Campinas sobre duas rodas... E pedal!

P/1 – Senhor Edson, é um prazer muito grande recebê-lo pra participar do nosso projeto. Primeiramente nós gostaríamos que o senhor nos dissesse seu nome completo, local e data do seu nascimento. R – Edson Roberto Lunardi, nascido em Campinas no dia 21 de maio de 1955. P/1 – Qual era o n...Continuar leitura

P/1 – Senhor Edson, é um prazer muito grande recebê-lo pra participar do nosso projeto. Primeiramente nós gostaríamos que o senhor nos dissesse seu nome completo, local e data do seu nascimento.

R – Edson Roberto Lunardi, nascido em Campinas no dia 21 de maio de 1955.

P/1 – Qual era o nome dos senhores seus pais?

R – O meu pai, Edson (Lorenceti ?) Lunardi. Minha mãe, Luci (Pântano Quéquia ?) Lunardi.

P/1 – Os dois de origem italiana?

R – De avós italianos, mas meus pais nascidos aqui.

P/1 – O senhor se recorda em que período vieram os seus avós?

R – Pai do meu pai por volta, acho que no comecinho do século XX, por volta de 1900 e pouquinho. Talvez da parte da minha mãe mais ou menos nesta época também. Que o meu pai é nascido em Campinas, a minha mãe nascida em Santo André, mas o meu avô, pai da minha mãe, não era italiano e sim os pais dele, como o meu avô, pai do meu pai, era italiano.

P/1 – Certo. E o senhor lembra dos seus avós?

R – Não.

P/1 – Não lembra.

R – O paterno não mas o materno sim. Porque o paterno, eu nasci em maio de 55, ele veio a falecer em outubro do mesmo ano.

P/1 – Ah, certo.

R – Agora o materno não, o materno faleceu em 73. Então aí eu já tinha bastante contato com ele.

P/1 – E o senhor saberia qual foi a atividade deles, quais as atividades profissionais que eles desenvolveram?

R – Sim. Do avô paterno, ele veio da Itália e se estabeleceu aqui, na Fazenda Boa Vista, próximo aqui do Bairro Boa Vista. Ali era a Fazenda Boa Vista, depois foi desmembrado e foi feito uma vila. E lá ele fez um armazém, que eles chamavam de secos e molhados, na época, e lá ele fez a vida dele. Da parte do avô materno, ele veio... Ele trabalhava na Rhodia, em Santo André, e foi designado, depois, pra vir trabalhar, ou seja, desmembrar e começar as atividades aqui em Paulínia. Que a Rhodia abriu uma unidade na Fazenda São Francisco e aí sim ele veio transferido de Santo André pra cá. Veio morar aqui em Campinas junto com a família.

P/1 – E os seus pais então já se conheceram aqui em Campinas?

R – O meu pai estudava aqui em Campinas e conheceu a minha mãe, que ela estudava no Cesário Mota, naquela época. Esse colégio nem existe mais em Campinas, ele é lá no Cambuí. E se conheceram. E a minha mãe morava ali próximo ao _____ São Paulo, mas era uma coisa diferente, era uma coisa assim mais difícil de sair. Mas começaram o relacionamento e depois se casaram, viveram aí. O meu pai faleceu agora, no ano de 2000. Ele completaria em 2003 50 anos de casado mas não deu tempo.

P/1 – O senhor tem irmãos?

R – Duas irmãs. Uma é de 58, vai fazer 49, e a caçula, que é 62, vai fazer 45.

P/1 – Eles estão no comércio, os seus irmãos, também?

R – Não. A minha irmã é psicóloga formada mas não pratica, não está no ativo, e a outra minha irmã casou e não exerce assim. Ficou naquela de casa mesmo com a filha. Tem uma filha única e não tem atividade profissional nenhuma.

P/1 – O senhor se lembra do bairro onde o senhor morava, como era, como foi a sua infância, as brincadeiras, como eram as ruas de Campinas?

R – Então, eu tenho assim lembranças de quando eu morava aqui no Botafogo, que é um bairro próximo aqui. Depois nos mudamos lá pra Rua Costa Aguiar, que é próximo à loja nossa ali. Lá nós moramos de 1958 até 1966, era um prédio de apartamento. Então, de certa forma, poderia se brincar um pouco assim, mas a melhor parte mesmo era quando chegava no domingo, que era um costume do meu pai, que a gente ia almoçar na casa da minha avó, que morava lá no Bairro da Boa Vista. Então era uma infância que a gente tinha contato com os pés de fruta, com as galinhas, enfim, com a natureza. Então eu podia colocar os pés no chão, levava os brinquedos pra brincar na terra. Então foi uma infância até, de certa forma, gostosa, legal. E outra, nós três, a minha mãe já levava as roupas de troca e lá mesmo a gente tomava banho. Era banho de banheira porque não tinha energia, a água era aquecida no fogão à lenha. Banho de bacia mesmo. Então isso são coisas que marcam a infância principalmente. Depois vem a adolescência. Saímos dali, viemos morar aqui na Rua Saturnino de Brito, atrás da maternidade. Era um beco, uma rua sem saída. Ali foi uma etapa muito boa da vida porque já cheguei lá com 11 pra 12 anos. Então a gente podia brincar na rua, coisa que eu não podia fazer porque eu morava em prédio. Jogar bola na rua, brincar de esconde-esconde, queimada. E assim, não tinha hora assim: “Ah, rapaz, você já tomou banho? Não vai correr agora de noite”, coisa que eu não queria saber. Ficava na rua brincando até oito, nove horas da noite. Não era preocupado com televisão, com nada. Era uma coisa assim extremamente saudável e muito bom. Sempre que eu posso, que vem na memória, eu fico recordando porque é muito agradável isso.

P/1 – E o senhor se lembra do que mais o senhor gostava de fazer? Como eram os seus amigos, quais eram os seus amigos? O senhor lembra?

R – A cidade, se você for ver bem a coisa de, estou com 52, a coisa de 35 anos atrás, não tinha muitas opções. Era um cinema ou tomar um sorvete na Loja Americana aqui no centro. A cidade era restrita a isso. Ou a Gazetinha aos domingos, que era uma coisa assim muito agradável, o filme do Gordo e o Magro, Tom e Jerry, as coisas assim do domingo, que era uma coisa que hoje, se falar pra garotada de hoje, nem sabe o que é. Mas era o programa do domingo. Começava ali na parte da manhã. Depois vai crescendo, crescendo. A gente falava que tinha a Boate do Cultura, que tinha lá as músicas pra gente dançar. Antigamente tinha aquela coisa. Hoje não. Que nem hoje, por exemplo. Eu nunca mais fui a balada, essas coisas de falar: “Ah, toca música lenta pra dançar junto”. Não, hoje o pessoal quase nem dança mais junto. Aquela coisa assim meio romântica, né? Tempo da Cuba Libre, Coca-Cola com Rum. Então era assim, os amigos, coisas assim saudáveis. Não tinha assim nada de vício ou coisas ruins. A gente andava a pé porque naquela época ninguém tinha carro, não tinha carteira pra dirigir. Jogava bola na rua senão ia pro clube à noite conversar com os amigos e assim passava o tempo.

P/1 – E o senhor se lembra das lojas que o senhor ia quando o senhor era pequeno, criança, adolescente, ia com a sua mãe?

R – Quando eu morava aqui na Costa Aguiar, ainda com três, quatro, cinco anos, saí daí com 11, era uma loja que me marcou muito. Era na Rua Costa Aguiar, nessa mesma rua que eu morava, só que não existe mais essa loja, chamava-se Casa
Bongo. Então era um sonho entrar lá porque tinha brinquedos de tudo quanto era tipo. Eram muitos produtos que vinham do Japão, coisas novas, brinquedos novos. Enfim, coisas, novidades que pra época, pra gente era um sonho. Então ficava lá olhando a prateleira. Não tinha assim muita posse pra comprar o que tinha vontade de comprar. Não estava assim com aquela, vamos dizer, facilidade pra se adquirir as coisas. Então eu ficava lá e ficava imaginando. Mas foi uma loja que me marcou muito, Casa Bongo. É uma pena que ela não existe mais senão podia fazer parte desse acervo também porque ela era muito antiga na cidade.

P/1 – E os gêneros alimentícios, assim, pro abastecimento da sua família? Como era, como eram comprados, o senhor se lembra disso?

R – Nessa rua mesmo, que eu morava, na Costa Aguiar, tinha um atacadista muito grande que chamava Pires e Companhia. Então tinha tudo ali. Antes dele um pouquinho tinha um depósito de sacaria que vendia feijão, vendia o arroz, vendia a batata. E a gente comprava picado, podia marcar na caderneta, pagava no final do mês, sabe? Aquela coisa que marcava a lápis ainda: “Olha quanto eu estou devendo. Marca aí e tal”. E era uma coisa assim. E você me perguntou também do comércio. As lojas antigamente eram uma coisa assim muito agradáveis porque você tinha... Na Treze de Maio era a loja que praticamente seria o shopping. Então as lojas fechavam às 18 horas mas as vitrines permaneciam abertas. Então você tinha, no passeio noturno você tinha a oportunidade de você ver uma galeria, de você ver uma loja de roupas, enfim. E depois, por volta de 22 horas, passava um senhor com as chaves no bolso fechando todas aquelas portas porque era a hora de fechar. Uma coisa inimaginável nos dias de hoje mas...

P/1 – Interessante.

R – Uma coisa muito gostosa e boa de se lembrar porque era uma coisa muito agradável de se fazer, sabe, muito boa.

P/1 – E o senhor se lembra, assim, alguém da sua família, sua mãe, alguém da sua família ia costumeiramente fazer compras em São Paulo? Tinha? Era um pouco indispensável, assim?

R – Não. Nessa parte eu digo pra você que não era uma coisa assim que chamava muito a atenção. Essa parte de compras mesmo em São Paulo era raro. É certo, a gente ia, passava por São Paulo porque uma vez por mês a gente ia visitar uma tia que morava em Mauá. Então era um caminho que a gente fazia, mas pra compras assim eu digo que não tinha essa ênfase não.

P/1 – Como era o transporte que vocês utilizavam pra ir pra São Paulo?

R – Fusca. Não só pra São Paulo como ia pra Santos passear, o meu pai, minha mãe, eu, minhas duas irmãs as malas num fusca. Levava a gente, chegava, voltava. Ele era um ________. Nossa, nem fale.

P/1 – É verdade. E a escola? Fale um pouquinho da escola que o senhor freqüentou e se existia alguma expectativa profissional pro senhor.

R – Então, eu comecei a estudar, naquela época acho que começava no primeiro ano. Tinha que alfabetizar, aquela coisa toda. Comecei, chamava-se Educandário Santa Terezinha. A Dona Herminia (Rissi ?) era a diretora, uma senhora. Essa escola ficava na Rua Regente Feijó, em Campinas. Ali eu fiz acho que o primeiro, o segundo e terceiro ano, o primeiro e segundo, isso. Aí o terceiro ano eu acho que eu fiz no Colégio Ave Maria, que era um colégio misto e tal. Aí no quarto ano eu voltei pro Educandário e lá eu completei o grupo. Ali era o quarto ano primário.

P/1 – Tirou o diploma?

R – Isso. Aí, naquela época existia, quem quisesse cursar um colégio estadual tinha que fazer tipo um vestibular. Não era assim fácil de entrar num colégio estadual, era muito difícil. Então você tinha como se fosse um mini vestibular que você tinha “x” vagas disponíveis e você tinha que concorrer. Então tinha ciências, ______, isso, isso, isso, isso. Aí eu me lembro que eu fiz um cursinho preparatório aqui na Rua Bernardino de Campos, com Dona Nina e Seu Pompeu, e lá eu prestei e entrei na (Casturina ?), que era um colégio estadual ali próximo de casa, ali perto da Avenida Brasil. Mas não me adaptei, não sei, e peguei, fui estudar no Liceu Salesiano, dos padres, de 67 a 73. Então, sabe, havia naquela época um respeito. Não era respeito, mas a gente tinha um certo _____, sei lá se era respeito, temor, medo, alguma coisa assim. Então era um regime assim bem enérgico pra época, sabe, pros padres, aquela coisa, enfim. Aí, em 73 eu saí, fui servir o quartel. Aí depois eu acabei, já tinha terminado o ginásio, fui fazer colegial. Fiz um colégio técnico, lá no Pio XII, Programação de Computadores. Fiz os três anos. Depois prestei Puc. Aí fiz três anos da Universidade e parei, tranquei a matrícula e não mais voltei. Então ficou interrompido, não tenho o curso superior.

P/1 – Mas o curso no qual o senhor ingressou era de que área?

R – Naquela época não tinha mais ou menos. Hoje em dia ainda tem uma orientação vocacional. Alguns colégios, no segundo ou no terceiro ano, fazem esse tipo de preparo. Mas naquela época não tinha quase isso. Então a gente tinha que mais ou menos, assim, no tato da coisa, sabe? Será que é isso, será que não é? Aquela dúvida, aquela coisa toda e tal. Aí acabei optando em fazer Economia e parei no terceiro ano.

P/1 – E o senhor sentia já uma inclinação para o comércio? Como é que foi a questão da trajetória profissional? Está ligada à do seu pai? O senhor poderia falar um pouquinho sobre isso?

R – Claro, falo sim. O meu pai, assim, existia, como existe até hoje, um respeito muito grande. A minha mãe eu chamo até hoje de senhora, não consigo chamar de você, não sei. Minhas irmãs conseguem, eu não. O meu pai era sempre de senhor. E é interessante porque, quando chegava as férias, tanto de julho quanto de final de ano, ele falava assim: “Ta de férias?” Isso quando eu tinha 13, 14 anos. “Ta de férias?” “Eu to, pai. Agora eu vou poder brincar um pouco na rua”, já morava ali na casa e tudo mais. Ele falou: “Olha, você escolhe, ou a parte da manhã ou a parte da tarde. O dia inteiro em casa você não fica. Metade do dia você vai brincar e metade do dia você vai trabalhar.” “Mas, pai, os meus amigos...” “Os seus amigos são seus amigos. Você vai trabalhar, você vai subir comigo”, ele tinha mania de falar assim, “Você vai subir comigo pra loja e vai trabalhar”. Aí então eu ia que ia imaginando o pessoal jogando bola ou fazendo alguma atividade, sabe assim, sem compromisso de horário, sem nada, e eu preso naquele balcão, atendendo. Eu ia aos bancos, ia pra cima, pra baixo, ia nos prédios do Estado, que naquela época tinha aqueles livros de contabilidade que tinha que ter o carimbo do Estado, uma série de coisas burocráticas que eu tinha que fazer, e ia. Enfim, aí a coisa começou e não tinha férias. Ou seja, tinha parte das férias mas esse era um compromisso que eu já tinha assumido. Por isso que eu falei que eu praticamente estou atrás de um balcão desde os 15 anos. Então não foi assim por uma imposição e nem por uma comodidade. A coisa foi naturalmente assim, entendeu, porque até me deu o empurrão dele mais por ele estar presente lá, acompanhar o dia-a-dia. Praticamente eu nasci dentro da loja, que a loja nasceu em 51 e eu nasci em 55. Então aquilo veio, veio, veio e estamos tentando dar continuidade aí nisso que meu pai deixou.

P/1 – E como é que o seu pai optou por esse ramo de atividade, o senhor poderia falar?

R – Então, ela me perguntou se o meu pai tinha alguma outra atividade, tal e coisa. O meu pai era formado contador mas não se identificava muito com isso. Ele gostava de comércio e coisa e tal. Aí ele chegou, com 18 anos ele chegou pro pai e falou: “Eu vou pra São Paulo”, e ele foi ser representante do Laboratório Sydney Ross em São Paulo, que vendia Melhoral. Ou seja, ele era propagandista do laboratório e ele distribuía o Melhoral nas farmácias. Morava em pensão em São Paulo e aquilo foi a vida dele, foi quando ele conheceu a minha mãe, aquela coisa. Aí depois surgiu uma oportunidade e ele largou lá. Aí convidaram ele pra ter um ringue de patinação, isso até ele dava risada, mas também a coisa não deu certo. Ele começou a transportar batata de Londrina aqui pro estado de São Paulo. Mas quando chovia, era tudo estrada de terra, era uma coisa muito difícil. Aí foi quando ele conheceu um sócio, um amigo dele, o Hernani, e eles falaram: “Vamos abrir uma loja assim, assim, assim, assado”. Campinas eu acho que não tinha muita loja, pouca coisa nesse sentido. Bom, aí ficaram sócios dois anos, ou três anos, coisa assim. O sócio vendeu a parte dele pro meu pai e aí o meu pai ficou aí até os últimos dias dele, quando ele veio a falecer. Então aquilo pra ele, queira ou não, desde que eu me conheço por gente a loja era a vida dele.

P/1 – O senhor falou que na sua família vocês faziam viagens pra outras cidades como lazer, viagem pra Santos, o senhor comentou, como lazer pra visitar a sua família e pessoas. O senhor freqüentava bailes, festas, cinema, aqui em Campinas, na sua juventude? Fala um pouco como era a cidade em termos de lazer, na área de lazer.

R – Então, a cidade, isso na década de 70, a gente tinha, em 70 eu estava com 15 anos. Eu havia falado que mais jovem, mais moço um pouco, mais criança um pouco tinha a Gazetinha aos domingos, né? Aí depois vai passando um pouquinho mais o tempo, mas a cidade sempre mais concentrada, ou as diversões, assim muito centralizada. Não tinha coisa assim espalhada, shoppings ou, vamos supor, vai ter balada em tal cidade. Eu particularmente, às vezes, depois de mais jovem, que podia dirigir e tal, não gostava muito. O pessoal ia, às vezes, pra Serra Negra ou pra outros lugares aí que tinha algumas coisas, mas eu nessa parte não. Mas, assim, as diversões ficavam limitadas a um cinema, teatro pouca coisa. A cidade depois perdeu um teatro maravilhoso que tinha aqui em Campinas, foi uma coisa. Eu tenho um livro, inclusive.

P/1 – Ah, o senhor tem o livro?

R – Sim. É coisa pra sofrer, sabe. Aquele livro é pra sofrer.

P/1 – Eu já vi o livro. Foi organizado pela Professora Olga Simpson.

R – É. Então conta como foi demolido, uma história que não convenceu. A famosa história da armação, sabe, que tinha problemas estruturais e coisa e tal. Enfim, bom, cinema. Aí já com 16 pra 17 anos era aqui no Clube Cultura Artística. Tinha as boates do sábado à noite, então ficava restrito ao sábado. Eu saía de lá às três, quatro horas da manhã, ia a pé pra casa, conversando com os amigos, coisas assim bem gostosas de se fazer, né? Domingo era um dia que a gente não gostava muito porque já era dia de logo voltar pra escola, a segunda feira já, a não ser nas férias. Mas no dia-a-dia era assim. Tinha lá, depois, já com carteira, já com 18 anos pra 19, tinha uma avenida ali no Taquaral que hoje é uma loja de móveis, chamava (Chopan ?). Então era o point do pessoal, da paquera, do pessoal passar de carro, desfilar. Enfim, eram essas as atividades assim que a gente tinha pra aquele tempo, entendeu?

P/1 – E como é que o senhor... O senhor chegava a viajar? Depois, quando ficou moço, o senhor fazia viagens fora de Campinas?

R – Muito pouco, muito pouco. Eu gosto. Assim, chegava no final de semana eu lia um livro ou lia um jornal. Não tinha muita atividade de sair, assim, de querer sair de carro ou passear pra fora da cidade, mas ficava aqui mesmo.

P/1 – O senhor disse, no começo, que o senhor praticamente nasceu no comércio. Quando o senhor começou efetivamente a trabalhar, o senhor trabalhava nas férias e tal, regularmente?

R – À partir de 75, depois que eu saí do quartel. Aí eu passei a estudar à noite. Então aí já ficou uma rotina de horário comercial mesmo. Eu saía às seis horas da loja, ia pra casa.

P/1 – E o senhor se lembra qual era o horário de funcionamento das lojas, como é que as lojas funcionavam?

R – O horário, dias de semana, de segunda às sextas-feiras, abriam às oito e fechavam às 18 horas. Aos sábados abria às oito e fechava ao meio dia. Hoje, vamos dizer, de uns dez anos pra cá, continua abrindo às oito, mas dependendo da loja. Se é uma loja de departamento, uma Pernambucanas ou uma Lojas Americanas ou uma C&A, aqui no Centro eles estendem até umas 19 horas mais ou menos. E aos sábados os magazines em geral entre 16 e 18 horas, nos dias de hoje.

P/1 – O senhor ia para o trabalho...

R – A pé.

P/1 – A pé.

R – Até porque sempre foi próximo a nossa casa da loja. Então sempre a pé.

P/1 – E como era o comércio naquela época? Como é que o senhor percebia o comércio naquela época?

R – Na realidade era muito centralizado porque tudo que tinha que se comprar era no centro da cidade, porque até então os bairros não eram afastados, ou seja, não eram amplos. Hoje a maioria dos bairros tem vida própria, tem os seus bancos, tem seus supermercados, tem suas lotéricas. Enfim, dificilmente a pessoa se desloca pro centro, a não ser por uma necessidade ou por uma outra coisa, que queira vir ao centro da cidade. Então muitos bairros com isso ganharam vida própria e, de certa maneira, afastou um pouco. Então o consumidor antigamente era totalmente voltado para o centro da cidade, para qualquer segmento. Fosse nesse nosso de bicicletas, de peças e acessórios, ou fosse pra comprar um tecido, se fosse pra comprar alguma coisa diferente tinha que vir ao centro da cidade que tudo estava centralizado aqui no miolo da cidade, os bancos principalmente. Então era isso que... Agora hoje não, hoje você tem os shoppings, hoje você tem aí os bairros com toda a infra-estrutura que pode oferecer. Então isso dividiu muito a cidade, dividiu muito.

P/1 – O senhor poderia fazer uma avaliação das transformações pelas quais o senhor passou como consumidor e como proprietário, como comerciante?

R – Nesses anos?

P/1 – Em relação ao comércio de Campinas.

R – Então é a era antes do shopping e o pós-shopping. Até a década de 80 não se tinha shopping em Campinas. O Iguatemi foi inaugurado em maio de 1980. Então até lá era tudo aqui. Os cinemas eram todos no centro da cidade. Então você imagina, vamos supor, um filme de grandes bilheterias, uma fila imensa na calçada esperando pra comprar o ingresso. Inimaginável, né? Então isso acontecia, era muito comum: “Olha, a fila está muito grande, vamos voltar outro dia”. Hoje é coisa inimaginável. Tanto é que os cinemas do centro acabaram. Perfil. O perfil do consumidor, aqui pro centro, então mudou um pouco. Mudou. Eu acho que os shoppings, com isso, quem tem um poder aquisitivo um pouco melhor ou que tem um meio de locomoção que pode se dar ao luxo de ir de carro, enfim. Mas qualquer ser humano também gosta do bonito e gosta de ver as coisas novas e bonitas. Então o centro também, houve uma época que ele não foi bem tratado como deveria ser. Não que ele tenha sido abandonado, mas passou aí por um período de desgaste, de não revigorar, até que há quatro anos atrás houve um projeto deles mudarem, deles, enfim, darem uma plástica...

P/1 – Uma revitalização.

R – Isso, no centro de Campinas, começando justamente pela Treze de Maio. Mas começou uma coisa aí que foi horrível. Passamos dois anos lá, coisa horrível assim em questão de obras que não se acabavam e ninguém assumia nada, até que a coisa foi, foi, e com isso se afastou muito o consumidor do centro da cidade. Ninguém queria tropeçar em buraco, ninguém queria pisar em terra e muito menos encher o pé de barro ou de lama quando chovia, na Treze de Maio, que seria o corredor de obras principal aí, vamos dizer, do centro da cidade. Então, com isso houve uma perda considerável. Agora, o consumidor de antigamente era um consumidor diferente. É complicado porque as pessoas parece que se tratavam melhor antigamente. Hoje falta um pouquinho, sabe, da...

P/1 – Civilidade.

R – Educação, é tão carente disso, sabe? Então... E a gente que está atrás de um balcão tem que ter muita paciência com isso e passar por cima de muita coisa. O cliente sempre tem razão, enfim. Mas eu acho que isso pode ser um processo de mudança que amanhã ou depois aí a sociedade pode melhorar um pouco mais nesse sentido. Mas por enquanto, assim, eu vejo que o centro ainda precisaria de mais alguma coisa, mais algum atrativo, alguma coisa assim que pudesse, sabe, trazer esse pessoal que deixou de freqüentar o centro da cidade. É coisa muito comum as pessoas às vezes irem lá na loja: “Ah, como é que faz pra eu ir? Eu não vou ao centro fazem dez anos”, sabe? Uma pessoa que mora, às vezes, no Cambuí, ou mora ali próximo ao shopping, eles iam fazer o que no centro se eles estão de carro, a cinco minutos de um shopping ou a dez minutos da casa dele no Cambuí, que tem tudo também ali, sabe? Então você goza de algumas facilidades. Aqui no centro você está correndo o risco de ser multado, você tem que pagar a zona azul, você não sabe se você vai tomar multa, se você vai fazer fila dupla. Então às vezes o cliente telefona na loja: “Você tem estacionamento?” Eu falo: “Ah, tem um convênio e tal”. É outro ponto que as lojas, se não tem estacionamento a pessoa não tem, sabe? Ele quer comodidade. Então...

P/2 – Facilidade.

R – Isso.

P/1 – Então, o perfil da clientela...

R – Mudou.

P/1 – Mudou?

R – Mudou. Hoje o centro é mais popular, bem popular.

P/1 – E, assim, o senhor percebe uma certa fidelidade de alguns clientes? Existem novas possibilidades de abordagem dos clientes? Quais as formas de abordagem, as estratégias?

R – Olha, eu prezo muito, assim... É comum o cliente, às vezes, falar: “Ah, eu sou cliente aqui há tantos anos, eu conheci o seu pai, eu comprava aqui”, ou senão vai o filho e fala: “O meu pai comprava aqui”, ou vai o neto, enfim, aquela coisa. Mas o que eu prezo muito, eu assim, deixo isso aí. O meu pai sempre falava: “O vender não é tão difícil, o importante é o pós-venda, é você dar o suporte ao cliente, você dar assistência ao cliente, que ele vai precisar, quando ele precisar, ou uma necessidade. Porque é comum a gente, às vezes, num magazine, comprou uma geladeira, deu problema: “Olha, a nota fiscal está aqui, vai numa assistência técnica e manda consertar”. Não é assim. Tem que dar uma geladeira nova pro cliente e a loja tem que fazer qualquer coisa com aquela geladeira, mandar consertar, devolver pra fábrica. Não pode dar o trabalho do cliente ir até... Dentro da garantia, que não sei se foi por pouco tempo, sabe? O cliente comprou uma câmara de ar na loja, deu problema eu não vou questionar com ele: “Olha, se foi o senhor que furou ou não foi. Ta aqui uma câmara de ar nova”. Eu vou me entender com o meu fornecedor. Eu tenho que resolver o problema do cliente. Então isso é uma política que a gente procura ter, que eu procuro ter lá porque eu acho que é uma forma de passar confiança pro cliente, e com isso a gente consegue agregar mais alguma coisa, entendeu?

P/1 – E, assim, as demandas dos consumidores se alteraram bastante, dos consumidores no seu ramo de negócio?

R – Questão de renda?

P/1 – Não, a demanda, o que eles desejam, os interesses deles no seu ramo de atividade.

R – Não. Olha, é dentro daquilo porque nesse ramo que eu tenho a bicicleta pode mudar alguma coisa ali mas é sempre o pneu ou a câmara de ar ou é uma borracha de freio ou alguma coisa assim. Então não existe muito assim, digamos, uma mudança na demanda. É mais ou menos sempre aquele mesmo patamar, entendeu?

P/1 – É que tem ocorrido algumas, assim, o recrudescimento talvez de algumas competições, eventos ciclísticos.

R – É, veja bem. De uns cinco ou dez anos pra cá o que acontece? Está sendo mais divulgado, está sendo mais assim, está tendo uma apelação maior em termos do próprio ser humano se cuidar mais assim da parte física e tal e com isso agregar, ou seja, a natação. Até a gente comenta que tanto a natação quanto o ciclismo são esportes que não fazem mal às estruturas porque não é um esporte de impacto, que nem a corrida, por exemplo. A natação é dentro da água e a bicicleta em cima. Você só tem que fazer força pra pedalar, você não tem aqueles impactos de coisa.

Então eu acho que com isso o próprio ramo, o próprio duas rodas ganhou uma sobrevida e ganhou um oxigênio pra continuar a estar vivendo aí nesse, vamos dizer, brigando pra ter um lugar no espaço comum aí, entendeu?

P/2 – E você que desde que nasceu já viu o seu pai vender e começou a vender há tanto tempo, você sentiu uma mudança no público em relação à, hoje em dia são mais jovens que compram bicicletas, antigamente...

R – Antigamente, no tempo do meu pai era mais um meio de transporte. Era o operário que precisava da bicicleta, e eram bicicletas assim mais pesadas. Eram estruturas diferentes. Era um equipamento que não era pra acabar. Ou seja, você tinha uma manutenção periódica mas o principal quadro dela era pra quase toda a vida, vamos dizer assim. Hoje já não. Hoje se faz uma produção de uma coisa assim mais pra consumo e pra que haja uma reposição, não digo imediata mas a médio e curto prazo, que as coisas não foram feitar pra durar como duravam antigamente.

P/1 – A durabilidade.

R – Mais jovens pedalando, mais procura, sem dúvida. Mas uma outra coisa. Depois, com o advento do computador e do videogame, o pessoal deu uma acomodada, sabe? Não sei se só pro meu ramo ou pra outras coisas também.

P/1 – As academias também, com aulas ________

R – Também, também. Isso ajuda um pouco, com o pessoal fazendo (spining ?), coisa e tal. Tudo isso ajuda um pouco, mas o próprio videogame e depois os computadores, assim, talvez deram uma acomodada um pouco. Lógico que tem o pessoal que gosta do ciclismo. Tenho amigos que são apaixonados por ciclismo, gastam uma grana legal porque gostam. Então pra eles está sempre bom. E como tem uma gama de pessoas muito grande que pensa dessa maneira, mas alguns jovens deram uma acomodada, coisa e tal. Mas o perfil, de certa forma, mudou. O pessoal está procurando mais isso em função de exercitar também, de fazer aí um condicionamento e a coisa andar legal.

P/1 – A disposição dos produtos nas embalagens, no mobiliário do seu estabelecimento, quais as transformações e quais as permanências que o senhor percebe?

R – Olha, até porque o meu espaço físico lá não é grande. Eu me lembro quando as prateleiras e os balcões eram de madeira. Aí já foi um passo grande quando mudou pra aço inox. Aço, essas prateleiras de aço. E até hoje estão lá as prateleiras. Mas a disposição a gente sempre tenta mudar um pouquinho aqui, mudar ali, pra variar, até pra que no dia-a-dia aquilo não se tornar uma... Então, mas basicamente as mercadorias que tem, vamos supor, o lugar delas, elas ficam ali, as bicicletas na entrada, por ali e tal. Mas no conjunto geral ali mudou assim no mobiliário. Agora, na parte estrutural mesmo, pouca coisa.

P/1 – E os produtos mesmo, os artigos?

R – A gente vai, como se diz, eles vão mudando em função das novidades e da modernidade, das mudanças em si. Por exemplo, pneus não vai mudar muita coisa, câmara de ar não muda. É lógico que depois, nas partes de acessórios houve muita mudança, na parte de freio, manetes de freio, selinhos com uma ergonomia diferenciada, selinhos de gel, enfim, manoplas do guidão de espuma ou de gel. Então as coisas evoluem. Então a gente tem que estar tentando acompanhar e não deixar, de certa maneira, que a coisa escape. Lógico, sempre falta uma coisinha ou outra. Mas no conjunto em geral é procurar ter sempre aquilo que está aí em evidência, entendeu?

P/1 – Uma outra questão seria a respeito das formas de pagamento, a inadimplência e o fio do bigode.

R – Esse é difícil.

P/1 – Eu queria que o senhor falasse um pouco dessa transformação.

R – No mesmo ano que o meu pai faleceu ele deu, o pessoal da SBT foi fazer, da (TVB ?) de Campinas foi fazer uma reportagem e tal e ele falou disso daí, dessa parte de: “Olha, fulano, você me empresta tanto ou você me faz assim, assado, eu venho te pagar no final do mês”. Era muito comum isso entre os próprios vizinhos de comércio, um socorrer o outro às vezes: “Olha, fulano, eu preciso pagar, você me ajuda e tal?” Ta aqui, ta aqui”. Era uma coisa. Lá na loja, eventualmente, se vocês forem lá, eu tenho um papelzinho lá: “Não aceitamos cheques”. Quando perguntar: “Você está certo? Você pode, você não pode?”, mas a gente que não é grande, e já com tantos tombos e com tantas coisas de cheques, eu falei: “Olha, eu não sei se eu estou no meu direito ou não de aceitar”. Eu vou falar, faz uns três anos que eu coloquei lá. Aceito qualquer tipo de cartão de crédito, débito, até porque às vezes o cliente comprava lá uma bicicleta em três vezes, você dá um cheque, três cheques. Você consultava primeiro. Ok. Aí, dali pra frente era aquilo que sabe, né? Então eu acho que o próprio cheque está perdendo a força com isso. Então tem que se abraçar uma venda com cartão de crédito ou em dinheiro porque no cheque, realmente, não dá pra acreditar mais.

P/1 – Como o senhor pensa nas estratégias de promoções, se o senhor pensa nessas estratégias de promoções, liquidações?

R – Olha, nós estamos passando... Nós que eu digo, o comércio em geral, seja ele em qualquer segmento. Porque, quando o poder aquisitivo está legal eu acho que, acho, não sei, pode até haver uma promoção aqui, uma liquidação lá, pra ajudar. Mas no geral, quando a coisa está fluindo bem é dispensável. E eu vejo lá vizinhos com loja de roupas, conhecidos nossos lá, promoção disso ou promoção daquilo, faz isso, faz aquilo, é show disso, show daquilo, é bexiga e tal, e as lojas vazias. Então eu acho que quando o cliente não tem o dinheiro fica difícil. Mas, lógico, pode se incrementar com uma promoção disso. Na compra acima, vamos supor, de “x” reais ganha de brinde alguma coisa. Isso é um chamariz até a mais pra poder incrementar mais as vendas. Mas no geral a coisa está bem calma.

P/1 – O senhor disse que o seu estabelecimento é pequeno. Quantos funcionários?

R – Um.

P/1 – Um funcionário.

R – Eu e mais um funcionário.

P/1 – E antigamente, antes, quando o seu pai...

R – Antigamente o meu pai ficava no balcão, ajudava e tal, mas ficava eu no balcão. Chegou a ter eu e mais três funcionários. A loja abria, quer dizer, era um movimento contínuo. Lojas iguais ou lojas do ramo de bicicleta, hoje qualquer bairro que você for, qualquer lugar tem lojas e tem lojas. Por exemplo, você vai no Cambuí, tem a (Pró-Esporte ?), que é uma loja espetacular, tem a (Decato no Dom Pedro ?), que é uma loja espetacular. Tem lojas no (Mackenzie ?) ali. Eu falo aqui porque são pessoas conhecidas. Quando eu não tenho eu indico e quando eles não têm eles me indicam. Enfim, é uma reciprocidade bem legal. Mas depois tem os bairros afastados da cidade, e aí às vezes a pessoa não tem uma atividade e pega, põe lá na garagem, na casa dele, monta, enfim, e vai segurando, e com isso divide muito o mercado.

P/1 – Como que era Campinas ____ antigamente?

R – Maravilhosa, maravilhosa, muito boa. Assim, uma cidade, muita cultura, um povo muito culto, um povo educado. E depois, de uns anos pra cá, aí a cidade foi absorvendo, absorvendo, e às vezes até sem ter a infra-estrutura possível pra absorver população ou gente chegando de fora. Então extrapolou. Então aí a coisa tomou um rumo que às vezes não consegue controlar, né? Assim, às vezes falta banco de escola, parte da saúde, parte de cultura. Então eu acho que poderia rever isso daí e tentar reverter. Mas é um pouco difícil, né?

P/1 – E a região da Grande Campinas? Como que é a região metropolitana de Campinas, terceira região metropolitana do estado?

R – Ela engloba acho que Hortolândia, Sumaré, Campinas, Valinhos, Vinhedo.

P/1 – Dezenove municípios, né?

R – Americana, Limeira. É, com isso acho que nós passamos aí de um milhão e meio de habitantes, um pouco mais. Mas, assim, essas cidades que compõem a região metropolitana também cresceram, são cidades já com vida própria. Porque até então, há uns anos atrás, quem morava em Hortolândia, Sumaré, era tudo um comércio pequeno, ia pra Campinas também, Valinhos. Hoje não, são cidades aí que são independentes, têm vida própria também. Mas quem carrega o piano mesmo dessa coisa é Campinas, né? Quem tem aí a responsabilidade é Campinas.

P/1 – E como o senhor vê o comércio no estado de São Paulo hoje?

R – É um estado que carrega o país nas costas.

P/1 – Comercialmente também?

R – É tudo. Eu acho que São Paulo, de certa forma, é um estado acima de tudo industrializado. Isso vem dos tempos lá do Matarazzo, que queira ou não alavancou a indústria de São Paulo depois. Enfim, é um estado muito forte. É um estado aí que eu acho que, queira ou não, não é bairrismo, não é nada não. Eu falo com nenhum receio, é um estado que, queira ou não, carrega o país aí nas costas. Mas boa parte do país aqui a responsabilidade é do estado de São Paulo.

P/1 – O senhor é proprietário de um estabelecimento bastante tradicional em Campinas. Quais são, e quais foram, os maiores desafios enfrentados pelo senhor no comércio?

R – É, acho que são ciclos que existem no comércio. Eu acho que são variáveis, são épocas. Por exemplo, naquela época do Cruzado, quando trocou a moeda, de congelamento de preços, que não se podia mexer, que haveria represálias. Depois a mudança de novo pro Real. Então a gente tem que ir se adequando. O próprio poder aquisitivo hoje, que caiu muito. Então a gente tem que saber conciliar a receita com as despesas, porque as despesas sempre continuam, ás vezes aumentam, e a receita às vezes não corresponde. A gente tem que, de certa maneira, trabalhar em cima disso pra poder manter vivo aí. E são esses os desafios que a gente tem que ir tentando equilibrar daqui e dali pra poder dar a volta por cima, entendeu? Mas eu acho que pra uns refletem mais, pra outros menos, mas cada um tem o seu ciclo de dificuldades naturais do comércio, que eu acho que hoje a maioria do pessoal que está envolvida no comércio, que gosta e que, de certa maneira, quer levar a coisa a sério, está percebendo que é um momento um pouco difícil esse. Não sei se é para culpar a transição ou se é o governo, se não é, se é taxa tributária, se não é. Mas, enfim, são momentos agora que estão um pouco difíceis no geral, mas eu acho que são ciclos e ele deve, naturalmente, normalizar futuramente.

P/1 – Como a sua família, o senhor constituiu uma família, como a sua família percebe o comércio, o seu estabelecimento, a sua trajetória profissional? Como o senhor concilia? Qual é a participação, enfim, da sua família? Como é composta a sua família?

R – Então, no caso... Por exemplo, eu estou aqui. Então eu falei pra minha esposa: “Olha, você fica lá na loja pra mim porque eu tenho um compromisso assim, assim”. E por outro lado é uma maneira de estar participando, de estar vendo o dia-a-dia, como eu participo em casa. Por exemplo, eu tenho um filho, Bruno, vai fazer 19 anos agora, mês que vem. Então, sabe, é aquela idade que, sabe, que sonha com um monte de coisa. Então eu falo: “Hoje as coisas estão mais difíceis”. Então eu procuro deixá-los, tanto ela quanto ele, a par do dia-a-dia, porque nem sempre dá pra gente fazer um programa diferente. Quando dá se faz, quando não dá tem que haver a compreensão mútua porque eu acho que, que nem eu falei, são situações momentâneas. E eu procuro participar: “Olha, a coisa está assim, está assado, e a gente tem que, juntos, a gente está no mesmo barco, a gente tem que saber controlar bem isso”. Mas, assim, numa boa. A gente controla assim bem as coisas e leva numa boa, entendeu, sem pressão daqui, sem cobrança de lá. Apesar de eu estar numa idade aí que, nossa, imagina que ______. Lógico, cada um pensa proporcional à época, né? Então hoje as coisas assim com tanta coisa que o mercado oferece. Naquela época não tinha celular, não tinha computador, não tinha. Enfim, era televisão e cinema. Mas de certa maneira a gente leva assim numa boa, legal e com muita harmonia acima de tudo.

P/1 – Que histórias o senhor nos narraria a respeito da sua trajetória? Assim, o senhor teve experiências que marcaram, contatos com as pessoas que marcaram a sua trajetória, que se transformaram em lições de vida? Enfim, toda a sua longa trajetória no comércio.

R – Na realidade eu gosto muito de conversar com pessoas assim que têm mais tempo que eu, pessoas de mais idade, porque a gente sempre aprende com eles. Agora, assim, o próprio dia-a-dia da gente, sempre tem alguma novidade. Ou é, vamos dizer, pessoas que a gente às vezes não via há muito tempo e vê, e tem algumas histórias pra nos narrar. Agora, assim, desafios mesmo, assim, histórias marcantes é difícil porque a gente tem uma rotina de trabalho assim tão, ou seja, o dia-a-dia é no balcão. Lógico que às vezes a gente tem que ter assim uma paciência um pouco mais acima do necessário porque ou a pessoa... Acontece. Por exemplo, uma vez um cliente comprou uma bicicleta lá e achou que não estava de acordo. Eu falei: “Você tem toda a liberdade de devolver, não tem problema nenhum”. Enfim. Aí começou a gritar na loja, começou a falar. E são coisas que a gente tem que por limites: “O senhor está dentro do estabelecimento. A gente está tratando o senhor, de certa forma, bem, e eu acho que a recíproca não está sendo de acordo e tal”. Aí se contornou e tal e coisa. Mas são coisas que seriam desnecessárias de a gente passar, são coisas que machucam e que a gente não está acostumado com esse tipo de tratamento, entendeu? Enfim, mas são situações que a gente tem que passar e tentar lidar e levar. Mas, assim, nada assim que... Talvez até tenha mas não me vem à cabeça agora, alguma coisa que tenha me marcado ou coisa assim que tenha dado um fato mais assim destacado, entendeu?

P/1 – O que o senhor pensa a respeito dessa proposta do SESC de recuperar a memória do comércio de Campinas e região?

R – Maravilhosa. Sabe, eu acho que é digno de muitos elogios. Quisera que outras áreas também resgatassem outras áreas importantes porque eu acho que tudo que é história é importante pra quem está aqui, pra quem está chegando, pra quem amanhã vai estar aqui na cidade, pra quem vai nascer futuramente saber onde que nasceu, porque, como foi, como é e porque que é assim. Eu acho que é importante a gente ter um passado resgatado, e um passado que seja bem retratado, pros que estão chegando futuramente aí, entendeu?

P/1 – E como o senhor se sentiu em nos conceder essa entrevista?

R – Muito obrigado. Eu me sinto assim imensamente orgulhoso, satisfeito. De certa forma eu espero ter colaborado um pouquinho aí com o trabalho de vocês, que tem todo o meu apoio. E meus parabéns pra vocês que são tão dedicados e empenhados no trabalho aí, muito difícil e maravilhoso acima de tudo.

P/1 – Nós é que temos que agradecer. Muito obrigada.

R – E fica lá as portas abertas. A hora que precisar tem o meu telefone, tem os meus contatos. A hora que precisar. E eu vou lhe trazer as fotos. No mais tardar até sexta-feira eu trago.

P/1 – Ta bom, muito obrigada.

R – Imagina.Recolher