eles tinham o mel, tinham a caça, tinham a abelha, tinha tudo. Aquelas sangui, até hoje nessa terra que eu digo, estou contando, essa bata lá, é bonito de a gente andar lá que a gente às vezes passa o sangui assim, aqueles peixinhos estão fervendo. Ô peixinho lindo, aquelas saicanga tão linda que aquilo está que, a gente só passar assim o cesto por dentro, pega três, quatro cozinhada ali numa passadinha. Faz um fogo lá, já cozinha ele e come. É o alimento dos índios, né? E lá ela é sadiazinha porque lá não tem veneno, não tem nada. Lá é um mato. Bem sadia. Se cria, porque, elas se criam com o quê? Com o próprio bichinho que é das madeiras de cima, coralzinho, tal e coisa, que está caindo a todo momento. Elas estão juntando. Então elas se criam por ali. Então elas são bem sadiazinhas porque elas não comem outras. E hoje nesses lajeados aí não dá nem para pescar mais. Para pegar um peixe ali perigoso até matar a gente porque ele já está envenenado. Poluição demais na água. E nessa mata que eu estou contando, não índia, lá existe, só que nós somos um pessoal assim, que nós mesmos estamos conservando aquilo lá. Não é ordem do governo, claro que o governo tem suas ordens, ele é que manda, né? Mas nós mesmos estamos com nossa vontade, não é por lei. Nós botamos a lei para nós também que aquele que vai lá, cuide o fogo, pode entrar lá pegar uma fruta, pegar um peixe, pegar uma taquara para você fazer artesanato, pode ir lá sim. Só cuide muito o fogo. Porque se nós descobrirmos quem botou fogo lá dos nossos índios, vai ter prisão para ele. E eu, eles se cuidam. Quem é que vai querer ser preso? Ninguém, né? Às vezes pega fogo lá, por um descuido, como tem, cruza o asfalto no meio, também cruza muita gente branca ali, né? E são invejosos das terras indígenas. Que nem, eu cansei de ver dentro de ônibus: “Bah, os índios com todas essas terras, meus amigos, ao invés de trabalhar, ao invés de produzir, ao invés de fazer...” A gente escutando, mas o que é que a gente vai dizer? Eles estão, são, estão falando sério, certo. Certo e não, na minha opinião. Porque não é nossa cultura o trabalho do branco, nunca foi. Desde que eu me conheci por gente eu peguei bastante dessa parte que não é nossa cultura. Eu convivi com mato. Eu era caçador, eu era o mestre da caça, desde piá, eu já era influído antes dos outros, dos meus guris, meus companheiros de caça. Nós pegava as flechas de manhã cedo, quando clareava o dia nós já estávamos tudo com as flechas perto do fogo, assim, endireitando ela porque ela também amanhece meia torta, né? Os cacete, as lanças, saía. Então nós tínhamos uns apitos para avisar um ao outro. Um entrava por aqui, outros por aqui, outros por ali, só quando o, quando fazia um apito do caburé daí você está perto da caça. Daí eu faço só aquele apito que todos nós vamos lá. Então nós se compreendia pelos apitos, porque não dá para fazer barulho, não dá para gritar um com o outro, né, porque o bicho corre. Aí nós íamos pelos apitos, nós caçava dessa maneira. Mas tinha gente que era hoje igual a uma polícia. Era igual a um agente treinado, de física, eles faziam física também. Tinha o terreirão deles jogar espadas, e tinha preparado, de fazer as danças, exercício deles, para eles treinarem. Quando eles iam no mato pular por cima de uma madeira de cinco metros, para eles era pouco. E era tudo à base do remédio. Eram forte à base do remédio. Eu cansei de ver, como eu ajudei fazer, nós íamos assim, diz: “Vamos matar um veado?” Porque o veado é o bicho mais arisco que tem, ligeiro, né? Mas nós matamos ele. “Como é que nós vamos fazer, então?” “Tem um que sempre dorme ali naquelas partes ali assim, mais ou menos por ali. Sempre via ele correndo ali.” Aí nós combinávamos para: “Qual é o rumo que ele vai?” “Ele vai naquele rumo lá de tal parte, assim, assim, assim.” Nós sabíamos, conhecia todo o mato, explicava um para o outro. Dizia: “Você vai lá e fique lá. E nós íamos por aqui, em dois, devagarzinho, nós íamos indo, campeando até que nós achamos ele. Ele corre, vai dar lá contigo. Você já está com as flechas prontas lá, você atira. Flecheia ele lá.” Quantos dessas não fizemos. Nós mesmos fazemos bicho ligeiro correr para cima do outro, lá a uma altura o outro estava já a uma espera lá. Matava. Era o nosso modo de caçar. ________ o tatu, qualquer outro bicho, tinha muita prática de matar eles.
P/1 – Piá é criança?
R – É, já de 16, 17 anos que eu digo piá, porque ______ idade, né? Então é aqueles que eles preparavam os piá _____. Ia no mato caçar, são mais ligeiros, mais fortes. E os velhos já ficavam tudo, só ensinavam as “piasada”. Como é que eles caçavam, como é que eles melavam, como é que eles pescavam. Matar peixe também com veneno, com cipó. Tinha tudo aquilo lá. Tem o cipó no mato que eles controlavam ele, jogavam na água, parte aí, várias partes daquele morriam todos os peixes. _______ estava branco de peixe. _____. A flecha tinha o veneno também que nós passava na flecha, só que aquilo lá é proibido pela nossa lei, que não podia passar aquilo lá porque às vezes as nossas autoridades diziam assim: “Vocês machucam o bichinho porque daí ele vai morrer longe. Então não passa o veneno na flecha de vocês. Se eu souber que alguém de vocês está passando eu chamo vocês na lei.” Então nós se cuidava, nós não passava. Nós sabíamos qual era o remédio, só que nós não passávamos porque era verdade. Porque é igual um pique de uma cobra, ou seja, caçar e estar envenenada a flecha. Só riscou, pronto. E o bicho vai longe morrer, tem que atirar para matar, derrubar ele na hora, senão... Então era bom de usar e não bom, porque estragava muita caça e era proibido pelos velhos. Eles não gostavam, eles não deixavam fazer o remédio, esse veneno passar nas flechas. Então eu cacei muito, mas também atirei só uma vez veneno com flecha. Então muitos assim perguntas, diz: “Mas você não tinha medo depois de comer a caça que estava envenenada?” “Não, não é veneno para nós. Aquilo é para a flecha matar.” O veneno bravo, claro, só que ele não penetra na carne. Porque quando _______ na caça ela solta todo o sangue daí. Morreu, parou todo o sangue, daí não penetra no corpo. Tira aquela parte da flechada ali, pronto. Nós fazíamos assim.
P/1 – Quando que o senhor foi iniciado na caça?
R – Quando que eu fui? Pois essas épocas eu não sei, eu sou nascido em 21, foi mais ou menos ali por 30.
P/1 – Quantos anos o senhor tinha, mais ou menos?
R – Pois é, por ali, de dez anos eu disse que eu ia já no mato já. Eu sempre gostei de acompanhar os velhos que iam caçar. Melar. Carregar mesmo os apetrechos deles, o machado. Eu ia atrás deles, levava os balainhos, ______ assim de botar o mel dentro. Enchia aqueles ______ de mel e botava nas costas. E naquela época dava mel, tinha abelha. Abelha, ________. Muito rico era o Brasil de bicho. Agora que não existe mais.
P/1 – Que mais que o senhor gostava de acompanhar?
R – Eu acompanhava os irmãos mais velhos. Tinha os mais velhos que ele era, gostava também de caçar. Ele era preparado para a caça. Ele era nosso fronteiro, chamava
ngelo Garcia. Ele foi matado pelo, também era autoridade, daí ele foi fazer uma prisão e deram um tiro nele. E morreu. Fiquei de cinco, eu lembro que nós éramos, só eu que resto ainda. Uns morreram de doença, um morreu na água, morreu no Morro Branco afogado. Ele foi tomar um banho, mergulhou e não saiu mais. Chama Nantino o nome dele. Então nessa, nossa intenção é irmã, porque é de pai e mãe. Agora tem mais dois que já é de outra mãe, então não é legítima, só do pai. Mais dois irmãos mais novos de mim, que mais legítimo só eu, ______, irmão legítimo. Então com aquilo que nós caçávamos, fazíamos nossa jornada no mato. E nós gostávamos que era a nossa convivência, não tinha outra coisa. Nós fazíamos lá uma grande planta para nós, era só para os bichos comerem. Não tinha comércio naquela época, muito difícil. Aí que foi vindo, foi indo, foi andando, foi andando, foi de mudando, foi de mudando, até que hoje tem caminhão, tem trator por toda parte lá. Carroça, junta de boi, toda parte. O índio foi invadido, agora, da metade em diante que era conservado, que foi feito um parque lá no, tem só o asfalto que passa pelo meio de Nonoai a Planalto, Planalto a Iraí, Iraí a Frederico. Então só cruza ali. Mas cruzando a mata já é por cidadezinha, bairro, tem cidadezinha de índio também lá.
P/1 – E como é que fazia para passar assim conhecimento, como é que fazia para aprender as coisas?
R – Para nós aprender? Era com os próprios velhos, né? Os velhos sabiam tudo, tudo. Não tinha coisa, que eles eram das épocas mais dificuldade ainda que as nossas épocas, os velhos antigos. Então já sabiam o modo da vida deles, né? Então eles passavam para nós. É o que eu estou fazendo hoje, o que eu sei eu estou passando para os alunos nas aulas. Onde eu vou nas aulas, não toda semana, é lá _______. Porque se eu vou, se eu quiser ir toda semana eles vão dizer assim: “Bah, mas esse velho está nos incomodando.” (risos) Aí é... Então eu faço uma escola, ou outra escola. Se me chamam em outra área indígena vou lá também. Iraí, ou Fio da Vargem, até Chapecozinho eu já fui, aqui em Santa Catarina. Santa Catarina eu vim uma vez, estive lá fazendo com as professoras. Fui visitar os alunos na aula deles. Eles mandaram todos os alunos pararem para vir me visitar. Faça um conselho, fez uma roda grande lá. Aconselhei as crianças nossa. Mas infelizmente ali ninguém, já muito pouquinho, estava entendendo a lei indiana, indígena. Então eu fiquei muito chocado assim, digo: “Mas que barbaridade, nós índio perder nossas línguas.” ________ Nonoai ___ lá, bem pouquinho, que a gente entra na sala de aula eu digo: “Boa tarde meus alunos.” Digo na minha indiana ______________________, todo mundo responde qual é, contente, quando eu chego lá. Diz, agora eu digo na indiana: “Aquele que não souber ler indiano levante os dedos.” Muitos pouquinhos levantam o dedo, mas lá é misturado com filho de italiano, filho de polaco às vezes. O pai ou a mãe ou sei lá quem não ensina as crianças. Mas agora já está fechando, que tinha bastante, agora já está fechando. Tudo _____, eu mesmo digo para os alunos, digo: “_______ vocês tem o tempo de brincadeira, jogo de bola, fale só em índio com ele. Faça ele falar em índio. Se ele é índio, filho de uma índia, filho de um índio, fale em índio com ele. Ele não pode perder o idioma dele.” Então eles são, tudo __________ com paciência, mais lento, mas ele vai indo. As primeiras vezes: “Ôpa, mas o que é que esse velho quer com nós?” Agora com o passar dos tempinho já eles estão entendendo. Eu faço a reunião com os pais dos alunos também e como digo que: “Não, vocês são obrigados a ensinar. É uma obrigação com a nossa cultura indígena. Que ________ se nós perdermos nossa língua, nós não queremos ser índio mais? Nunca nós vamos deixar de ser. Você pode ser o maior doutor do mundo, mas você é índio, você é índio.” É o que eu digo para eles, tem que ser índio, você não pode ser branco. Se você é índio é índio, se o branco é branco, preto é preto. Tudo,
nós temos a nossa visão de não perder sua cultura não. Eles não obedecem, mas com _____
P/1 – O que é que o senhor ensina?
R – Eu ensino para as crianças na aula? Ensino a minha convivência, né? Conto a história, a minha história, o tempo que eu passei. Como está me entrevistando assim, mais ou menos para mim. Conto as histórias que eu passei, eu fui caçador, e vi abelha, comia mel. Eu comia tudo quanto é tipo de fruta. E me acho forte, graças a Deus. Eu queria que vocês fizessem assim, mas não tem como nós fazermos. Mas mesmo a língua vocês continuem falando, não percam a língua. É o que eu digo. Quero que vocês estudem, me obedeçam, porque a nossa língua é muito importante para nós. Eu já estou terminando, mas vocês ainda vão ficar um dizendo para o outro: “Sabe que aquele velho deu um conselho bom para nós?” vocês vão dizer bem assim uma época. Então o que a gente fala para os alunos, muita coisa de mais importância a gente vai colocando para eles. _________________. Canto para eles no idioma até. (canta) Aí eles todos batem palma e me ajudam a cantar. Tudo beleza, faz bonito. Me lembro que eu gostei sempre de adorar criança, toda a vida. Inclusive eu estou criando dois netos e um bisneto. Tudo comigo em casa, me chamam de pai. Jóg, pai é jóg.
P/1 – Como?
R – Jóg.
P/1 – Jóg?
R – É, jóg, pai. Mãe é ijÿ.
P/1 – Ijÿ?
R – É, ijÿ, mãe.
P/1 – E o que é que significa cunhã? O mestre?
R – O cunhã? O cunhã é o _______ indígena, vamos dizer, é um artista, um curandeiro, um sabedor. Que eu sei muitos, ihh, mas quantos eu sei, né? Na mata. Eu sou cunhã e passei pelo trabalho, passei por aquela cultura. Todos os conselhos dos velhos antigos me deram, que era assim, assim, assim. O único fui eu, teve mais outros, que cada toldo indígena tem que ter dois, três cunhãs, porque as áreas são grandes. E cada um de nós cunhã não é no mesmo regime, um tem um modo, outro tem outro modo, outro tem outro modo. Um trabalha às vezes com a onça, outro com, outro trabalha com, como é que eu digo? Com... É, o gato do mato. Esses gaviões, tem quatro, cinco qualidades de gavião, mas tem uns com i no meio. Aquele gavião é um que faz parte da indígena, gavião daqueles. Tem três, quatro qualidades de gavião. Não tem, mesmo na, eu conheço assim no idioma português que tem o gavião-pombo, gavião-macho, __________ águia. Então tem vários tipos de...
Então tudo faz par com o cunhã, ele escolhe um bicho para ele fazer o par dele. E o que é que às vezes ele faz? Ele é preparado com remédio da mata, né, ele vai lá no mato, ele prepara o remédio. Se dá certo, muito bem. E se ele não tem coragem para aquilo não dá nada feito dele. Ele tem que desistir. Agora, se ele fizer eu ver que é para ele aquele dom, aquela sabedoria, que ele ver, dá certinho como ele quer. E eu fui feito assim. Que é que é?
P/1 – Como é que foi para o senhor essa passagem?
R – Você não estava, eu contei essa história.
P/1 – Eu não estava. Pode contar de novo?
R – Posso. É, foi feito assim, então o finado meu sogro chamava Pedro Constante o nome dele. Ele velho, ele morreu com 130 anos. Então ele tinha muito, ele tinha um monte de filhos, eu sou casado com a última filha dele. Daí ele, então ele me queria um bem que só me faltava me por no colo, mas no mais ele fazia de tudo para mim. Me queria um bem mesmo. Daí ele disse _________________, Jamré é um genro. Jamré-mỹ sĩ. É que ele quer bem. Mỹ sĩ é bonito, né? Mỹ sĩ, jamré-my sĩ. Daí então ele me ensinou, dizia: “Você quer aprender ser cunhã?” Eu digo: “Mas eu...” Sempre fui metidinho mesmo, digo: “Não, se o senhor me dá a oportunidade, me ensina, quero sim.” Ele falou: “Não é fácil, meu genro. Você tem bastante coragem?” “Coragem eu tenho até para brigar com a onça.” Nunca briguei, mas eu tenho coragem. Assim que tem que ser. Aí me ensinou. Tem que fazer assim, assim, assim. E eu fiz. “Você vai no mato, derruba um coqueiro.” Igual aquele ali. Tinha aquele cacho dele lá, o bojão que está saindo a flor dele. “Tira aquele lá e traz aqui para mim.” Eu tirei. Fui, trepei no coqueiro, subi lá em cima com o facão, atorei, caiu no chão. Daí peguei e levei. Cheguei lá ele cortou pelo meio aquele bojão, aquele cacho ali. Cortou no meio, tirou aquela flor que estava dentro. Arrancou toda ela. Só ficou um copo, feito um copo, desse tamanho assim. E daí ele foi no mato com aquele negócio lá. Foi no mato ali passou umas duas horas ele veio. Era tarde já. Com aquele bojão cheio de remédio. Cheinho, cheinho. Tinha remédio rapado com faca, tinha remédio com folha, tinha remédio moído com a mão dele assim, ele moía assim bem moído e colocava ali. Então estava cheinho, entupidinho, que tinha um tantinho assim, na beirada assim. Bem calcadinho aquele remédio, né? Daí ele disse: “Agora você pega, leva esse remédio e vai lá na fonte d’água...” Que nós bebíamos na fonte d’água. “Vá lá, você encha de, o resto que tem ali, encha de água e chacoalhe bem chacoalhadinho assim. Tome ela, depois bote água de novo e deixe lá no mato. Vá lá em uma altura lá, guarde ele bem de pezinho que ele não caia.” Eu fui e fiz. Fui lá, tomei, levei lá em um toquinho assim. Daí botei ele a par, firmei, botei bem umas taquaras e deixei. No outro dia ele disse para mim: “Eu sonhei bem, você vai ser um cunhã. Só que você tem que fazer tudo que eu mandar você fazer.” “Eu faço.” Porque novo é metido, né? “Faço sim.” eu disse. Ele disse: “Então daqui nove dias você vai lá pega aquele bojãozinho, aquela, tem outro nome de eu dizer
no meu idioma, pega aquele lá e vai lá na água e tome de novo. Bote água dentro, tome de novo, se estiver seco, né? E pegue ele e vá lá no matão, sabe onde é a Campina Grande?”, ele falou. A campina é xii(?) Nós chamamos, né? “Sabe onde é teré-xii(?)?” Eu digo: “Sei, andei lá caçando.” “Você vai lá, entre mato adentro, até que você puder, ele disse, se você achar que ali está bom, você bote mais água e bota para o lado de um pau, alguma coisa, deixa de pezinho do jeito que você deixou ali. Só, você corte um pedacinho, tira o sangue de uma parte de tu e pinga três gotinhas de sangue dentro desse remédio aí e deixe lá.” E eu fui mais depressa. Tinha uma faquinha boa, uma faquinha na cinta. Cortei um pedacinho, doeu mas cortei, consegui cortar. Daí uns pinguinhos assim. Até que fiz pingar os três pingos de água, na água. Levei e botei lá. Daí ele disse: “Você bota lá e vem. Quando anoitecer você deite, mais ou menos, uns cinco ou seis metros por ali, longe daquele remédio lá, e fique escutando o que é que vai acontecer. Vai vir uma visão lá para ti. Daí você tem de se pelar - ele disse - tirar toda a tua roupa.” Digo: “Barbaridade.” Tinha aqueles pernilongo, aquilo lá tinha bastante. Digo: “Vai me judiar, então.” Aí eu fui igual, eu disse para ele que fazia e fui fazer. Cheguei lá e fiz. E uma altura, já era tarde, saí com tempo de chegar de noite lá, quase. Fui lá, enfrentei o lugar, deixei mais depressa. E assim, eu pensei, digo: “O que será que vai acontecer?” Já começou me dar meio medo. Naquele sertão de lá tem de tudo, né? Lá tem onça, lá tem tudo, movimento grande lá dentro. Cheguei lá, botei lá mais depressa, que já estava quase escuro. E daí eu vim e deitei. Aquilo meio limpo, folha seca, uns, um tipo um carreirinho de bicho, tatu, sei lá. Deitei. Sentei. Dali um pouco eu tirei a roupa e deitei de costas assim. Fiquei escutando. Mas então, bem com a cabeça encostada no chão. Eu vi de longe quando vi na folha seca: tchec, tchec, tchec, tchec... Que ele vinha, os passinho, né? Veio, veio, veio. Cada vez vinha mais. Veio, veio, para o lado, e eu quieto ali, que eu não mexia. E os pernilongos me picando, né? Mas eu não podia me mexer, porque eu estava com medo ali. Se eu me mexo, se é um bicho bravo ele me pega mais logo. E daí quando ele veio, a distância de uns três metros assim, parou, quietou. Mas quietou e ficou uns dois minutos, mais ou menos, quieto. Quando ele se mexeu de lá ele pulou por cima de mim, caiu lá, e pulou de volta lá de novo. E veio de volta três vezes. Pulou lá, pulou cá, mas ele parece que estava, não queria me pisar. Só via aquele vulto que passava por cima de mim, estava escuro, de noite, né? E três pegadas que ele fez e sumiu, também. Caiu lá não vi para onde é que foi também. Não fez mais barulho de nada, nada, nada. Não ouvi aqueles passos também que saiu dali, eu pensei que ele estava ali. Mas ele não estava também. E aí foi que eu não aguentava aqueles pernilongos de lá. Dê o que der, levantei, dei uns tapas e peguei a roupa e vesti de novo. E ele disse que era para mim pegar aquele remédio, tomar e encher d’água e deixar lá de novo. E que dificuldade eu ia passar, escuro, de noite. E era perto de uma água assim, lugar pertinho assim, uma sanguia. Daí eu fui lá, enchi de novo. Tomei aquilo ligeiro. Estava recebendo já picada de bicho, de bichinho, de pernilongo. Fui lá mais apressado porque estava mais _____ o couro que estava lá dentro dos bichinhos me mordendo. Fui lá, peguei uma água daquela lá. Tirei a roupa, tomei um banho ligeiro ali. Peguei a água e levei, deixei no mesmo lugar e _______. Tinha, já perto assim, tinha tipo uma picada, um trilho para nós andar. Saí naquele trilho, acendi umas grimpas, tinha uma caixa de fósforo, acendi umas grimpas de pinheiro e cheguei em uma altura e digo: “É aqui mesmo que eu vou dormir.” Fiz um fogo grande lá, peguei umas folhas de mato, fiz tipo um colchãozinho, deitei ali e não vi mais nada. (risos) _________ quando eu me acordei daquela noite em diante, de madrugadinha eu sonhei que aquele bicho, ele que ia me ensinar, daí, né, o tipo de remédio. Só que não era para mim ter medo dele, como eu fiz. Eu não tive medo dele. Eu mais corri de lá por causa do bichinho, dos pernilongos, mas dele não, dele eu não estava com medo. Dali em diante eu comecei a sonhar com o remédio que era para mim fazer para doença, para isso, para aquilo. E no sonho mesmo aquele espírito daquele bicho me contava, no sonho. Sonhava que eu via ele me explicando o remédio. Ele se parecia uma pessoa, se parecia outras coisas. Mas era aquela, aquele mesmo. Porque de dia assim quando eu ia, de longe eu enxergava ele. Ele me acompanhava igual um cachorro. E se eu mandava ele se retirar de mim para mim caçar, porque se ele andava do lado de mim todos os bichos corriam, iam embora. Porque tinha medo dele. Então eu digo: “Deixa eu caçar, vá caçar também.” Ele deixava, não ia mais. Mas se eu não falasse assim ele me acompanhava até eu sair do mato. Só não me assustava, ele só andava que nem um cachorro do lado de mim, assim. Lá de vez em quando eu via ele passar por longinho, mas em mim ele nunca chegava também, nunca chegou. Então ali que eu fui, comecei a fazer cura. Daí tinha os meus, tinha uns 20 anos, mais ou menos, naquelas épocas, que eu dava remédio. Fiz muita cura. Eu curei até um guri pegado de cascavel. Daí eu tive um sonho um dia que, assim, que eu continuar naquele trabalho, se eu não parasse uns dias, ele ia dar problema para mim. No meu sonho. Ou se não eu tinha que ficar 10 anos dando remédio sem cobrar um centavo de ninguém. No meu sonho, sonhei assim. Eu fiquei pensativo com aquilo. Não sabia se eu ia deixar, porque é fácil de abandonar também. Só pedir para aquela onça, aquele espírito, sei lá o que é que é. Eu digo que é uma onça, mas ao mesmo tempo eu acho que é uma visão daquela onça. Porque ela não faz mal para ninguém, ela, e o que eu faço, eu mando ela fazer ela faz, certo? Ela tem contato comigo, eu sei tudo que é, mas nas épocas eu não sabia, eu pensava assim. Daí deixei. Daí uns tempos, chegou uma época que eu continuei de volta, de novo. Eu digo: “Eu vou dar uma experimentada, se eu tiver outra visão que não é para mim fazer daí eu abandono de novo. Agora, se é para continuar daí eu vou dando remédio.” Continuei dando remédio de novo. Só que hoje já, com a Funasa [Fundação Nacional de Saúde], muitos poucos procuram já
remédio do... Já não existe mais cunhã, não existe mais nada. A crença está atingindo muito a nossa comunidade.
Não sei o que é que vai acontecer daqui por diante, mas está atingindo bastante a nossa comunidade, a crença, a nossa
crença. E não é, à época que eu era criança, todo mundo era um caminho só no nosso costume de considerar a nossa
crença de Deus. E hoje já veio o branco, vem americano, vem isso, vem aquilo, entrosando lá no meio, jogando o índio noutra religião. Só que não é de proibir também, não tem como, todo mundo é livre na mente, a vontade da gente, né? Só que eu nunca, gosto sim, não digo que não gosto. Se eu disser que não gosto é um pecado que eu faço, porque é também um bem que existe no mundo. Ela põe em mente as coisas que não prestam, mas eu acredito que seja verdade. Porque Deus é um só. (risos) Se fosse dois Deus, mas é um só.
P/1 – Eu vou parar um pouquinho porque eu preciso trocar a fita, o senhor espera um pouquinho? (pausa)
R – O parque é muito importante para nós indígenas. A gente tem que tomar muito cuidado, nós índios mesmo, né? Porque nós que vivemos naquele local, naqueles movimentos, nós temos que tomar muito cuidado. É o que eu falo para o meu cacique, ele é muito amigo da gente, Cacique José Lopes, chama o nome dele, José Lopes Nascimento. Muito querido com a gente. Depois eu sou igual o pai dele, o que eu disser para ele, ele me acompanha. Que ele sabe que eu sou uma pessoa da verdade, eu nunca fiz, parti apoiando erro e nem apoiando coisa que não presta. Sempre gostei de fazer coisas direitinho, coisa que é bom para o índio, que é bom para nós. O que nós temos que fazer para bem da nossa comunidade tudo tem que ser combinado com ele, com o cacique. E ele sempre me chama para mim ajudar e dar as idéias. Só uma pessoa não faz um trabalho assim de contentar várias pessoas, fica descontente com a gente. Qualquer errinho que uma autoridade não fez direitinho, eles já ficam assim diz: “Eu gostei assim dizendo, mas cacique devia de fazer diferente.” Então tem que ter uma massa de gente ali para combinar os assuntos. E participa um conselheiro, mais dois que tem Nonoai. E nós fazemos uma reuniãozinha de três, quatro conselheiros ali, debatemos o assunto e vamos lá: “Olha, Zé, nosso plano é isto ali. O que é que você acha? Se você acha que não está certo, você é o cacique, você é que manda, você dá o teu depoimento, e nós ________ o teu depoimento também. Não podemos deixar você fora. O nosso foi feito assim, agora, fala o teu.” É o mesmo que nós fazer um documento. Aí ele dá a idéia dele. Se ele acha que está legal, muito bem. Agora, se ele acha que está difícil, ele pode dar um contra nós. Se a gente não se conversar entre nós, e acertar o assunto. Até que chega no final. Aí fazemos o que nós temos que fazer. Isso é feito assim, por ali, dentro de nossa aldeia lá do parque. Um parque muito especial porque é bonito de ver. Cansei de sair sozinho naquele sertão só para ver. Sem arma, sem nada, só levando um facãozinho para fazer picada. Ia ver como vegetal o mato. Eu naquele sertão anoitecia, pousava lá, sozinho. Fazia um foguinho lá, levava o ____ do mato. Uma sacolinha levava uns pedaços de pão, uma rapadura, um pedacinho, uns torresmos, como diz, a comida de índio, né? Pedacinho de toucinho. Fazia um “brazidinho” ali, esquentava. Então assim, um gominho assim, ficava três, quatro dias lá. Puxava uma abelhinha meia fácil lá com o facão. Porque a abelha, se dá no pau podre, é fácil de tirar ela. Então eu sempre fui lá, um lugar muito importante. Aquele pinhal preteja. Parece que faz uma parede por cima assim, escuro. Tudo pinheiro, naqueles varjão verde assim. Agora tem a lenha por cima, que daí é mato também. Tem o angico, a grápia, tudo quanto é espécie de madeira, o cedro. Lindo, lindo mesmo. Então nós temos que continuar, o que eu falo para os meus, minha liderança e meus filhos que moram ali: “Cuide de isso aí para vocês. Se nós índio destruir agora,
nós vamos acabar matando tudo isso daí.” E mesmo que nós dizer: “Tem um cara morrendo lá, vamos acabar de matar, não vamos acudir ele.” nós vamos acabar de matar, nós temos que tentar não deixar morrer. Se nós deixarmos morrer, ficamos sem nadinha. Já que estamos lascado nós temos que cuidar do que está em cima ainda. O pouquinho que está em cima vamos cuidar, conservar ele. Ali tem remédio, ali ainda tem umas convivências, ali tem os nossos objetos de fazer artesanato. O que nós quisermos tem ali dentro, da nossa cultura. Tudo, tudo, lá dentro da mata. Tem
o tatu para comer, tem o quati, tem o lambu, tem o muri, tem o macaco, o bugio, tudo quanto é tipo de bicho. Só nós mesmo já não vamos mais caçar porque tem que conservar. Tem que conservar.
P/1 – Como é que o senhor aprende, o bicho ensina a fazer o remédio?
R – É no sonho, no sonho. Eu sonho e eu vou no mato e tiro bem certinho o remédio. Então até que eu garrei prática. Hoje não tenho nem que pedir assim. Eu já sei, né? Já tenho contato com a mata sobre aquele trabalho que eu fiz. E tudo quanto é remédio que eu faço é valioso, porque eu já sou preparado para fazer. Não é como você mandar qualquer um cozinhar uma panelada de folha aí. Embora aquilo sirva para aquela doença, mas ele não é bem aplicado como eu aplico. Porque eu aplico direto na aldeia. Eu cozinho o remédio, já sou feito para aquilo. Já fiz tudo aqueles trabalhos a custa de remédio. Sempre se banhava com remédio. Eu convivia só me banhando como fosse sabão. Eu tomava um banho de sabão, depois o remédio por cima. Outro dia a mesma coisa, banho de sabão e remédio por cima. E tinha que deixar ele penetrar no couro da pessoa, para ele existir dentro da gente. Para modo de a gente ter outro espaço de... Como tem remédio que deixa a pessoa brava também. Tem que se cuidar daquele remédio. E nós sabemos tudo. Sou um cara que se você disser: “Dá um remédio para a pessoa ficar violenta.” Fica que nem uma onça. (risos)
P/1 – Mas esse remédio ele vem, o senhor encontra ele ou tem que fazer?
R – Para encontrar só indo na mata virgem, né?
P/1 – Mas ele está pronto ou senhor tem que misturar?
R – Não, eu que tenho que tirar ele. Eu que tenho que tirar e fazer _______, porque tem de ver o banho conforme o pedido que a pessoa faz. Tem tudo essas maneiras. Tem que chegar lá e dizer: “Olha, eu vim aqui, Fulano de Tal está doente, está com problema lá. Dá para o senhor...” E eu também, o que é que eu faço? Se ele pode vir ali, primeiro eu faço um passe. Outro dia que eu dou o remédio. Porque daí me dá um tempo para mim pensar qual é o remédio que eu vou aplicar para ele. Eu dependo disso. Agora, se ele está meio maléfico daí eu tenho que me virar de imediato porque senão morre antes de eu ir buscar remédio. E por ali que a gente, que o índio convivia nas épocas. Mudou tudo, hoje já tem, o próprio meu sangue já não acredita mais em cunhã, não acredita não. A Funasa, graças a Deus, eles estão trabalhando direitinho lá na nossa área, né? Fazendo o que pode. Mais do que isso não é impossível, porque isso é tudo com base do governo, verba do governo. Quantos tem que passar com aquilo lá. Então a gente dá razão, porque muitas coisas de fato, não é de se queixar, estando bem, está tudo bem. Eu não posso me queixar da Funasa lá na nossa área não. Está trabalhando direitinho. Posto de saúde, todos os dias tem enfermeiro atendendo. Médico uma vez por dia.
P/1 – Você poderia descrever como é que é o processo de cura?
R – Cura?
P/1 – É, quando alguém está doente como é que acontece tudo.
R – A cura acontece através do remédio, tem que tomar direitinho como eu mando. Se eu mando ele tomar uma vez por dia, é uma vez. Se eu mando ele tomar dez vezes é dez vezes por dia, depende da doença que ele tem. Que eu enxergo que às vezes que a pessoa tem uma doença brava, doença difícil de curar, tem outro tipo de eu curar eles. Sendo leve é rápido também a cura dele, senão ele tem que ser demoradinho porque ele tem que ir curando devagarzinho, porque que ____ ele mata. Ele vai devagarzinho, amaciando a doença, até que ela mesma vai voltando, vai curando ali. Se eu der remédio já para fazer é perigoso, é o mesmo que dar uma injeção para matar. Então tem que tomar todo o cuidado em princípio. O cunhã ele tem que ter prática em tudo aqueles meios ali. Não é dizer: “Eu sou cunhã, eu faço remédio e dou, e garanto a cura.” Mas ele tem, ele pode garantir, claro, mas ele tem que garantir com o tempo dele, né? Que não é dizer: “Eu dou remédio.” e se sara já. Tem doença que não é para ele. E tem outras doenças que tem uma febre ali, um, como é, eu debati e com a, em uma reunião da Funasa, as enfermeiras fizeram a reunião sobre lixo. Essas coisas das mulheres guardarem lixo, guardar isso, doença para criança, doença para isso. Eu escutando, também fui convidado para
a reunião, fui. Estava lá escutando as propostas delas, a explicação que elas estavam dando para as índias, nossas índias de lá. Tinha cem índias, e algumas acharam meio que não, outras sim, no idioma delas diziam. Aí, bem
no final, já estava finalizando eu disse o seguinte: “Escuta, me desculpe, mas eu tenho de dizer para as senhoras aí. Eu estou com 85, 86 anos, na época, e hoje eu não sei o que é deitar na cama de hospital. Não sei por quê? Será que eu sou tão sadio assim? Fui, que eu nunca fui, conhecer hospital só quando eu vou visitar doente. Só que eu tenho uma comigo, que eu sempre, nas épocas depois que eu me conheci por gente, e já era um homem de 30, 40 anos, eu fui trabalhador. Eu fui um homem que eu pegava no machado, na foice, no arado, tudo quanto é ponto de serviço. E o serviço mais pesado que descia para mim era melhor. Mas também eu suava também. Hoje eu não vejo ninguém suar, então eu calculo que a própria comida que ele come, uma pedrinha de sal,
se fica depositado lá uma sujeirinha lá dentro do corpo da pessoa, como é que ele vai sair? Ele não sua, ele não solta um soro para fora. E é muito importante a pessoa suar. Ele solta tudo aquele sal que ele comeu, metade do sal, que às vezes come bastante sal. No suor sai tudo. Depende até de por dentro ele já, qualquer coisinha tem que levar no médico, para ver se alivia. Se não você vai morrer. Está com pedra em tal parte, quatro, cinco pedras desse tamanho assim. Então, quer dizer, porque o cara não trabalha, o corpo dele é contaminado com a própria comida que ele come. Ele não tem como...” então por ali que vai seguindo e vai sendo pior, por dentro vai ser pior. Vai aparecer uma doença que ninguém sabe. Que nem esse negócio de AIDS, que eles falam, né? Isso aí não existia de jeito nenhum umas épocas atrás. Não se via falar de jeito nenhum. Logo dali uns tempos diz que é a tal de AIDS, que é que é a tal de AIDS? Eu levei tempo para compreender, porque a pessoa quando não sabe o que é tem que olhar bem para enxergar o que é que é. Então isso foi por ali. Tentei de fazer o remédio para a AIDS e acertei também, acertei sim. Garanto também a gurizada quando apetece que vem me pedir remédio eu dou garantido o remédio. E não é de você tomar ele. Não, qualquer vidrinho de remédio você passa, tomou aquele vidrinho de remédio ali cada dois meses, três meses, teu corpo fica livre que não pega nada, aquilo lá não. Então é uma boa, porque hoje como a gente vê, não se entende mais as doenças que aparecem nesse mundo. De onde é que vem essas doenças? Eu admiro, às vezes fico pensando uma ideia boba, uma ideia, mas é uma verdade: eu olho para os passarinhos. O papagaio, a maritaca, a caturrita, o periquito, nós uma época era assim, _______ somos a divisão de índio. Divisão de índio, somos índios, mas cada qual tem seu modo, seu costume. O índio xikrin, o índio guarani, o coroado, e Fulano, Beltrano, Sicrano, e os passarinhos são assim. E eles estão obedecendo a lei da natureza que Deus deixou para eles. Vocês já viram um papagaio, uma maritaca, uma caturrita, misturar com outra, com outro, outra nação deles? Não se misturam
não. Eu nunca vi eles se entrosando. Dizer: “Esse, ele tem raça com caturrita, esse tem raça com papagaio, esse tem raça...” Não, é eles e pronto. Só a arrumaçãozinha deles. O que é papagaio é papagaio, o que é pombo é pombo, o que é tucano é tucano, o que é sabiá é sabiá. Eu nunca vi um sabiá de outro tipo, é um sabiá só. (risos)
P/1 – Uma sabiá só.
R – Uma sabiá só, porque só ela que é sabiá. E se ela tem outra raça, já tem outra raça de outro passarinho. Será que ela é misturada com tucano, lá com macuco, aquilo é sabiá. O macuco é a mesma coisa. Jacu. Também naquelas épocas nós éramos assim, nós indígenas. Não se misturava nação. Cada qual é o seu grupo. O xikrin é xikrin, o coroado era coroado, que somos nós, índio Kagnãn puro. Eu chamo de coroado. Primeiro nome que o índio pegou, o nome comum, é o coroado, o índio Kagnãn, que somos nós lá do Sul. Então era de, era importante naquelas épocas. Agora não, agora casa índio com guarani, com xocré, com aqueles lá do Mato Grosso. Então já estão se misturando tudo. E os passarinhos ainda não, o animal tem isso aí. Os passarinhos não, os passarinhos estão respeitando a lei de Deus. Deus deixou eles assim, e são sadiozinhos, ninguém cuida deles. De certo tem a natureza que protege eles, porque quem é que cuida deles? Será que é as aves, será que é nós, será quem é? Ele tem que ter um _____________ com passarinho, que eu noto. Vou lá no mato fico olhando, aqueles bandos de uru tão lindo ouvir eles cantarem tudo direitinho. Macuco, jacu, tem tanta passarada. Aquelas gralhas azul, a gralha preta, espetadeira de pinheiro. Lindo, lindo mesmo. Nós poderíamos ser assim tudo, nós. Igual aos passarinhos. Eles não brigam, eles vivem lá no mato, não se vê nem um sinal de um bichinho morto. Lá, de vez em quando você acha, mas é custoso. Muito custoso achar um bichinho morto lá.
P/1 – Muita gente vem pedir para o senhor o remédio da AIDS?
R – Olha, quando me pede, às vezes é difícil, entendeu, obriga a dizer: “Vai lá que eu te faço o remédio.” _______ tem medo às vezes de passar em muita gente, tem que tomar cuidado tudo aquilo lá, _________. Porque dando os seus conselhos, aconselhar o jovem também nessas partes aí que se cuidem. Pede remédio, vai lá, você dá. Faço, faço sim e não cobro nada. Pelo menos eu não cobro não. Querem me dar alguma coisa me deem, senão não cobro não. Eu quero meus índios, eu quero que eles se conservem bem como eu sempre fui na minha vida. Eu sempre fui um homem assim, não de mau pensamento, sempre pensei pelo bem. Criar os índios, ajudar as minhas autoridades, obedecer, aconselhar, foi trabalho que eu fazia. Que foi mudando das épocas que nós éramos crianças, partiu de garoto, mas até hoje ainda está tudo mudando, e vai continuando assim.
P/1 – Tem algumas regras assim na vida do cunhã? Se pode casar, não pode?
R – Do cunhã.
P/1 – É?
R – Claro que pode. O cunhã é casado, eu sou casado. Te contei que eu casei com 16 e a mulher tinha 13. Nós convivemos toda a vida juntos. Nunca ela me deixou e nunca eu deixei ela. Só deixo nessas saidinhas assim, que, mas isso aí já vinha de andar, que é a precisão que a gente anda atrás. Ela também sai a vender artesanato. Quando eu saí para cá, que fui para Paraty, ela veio para Mafra vender artesanato. No mesmo dia ela saiu para Mafra e eu fui para Serrinha para pegar o ônibus de lá para cá. Viemos para Chapecó, Chapecó viemos de voo, daí. Nunca esperei isso na vida de eu andar de voo também.
P/1 – Do quê?
R – De vôo, do avião, mas tive que andar. Mas que é jóia, né? Não dá medo nenhum, medo nenhum. Entrei lá esqueci de tudo também. Também é um prazer de estar no ar, que a gente olhava daqui do chão quando cruza os aviões por cima, né? Digo: “Barbaridade, quem é que vai lá em cima? Que coragem ele tem. Não tem medo de andar naquelas alturas.” Mas deu para mim ir lá. (risos)
P/1 – E tem alguma doença que é mais comum das pessoas terem na aldeia?
R – A maior doença que atinge lá é, às vezes, é gripe. Que nas crianças ela dá bem forte a gripe. Mas agora com a Funasa ela está preparando, ela dá as gotinhas, ensina tudo antes de, quando dá uma gripe dá leve. Daí não dá muito. Mas antes um pouco da Funasa foi sofrido, sofremos sim. Quando era a Funai na entrada era muito legal. Mas foi indo que ela foi caindo, foi indo, foi indo, até que ela está quase abandonando o índio também. A Funai. Daí que a Funasa tomou conta e está dando conta do recado como dizem. Em Kagnãn aí melhorou. Mas ele também os índios lá da minha terra estão... Agora, tem muitas partes de índio que se queixa. Que dizem que a Funasa não está cuidando direitinho, então a gente tinha que dar uma repassada naquilo lá para ver como é que está, para ajudar esses índios que estão sofridos.
P/1 – E quando não tinha a Funasa, qual que era, que tipo de doença que tinha, que o senhor tinha que cuidar?
R – Que lidava bastante é com a doença, às vezes dava uma pneumonia, às vezes dava uma congestão, o que mais atingia o índio, né?
P/1 – Que é que era?
R – Congestão, comia demais e fazia mal. Então se é para dar uma congestão até uma água dá uma congestão na pessoa. Aí então atingia bastante o índio. Febre, febre, como é que diz? Sarampo, matou muita criança. Mas depois começaram a preparar as crianças para não dar muito forte, então diminuiu também. Hoje tem bastante índios, tem bastante já, ____ índio, a criançada. Elas estão indo, quando vou nas aldeias assim, que vejo aquela gurizadinha brincando lá nas casinhas. Tudo falando no idioma deles. Eu chego lá e cato eles assim, agrado lá uma balinha, pelo menos. No meu idioma diz: ______________________ Eles vêm, chegam em mim. Então minha vida é aquela, no meio das crianças. Faz nove anos que eu já trabalho nessa, nunca ganhei nada. Só agora que estão me pagando lá, acho que 350, parece que já ganhei duas, três vezes aí. Fiquei contente, mas não que eu cobrei. Aquilo lá foi, um dia dizem: “Mas nós temos que achar um ganhinho para o senhor. Porque na idade que o senhor está é preciso, o senhor vai sofrer. O senhor vai andar, vai passar sono, vai passar cansativo de muitas coisas.” E é verdade, tem dia que a gente tem, está nervoso, porque a gente nunca saiu como essa distância que eu contei que eu fiz. Primeira vez, de avião até Paraty, foi muito importante. E cunhãs ali é mais
velho do que eu ainda. Aí o cara mandou elas para casa, aí de Rio do Sul, essa cidadinha aí próxima, Rio do Sul, mandaram ela para Chapecó, de Chapecó veio para Nonoai, para Serrinha. São tudo da Serrinha, os nossos companheiros. Sou só eu da Nonoai que trabalho lá. Tem outras equipes, umas professoras que estão se formando também. Uma é filha do nosso próprio cacique. Que ela ia bastante através do nosso programa indígena. Menina muito especial. Quero bem ela. Não sei por que é que ela não está nisso aqui. Porque ela acompanha a gente também.
P/1 – E quando o senhor vai para a floresta, para o mato, quanto tempo o senhor fica para procurar remédio?
R – Olha, eu fico lá até a minha vontade, que eu achar que eu já estou satisfeito de estar lá, aí eu volto para casa.
P/1 – Mas para procurar remédio?
R – Não, para procurar remédio não. Eu vou às vezes para visitar, passeio no mato. Mas se é para procurar remédio aí é rápido, né, aí é rápido. Vou e já volto. Não digo aqui porque eu não conheço se tem mato, a primeira vez que venho aqui. Se eu soubesse um capão, já ia ali naquele capãozinho ali e trazia já um remédio, mas eu
não conheço. Eu saio aqui, eu entro na cidade, saio para cá, não sei se vou para o mato ou vou para a cidade.
P/1 – Mas como é que é o sonho que ensina? O que é que vem no sonho?
R – Olha, o sonho a gente, a pessoa prepara, correndo para os próprios remédios do mato, e você dorme, né? Daí você dorme e vem tudo naquela tua mente, parece que você está enxergando. Você está dormindo, mas está falando. E na hora que você se acorda, você se lembra tudo o que você falou, o que você combinou dentro da sua mente. Você pensa que, o desejo que você falou comigo, você teve uma prosa grande comigo, sonhando que você estava falando comigo. Na hora você acorda e: “Bah, mas cadê seu Jorge?” “Ah, estava sonhando com o seu Jorge.” (risos) Bem assim acontece, né? Mas eu expliquei várias coisas que daí você começa a pensar, que é que você conversou comigo. Daí você está acordada, daí você sabe o que é que você falou comigo. Você vai atrás daquilo, daquela que você combinou comigo. Te expliquei tal coisa, coisa assim. Você vai lá e faz. Pega um remédio, pega folha, pega isso, pega aquilo. E já está avisado dentro do teu, é assim que funciona.
P/1 – Mas aí tem um bicho lá, que está nesse sonho?
R – Não, o bicho, aquele, ele me ensinou. Agora, eu posso chamar ele sem, se eu precisar. Quando não tem como eu curar uma doença eu tenho que mexer ele de novo. Eu tenho que ir lá na mata e fazer uns trabalhos lá, daí ele vem. Eu deixo lá um copo, uma coisa lá, falo lá e quero que tal remédio para tal doença. Amanhã venho pegar aqui. Deixo lá. No outro dia eu vou lá, está lá o remédio dentro daquele material que eu deixei lá. Eu pego, trago, faço aquele remédio. E se não estiver eu pego qualquer folha que vem na minha mente, vale a mesma coisa que eu peguei aquele remédio. Se não tiver aqueles remédios lá, eu venho bulindo já. Me bem assim uma representação que aquele remédio vai fazer bem para aquela pessoa. Eu rapo ele, tiro a casca, uma coisa. E eu vou lá e cozinho, dá certo. É a mesma coisa que eu fui buscar, coisa que eu sei mesmo. Mas é claro que eu sei. Porque eu fui feito para ser assim. Mas com muita dificuldade, não foi fácil de eu chegar lá. Como isso aqui eu carrego, isso aqui é um remédio. Eu rapei já para mim tomar. Qualquer coisa que eu me sinto, eu pego uma faquinha, rapo um pouquinho, boto uma xicrinha com água bem fervida. Remédio aqui...
P/1 – Que tipo de remédio?
R – No idioma português eu não sei. Eu sei é só o nome dele no nome indígena.
P/1 – Como é que é?
R – É: _______ é a comida dele. Ele come a casca dessa madeira. Essa madeira até onde ele puder alcançar a madeira
ele come toda a casca dela, deixa só a madeira. A anta, onde tem anta, né? Então o índio chama: ___________ é a comida da anta, o nome da madeira.
P/1 – E o senhor observa bastante o comportamento dos animais para também encontrar o remédio? Os animais sabem também? Quando os animais tem algum problema eles sabem encontrar o remédio para eles?
R – Se eu sei, eu sei.
P/1 – Mas o animais?
R – Não, eu curo os animais, minha criação é _______ remédio. E um deles é esse, que eu rapo a casca dele, misturo com sal e dou para as vacas, e dou para os porcos. Faço uma comida para um porco ali, cachorro, uma coisa. E essa casca aqui, é a casca dele, não é a madeira. Misturo, bato bem moidinha com o sal, misturo com sal e boto na comida. E eu também como com a comida a casca dele. Misturo com sal, depois eu faço tipo uma pimenta. E ela é bem velha a pimenta, ela arde o nariz da gente. Então por ali que a gente funciona a vida.
P/1 – E o senhor ensina para as crianças essa...?
R – Por enquanto ainda não. Eu tenho experimentado alguém, mas nenhum deu certo ainda não.
P/1 – Por quê?
R – Falta assim de coragem da pessoa. Isso é o mesmo, é mesmo ver você o estudo. Vocês vão longe, vocês vão longe. Mas tem muitos de vocês na frente ainda. E o mesmo é isso aí. Se eu vou ensinar uma criança, ele vai indo, vai indo, ele enjoa. Eu tenho que lavar ele muito com remédio, tenho que usar muito ele até chegar a idade dele. E ele vai enjoando até que ele abandona. Igual abandonar o estudo, ele está estudando, aí vai aquela lindeza. Dali um pouco ele enjoa, abandona: “Ah, eu não vou estudar mais.” Aí ele mesmo se prejudica por isso, na hora que obriga ele estudar, e às vezes ele vai para lá sem vontade. Ele está querendo abandonar ele vai lá, mais para lá de tudo, porque escreve, não obedece a professora. Mesma
coisa é o cunhã. Eu não achei um ainda que viesse nesse assunto,
nessa altura, que me dizia: “Sim, eu já vou porque eu estou preparado.”
P/1 – Tem alguém que é mais jovem que o senhor que...?
R – Lá não. La não, mais jovem do que eu. Tem um, mas é, tem um mais velho do que eu lá em, na mesma área mas é bem retirado,
no canto da outra área de lá. Que esse parque que eu falo ele atinge duas áreas. Ela pega a área do Cruzeiro da Laje, lá tem um cunhã, mas é mais velho que eu. Ele está bem velhinho. Então às vezes indo explicar com ele, ele é mais, ele fala menos do que eu assim o português, é mais só a língua indígena. Então é ruim de entrevistar ele assim. Só quem tem língua lá, que ele explica em índio, já foi feito lá com ele. É um velhinho, ele está perdendo a memória também. Ele está ficando meio caduquinho, perdendo a idéia. Inclusive ele fala bobagem. Então é por ali que nós vivemos a vida indígena.
P/1 – E aqui na Ação Griô, o senhor está trabalhando com, passando a história da...?
R – É, estou passando essas histórias para aí, para quem faz as perguntas e eu mesmo explico. Que eu sou obrigado a sair assim, explicar para toda a gente que tem vontade de aprender, mas não pode. Então a gente _____ um pouco mais e explica para as pessoas que não entende, para ficar sabendo ao menos um pedacinho do que a gente sabe. Que tem muitas coisas importantes que nós passamos na vida. Tem cada caso lá da mata indígena, que a gente fica até parado. Tem muita gente diz: “Mas esse velho está mentindo, eu nunca vi nada.” Mas não é para ele ver, eu sou preparado para ver as coisas. _______ sim. Então vem e fica igual, eu nunca abandono do que é meu. Quer me acompanhar, me acompanhe, senão, obrigar, ninguém é obrigado. Tudo nós temos, só tem arrependimento a pessoa que, se eu quero dar um prêmio para uma pessoa, tirar do meu para dar para uma pessoa e ele não quer, por que... Agora eu quero. Você pode até entrando assim um meio que eu não gosto, mas eu tenho que segurar ele para mim analisar ele dentro do meu prêmio se alguma palavra daquela me serve. ____________ como a gente é. Bom, isso não é só de índio como várias pessoas que a gente tem notado. É o que nós... E então ali nas nossas terras estava trabalhando mais ou menos por ali, bastante esforço que a gente está fazendo com essas, assim dentro de nós que somos mestres, né? Eu acho muito bom ajudar essas pessoas que estão interessadas, como a Odila, o Carlos e outros griô que estão lá. Também peço que eles tenham coragem como eu tenho, assim de chegar em uma repartição e explicar o que eles querem. Falar a verdade que a verdade sempre é pura. A verdade a gente tem que continuar falando ela, não jogando ela no lixo, como diz. Agora, o que não presta, o que não é de valor tem que passar por cima e deixar para lá. A mente que a gente tem, tem que ter a experiência para a gente para soltar para os outros que os outros, para soltar lá na frente. Porque eu, a minha experiência ela está encurtando, ela está indo para trás. Ela não está indo mais para a frente. Claro, eu me sinto cada dia que passa outro Jorge, pela passagem do tempo que eu passei. Me sinto sim. Eu fui um homem muito forte, muito sadio. Mas hoje já me sinto pesado, eu mesmo. Então tudo que eu tenho de soltar que precisam de mim, um prêmio, é idéia, uma coisa, eu estou soltando para as pessoas que procuram. É um bem que eu faço _____ para as pessoas que querem saber o que eu passei para trás. Aquilo que ficou lá no fundo, que hoje aonde está. Pode estar no último,
na raiz da, agora vai ficar o fruto por cima só. Tem de juntar ele, guardar, para mor de plantar para ele produzir de novo. Tenho o pensamento firme por ali e continuo. Enquanto puder dar um passo para a frente vou dando. Ajudando Kagnãn, Guarani, todas as nações indígenas que eu puder ajudar eu ajudo. Eu não digo tudo eles porque no Brasil diz que tem vários tipo de... Porque lá onde eu fui eu achei muito longe. Oh, pensei que eu estava no fim do mundo. Eu cheguei no mar. Eu digo: “Será que me jogaram para o lado de lá do mar.” (risos) De cansar muito, ou mais. Só que para mim é um prazer imenso, né? Brincamos, demos risada dos parentes lá, guarani. Gente boa, gente fina. Não são gente assim de desaforar a gente, de querer ser os tal. Não, não. Calmo, obediente, muito lindo.
P/1 – Tem alguma árvore que o senhor gosta muito assim da mata?
R – Uma árvore? Tem várias delas. Uh, não é só uma, não é só uma.
P/1 – Que são importantes assim.
R – Tem várias árvores lá que são importantes para tudo quanto é tipo de espécie de coisa. O que a gente precisar tem lá. Tem uma cabreúva, cabreúva-amarela que diz, tem a preta, a amarela e a branca. Tem três, toda madeira tem três qualidades. Tem a preta, a amarela e a branca. O angico-preto, o angico-vermelho e o angico-branco. A cabreúva, o cedro, todas elas são três qualidades sem dever nenhum. Então é importante a mata também. Porque tem uma cabreúva que ela, aquela lá é um remédio que quem é que pensa que a cabreúva é remédio? Alguém deve de saber, porque não é só eu que sei. Várias gentes sabem, mas que eu uso, que a gente pode usar ela, sim senhor, a madeira melhor que eu acho lá na mata é a cabreúva. Aquela é muito importante, a cabreúva-amarela. Ela, até os bichinhos, os quati, o porco-do-mato, o tateto, a cotia, toda ela, o bicho de dente vai lá e tira uma dentadinha dela. A raiz dela, que lá dá pau grosso assim, pau grossão mesmo, eles vão roendo ela. Então ela solta uma resina, aquela resina tão cheirosa, cheirosa que é só pra ver. A gente pega ela, cheira assim: “Ih, que cheiro.” A resina da cabreúva. Ih, aqueles bichos vão lá, se enrola, se esfrega. Está lá ____ tem pelo de tudo quanto é bicho lá, grudado naquela resina, ela é uma cola, ele se enrola ali ela gruda, né? Então elas grudam na... E é o remédio dos bichos também. Então eu adoro muito ela. E para a gente é muito importante também tomar ela, a casca dela. Tirar a casca, _______________________ que é a cachaça, litro de goiofá, deixar bem forte mesmo, botar bastante casquinha. Quatro, cinco pedaços de casca assim garrafa adentro. Deixar lá uns dez dias dentro, vai tomando um golinho. É para tudo quanto é doença. Ela cura tudo quanto problema que você tem por dentro. Se tem por dentro solta para fora. Ela é muito especial. Essa também tem três misturas: tem que botar este, e a casca do ipê e a casca da cabreúva. É um chá que você mantém, você pode tomar descansadinho e dizer? “Hoje eu vou me curar.” Para tudo quanto é coisa. Estou até te ensinando demais, remédio. (RISO)
P/1 – Oi?
R – Estou te ensinando demais remédio.
P/1 – Mas como não tem mata onde eu moro, eu não posso ir pegar remédio.
R – Ah, é?
P/1 – Eu moro em São Paulo, não...
R – Em São Paulo, é? Eu passei lá, nesses __________ quando nós fomos na Fundação Roberto Marinho. Fomos lá, gente muito boa. Eles levaram, mostraram todos os materiais lá para dentro. Então muito obrigado eu chegar ali. Foi a oportunidade que eu tive de caminhar um pouco por dentro de São Paulo, mas só vi ela assim de cruzada, né?
P/1 – O que é que o senhor achou?
R – Mas bonita mesmo.
P/1 – A cidade?
R – É. A Roberto Marinho foi lá no, é em São Paulo que eu fui? Eu não tenho mais lembrança. É sim. Porque lá no Rio mais ficamos reto. Não deu para nós passear lá.
P/1 – Mas o que é que o senhor achou assim?
R – Lá de, todas as cidades são bonitas, né? Só é muito movimento. A gente vê aqueles carros, parece uma esteira. Parece que é um emendado no outro. Faz aquelas filas. E de certo nós vamos ficar o dia todo aqui sem cruzar com esses carros, porque vai muito longe. (risos) Mas bonita ela é. Tive a oportunidade de visitar a sua cidade. Vi ela assim de perto. Mal a pena correu os olhos, mas deu para cruzar por eles.
P/1 – E o senhor gostaria de falar mais alguma coisa, assim?
R – Sim, a gente está aí para conversar. Se você acha que há mais algumas perguntas a gente explica, claro.
P/1 – Mas o senhor acha que tem alguma coisa assim que eu
não perguntei que o senhor gostaria de falar?
R – Não, para mim está, porque se a gente vai, como diz, que o cara tem que cuidar nós ia a noite. Se eu vou querer soltar mesmo de lá do fundo para mim contar demora bastante.
P/1 – São muitas coisas.
R – Porque tudo que vivi, as nossas raízes antigas que nós deixamos é muito importante a gente saber daquilo lá. Então eu vou contar só uma historinha, isso é uma história, né? Que então o tempo que estavam descobrindo o Brasil, né, que falam. Eu sempre disse: “Invasão.” Que foi o que aconteceu, invadiram o Brasil, Pedro Álvares Cabral. Então naquele tempo diz que eles matavam índio, faziam com o índio, índio matava branco, branco matava índio. Brigavam mesmo. Os índios eram bravos. Mas tinha uma velha que criou um mico, macaco, né? Mas grandão, aqueles grandão do Mato Grosso, micão, um baita de um... E ela ensinou o mico, o mico ensinando ele é uma pessoa. Ela ensinava ele ir buscar fruta para ela. Buscar pinhão, buscar jabuticaba, já buscar fruta. Tudo que ela pedia ele trazia, aquele macaco dela. Então ela fez um balainho, desse tamanho assim, essa velha, e se diz que é daquele tempo que entraram no Brasil. Então aquela velha diz que fazendo um cestinho assim, pendurava no pescoço do macaco e ele ia. Enchia aquele balainho de, amarrava bem, que ele também é igual a gente, né? Enchia um lado, trazia para a velha. E um dia, já estava entrando gente no Brasil, e eles tinham muito medo dos brancos já. Então brigavam, corriam. Mandavam ______. Um dia disse que aquele macaco ela mandou ele buscar fruta, quando ele veio, diz que ele veio com um material diferente. Trazia bala, bolachinhas, tudo quanto era outras coisas. Trouxe. E diz que mais depressa entregou para a dona dele, do macaco. Daí disse que ela olhou, desatou, olhou: “Que é que é isso?” Descascou. Chamou a filharada, a comunidade dela. E veio um cara olhar o que é que o macaco trouxe aquilo: “Isso é porcaria que os brancos estão jogando para nós, para matar todos nós, é veneno.” Disseram _________. “Não comam, não comam, não comam não.” Diz que disse o comandante deles. “Estão botando veneno para nos matar. Não comam.” Daí diz que eles botaram assim na língua, viram bem docinho, bem gostoso aquilo, bem legal. Diz que um dizia: “Mas é docinho, não está com medo.” “Você que sabe. Agora, se acontecer alguma coisa não vá cortar ninguém.” Disse que a velha, a dona do macaco, disse: “Ah, meu filho, experimente comer um. Porque o macaco comeu e não morreu. Ele não morre,
nós também não vamos morrer.” Parece que eles experimentaram e comeram. “Mas que coisa boa.” Ali tinha bolachinha, tinha tudo quanto é espécie de doce que ele trouxe. Aí eles ficaram pensativo disso: “Onde é que esse bicho foi achar?” Fizeram assim, fizeram uma equipe de dez, 12 dos bamba e mandaram ele buscar: “E vamos acompanhar ele, agora vamos bem armados porque lá tem gente. Isso aqui é serviço do branco.” Já calcularam na hora. Disse que a velha mandou: “Vai buscar mais um pouco.” Disse para o macaco. Disse que ele foi arrumadinho com o balainho, e eles acompanharam. Só diziam para ele que esperasse eles. E ele era, obedecia, era ensinado, ele ia devagar. Subindo por cima da madeira, lá no galho. E eles por baixo. Lá a uma altura já onde estava lá, que disse que aquilo foi os padres jesuítas acharam um jeito de amansar o índio. Então fizeram lá, disse que um ninho estava bem cheio de pão, de coisarada lá, de tudo quanto é coisa boa, roupa tudo, punha um empadão lá. Cevaram o índio ali, fizeram uma ceva para o índio achar e comer. Para mor de eles ir agradando eles, para agradar o índio. Que eles já andavam no meio, era bicho do mato. ________ começou a se assustar, o macaco foi lá no lugar e tchuc, tchuc, tchuc, tchuc, um deles: “Tem gente, tem qualquer coisa aí. Está vindo, está vendo qualquer coisa aí, ele não faz assim. Não invade não.” Uns para cá, outros para lá. Que um foi e disse para o outro, o mais ligeiro de todos, o mais rápido diz: “Eu vou chegar lá.” Foi lá, viu o empadão lá, aquele homem parado lá. Mas se era um padre, ele vestido de padre com a, tudo de roupa branca. Diz que ele fica parado lá, ele viu que o macaco, tinha alguma coisa o macaco estava avisando, porque ele estava bravo por cima deles lá. Bravo mesmo. Tchuc, tchuc, tchuc, avisando que, bravo com o padre que estava lá. Daí diz que eles, uns por lá, outros por cá, assim, se cuidando: “Pode ter bastante gente ali.” Mas estava só o padre lá. Só que o padre disse: “Se eles me matarem, me matam, mas não vão me matar não. Só um.” Não iam agredir ele, o pensamento dele ficou lá quieto, estava lá quieto. Um entrou por baixo, outro meio escondido que ele estava do lado dele, foi chegando. Ficou bem no ponto de uns dez metros, levantou. E os outros com a flecha detrás lá. Tudo pronto para... Aí disse que ele avançou no padre, agarrou ele. E não, diz que ele fazia assim, que ele não ia fazer nada para ele. Ali diz que eles não entendiam ele nem ele entendia o, eles entendiam o padre também. O padre fazia assim com a mão: 'Não.” Fazia sinal que ele não tinha nada. Mostrava assim, mostrava tudo. Ele trouxe ali para eles comerem. Aí eles olharam só ele ali. Daí disse que os outros foram lá, chegaram ali. Mas aí foram ficando, acalmando, acalmando. E o padre com o dedo assim mostrava, falava mas não entendiam. Aí disse que foram acalmando até que ele disse que ele fosse embora que ele ia trazer mais. Ia lá para a parte de cima trazer mais para botar ali, cheio de coisas. Fazia com a mão assim, que amanhã eles viessem buscar de novo, para vocês comerem. O que é que eles faziam? Eles fizeram. Então aconteceu essa de, é uma história muito importante. Disse que foi verdade mesmo. Daí que os padres começaram adoçar os índios. Ali já veio mais um junto com o outro. Cada vez vinha um que viam. Até que eles foram reconhecendo e foram amansando com os padres. O tal de padre jesuíta, acho que era, né? Então ali que eles se ligaram. Mas foi difícil eles amansar os índios. Porque disse que os índios eles brigaram muito com os brancos de fora. Que eram bravos mesmo. Então desde aquelas épocas tenho no meu pensamento eles já estão cruzando a nação indígena com o branco por causa que os próprios nossos antigos falavam assim. Eles diziam: “Olha, meus filhos, naquelas épocas antigamente que nós vivíamos bem judiados pelo branco, nós fomos muitas turmas de vir, foram matados, judiados. Tiveram de correr e ir para outros pontos. Sempre foram mais armados que nós, com armas de fogo.” E eles só de flecha e lança não tinham como vencer os brancos. Então foi que eles derrotaram os índios. Eles já contavam essas histórias para nós. Então eles diziam, então nós hoje, nós temos que tomar muito cuidado dos brancos. Só que é difícil vocês entenderem porque nós estamos entrosados com os brancos indígena. Nossa raça, a maior parte, já tem sangue de branco. Por causa que eles pegavam
nossas filhas, as meninas nas épocas, e diziam: “Eu levo essa menina, vamos matar, vamos levar para nós criar ela.” O que vestia o índio. Batia lá no toldo indígena, as meninas eles não matavam, agora, quando era guri eles matavam o cara, porque eles tinham o medo que eles se criassem um baita de um malandro, pistoleiro igual eles. Daí as meninas eles faziam a mesma coisa, quando eles pudessem pegar uma branca diz que eles levavam para a aldeia dos índios. Então isso, ________ nós somos entrosados já com os brancos. A nossa raça nós temos de tomar muito cuidado que uma época vai se perder, de se perder. E dito e feito, como eles falavam para nós já está se dando. Não sei se nós vamos convencer antes de morrer, de ainda levar mais ou menos controlado. Língua indiana já não está, tem muitas áreas indígenas que não falam mais. Já vem de desde as épocas de, que muitas pessoas encontram às vezes um moreno velho aí pela cidade, a gente gosta muito de falar com eles. Eu dou atenção para qualquer pessoa. Se ele é velho igual eu, gosto de prosear mesmo. Às vezes: “Bah, eu também sou índio, eu também tenho a raça de índio. Muito bem, sou ____ da tal, turma de índio. A minha vó, minha bisavó,
diz que foi pegada a cachorro.” Eles falam assim. E o mesmo contava o nosso, dizem que eles pegavam as brancas também levavam para as aldeias deles. Então as misturas já vem de antes passado. Eu acredito que seja verdade, que era gente considerada aquelas épocas. Mas é importante, eu botei aquilo no pensamento, hoje eu penso, que eu acho que é a realidade, que a gente vê que os antigos contavam para nós. Índio também como o xocré, às vezes o kaiapó, eles, que era proibido um pegar uma menina do outro, né? Se misturar a raça. Eles faziam obrigado, eles pegavam um filha um do outro e levavam. E às vezes as mulheres brigavam mas faziam. Então queira ou não queira, obrigado, se misturou a raça. O guarani ainda faz pouco tempo que eles estão se dando com os índios, estão se entrosando com os índios. Mas toda parte que tem o guarani o toldo dele é separado. E nem em baile indígena não tem guarani não. Alguns vem assim, parece que vem arisco, ele vem com medo. Ele chega salteando o índio. E é índio igual a eles. Então é, eu não sei como é que eu posso explicar por que é que tem essa divisão, né? Você tem mais alguma coisa?
P/1 – Não, vamos encerrar?
R – Vamos.
P/1 – Então, mestre, eu gostaria muito de agradecer assim.
R – Mas eu também fico muito obrigado em te contar um pouquinho dessa história que a gente sabe que, tudo que a gente passou e tem alguma coisa para passar. Porque eu canso de falar que a minha vida está ficando curta, né, com a idade. Que diz que antes da gente começar a caducar e falar bobagem, daí não, tem que ____ para os filhos que estão se criando hoje, então a gente está tentando fazer eles entender que uma verdade seja uma verdade, e o que não é verdade não é verdade. Seja como _____ são sempre as pessoas, é preciso assim mesmo para ajudar a criar o povo, né? Que o povo é como a gente está enxergando. Nosso Brasil já está meio entupido de gente. Vai chegar certo uma época que não vai ter lugar para ninguém, porque, do jeito que está lotando. Olha essa cidade, quer dizer, é um absurdo. Eu nunca tinha visto cidade maior do que São Paulo e o Rio de Janeiro. A única cidade grande que eu conheci era Porto Alegre. Mas agora, como passei por lá, eu vi um pouquinho, mas enxerguei. Nem no paradeiro eu andei, um espacinho assim. Eu achei demais. O que fará quando vier para cá. Daí o que é que nós vamos de mudar daí?
Nada. Deixar que corra o Brasil para a frente, né? E eu penso assim: será que não é perigoso nós atingirmos a terra bem. Porque as águas, claro, já estão contaminadas de veneno. Água pura mesmo é só
nesses capãozinho de mato que eu estou contando, que eu expliquei agora. Que nós temos lá um, eu posso dizer uma rodinha de mato, pelo tamanho do Rio Grande. O Rio Grande já tem nome de Rio Grande porque é um estado grande. Mas tem só aquele fechadinho de mato lá no fundo, nas veias do Uruguai. O mais é todo de roçado. E quando terminar tudo essa mataria? Eu não vou ver mais mesmo, então eu fico admirado é no que vai acontecer com os filhos daqui por diante. Se vai continuar envenenando ou plantando. Porque tem modo de plantar, produzir de novo. Onde era invadido as épocas passadas, e semeava. Saíram os invasores, posseiros que diz, né? Hoje já não tem capão, _____ tem madeira dessa grossura, e tem que derrubar a machado, onde eles derrubaram a mata virgem. Só madeira de novo. Será que nós não poderíamos plantar, fazer ele plantar de novo, produzir mais mata? Porque a mata é a saúde da pessoa. Não é só regular, trabalhar pelo produto, tem que trabalhar pelo remédio também. Remédio é mais importante que o produto. Porque o produto a gente compra de outro país. Se não tem aqui nós indo lá para o Uruguai, é pertinho ali, o Paraguai, eu já estive na divisa. Dá para ir lá comer com os paraguaios. As madeiras daqui quanta não foi para a Argentina, né? Do nosso Brasil. E lá diz que tem bastante mata, os paraguaios. Mas isso é o modo da vida.
P/1 – A fita ela vai acabar agora.
R – Então vamos encerrar.
P/1 – Senão vai ficar, o senhor vai falar e não vai gravar.
R – Mas eu acho que também vale bastante você pegar uma experiência minha. Porque eu gosto de pegar a experiência de um jovem para mim contar para outro jovem lá. Falei com Fulano de Tal, tipo assim, assim, assim. Para ele ficar sabendo como a gente fala com pessoa de importância.
P/1 – Esse é o nosso trabalho.
R – Esse é o nosso serviço.
P/1 – Tá.
R – Combinar um com o outro para todos nós juntos trabalhar um tipo só. Não extraviar. Se nós extraviamos ninguém sabe o que é que vai fazer. Todos nós ficamos perdidos daí. Um vai para uma parte, outro vai para outro. Outro vai entrando, outro vai com outro. Ninguém faz nada sem o conjunto. Quando o conjunto vai junto a dança dá bonita. Muito obrigado, daí.Recolher