P/1 – Contar um pouco mais de sua história pra gente.
R – Estou.
P/1 – Ótimo. Seu Ribamar, pra gente começar eu queria que o senhor falasse seu nome completo, a cidade e a data de nascimento.
R – Meu nome completo é José Ribamar dos Santos, eu nasci em 15 de fevereiro de 1947, em ...Continuar leitura
P/1 – Contar um pouco mais de sua história pra gente.
R – Estou.
P/1 – Ótimo. Seu Ribamar, pra gente começar eu queria que o senhor falasse seu nome completo, a cidade e a data de nascimento.
R – Meu nome completo é José Ribamar dos Santos, eu nasci em 15 de fevereiro de 1947, em Caxias, Maranhão.
P/1 – Conta um pouquinho pra gente como é que era Caxias, o senhor tem irmãos?
R – Eu tenho três irmãos homens e uma mulher, eu sou o filho caçula da família. E o meu nome saiu José Ribamar eu acho que em homenagem ao santo padroeiro do Estado do Maranhão, porque aqui normalmente uma família, toda família tem um filho com o nome José Ribamar em homenagem ao santo, por isso que eu.
P/1 – Quem que é esse santo, seu Ribamar?
R – São José, como eu falei, é o santo padroeiro do estado que fica numa cidadezinha a 35 quilômetros daqui de São Luís por nome à cidade de São José de Ribamar. Inclusive o São José de Ribamar tem uma estátua que é a terceira maior do Brasil, primeiro o Cristo Redentor, segundo o Padre Cícero e em terceiro é São José de Ribamar.
P/1 – E o que que São José de Ribamar ele ajuda, que que ele...
R – Olha, diz o povo maranhense que São José de Ribamar começou fazer milagres antes de chegar em São Luís do Maranhão. A história diz que os portugueses viajavam muito lá pra Europa e uma das ida dos portugueses pra Europa, o pessoal da Vila de São José pediram uma imagem de São José lá pro local e os portugueses viajaram, na vinda eles tavam trazendo uma imagem de São José. Até aí não tinha nada de Ribamar, só São José. Em um determinado momento a embarcação estava passando por momento de dificuldade, momento de naufrágio, segundo a história, aí uma das pessoas que vinha na embarcação pediu ao santo, fez uma oração pedindo ao santo que não deixasse a embarcação afundar porque ali tinha várias pessoas, família e tal, senão ia todo mundo se acabar e logo em seguida, segundo a história, o mar se acalmou. Aí uma das pessoas que estava na embarcação exclamou: “Poxa, esse São José está acima do mar porque logo que fez o pedido o mar se acalmou”. Bem, daí em diante ficaram com aquele negócio na cabeça, quando chegou no povoado lá na cidade, no povoado de São José aí tiraram o santo debaixo do mar, que fica lá embaixo, e botaram em cima e disse: “São José a riba do mar”, daí que veio o sobrenome de São José de Ribamar.
P/1 – Que ótimo.
R – Aí de lá pra cá o santo continua fazendo milagre.
P/1 – E como é o nome de seus pais, seu Ribamar?
R – Meu pai chama Gino Francisco da Silva, a minha mãe chama Maria Daniel, meu pai Gino Francisco da Silva Santos e a minha mãe Maria Daniel Santos.
P/1 – E eles, o que eles faziam lá em Caxias?
R – Trabalhava de roça.
P/1 – Você lembra o que que eles plantavam?
R – Plantavam arroz, milho, feijão, inclusive essa parte lá de Caxias, porque nós não morávamos mesmo dentro de Caxias, nós morava num povoado distante de Caxias. E essas terras meu avô, é pra contar tudo mesmo?
P/1- Sim.
R – O meu avô era um preto velho descendente de escravo, meu avô materno, meu avô materno. Aí ele tinha, ele recebeu várias terras como herança, mas ele era conhecido como uma pessoa analfabeta, depois ele foi vendendo pedaço, pedaço de terras, e depois chegou o ponto que as pessoas foram documentando aquelas terras e ele foi ficando sem terra. O local onde nós morava, que era um povoado depois, entrou em questão por umas famílias poderosa de Caxias, aí veio a, aí uma família mandava a gente sair, a outra mandava a gente ficar que as terra já não era mais do meu avô, você entende? Daí foi o tempo que o meu avô ficou desgostoso que ele era uma pessoa muito direita, veio embora de lá de Caxias pra uma cidade aqui perto de nome Cantanhede. E lá ele passou a morar, fazer roça por lá e tal, e nós ficamos lá porque meu pai, na época, ele tinha, além da roça que ele fazia, ele tinha a casa de negócio. Por exemplo: ele comprava milho, arroz, farinha, tapioca, essas coisas e colocava que a gente chamava armazém, ele tinha vários armazém, chamava paióis no interior, lá chamava paiol, tinha vários paióis, um do lado do outro. Daí um dia, eu era criança mais ou menos com idade de uns seis anos, eu me lembro que chegou uma ordem de despejo. Vários soldados chegaram pra despejar, derrubaram todas as casas e levaram todo mundo preso, logo em seguida quando começaram a derrubar a primeira casa, aí chegou uma contra ordem da pessoa que nos apoiava pra ficar, dizendo que não era mais pra derrubar, aí ficou. Aí passado alguns anos, aí realmente se concretizou essa ordem de despejo, eu tava lá um dia e minha mãe estava grávida de uma criança que viria depois de mim, que eu sou o filho caçula. Aí o que que aconteceu que minha mãe tava em Caxias pra ter essa criança, não tava lá no interior e chegou o dia desse despejo lá, aí derrubaram todas as casas do povoado, a única casa que ficou em pé foi a casa do meu pai porque era uma casa de negócio. Ele tinha casa de negócio, tinha uns paiol de arroz, milho, feijão, coco, babaçu que a gente comprava, eles ficaram em pé só que tudo que era de _____ foi jogado, colocado tudo na rua, o arroz, o milho, a farinha, o coco babaçu, a tapioca, tudo foi colocado na rua e as casas ficaram em pé lá, e as outras casas foram derrubadas, só a de papai ficou em pé. Bem, aí a minha mãe soube desse problema todo, aí ela se assustou, perdeu a criança em seguida ela adoeceu, não teve mais saúde, anos depois ela veio falecer e depois chegou até lá. Bem, aí o que que aconteceu, as pessoas, todas as pessoas lá do povoado, os homens era pra ser ir preso e as mulher era pra ficar lá. Aí nós ficamos morando, me lembro bem, lá tinha um local assim bastante extenso que a gente chamava Goiabal. Goiabal é um local onde tem bastante pé de goiaba, aí nós ficamos morando mais ou menos, acho que uma semana, e eu, uma irmã da minha mãe era quem dominava lá, quem concentrava essa parte toda. Nós ficamos lá moramos debaixo desse pé de goiaba por uma semana mais ou menos enquanto os homens podia vim tomar as coisas pra levar e procurar seus destinos. Bem, aí sei que depois meu pai mandou buscar a gente lá pra Caxias, aí nós ficamos por lá algum tempo e em seguida nós viemos pra cá pro município de Cantanhede, que era onde já morava meu avô, aqui perto, 140 quilômetros daqui, Cantanhede. Aí nós passamos a morar lá, ficamos lá mesmo, aí já vim pra lá com a idade de oito anos por aí assim. Aí foi o tempo que minha mãe continuava doente, doente e em seguida veio morrer, tudo em consequência desse despejo, dessa ordem de despejo que houve. Aí meu pai começou a trabalhar de roça, e nós, criou a gente, criou a gente lá nesse interior lá de Cantanhede, a gente trabalhava de roça. Eu cresci trabalhando de roça até chegar o tempo de 18 anos, eu vim me apresentar no quartel, isso em 65, 65 eu me apresentei ao quartel aqui. Não fiquei no quartel, fui dispensado logo. Mas como eu vim praticamente escondido do meu pai porque meu pai não queria pra mim vir, a minha mãe já tinha morrido, meus irmão já tinha se casado, só tinha uma irmã que era que morava conosco, mas ela era doente, ela tinha um desvio na coluna, era pequenininha, tinha aquele desvio na coluna e ele não queria pra mim vim. Aí eu vim escondido, eu pensando de ficar no quartel e depois quando eu dar a volta por cima, quando eu chegasse por lá as coisas tava tudo bem. Como eu fui dispensado, eu não servi o quartel aí eu fiquei com vergonha de voltar, o que que eu vou fazer? Mas Deus foi muito maravilhoso comigo, a primeira porta que eu bati, desconhecido, analfabeto, a primeira porta que eu bati foi aberta pra mim. Uma padaria de um português por nome Belmiro, falei com ele, contei a minha história, ele perguntou onde tava minhas coisas, eu disse pra ele, ele disse: “Olha, tem uma pessoa que trabalha comigo, não tá dando certo, vai buscar tuas coisas pra cá, você vai trabalhar comigo. E eu comecei a trabalhar com ele, aqui na rua, uma padaria por nome Santo Antônio, na rua do Sol. Aconteceu que, você sabe aonde eu fui dormir, em cima do forno de assar pão, eu dormia em cima do forno de assar pão. Eu acordava quatro hora da madrugada suado de tanto calor! Aí eu fiquei, trabalhei algum tempo, fiz amizade com o português, adquiri confiança. Fiquei pouco tempo nessa padaria, foi só a porta que abriu né, eu fiquei pouco tempo porque fiz muita amizade com ele e ele adquiriu muita confiança. Ele passou fazer comigo o seguinte: quando ele ia fazer compra, toda vez ele me levava, onde ele comprava o trigo, onde ele comprava a manteiga, o fermento, tudo que ele comprava pra padaria eu sabia onde era, depois que eu aprendi com ele, andando com ele, aí ele passou no dia que ele não queria ir, ele mandava eu ir, botava o dinheiro no meu bolso e eu ia, fazia essas compra pra ele aí eu contratava, nessa época não tinha carro de frete aqui, era muito difícil, o frete que se fazia era carroceiro. Aí eu contratava dez, 15 carroceiro, fazia aquele lote de carroça uma atrás da outra cheia de trigo, manteiga e tantas outras coisas e levava, chegava lá e prestava conta com ele tudo. Aí ele gostou do meu trabalho, só que isso aí criou ciúme dentro da padaria porque tinha gente chefe, o chefe, o gerente da padaria que já trabalhava algum tempo né, e ele nunca tinha feito isso e eu tinha chegado da roça, e ele, acho que criou ciúme do cidadão lá. Aí quando foi um dia, nós discutimos lá aí ele, mas eu, o Belmiro não soube, depois de um tempo lá nós discutimos, quase que a gente se agarra lá na padaria, embaixo. Aí o português senhor Belmiro falou pra mim, disse: “Olha, eu gosto muito de você, do seu trabalho, você é uma pessoa muito legal, mas você foi discutir com a pessoa que é quem bota isso aqui pra funcionar, que é quem faz o pão, e que não sei mais o quê, não sei o que tal e eu não posso ficar com os dois homens aqui que de repente
pode brigar. Então, eu gosto de você, mas eu vou ter que lhe dispensar”. Bem, aí tudo bem, sim, mas o meu trabalho lá sabe o que era, eu acordava cinco hora da manhã, eu pegava quatro saco de pão, amarrava, botava dois aqui e dois aqui, e dois atrás, aí eu saía entregando o pão na cidade, cinco hora da manhã, aí eu voltava, fazia a mesma coisa e saía até chegar seis, sete horas, aí depois eu ia pro balcão ajudar ele lá. E mais tarde eu saía pra fazer essas compras com ele assim. Bem, aí eu saí, botei, peguei minhas coisas, botei numa mala e saí pra uma rodoviária que ficava aqui no centro da cidade na Avenida Magalhães de Almeida e quando eu vou descendo a cidade com aquela mala, uma das pessoas que me, aonde eu entregava pão perguntou pra mim, disse: “Pra onde tu vais com essa mala?” Eu digo: “Rapaz, eu vou-me embora!” “Mas tu vais embora por quê?” “Não, porque seu Belmiro me despachou e eu vou-me embora.” “Mas, rapaz, tu não vai embora não, fica aqui, vamo na cidade é que é lugar de se viver e tal.” “Não, mas eu já comprei até minha passagem!” Aí ele disse: “Deixa eu ver aqui tua passagem”, aí eu mostrei a passagem pra ele assim, ele pegou a passagem, rasgou, pegou o dinheiro da passagem e botou no meu bolso: “Tu vai trabalhar comigo!” Tudo bem, aí eu comecei a trabalhar com essa pessoa, sabe fazendo o quê? Ele tinha umas bicicletas dessas triciclos que vende lanche na rua, é cachorro quente, refrigerante, refresco.
P1 – Era triciclo?
R – É, aquelas que tem dois pneu na frente e um atrás, entendeu? Pois é, aí eu comecei trabalhar com ele. Até aí tudo aí sem carteira assinada sem nada, aí trabalhei com ele tal, e passado uns tempo eu digo: “Eu vou procurar estudar”, aí eu saí procurando colégio, mas só que o documento que eu tinha até aí, o único documento que eu tinha era certidão de nascimento que eu tinha trazido
do interior, sem nenhuma procedência escolar, que eu não tinha nunca estudado no interior. Sabia desenhar meu nome, conhecia alguma coisa, coisa do interior muito atrasada, muitos anos atrás. Aí eu comecei a procurar colégio e não encontrei, não encontrava. Aí por acaso me informaram que um colégio por nome Centro Artístico Maranhense tava fazendo inscrição, eu fui lá, quando cheguei lá, falei com um diretor, uma pessoa maravilhosa, me atendeu bem. Mas quando ele me pediu os documento, eu disse que não tinha, o que que aconteceu? Aí eu falei muito com ele assim que queria estudar, que eu era do interior e não tinha como estudar, se ele podia me ajudar pra depois a gente conseguir esses documentos. Aí ele vai, disse pra mim, acho que pra se ver livre de mim ele disse: “Tu vais e tu vem aqui segunda-feira”, aí eu fui, na segunda-feira eu voltei lá, quando eu cheguei lá, ele, que eu conversei, falei com ele, falei: “Ô Dionísio, eu sou aquela pessoa que fiquei de vim hoje pra saber sobre a matrícula”, aí ele vai e diz pra mim: “Ô, rapaz, eu não tenho como te ajudar porque você não tem documento, você nunca estudou, como é que eu vou abrir uma inscrição pra você aqui se você…” Aí eu tava assim, comecei meio, meio tremer, chorar né, um homem com 18 anos sem estudar e tal. Aí vai passando uma professora, ela bem escurinha por nome… Esqueci o nome dela agora no momento, aí disse: “Olha, esse rapaz vai estudar com você aí na sua sala, ele tá sem documento, mas a gente vai providenciar isso, daqui uns dia a gente vai normalizar, por enquanto você bota só o nome dele lá na relação e depois a gente vai documentar, ver tudo isso”. Aí eu comecei a estudar nesse colégio Centro Artístico Operário Maranhense. Lá, além de aprender a ler e escrever, lá tinha escola de, pra, ô meu Deus, alfaiataria, marcenaria, sapataria, tinha uma porção de coisas que era Centro Artístico Operário Maranhense, ensinava tudo, era um colégio profissionalizante. Bem, aí eu comecei a estudar e tal, chega perto do final do ano, aí teve uma confusão, esse colégio era mantido pela uma fundação, essa fundação disse que foi extinta, aí todos os alunos desse colégio foi enviado pra um colégio que tem aqui perto por nome Escola Modelo Benedito Leite. Aí foi todo mundo pra lá, só que o meu nome não foi porque eu estava estudando irregular. Aí aconteceu que meus colega tudo estudava lá e todo mundo foi encontrado e eu não, aí eu todo dia eu ia pro colégio, quando chegava no colégio a professora chamava lá numa turma, um José Ribamar de Jesus, meu nome é José Ribamar dos Santos e eu passei uma semana escutando isso aí, aí de noite eu fiquei em casa matutando, digo: “Amanhã eu vou pro colégio! Se essa pessoa não for, eu vou estudar no lugar dela porque eu preciso estudar”, assim eu fiz. Quando eu cheguei lá, a professora chamou José Ribamar de Jesus, eu esperei a pessoa responder a pessoa não respondeu e eu disse: “Presente!”, aí ela disse: “Rapaz, você já perdeu uma semana de aula e agora começou”, “É, mas agora eu já cheguei e tal e tá tudo bem”. Aí eu comecei a estudar, aí ela disse: “Olha, a partir de hoje eu não vou mais chamar teu nome, eu vou chamar pelo teu número, teu número vai ser xis”, tudo bem, falei ainda melhor pra mim. Aí eu comecei estudar com aquele nome José Ribamar de Jesus até no final do ano, chega no final do ano eu vou, recebo um boletim com só com nota boa, nove, dez e não sei o que tal, mas com nome José Ribamar de Jesus. Eu pego o boletim saio escondido, vou até na diretoria do colégio, cheguei lá, falei com a diretora, era uma diretora metida a carrasca toda por nome Heloísa, tudo isso eu tenho na memória porque foi coisa que me marcou. Aí eu: “Dona Heloísa, eu queria falar com a senhora”, “Pois não, que é que tu quer?”, “É o seguinte, é que eu recebi meu boletim e tá aqui só nota boa tudo bem e tal, mas tem um erro aqui”, “O que foi?”, “É porque meu nome é José Ribamar dos Santos e aqui tá José Ribamar de Jesus”, aí ela foi chamou a secretária, deu-lhe uma chamada lá que ela não, ela não fazia rodeio, ela ia em cima né. Deu uma chamada na professora e meu nome dali pra frente ficou consertado e eu passei estudar normalmente. Isso eu conto em casa pra meus filhos, pra minha mulher, pra qualquer pessoa, eu acho que não fui desonesto, eu apenas, eu tentei estudar, fazer uma coisa que eu queria fazer na vida e não. Bem, aí eu levei a vida, estudei, eu fiz o, nessa época o primário que era da primeira até a quinta série, terminou isso, aí eu fui fazer ginásio, aí eu já tava trabalhando empregado com carteira assinada, já tinha saído do, como é que a gente chama hoje? Esse trabalho, trabalho...
P/1 – Informal?
R – É, e assim né, já tinha saído disso aí né, e já tava com a carteira assinada, já tinha passado dois ano numa empresa e já tava em outra empresa que eu trabalhei 16 anos, bem, estudando. Aí eu pagava colégio e foi o tempo que eu, eu saía, encontrei um lugar aqui em São Luís que é o Centro Artístico Operário, ô, desculpa, o Centro Guaxenduba, o Centro Guaxenduba era uma casa de jovem pobre que vinha do interior pra cidade com vontade de vencer, então a pessoa pra morar no Centro Guaxenduba ele tinha que estudar, ser empregado, e ganhar salário mínimo, se ele ganhasse mais que um salário mínimo ele não podia ficar. Então eu ganhava salário mínimo, e estudava, e era empregado. Aí eu fiquei lá oito anos, trabalhei lá, morei lá oito anos, lá a gente tinha ajuda da, o governo ajudava muito, inclusive teve uma época, na época que o Sarney foi governador, ele foi almoçar com a gente porque o Centro Guaxenduba, o aniversário dele é no dia primeiro de maio, então todo dia primeiro de maio, quando era dia primeiro de maio, o Sarney ia almoçar conosco lá no Centro Guaxenduba, nessa época ele era governador. E eu fui trabalhando, depois eu me casei, como eu falei, trabalhei dois anos numa empresa, 16 em outra e me casei, e conheci, certo, aí eu conheci minha esposa lá no colégio, ela também era de Caxias, nós nos conhecemos lá, ela estudava lá.
P/1 – Quantos anos isso, vocês tinham?
R – Olha eu, eu tava com 27 anos, eu tava com 27 anos, eu me casei inclusive com 27 anos. Eu devia tá com 26 porque eu passei um ano namorando com ela depois me casei tava com 27 anos. E eu queria me casar no dia 15 de fevereiro que era a data do meu nascimento, mas como eu não tinha dinheiro pra pagar o casamento, aí eu me casei num casamento comunitário que era feito pela Legião Brasileira de Assistência, LBA. Aí eu casei dois dias antes, dia 13 de fevereiro, eu queria no dia 15, mas como eu não tava, eu tava casando casamento pago pela LBA, não podia escolher a data, tinha que ser um casamento comunitário, mas pra mim é...
P/1 – Você lembra quantos casais que foi que casou?
R – Me parece que foram só seis, seis casais, era seis.
P/1 – Ô seu Ribamar, voltando um pouquinho no tempo assim, quando o senhor tava em Caxias morava lá na comunidade, quem mais morava lá? Você lembra, era tio, era muita gente, era pouca?
R – Lá era mais, era só parente, era tio, tia, mas tudo era parente.
P/1 – Pra onde que eles foram indo?
R – A maioria vieram pra cá, pra Cantanhede e outros foram pra outros lado.
P/1 – É Cantanheda?
R – Cantanhede.
P/1 – Cantanhede.
R – É.
P/1 – E aí vocês ficaram lá, aí me conta o que que tinha lá por perto, como é que era a comunidade lá?
R – Lá em Cantanhede?
P/1 – Não, lá em Caxias. Tinha ave, tinha roçado, como é que eram as casas?
R – Ah, essa região lá é uma região assim, por exemplo, bastante alta, seca, na época do verão a gente sofria muito, depois quando chegava a época do inverno que começava chover tinha umas baixa que enchia aí aquela, onde vinha a fartura nessa época. Mas mesmo no verão era, era terrível, a região de Caxias era muito seco, agora já aqui pra Cantanhede não, já é mais, bem diferente, mais baixo, muita, chove bastante, bem melhor.
P/1 – E lá na comunidade o senhor tinha muito primo, como é que foi que você cresceu? Conta um pouco da sua infância lá pra gente. Você tem muitos irmãos também, deve ter dado pra brincar um bocado.
R – Ah, com certeza, a gente brincava muito, e a gente, eu, lá no interior de Caxias, por exemplo, me lembro bem, tem, existe várias coisas que marca a gente, por exemplo, como a região de Caxias é uma região seca como eu estava falando pra vocês, na época do inverno tem umas baixa que enche, aí quando ela vai secando, vai ficando aquelas lagoas e o peixe vão se amontoando porque vai diminuindo o espaço pra ele e a gente vai chegando, vai pegando com facilidade né, o peixe e, ia com meus primo pra gente pegar, pescar. E uma das vezes aconteceu que tinha uma, aí tinha gente, botava mandioca de molho naquelas lagoas pra poder puba a mandioca pra fazer farinha. Aí só tinha um lugar daquele onde gente cercava pra fazer a mandioca, a puba a mandioca que tinha a água que...
P/1 – Puba?
R – É, puba, que é pra mandioca ficar mole pra poder passar no ____ pra fazer a farinha, aí só tinha um lugarzinho que tinha água e tinha um pássaro, vários pássaro querendo beber e eu com meus primo, nós fomo pegar os pássaros com a mão porque eles tavam louco de sede, sabe? Aí eu me escondi lá um dia, aí chegou um pássaro que a gente chama siricora, porque ele quando canta assim a pessoa diz que ele tá chamando chuva, dessa época em diante né, ele começa cantar diz que chamando chuva. E essa siricora ela vinha, sentia a água partia pra cima, quando ela me via ela voltava, mas teve uma hora que ela não aguentou de sede e quando ela chegou, ela baixou pra beber, agarrei ela com tudo, menino tem um prazer, não tem essa cuidado de ver que a bicha tá com sede e deixar ela beber e eu fui logo pegando ela e matando porque criança quer matar as coisas pra levar pra casa, pra comer. E eu me lembro bem dessa data, aí eu fico assim pensando: “Pôxa e se fosse hoje eu não faria, mas nessa época uma criança com oito anos, seis, sete anos o importante pra ele é chegar em casa com um pássaro desse que ele pegou”.
P/1 – E o peixe, que peixe que era?
R – Ah, dava mais era jeju, era traíra e dava outros tipos de peixes também, é dava um outro que ele chama o cascudo, dava muito.
P/1 – E você e seus primos, seus irmãos, vocês gostavam de brincar de mais o quê?
R – Lá a gente brincava de casinha. A gente fazia um negócio de casinha, aí fazia um negócio de uns cavalo de pau que a gente fazia, montar né, porque era pra sair correndo na rua porque não tinha, a gente não tinha dinheiro pra comprar brinquedo como hoje que tem brinquedo até barato em loja pras pessoas comprar. Aí o pai da gente comprava às vezes aquela sardinha em lata e a gente abria a lata de sardinha e dali a gente fazia um carro, uma caçamba, um caminhãozinho pra brincar, essas coisas assim.
P/1 – E fala uma coisa, a sua mãe, como é que é, o pessoal fazia comida junto lá?
R – Fazia. Lá no interior assim, não sei se hoje ainda usa muito isso, mas eles faziam as comidas assim no interior, aí quando, eles têm lá às vezes uma bacia que eles chamam, aquela bacia de alumínio, aí bota às vezes o comer pros meninos tudo numa só bacia, aí tem uma disputa feia. Quando é pouca, a comida é pouca aí a disputa é muito acirrada.
P/1 – Quem que cozinhava?
R – Quem cozinhava era minha mãe.
P/1 – O que que ela fazia?
R – De que ela fazia? Ah, fazia tanta coisa, era de caça que o pessoal ia pro mato pra caçar, aí eles matava o caça, fazia comida de peixe, pegava um peixe, às vezes uma galinha que ela criava no quintal, um porco, ela fazia tudo.
P/1 – Era variado.
R – Variado. Cada dia tinha que ter uma coisa diferente.
P/1 – Aí o senhor foi, foi aqui pra perto junto com o seu avô, com a família depois veio pra cá, deu tudo isso da escola. E como é que foi, quando você chegou aqui em São Luís, começou a trabalhar, mas também começou a passear um pouco, tava jovem ali. Conta um pouquinho aí como é que foi, você contou a parte do trabalho, da escola que é muito forte assim, e aí como é que foi você começou a fazer amizade?
R – Com certeza, eu fiz muita amizade, eu fui uma pessoa que fez muita amizade aqui. Eu sou uma pessoa muito saudosista, essa parte aqui de Centro Histórico, por exemplo, eu me lembro muito assim, por exemplo, as ruas que elas são um pouco estreitas e as casas uma de frente pra outra, eu me lembro bem que eu passava e aquelas senhoras estavam na janela uma conversando com a outra do outro lado da rua, elas usam almofadazinha que elas botavam o braço pra não calejar, elas botavam o braço assim, sobre a almofada e ali elas começavam a conversar.
P/1 – Por isso que tem aquela pose assim, né?
R – É, é muitos atualizando o assunto da semana inteira. Então hoje a gente passa, as casas estão praticamente todas fechadas, alguma coisa, clínica ou, quando não é uma clínica, é um escritório, tá fechado porque ninguém quer mais morar no centro. Aí me dá uma saudade porque eu penso muito nisso, e a gente andava com segurança. Hoje já, até muita malandragem, é bem diferente, as pessoas hoje não querem mais, querem resolver a vida tudo com facilidade, muito rápido, levantar muito rápido. Por exemplo, essa época que eu morei no Centro Guaxenduba que eu falei pra você, lá eu passei oito anos, se eu disser pra você, eu me casei em 74, saí de lá em 74, eu tenho ainda do primeiro ao último recibo o que eu paguei no Centro Guaxenduba aonde eu morava que lá a gente devia pagar mais ou menos o que que era, 10% ou 15% do salário mínimo da época, esse era o percentual que o padre cobrava da gente. Então tenho lá em casa do primeiro ao último recibo pra mostrar pra meus filhos, isso é que eu conto pra meus filhos. É claro que contei aquela história que eu, que eu menti dizendo que meu nome era José Ribamar de Jesus sem ser, mas eu queria vencer, eu queria vencer. Eu não enganei ninguém, eu conto isso pra meus filhos, ele ri muito disso, mas eu conto também que eu passei a vida inteira morando no Centro Guaxenduba comendo comida que era pouca, não era comida boa, estudando, pagava depois. Quando eu entrei no que se chama hoje ginásio, eu pagava, já pagava colégio, já não era mais do governo, colégio do governo.
P/1 – Ralou bastante.
R – Ralei bastante, tem, e eu mostro pra eles que nessa época eu pagava tudo isso e tinha conta no banco. Nessa época tinha um banco aqui por nome o Banco do Maranhão S.A, não era o Banco do Estado Maranhão, era Banco do Maranhão S.A e todo mês eu pagava todas as minhas contas e tinha que sobrar uma certa importância pra mim depositar. E eu tenho esse recibo todos eles lá em casa e tinha o, e tenho contracheque, eu tenho cheque dessa época que eu extrai um talão de cheque pra pagar qualquer coisa. Pra mostra pra ele como é que a pessoa vence na vida, dá um, não é...
P/1 – Não é fácil não.
R – Não é fácil.
P/1 – Ô seu Ribamar, conta pra mim como é que era o cotidiano lá no Centro lá.
R – No Centro Guaxenduba? Olha lá é o seguinte, era o, a gente saía de manhã pro trabalho, de noite quando voltava tinha que ir pro colégio, quando voltava do colégio tinha que tá lá Centro Guaxenduba até às dez da noite, quem chegasse depois das dez, o padre não autorizava entrar mais. E a final de semana, por exemplo, no final de semana, todas as pessoas que moravam no Centro Guaxenduba tinha que ir pra igreja da Sé que é a igreja matriz assistir a missa de manhã cedinho e cantar, a gente era que cantava na igreja, a gente era quem fazia né, que puxava os cantos da igreja, o pessoal do Centro Guaxenduba. O Centro Guaxenduba era quase que um quartel, pra você ter uma idéia o Centro Guaxenduba nessa época nós éramos 120 internos, interno era aquele que morava lá, almoçava, jantava, tomava café e morava.
P/1 – Só homem?
R – Heim?
P/1 – Só homem?
R – Só homem, e tinha 80 externo. Externo era aquele que só almoçava e jantava, e pagava menos, é claro, pagava menos. E lá a gente tinha uma referência quando a gente chegava num determinado lugar pra fazer uma compra ou pra, pedindo um emprego: “Tu moras aonde?”, “Eu moro no Centro Guaxenduba”, disse, “Ah esse é filho do padre”, era praticamente uma porta que se abria pra gente, sabe.
P/1 – Porque era, tinha uma disciplina, tudo.
R – Disciplina, exatamente. O padre...
P/1 – E era tipo umas, uns quartos grandes com várias camas, como é que era?
R – Era, exatamente, era, são, eram diversos quartos, tinham parece que três andares, sei lá, e diversas camas aquelas que a gente chama beliche, uma em cima outra embaixo.
P/1 - E como é que você fazia pra passear com os amigos, dar uma paquerada por aí?
R – Ah, os final de semana ou à noite depois de que gente saísse do colégio a gente sempre saía. Aqui era o meu ponto, era minha paixão, era aqui, veja só, a igreja Nossa Senhora do Remédio também aqui, que é uma igreja bonita, eu tenho uma paixão muito grande por esse local aqui, essa igreja. Eu assistia a missa que era obrigado assistir lá na igreja da Sé de manhã, domingo de manhã e de noite eu vinha assistir aqui, até porque aqui eu vinha paquerar também, além da missa tinha paquera. Era um local atraente, agradável, aí eu vinha pra fazer as duas coisas, pra passear, paquerar e pra assistir a missa.
P/1 – Aqui no Lago.
R – Aqui no Lago dos Amores.
P/1 – E me fala um pouco aqui do Lago dos Amores, você veio, me conta alguma coisa que você já passou aqui sabe, alguma coisa mais emocionante. Você conheceu sua esposa aqui?
R – Não, eu conheci no colégio.
P/1 – Mas você encontrava ela aqui?
R – Não, aqui não porque, até porque ela morava muito longe daqui, um pouco distante, num bairro distante daqui e a mãe dela, os pais delas tinham um regime assim muito é...
P/1 – Rígido.
R – Rígido, não deixava a gente tá saindo assim. Aí depois que a gente se casou, aí que eu passei a tentar a vir aqui, aí ela não gostava porque ela achava que eu tava recordando o tempo que eu namorava com as outras, aí ela não gosta, ela não é muito, mas...
P/1 – Você namorou bastante, seu Ribamar?
R – É claro que eu namorei bastante, eu sempre gostei de namorar.
P/1 – Mas aqui era, aqui era assim, os pais não vinham aqui assim, então era, como é que era, dava pra encontrar as meninas? Andar de mão dada.
R – Aqui dava pra encontrar as meninas. Veja só na, a gente, nessa época, as meninas que dava atenção pra mim seria aquelas meninas que trabalhavam em casa de senhores, aí dos grandes. Aí elas saíam pra cá, não tinha cobrança de pai, a não ser que eu fosse pra um bairro, um bairro que foi o caso onde eu conheci minha esposa depois de muito tempo eu namorar várias meninas que trabalhava em casa de família, namorei várias, aí depois eu conheci minha esposa no colégio, aí ela falando da família dela que queria pra mim ir lá conhecer a família dela e tal, aí foi que foi. Como minha esposa é uma pessoa maravilhosa, em fevereiro agora a gente vai fazer 34 anos de casado.
P/1 – Quantos filhos o senhor tem?
R – Três filhos e três netas.
P/1 – Que ótimo.
R – Pois é, cada um filho tem uma neta, uma filha né, aí eu tenho três filhos, três netos.
P/1 – Me conta uma coisa, aqui além de ser o Lago dos Amores é também a praça Gonçalves Dias, né?
R – Praça Gonçalves Dias, é.
P/1 – O senhor conhece o...?
R – O Gonçalves Dias? Gonçalves Dias eu conheço, é a história, né, porque...
P/1 – Ele é seu conterrâneo, né?
R – É, meu conterrâneo, ele é da minha cidade, de Caxias, então quando eu nasci ele já tinha morrido, mas, eu conheço a história. E ele está aqui na palmeira porque ele fez aquele verso: “A minha terra tem palmeira aonde canta o sabiá, as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá”.
P/1 – Por isso tem esse monumento dele aí em cima.
R – É monumento aí, é.
P/1 – Você sabe mais alguma dele aí?
R – Não, assim não, de cabeça não.
P/1 – Mas isso é muito representativo porque aqui tem muita palmeira, não tem? Aqui na região?
R – Tem muita palmeira, tem. Esse aqui que é a palmeira, o coco babaçu que foi uma das nossas maiores potências, umas das maiores riquezas do Maranhão. Hoje não é mais, mas já foi no passado. Era quem movimentava praticamente o estado, porque tinha muita fábrica de produzir óleo de coco babaçu e fabricar sabão de coco babaçu.
P/1 – Seu Ribamar, a gente conversou bastante antes da entrevista, o senhor contou bastante do folclore, da história aqui de São Luís e um pouco também de como a cidade mudou. Como é que era antes assim, o que que mudou aqui em São Luís desde que você chegou?
R – Olha, mudou muito porque você vê a cidade, a cidade ela vai crescendo, ela vai perdendo sua tranquilidade, o preço do progresso custa caro. São Luís, quando eu cheguei aqui, em 65, eu sei que eu andava a cidade à noite, por exemplo, eu ia num baile no interior num bairro desse, às vezes não tinha dinheiro pra pagar um ônibus pra voltar, eu atravessava a cidade todinha de pé e ninguém mexia. Hoje ninguém mais pode fazer isso, então essas coisas que eu sinto falta, acho que mudou pra pior, mas cresceu né, fazer o quê.
P/1 – E o Centro Histórico?
R – Ah, o Centro Histórico __________________________ Maranhão.
P/1 – Seu Ribamar, eu tava perguntando pra você do Centro Histórico, né? O que que o senhor acha assim, o que que mudou assim do Centro Histórico?
R – Ah, o Centro Histórico hoje só tem repartição, loja de artesanato, museu, essas coisas. Na época que eu cheguei aqui ainda tudo funcionava, grandes empresas que tinha lá na época, grandes empresas que teve aqui, ainda funcionava lá, aí de lá pra cá foram algumas falindo, outras se mudando e maneira que hoje lá só funciona loja de artesanato, repartições estaduais, municipais, museus, essas coisas assim e uma feira que tem lá, alguns restaurantes, lanchonete, essas coisas, a vida, aqui eles tão tentando, vão tentar restaurar o, uma boa parte né, que é pra botar pra movimentar, fazer pousada, essas coisas todas que a gente espera pra não acabar a memória da cidade que é muito bonita.
P/1 – Seu Ribamar me conta esse tempo que o senhor foi crescendo aqui, o senhor viu muita manifestação lá, por exemplo, dança, música, você via essas coisas acontecendo, às vezes tava passando olhava assim, como é que era?
R – Ah, sempre tem, até porque aqui é uma cidade que tem uma parte folclórica bastante diversificada, por exemplo o nosso folclore é o mês de junho, que é a festa junina que a gente chama, por exemplo pra você ter uma ideia, o Bumba meu Boi que no passado que a gente era conhecido três modalidades, por exemplo, era sotaque de matraca que é mais tradicional, o de orquestra, o outro zabumba e hoje eles já escolheram mais um outro que é, como é que chama... Pandeiro, costa de mão, não sei mais o que, já tem mais uma, acho que seis a mais disso de apresentação, fora as brincadeiras de quadrilha, coco, cacuriá, dança portuguesa, São Gonçalo e quando chega a época da festa junina, os arraiais ficam cheios, lotados desses tipos de apresentações, de sete horas da noite até às cinco horas da manhã final de semana todos arraiais cheio dessas apresentações. Precisa ver como é bastante animado, aí é onde a gente vai pra paquerar as meninas, as meninas também vão, ai ai... Já viu, né?
P/1 – E o tambor de crioula?
R – Eu tenho também o tambor de crioula que eu esqueci, é sim, tudo isso faz parte.
P/1 – Você já foi assim, como é que foi que você viu a primeira vez, por exemplo, você tava andando, como é que era?
R – Não, a primeira vez eu fui, assim... Porque quando nós estávamos estudando, foi o primeiro ano que eu cheguei que eu comecei estudar que eu fui, aí só tinha o arraial só na praça Deodoro, era só lá, aí um colega me convidou, disse: “Olha, o arraial vai começar hoje e vai ter logo na abertura tem uma, o tambor de crioula” e depois: “Que que é esse negócio de tambor de crioula?”, que lá no interior eu não conhecia, eu conhecia outras brincadeiras, mas lá no meu interior não tinha tambor de crioula, aí eu fui ver, cheguei lá, é bastante animado, aquela mulher dançando.
P/1 – Porque que você acha que tem aqueles azulejos lá no Centro, nas casas assim, quem que foi que trouxe isso você sabe?
R – Os azulejos é o seguinte: os azulejos é porque aqui na época morava muitas pessoas importantes, muitas pessoas ricas e como aqui é uma área de mar, e tem muito salitro, o reboco das casas eles sempre tavam caindo, a pintura caindo com o reboco, com tudo e não pegava bem, por exemplo, pra uma baronesa morar numa casa onde o reboco da frente da casa tivesse caindo, então, daí surgiu a primeira pessoa que veio trazendo o azulejo pra botar na frente da casa e daí pra frente virou moda, aí as pessoas começaram a usar e ficou bastante, bastante...
P/1 – Típico, né?
R – Típico e usado esse tipo de azulejo.
P/1 – Até o semáforo tem azulejo.
R – Hoje até o semáforo daqui tem azulejo, né, o táxi de São Luís, todos os táxis de São Luís eles tinham uma faixa de azulejo na lateral, aí um projeto de um vereador a pedido de um taxista que, de uma meia dúzia de taxista pedindo pra tirar, aí foi um projeto do vereador e tirou. Mas todo táxi de São Luís tinha uma faixa que pegava do farol dianteiro à lanterna traseira no meio do táxi.
P/1 – Me conta como é que foi que o senhor entrou nessa profissão de taxista.
R – Acontece que, eu era empregado, aí eu saí do emprego e a minha mulher tinha um primo que trabalhava de táxi, aí ela disse: “Olha, rapaz, compra um táxi pra ti que táxi dá muito dinheiro. O meu primo José já trabalha um bom tempo com táxi e ele tá sempre de carro novo”. Aí eu entrei na praça, comprei o carro, entrei na praça e realmente eu não tenho me dado mal, já tô desde, tô com 21 anos que trabalho com táxi, comecei em oitenta e seis.
P/1 – E o senhor gosta, como é que é?
R – Eu gosto né, até porque eu digo: “Sempre, Deus tem sido maravilhoso comigo, eu desde quando comecei trabalhar com táxi, comecei em porta de hotel, trabalhei em hotel e em hotel você trabalha com turista, empresário, artista, todo tipo de pessoas, eu já trabalhei com pessoas praticamente do mundo inteiro, já trabalhei com vários artistas brasileiros”.
P/1 – É uma diversidade de gente.
R – Diversidade de gente. Eu trabalhei com políticos influentes também e a gente, então, tem tido sorte graças a Deus.
P/1 – Já deve ter tido umas boas conversas já.
R – Com certeza, eu tenho retrato em boa parte do mundo, no mundo inteiro quase, com pessoas que vieram pra cá e eu fiz passeios com ele, mostrei cidades, levei em restaurantes, em praias e outras coisas, e fui buscar, e as pessoas sempre diz: “Não, vou levar uma lembrança sua, um retrato, vamos tirar um retrato aqui, aí fica aí com minha esposa”, o outro deixou eu fotografar com minha esposa, ela vai... “Agora você fica com ele eu vou fotografar e tal”, essas coisas né, foi muito importante e interessante pra mim.
P/1 – Ô seu Ribamar, conta pra gente de um pouco da história da Lagoa Jansen e da Jansen mesmo, da Tereza.
R – Olha, a Lagoa da Jansen, é o seguinte: a Lagoa da Jansen, porque São Luís, ela é toda cortada de braço de mar, você tá vendo isso aqui que passa pra cá, um braço de mar que a gente chama um rio, rio anil, mas no fundo, no fundo, não é um rio, é um braço de mar, quando a maré enche, ela fica tudo cheio que a água fica quase encostando na ponte, quando a maré seca, seca tudo. E lá, aquele lá o, hoje, Lagoa da Jansen não é diferente era o igarapé, por exemplo, um braço de mar que passava pra lá que chamava Igarapé da Jansen. Segundo as pessoas, Ana Jansen tinha uma, um sítio lá naquela parte alta que tem ao lado da lagoa, e aonde ela tinha uns postos, aonde ela fornecia água pra cidade e como ela atravessa pra lá aí, botaram o nome de Igarapé da Jansen, segundo a história que a gente vê falar e depois, com o passar do tempo quando fizeram essa ponte que começou crescer pra lá, aí fizeram uma avenida lá, aí quando fizeram a avenida tentaram fazer uma ponte, disse que não conseguiram, aí aterraram o leito no braço do mar, aí deixou de ser Igarapé da Jansen pra ser Lagoa da Jansen, é porque o nome Jansen não pode desaparecer da história do Maranhão, segundo a história foi uma pessoa influente aí não pode deixar de...
P/1 – E o monstro da Lagoa?
R – Ah, o monstro tá lá, porque contam a história que uma serpente que está aqui é uma ilha e que essa, é sobre uma serpente, então a cabeça da serpente tá num determinado lugar e o rabo tá em outro e ela tá crescendo assim, quando o rabo encontrar com a cabeça, aí a cidade vai ficar submersa, eu espero que não esteja mais vivo, ou pelo menos não more mais aqui, não quero passar por isso.
P/1 – Ô seu Ribamar, conta um pouquinho pra gente a história do por que a Jansen é tão importante aqui pra São Luís, quem que ela é, que que ela fez aqui? Só me conta só umas coisinhas, só pra gente saber assim.
R – Olha, Ana Jansen é, dizem que no passado foi uma mulher poderosa, temida por tudo e por todos que nomeava de governador, prefeito, fazia deputado, ela tinha o estado na mão, segundo a história, e ninguém queria ser inimigo de Ana Jansen, triste daquele que fosse adversário de Ana Jansen. Aí ela ficou, segundo a história, ficou poderosa e tal.
P/1 – Mas ela era senhora de uma fazenda, que que ela era assim?
R – Segundo a história, ela era uma pessoa que ficou viúva e ficou com muito, o marido dela era muito rico, um português milionário, aí ela ficou com muita fazenda, ela tinha diversas fazendas de escravo dentro do Estado então, por isso, a mão-de-obra era barata, mulher ficou poderosa, ficou rica.
P/1 – E ela era mal?
R – Alguém conta que ela fazia diversas maldades com escravo, existem várias lendas de que ela fazia maldade com os escravos, por exemplo, eu conheço diversas lendas. Eu tenho livro de Ana Jansen que conta a história de Ana Jansen, pelo menos, eu tenho um livro escrito por os maiores escritores do Maranhão uma da história sobre Daminhão, Daminhão foi um preto que na sua idade jovem ele foi, trabalhava em navio. Como ele trabalhou em navio ele conheceu o mundo inteiro e como ele viajava o mundo inteiro, ele aprendeu diversas línguas e quando ele parou, chegou à idade avançada, não foi mais trabalhar de navio, ele se estabeleceu aqui em São Luís, agora não sei se ele, não diz se ele era maranhense ou não. Sei que ele ficou aqui em São Luís e aqui ele começou a lecionar línguas pra filhos de senhores na época, aí como ele tava lecionando língua, uma das línguas da qual ele lecionava era o latim, Ana Jansen soube que ele tava lecionando latim para os filhos de pessoas importante, mandou chamá-lo, aí ele saiu de manhã cedo, à noite ele disse que não dormiu porque ficou perturbado em saber o que que ela queria com ele. No dia seguinte, ele se preparou cedo, botou um terno e um chapéu na cabeça e saiu, quando chegou lá, anunciou que ela tinha mandado chamar, em seguida ela foi mandando ele entrar de sala em sala, até quando chegou... Diz que perto demais ou menos do meio-dia que ela foi recebê-lo, aí ele entrou na sala tirou, o chapéu da cabeça, abraçou o chapéu, que tinha que fazer esse gesto né, não podia com chapéu na cabeça, aí quando ele vai entrando na sala que ela estava, ela mandou ele parar, botou a mão na frente, segundo a história, mandou ele parar: “Para!”, aí ele parou, disse: “Você que é o preto que fala latim?” Ele disse: “Sim sou eu mesmo”, e disse: “Tá bom então, pode voltar, só queria saber”, então isso é uma história que tá no livro que eu tenho, como outra também de uma mulher que mandou vender uma escrava porque ela já não aguentava mais a estripulia que a escrava fazia, a escrava era, não aceitava aquele, não era obediente, aí mandou, chamou um serviçal da sua fazenda mandou levar com a escrava lá na, em don’Ana pra vender essa escrava, disse olha: “Tu vai vender essa escrava pra don’Ana. O preço da escrava é 600 mil réis, mas se ela achar caro, tu vende até por 400 desde que tu não tragas a escrava”, bem ele saiu com a escrava pra vender, chegou lá foi anunciado, a escrava todo tempo chorando, pedindo, chorando que não queria ir porque já conhecia a história de que ela era má. E quando a don’Ana recebeu os dois, o rapaz mandado lá pela outra fazendeira e mais a escrava, perguntou: “O que é que você quer?” Ele disse: “Não, eu vim vender essa escrava pra senhora que a minha patroa mandou eu vim vender porque ela não aguenta, não suporta mais essa escrava, então ela veio, tá lhe oferecendo e o preço da escrava é 600 mil réis, mas se a senhora achar caro, a senhora vai pagar apenas 400 mil réis desde que eu não volte com ela”. Ela disse: “Não, eu vou ficar com a escrava, eu vou comprar”, aí ela mandou chamar o escrivão lá no cartório, fez uma escritura de compra e venda da escrava e em seguida dizendo a história, o livro aí, que ela mandou fazer uma carta de alforria pelo mesmo cidadão que foi lá do cartório em seguida entregou pra escrava, disse: “Tá aqui ó, e tá aqui os 600 mil réis e diga pra sua patroa que eu não quero desconto, tá aqui os 600 mil réis e tá aqui 200 pra te consertar o solado do teu sapato e diga pra tua patroa que eu não sou a pessoa que ela pensa que eu sou”. Aí daí pra frente diz que essa preta, essa escrava, quem quisesse falar de Ana Jansen, quem tivesse adquirir uma inimiga era só falar de Ana Jansen pra ela, ela ficou, segundo a história, segundo o livro aí, ela ficou muito amiga de Ana Jansen.
P/1 – Ô, seu Ribamar, o senhor gostou? A gente fez toda uma volta no tempo né, o senhor contou um pouco da sua história, contou um pouco também da história aqui de São Luís, o que o senhor achou dessa experiência de tá contando um pouco da sua história pro Museu da Pessoa?
R – Olha, eu achei bom, porque é documentário, muita gente, eu conheço muitas pessoas que quando fala, por exemplo se a pessoa tá bem e que no passado ele foi bem na vida, foi “bem na fita”, como diz na gíria, a pessoa faz questão de contar, mas quando ele passa o que eu passei, muitas pessoas esquecem, eu não sou assim, eu não sou, eu prefiro, eu sou feliz porque eu passei por isso e estou aonde estou hoje, hoje eu sou uma pessoa conhecido na cidade por todo mundo da cidade eu sou conhecido e não vou fazer uma declaração não, eu tô fazendo declaração de bem, tá bom?
P/1 – Pode falar, claro.
R – Eu disse... É o seguinte, quando eu cheguei aqui, eu só tinha uma camisa, duas camisas, uma na maleta outra no corpo, uma rede pra dormir, uma calça, duas calças, uma pra vestir, outra lá guardada. Hoje tá diferente, eu tenho uma casa muito boa pra mim morar, uns dois quilômetros do hotel que eu trabalho, uma casa boa com três quartos, garagem, copa, cozinha, jardim de inverno, toda na laje, um banheiro social, um banheiro no meu quarto, lá pra trás eu tenho mais um banheiro naquilo que eu chamo no quintal. No quintal, mais um quarto com banheiro, dispensa, um hall, um churrasqueira, tem um pé de manga no meio do meu quintal onde eu faço meu churrasco final de semana pra convidar meus amigos e, além de tudo isso, o mais importante, eu tenho uma família maravilhosa, uma mulher que eu amo, uma mulher que eu gosto muito, e tenho três filhos que nunca me deram trabalho então isso pra mim é tudo.
P/1 – O senhor é um vencedor por toda essa.
R – Pois é, então por isso que eu faço questão de contar, por exemplo, quando você me chamou pra vim fazer esse documentário, eu porque hoje eu vejo esses meninos se entregando assim muito fácil assim pra droga, roubalheira, não sei mais o que, assaltar, que não leva a nada. Eu vejo quantos meninos já se acabou aí de, que podia tá aí com 30 anos com uma saúde, trabalhando, ganhando dinheiro, se arrebentou de apanhar de polícia, pegou bala porque assaltou, coisa sem futuro, né.
P/1 – Nós, pelo Museu da Pessoa, a gente queria agradecer muito o senhor ter dado esse depoimento de vida pra gente e a gente espera que o senhor continue nessa luta e que tenha bons frutos, saúde, muito obrigado.
R – Muito obrigado. Eu já era pra ter encerrado a minha atividade, em 60, em 80, em 98 eu me aposentei ganhando três salários e meio, de lá pra cá já perdi um salário e meio, hoje eu só ganho dois salários, hoje eu só ganho dois salários, depois deu passar 35 anos contribuindo com o INSS, hoje eu ganho dois salários, eu posso deixar de trabalhar? Não posso, então eu ainda tô na ativa, ainda tô na ativa, tô bem ainda, tenho condição, mas se eu pelo menos ganhasse ainda e que não fosse mantido uma base de eu ganhar três salários e meio, eu vendia tudo que eu tenho aqui e ia pra uma cidade que bem aqui perto, São José de Ribamar, lá em São José de Ribamar você precisa conhecer a graça que é São José de Ribamar, a cidade que é São José de Ribamar, onde você ia viver comendo peixe quando o cara tira lá da pescaria, chega o peixe tá mexendo, o camarão, tudo natural, a fruta, o cara vai plantar e vem lhe vender na sua porta ainda escorrendo ainda o limo do talo que ele pegou, então, mas hoje eu não posso porque hoje eu ganho dois salários, amanha eu tô ganhando só um, pagou um plano de saúde que é quase, pra mim com a minha mulher que custa quase...
P/1 – Caríssimo, né.
R – Então eu não posso, eu não posso parar.
P/1 – A gente faz votos que o senhor consiga aí chegar e mudar pra São José de Ribamar e muita saúde pra sua família e muito obrigado.
R – Obrigado. Obrigado.
P/1 – O senhor quer falar alguma coisa pra gente finalizar?
R – Não. Vocês, pessoas tão legais assim, eu só fiz isso por vocês, porque desde a hora que vocês entraram no meu carro, foram umas pessoas assim tão legais, tão comunicativas, tão chegante assim, tão aconchegante que não custava nada eu fazer isso aí.
P/1 – Muito obrigada. Pra gente foi um prazer enorme.
R – O prazer foi todo meu.Recolher