IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Sérgio Cury Zakia. Nasci em Itu, em 25 de fevereiro de 1924. FAMÍLIA Meu pai é José Zakia e minha mãe Maria Cury Zakia. São libaneses. Eu lembro dos meus avós. Meu avô, com o filho mais velho, veio primeiro, em 1904. E, meu pai, que era o caçul...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Sérgio Cury Zakia. Nasci em Itu, em 25 de fevereiro de 1924.
FAMÍLIA Meu pai é José Zakia e minha mãe Maria Cury Zakia. São libaneses. Eu lembro dos meus avós. Meu avô, com o filho mais velho, veio primeiro, em 1904. E, meu pai, que era o caçula, e a minha avó, ficaram rezando, esperando no Líbano que eles conseguissem mandar o dinheiro pra poder vir o resto da família. Quatro anos depois, em 1907, chegaram a Santos, no dia 1º de janeiro de 1907. No Líbano, meu avô era gerente de uma fábrica de tecelagem pequena e como foi tendo os filhos e lá não tinha emprego, não tinha nada, ele... Todo mundo falava que ia embora pra América. Meu pai contava isso. Então, falavam: “América, América” Depois vieram para o Brasil, mas não tinha profissão certa. Começaram a negociar, fazer o que podia. O irmão do meu pai, mais velho, cortava cabelo, colocava vidro em prédio e ele tinha instrução de contador, naquela época. Era um sujeito muito simpático, muito dado e começou a pegar mais serviço. Em quatro anos juntaram o dinheiro pra poder mandar vir os outros. Levaram três meses viajando na terceira classe do navio. Tenho irmão. Vivo tenho mais um. E abaixo de mim, já falecido. As atividades dos meus irmãos, primeiro, uma tecelagem, e depois uma fábrica de camisa. Mas, depois esse irmão falecido veio na fábrica comigo, porque ele era químico formado. Infelizmente morreu, faz uns três anos. Ele era um companheirão lá na fábrica. O outro está aposentado. Esse nunca trabalhou na fábrica.
MIGRAÇÃO Vim pra Campinas em fevereiro de 1934. Nós viemos porque meu pai tinha uma fábrica de farinha e ia muito bem. Mas, ele já era sócio aqui da fábrica de chapéus. Eu lembro muito bem, eu tinha nove anos quando ele falou: “Sérgio, nós estamos bem aqui, mas nós não vamos ter muito futuro porque tudo que eu ganho eu mando pra Campinas porque a fábrica de chapéu tem mais futuro.” Então, em 34, ele veio. Ele já era sócio da fábrica de chapéu porque o irmão mais velho dele, já trabalhava na fábrica.
CHAPÉUS CURY O Miguel Vicente Cury, que foi prefeito duas vezes aqui, era caixeiro de uma loja em Mogi Mirim e o que ele mais gostava de vender era chapéu. Ele nem sabia por que ele tinha esse gosto. Quando veio pra cá, uns alemães tinham uma fábrica de chapéu muito pequena, iniciante, e por causa da guerra, acho que de 1914, eles saíram meio perseguidos. Então, eles resolveram vender. Vendeu pra um outro e esse outro já vendeu para o Miguel Cury. O Miguel Cury era meu titio, irmão da minha mãe. Ele era um apaixonado por chapéu.
MIGRAÇÃO Na verdade, eu tinha vontade de ficar em Itu porque eu nasci lá, tinha os amigos, estudei no grupo lá. Quando viemos pra cá, eu e meu primo mais velho - era mais velho um pouco do que eu, era filho do Salim Zakia, que era o irmão mais velho do meu pai - fomos pra escola e era um palavreado diferente. Eu lembro muito bem que aquela bolinha de vidro que nós jogávamos muito lá, falava lá fubeca. Eu falei fubeca e levei uma vaia que eu fiquei incomodado com aquilo, fiquei com aquilo, eu lembro muito bem (risos). E, depois, nós fomos nos ambientando, jogávamos futebol mais ou menos melhor, fomos logo ficando entrosados e ficamos muito bem. Campinas é uma bela cidade.
CIDADES / CAMPINAS / SP Nós moramos primeiro na Rua Regente Feijó. Era uma casa muito grande porque a família era muito grande. Mas não dava pra família. Depois mudamos pra Barreto Leme, aqui pertinho, que era uma casa que tinha sido pensão, então você pode imaginar o tamanho, porque éramos dez, meu pai, minha mãe, minha avó e meu tio. Dez porque meu tio ficou viúvo com sete filhos, minha mãe criou todos, porque era a irmã dela que tinha morrido. Criou todos muito bem, de modo muito igual, não tinha preferência, tanto é que o meu primo, um pouco mais velho, era o Niave, esse morreu cedo, era meu companheiro pra tudo. E fomos muito felizes e a casa era muito grande. Depois de anos, então, é que conseguiu construir uma casa, no Cambuí.
INFÂNCIA Naquele tempo, jogava pião, empinava maranhão. Eu nunca tive jeito pra fazer aqueles maranhão (risos). Tem gente que chama de outro nome, de pipa. Morávamos um pouco afastados do centro, passava um carro a cada meio dia lá, então nós ficávamos à vontade. Era rua de areia e ficávamos brincando com os amigos, colegas e saíamos pra todos os lados. Minha mãe, em Itu... Tem coisas que eu sempre lembro... Tinhas casas lá que tinha um quarteirão de pomar e o caseiro cobrava 50 réis, hoje seriam 50 centavos, podia ir lá chupar, comer a fruta que tivesse, mas não podia levar tudo pra casa e minha mãe escolhia, quando tinha bastante, levava a turma toda e era uma infância muito feliz. Eram sete primos e os seus irmãos. Tinha amigos, porque em frente tinha um liceu, isso em Itu. Era uma escola profissional, pra ensinar profissão. Havia dois ou três que eram muito amigos nossos, vivíamos juntos. Foram depois os colegas de escola.
COTIDIANO Meu pai era obcecado por trabalho, era difícil ele sair. Eu lembro que uma vez eu tinha um problema no ouvido, ele me levou em São Paulo, eu fiquei uns dias na casa de um tio, tratando lá, porque em Itu não tinha conseguido o tratamento certo.
Minha mãe, às vezes, ia ao cinema, no mercado. Eu ia com a minha mãe, eu saía bastante. Depois do jantar - jantava sempre cedo - saía pra passear um pouco a pé. Era uma vida muito boa.
COMÉRCIO DE CAMPINAS Tinha a sapataria do Picoloto. Minha mãe ficou muito amiga deles e nós comprávamos sapato lá. Eu lembro muito bem. Eu ia sempre com ela, naquele tempo era bonde (risos), então, nós pegávamos o bonde em frente de casa. O que eu lembro bem era a sapataria, tinha outra loja, mas eu não estou lembrando o nome, tinha a Loja do Barateiro, que até depois, esse meu irmão, o segundo, casou com a filha do Jorge Elias, que era dono do Barateiro, uma loja. Era aquele sossego de comprar. Media com aquele metro, tirava uma tesourinha do bolso do colete, cortava o tecido. Mudou tanto que hoje é até difícil lembrar (risos). Lembro do Salim Murtada, tinha um armazém no mercado velho, comprava lá, comprava de outros lugares, mas esse era pertinho de casa e íamos lá. Bem depois, que eu fiquei moço, eu ia com a minha mãe fazer compras em São Paulo. Enquanto eu fazia algum serviço da fábrica, ela fazia a parte dela, ia com a minha mulher, eu já era casado, e depois nós nos encontrávamos no Mappin. Almoçávamos no Mappin que era famoso, uma comida muito boa. Era muito gostoso.
TRANSPORTE Nós íamos de carro. Naquele tempo já ia de carro. Algumas vezes, de trem. A Paulista era famosa, o horário, os vagões, eram uma beleza. Tinha restaurante muito bom e parecia filme inglês, muito bom. Depois venderam, foi piorando, acabou. Eu lembro que tinha o trem ao meio dia e quinze, certinho. Tinha a primeira classe, a segunda classe. Eu não lembro bem quanto tempo levava pra São Paulo, mas, de carro, naquele tempo que não tinha a Anhanguera, levava duas horas e o trem era mais ou menos uma hora e pouco. Era muito melhor que carro. Também andei de trem pra Itu. Às vezes, íamos pra Itu. Uma vez fomos jogar futebol lá, fomos pela Sorocabana, o quadro todo, Sorocabana pra Itu, jogar contra, nem lembro o quadro que foi lá.
FORMAÇÃO Eu e o meu primo tínhamos passado para o terceiro ano em Itu. Chegou aqui e não tinha lugar para o terceiro ano, então, puseram no quarto ano. Tinha uma professora muito brava que batia em aluno a três por dois. E nós ficamos lá com medo. Daí, eu falei com o meu pai e mudamos para o Ateneu Paulista, que era uma escola particular e que tinha o terceiro ano. Ficamos, mais ou menos, um mês nessa aí, mas dava medo porque a gente não conseguia acompanhar, tinha pulado um ano e a professora era muito brava. Então nós passamos para o Ateneu e ficamos lá. Fizemos o ginásio lá também.
Vou contar um caso engraçado: minha mãe queria que eu aprendesse a tocar piano, mas na minha família, ninguém teve esse dom. Tentamos aprender pra fazer a vontade dela, mas não consegui de jeito nenhum. Nem eu, nem meu primo, esse que tinha pouca diferença de idade pra mim (risos). Depois do ginásio, acabamos indo pra fábrica de chapéu que tinha um tempo de uma outra guerra, então acharam melhor ir trabalhar, porque tinha dificuldade de empregado e tudo, e ficamos lá até hoje. Terminei meus estudos no Ateneu Paulista.
JUVENTUDE Eu comecei a namorar minha mulher, graças a Deus, muito cedo. Nós íamos ao Clube Concórdia, aos domingos. Ficava até meia noite, levava ela pra casa, ia a pé. Morava no Cambuí, nem lembrava de possivelmente um assalto, nada, porque depois da meia noite não tinha mais bonde. E, gostava muito de futebol, jogava no quadro da família e até era um quadro bem respeitado. Jogamos fora de Campinas, nunca perdemos. Eram quase todos da família e tinha alguns que não eram da família, que não tinha onze pra colocar. E foi uma juventude muito diferente de hoje. Eu tinha 17 anos e minha atual mulher, que eu casei com ela, tinha 13, quase 14 anos, mas era bem desenvolvida (risos). Falava que tinha 14, que era muito cedo, depois de sete anos, nós casamos.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Quando eu comecei a trabalhar o meu tio Miguel, que era o fundador, me chamou e eu fiquei uns seis meses no escritório da fábrica. Fazia serviço na cidade, na engrenagem do escritório. Então, ele me chamou e falou: “Sérgio, você precisa aprender a ser chapeleiro, porque não tem chapeleiro. A gente pode pensar que tem, o sujeito fala que é, e não é, não é completo. E não pode ficar dependendo.” Depois, meu pai já estava lá, fazia 9 anos, ele fez tudo na fábrica, ergueu a fábrica, fez tudo, reformou, arrumou mecânico que não tinha, deu um impulso na fábrica fora do comum, e ele falou a mesma coisa: “Sérgio, você aprenda tudo, porque não pode ficar dependendo do empregado. Daí, vamos dizer, que o sujeito fica meio cheio de história, porque é só ele que faz, como na parte de tinturaria, na parte de fulagem, onde encolhe o chapéu, tem uma porção de segredo, chapéu sempre foi uma indústria difícil. Você tem que saber de tudo. Se a pessoa sair, saiu, e você ensina outro.” E foi assim que comecei. E, graças a Deus, eu tinha muito medo de não dar certo, mas acabou dando certo.
Naquele tempo, houve uma época que não tinha gasolina, que era racionada, ia para o trabalho de bonde. E depois o gasogênio. Meu pai instalou o gasogênio no meu carro. Quando eu era casado não tinha mais o gasogênio. Eu ia a casa dele, que era perto, vinha pra a fábrica de carro, eu ia pra almoçar, eu ascendia aquele gasogênio, uns 20 minutos antes. Andamos muito tempo com o gasogênio. A loja de chapéu foi um erro que, graças a Deus, nós nunca fizemos. A Companhia Prada a única fábrica de chapéu que tem, sem ser a nossa, eles tinham a chamada Ópera. Eles tinham no Rio, tinham em São Paulo, cidades grandes. Mas, era só chapéu. Eu vinha em São Paulo, olhava, olhava a vitrine, nunca tinha gente, só dava prejuízo. No fim, fecharam todas e nós, felizmente, nunca fizemos isso.
FUNCIONAMENTO O horário variou muito porque no começo era das sete horas às 11 e da uma às cinco. Eram duas horas de almoço, tinha muita gente que ia almoçar em casa e voltava. Depois teve várias vezes racionamento, chegou tempo de trabalhar das dez à uma. Outro período, bem longe, não foi muito tempo, e também normalizou a energia. Então, o horário hoje é das seis e meia às onze e do meio dia e meia às quatro e meia, segunda, terça e quarta; quinta e sexta, sai às quatro. E esse horário, ele é feito pela vontade da maioria dos empregados que preferem sair um pouco mais cedo pra não pegar muita dificuldade pra ir embora pra casa.
VENDAS Quando eu entrei já tinha bastante viajante, viajava o Brasil todo. Algum lugar que não tinha condução era muito difícil. Às vezes, de canoa, que eles falavam, lá no Norte. Mas, tinha sempre viajante. Naquele tempo tinha muita disputa de viajantes da Cury, Ramenzoni e outras indústrias. Então, era esforço dos viajantes. Tivemos viajantes abnegados, muito bons, que ajudavam muito a fábrica, vendiam muito chapéu.
CIDADES / CAMPINAS / SP Ah, Campinas. Não que eu trabalhava ainda, mas eu ia na fábrica que era vizinha daquela rua lateral, eu subia no muro pra ver uns cavalos passando, não tinha nada. Quando eu me casei queria, se possível, um terreno meio grande porque eu gosto de ter pomar, horta, ali no Chapadão. Lá não tinha nada, nada. Até meu tio, que era mais velho, irmão do meu pai falou: “Ah, vai lá. Lá é um lugar muito isolado.” (risos) Então, acabei comprando lá no Cambuí, fiz a casa lá.
Quase na Rua Barão, havia uma chaminé ali, tinha uma refinaria de açúcar, não era fabricar açúcar, era refinar. Até uma família que até hoje nós temos amizade com alguns deles. Tinha fábrica de cerveja Columbia, aqui perto da estação. E tinha muitas oficinas que levavam serviço quando a gente precisava. Tinha a Macarti, fazia caldeira, primeira caldeira grande que nós compramos, meu pai comprou na Companhia Macarti, que também fechou. Tinha esse café, São Joaquim, que antes, ele não era em Campinas, ele começou fora de Campinas, porque lá no caderno está que foi fundado em 1800 e tanto. A conta número um, hoje, mais velha de Campinas é a nossa, do Banco do Brasil, porque a Columbia fechou. Eu não sei se a Columbia era mais velha ou não, só sei que era ali, pertinho da estação. Tinha o bonde que ia pra Sousas. Sousas é um distrito aqui perto. Tinha um bonde gostoso de ir. A minha mãe, às vezes, fazia um piquenique, pegava a turma toda, colocava naquele bonde grande, nós íamos lá pra Sousas, passava o dia e voltava de bonde, muito sossegado, não tinha movimento quase nenhum (risos).
COMÉRCIO DE CAMPINAS Nós comprávamos de várias lojas. Agora, é sempre a mulher que compra. Eu não sei indicar alguma, assim. Tinha esse O Barateiro que era patrício do meu avô e depois meu irmão casou com uma moça de lá, filha do Jorge Elias, então, era muito amigo.
EXPORTAÇÃO Indústria chapeleira é difícil, é difícil mesmo, não é porque eu estou lá. Nós estamos vendendo agora, para uma fabrica americana que eu visitei. O dono tinha um pessoal mais novo, seria uns 50 anos, eu falei pra ele, o pessoal é muito bom, e ele: “Pois é, quando o pessoal aposentar, eu fecho a fábrica.” Porque o moço americano não se sujeita mais a trabalhar com água quente, com poeira, com pó. E hoje ele é freguês nosso. Ele tinha uma fábrica muito grande, ele veio aqui, viu que nossa produção é boa, qualidade boa, ele passou a comprar. E, tinha outro vendedor nosso, que era meu xará, ele viajava muito e ele começou a vender no exterior pra nós. Na Bolívia, por exemplo, faz uns 40 anos que vendemos por lá, um meio parente longe que morava lá começou, é um chapéu que é aquelas choulas, que as índias usam. Então, ele trouxe um chapéu feito na Itália, Borsalino, que era bem mais caro e nós conseguimos fazer, que é uma coisa que eu sinto orgulho. Fui duas vezes na Bolívia, quando o chapéu não está bom, às vezes pode até ser o nosso, elas falam: “Não é Cury, não é brasileiro.” De tanto que pegou o nome nosso. Então, é um orgulho que nós temos, porque o Borsalino não alcançava mais. O preço lá na Europa era muito mais caro. E ele escreveu aqui pra nós, meio bravo, mas fomos entrando lá, porque teve alguém que forneceu, carimbou a palavra Borsalino e guardou igualzinho ao que ele tinha e escreveu aqui que nós falsificamos. Meu pai ficou louco da vida. Escreveu pra ele que nós prezávamos a nossa marca muito mais do que ele prezava o dele. Daí o Borsalino mandou uma pessoa na Bolívia e descobriu que além de falsificar a dele, falsificava a nossa, o Cury, punha o Cury, carimbava na carneira como se fosse a nossa, mas nós não fomos lá porque é muito difícil descobrir as coisas na Bolívia (risos). Eu fui duas ou três vezes pra ver o que eles queriam, o modelo, tudo certinho. Hoje começou a vender mais lá, tem chapéu chinês, tem chapéu português, mas eu acho que o nós vendemos mais e foi um sobrinho meu que trabalha na fábrica, foi lá e continua a mesma coisa: “É Cury é bom. Se não é Cury não é bom.” Porque, então, pegamos esse nome lá, felizmente, pela qualidade. Nós não fizemos nada a mais do que tratar bem eles, quando vem na fábrica aí e tudo.
FAMÍLIA Eu era muito ligado ao meu pai. Era um homem com uma disposição pra trabalhar que nunca vi igual. Várias vezes tiveram crises, alguém falava em fechar e ele ficava louco da vida: “Fechar, nunca Só se não tiver jeito.” Ele modernizou tudo, a fábrica. No começo, quando ele veio, a máquina tinha uma rotação, outra igual tinha outra rotação, então, ele escreveu - naquele tempo, não tinha telefone - escreveu pra todos os fabricantes de máquinas e eles escreveram a rotação certa. Ele pôs tudo certo. Depois não queriam comprar umas máquinas modernas, que diminuiu muito o pessoal, e ele: “Não. Compra. Compra porque não podemos ficar parados.” Ele foi comprando. Teve concorrente nosso que eu não quero falar o nome, teve uma época que estava uma crise, eles quebraram todas as máquinas de fazer chapéu de pêlo, achando que nunca mais ia voltar e era mais antiga que a nossa e o meu pai até falou: “Isso é uma loucura Volta” E voltou. Ele, no tempo da guerra, forçou, comprou muito pêlo. Depois subiu muito, estava na alta e quem comprou antes comprou barato. E o tio Miguel tinha um casal de filhos. Meu pai tinha três e os do irmão dele mais velho que nós fomos criados juntos, éramos em dez. E meu tio Miguel falava: “Eu tenho só um filho, a filha mais velha tinha casado...” Ele não tinha mais vontade de crescer e meu pai que tinha vontade não cresceu mais porque não teve jeito. Queria comprar outras indústrias, então foi tudo no crescimento da fábrica. Tem umas máquinas francesas que um par trabalha com quatro pessoas e duas na mesa, substituem dez máquinas antigas. Cada par que tinha na França, o homem avisava e ele mandava comprar. “Não, não precisa.” E ele falava: “Compra” E hoje, vamos dizer, tinha umas 80 pessoas na seção e hoje tem 30. E só ele que insistia e fazia e mandava. Ele era um homem fora do comum. Eu tenho prazer e uma vontade de falar dele porque ele era tão modesto que ele nunca ligou pra nada, pra ver o nome dele em lugar nenhum. Ele entendia de caldeira, entendia de parte elétrica, de motor. Caldeira vinha gente lá: “Mas, o que eu vim fazer aqui? O senhor sabe mais do que eu” Ele era assim e nunca estudou. Estudou muito pouco, ele era abnegado.
PRODUTOS A exportação está crescendo e acho que logo a maior parte da produção vai ser pra isso. Nós estamos vendendo na Bolívia, nos Estados Unidos, no México, na Colômbia. Na Colômbia, era um homem que tinha uma fábrica pequena. Ele ,não sei porque, precisou fechar e o fornecedor de pêlo nosso, que é da Espanha, foi pra ele e falou: “Vai lá no Cury, que lá tem uma produção grande e você fica representante deles.” Ele veio, viu a fábrica e já comprou. Ele vende e ganha comissão. É nosso vendedor, vende na América Central, vende na Colômbia, que já mandou o pedido, e vende na Bolívia. Então, está crescendo mais a exportação do que no Brasil, mas o Brasil ainda é mais.
TRANSPORTE Para a Bolívia o chapéu vai de caminhão, até a divisa de lá. Depois eles entregam. No Brasil é quase tudo de caminhão. Para o exterior, quando não é chapéu pronto, porque tem muito volume, é de avião. Agora o chapéu pronto é muito volume e vai de navio porque é bem mais barato. E de avião, vai ensacado, porque a carapuça, não é chapéu pronto, põe um em cima do outro, bem apertado e eles fazem o acabamento lá. Vai aqui por Viracopos. Porque a produção mais difícil é justamente essa aqui, que tem muita gente que não tem mais, como aquele que falou que a hora que aquele pessoal aposentasse, ele fechava a fábrica porque o operário americano não dava mais, não aceitava. Eu assisti a uma coisa numa fábrica, uma máquina de enformar, que tem vapor, que se não tiver vapor estraga o feltro, então ele puxa a aba, põem uma forma de madeira, deu um defeitinho que era só por a mão e o moço deu um pulo para trás e: “Não faço mais.” O dono estava comigo: “Está vendo. Preciso chamar um mecânico pra fazer uma coisa que ele punha com a mão.” Eu vi a dificuldade. Meu filho, também, trabalha na fábrica. Então, enquanto nós tivemos condições de trabalhar, vamos trabalhando.
AEROPORTO DE VIRACOPOS
Eu vejo que vai crescer um absurdo, porque vai ser o maior de carga. O transporte de carga vai ser o maior do Brasil. Estão desapropriando, tem gente brava (risos), que está saindo das casas. Pra nós sempre funcionou muito bem e o pêlo que vem, vem em fardo de 300 quilos, vem de navio, vem da Espanha.
EXPORTAÇÃO O chapéu é muito volume, não pode amassar, tem que fazer uma embalagem muito cuidadosa e é muito caro ir de avião. Pode ir, mas é caro. A carapuça, vamos dizer, vai uma caixa com 50, 60, um em cima do outro, fazem o acabamento lá. O acabamento é muito fácil. É menos problema. Isso tem mais gente que sabe. Essa fulagem tem pouca gente no mundo que faz.
CLIENTES Em Recife tem dois ou três atacadistas. O chapéu ia de navio, em caixão de madeira, e no interior não tinha estrada. Então, eles davam um jeito, eles compravam muito e eles vendiam e todo mundo falava. A primeira fábrica que abriu no interior, quando começou a melhorar a estrada, o primeiro que abriu e os outros vão atrás, porque a gente respeitava, eram fregueses que compravam muito e todos eles era descendentes de portugueses, que lá tinha muito português, Recife, aqueles estados do Norte. Quando começou a abrir a estrada, nós não fomos os primeiros fabricantes de chapéu que abriu o interior, porque vendia mais, era picado e nós acabamos atacadistas. E um representante nosso ficou lá em Recife e era um amigão nosso, um admirador da indústria, até morreu há pouco tempo. Ele ficou nosso representante, ele tinha os empregados dele e ele ganhava comissão e pagava os empregados, mas vendia demais. Naquele tempo, vendia demais aqueles chapéus mais antigos. Hoje mudou muito, modelagem de chapéu, tem muitos chapéus de rodeios, que trouxeram saída de chapéu aba larga e nós vamos acompanhando, o que precisar fazer, faz. Então, lá ficou, vende em qualquer lugar, viajante, pode ser a cidade pequena, qualquer freguês, ele é obrigado a ir.
PRODUTOS Nós fazemos o boné de feltro, boina também, boina pro Exército, pra colégio, tudo nós fazemos. Agora, esse boné de pano, o meu filho tem uma fábrica em Barretos que é dele e de outro sócio, é trabalhar dia e noite. Eu pensei que aquilo fosse... Como tem aquele tipo de chapéu que vem e some, mas tem, acho que milhares de fábricas daquele bonezinho de pano e continua vendendo bem. Meu filho vende muito também.
O pessoal usa, uma parte de medo de câncer de pele, que a primeira coisa que gente muito clara tem. Tinha um rapaz, amigo meu, da família Picolloto, que a família inteira dele, é gente muito branca. E todos os médicos: “Usa chapéu, usa chapéu” Então, isso é uma coisa de necessidade. O resto é tudo é moda. Essa moda country que falam que deu foi um achado pra nós. Nós não fizemos nada, só começamos a fabricar os chapéus (risos). Porque começaram, lá em Barretos, por exemplo, é uma coisa louca, aquela quantia de gente, tem o concurso de montar em boi, montar em cavalo, aquilo tudo. Moças que nunca usaram chapéu usam esse chapéu aba larga igual ao de homem e vende muito na época de rodeio. Jaguariúna, Americana, tem uma festa, um rodeio, muito importante. Antigamente, usavam porque era moda. Havia aqueles colarinhos duros, punho grande, o sujeito não dava um passo na rua sem paletó, sem gravata e chapéu. Daí começou mais à vontade, a moda e chapéu também, carros mais baixos (risos). Depois começou o desuso disso. Isso fala quem cuidava disso, eu nunca percebi, mas hoje eu não tiro o chapéu da cabeça por dois motivos: um, eu sou fabricante de chapéu e, outro, meu pai nunca tirou e eu também, não tiro (risos). E, sempre essa cor, nunca ele usou outra cor e eu sigo. Quem sabe eu pego um pouco do valor que ele tinha. A senhora já ouviu falar em Indiana Jones? Veio o fabricante de chapéu dos Estados Unidos que era a maior fabrica na época, do Stetson. Ele veio na fábrica, ele ouviu falar, sabia meu nome, ele queria saber se nós conseguiríamos fazer um chapéu, mais ou menos, esse tipo, uma aba um pouquinho maior, que ia sair um filme que o sujeito arriscava a vida, mas não perdia o chapéu. Pra nós foi uma surpresa, eu lembro, eu estava junto, eu vi. Ele falou: “Vocês conseguem fazer? Tem produção?” E nós: “Conseguimos” Nós fizemos 6 mil carapuças pra ele fazer o acabamento lá. Depois tentamos pôr o nome, Indiana Jones e ele não deixou, ele falou: “Não, tem que pagar um dinheirão.” (risos). Então, nós pusemos modelo Indiana Jones. Daí, podia por. E vendemos. Até hoje tem gente que chega lá: “Eu quero o Indiana Jones.” Esse foi uma coisa de surpresa, e nós vendemos 6 mil carapuças. Agora eu tenho meu sobrinho na fábrica, que ele é diretor dessa parte de propaganda, muito ativo, mas ele falava: “Nós que fizemos o chapéu.” Ele fala assim (risos), porque, eu acho que eu nem devia falar. Mas, fomos nós que aproveitamos o que o homem veio e comprou, saíram 6 mil chapéus, fabricava muito, uns dois anos vendeu demais. Hoje lá parou e aqui continua, tem gente: “Eu quero um Indiana Jones.” O catálogo nosso tem lá, Indiana Jones escrito, modelo, porque não pode colocar o nome Indiana Jones, (risos). E outros tipos têm, tem colégio que tem boina, bonezinho da Polícia Militar feminina, tudo eles dão o modelo e nós fazemos. A Rede Globo todo filme que faz, porque tem filme que usa muito chapéu, na novela, e nós fazemos, manda o modelo. Os modelos, geralmente, não somos nós que criamos. A moda cria, um acontecimento como, por exemplo, o rodeio. Deu aquele chapéu americanizado que os gaúchos não querem nem ver, o gaúcho é outro tipo. Nós fazemos para o Rio Grande do Sul aquele tipo de aba reta, copinha baixa, muita boina, chapéu grandão, chapéu de aba muito grande que eles compram. Nós tivemos que modificar máquinas lá, pra poder atender o Rio Grande do Sul. Lá no Norte, Nordeste, é tudo abinha pequena, tem chapéu tipo português, aquele chapéu de aba reta assim, de toureiro. Então, nós fazemos tudo que vem. Nós não criamos, não sabemos o que vai sair. Agora, naquele tempo antigo, que saía muito artigo feminino, por exemplo, o Jockey Clube no Rio, em São Paulo quando tinha aquele Grande Prêmio, não tinha uma mulher que não tivesse chapéu na cabeça, de feltro. Nós fazíamos o que podíamos. Tinha chapéu de palha, chapéu de pano. Outro dia, fizemos um chapéu para a Xuxa, que eu vou falar, um chapéu completamente anormal, mas nós fizemos. Fizemos pra ela, porque ela é da Globo e eles compram muito chapéu. A Globo, no ano passado, comprou 800 chapéus, só pra novela. Fizemos um chapéu, que meu pai, tinha uma pessoa no Mato Grosso, baixinho, anormal, porque cabeça maior que sai 62, a dele era 84. Então, ele queria um chapéu meio anormal. O viajante falou, foi lá no freguês: “Ninguém na fábrica...” Meu pai falou: “Não. Nós temos obrigação de fazer.” Fez uma forma tamanho 84, nunca mais saiu outra, só a dele. Fizemos chapéu especial porque naquele tamanho tem que fazer uma coisa toda especial (risos). Mandamos para o homem, só tivemos notícia que era um baixotinho, meio anormal. Acho que a cabeça dele cresceu tanto e nunca mais soubemos. Então, nós fazemos o que aparecer, só se for impossível. Faz a forma, tem modelador na fábrica. Estuda, faz a forma. No Sul, sai uma coisa; no Norte outra, por exemplo, ali em Goiás, outro tipo. Por exemplo, no Sul de Minas sai muito chapéu meio pesado, pra durar muitos anos. Tem chapéu que dura bastante. Cada região é uma coisa.
Também fazemos chapéus pra mulheres. Fazemos, mas quase não sai. Tem, por exemplo, uniforme para polícia feminina. Agora, essa loja aí, nós fizemos pra elas, mas não saiu. Pensaram que ia sair. Eu esqueço o nome da loja. Nós fazemos. Esse chapéu da Xuxa, nós fizemos um chapéu, ela pediu que fizesse um chapéu, um lado mais baixo e outro muito mais alto, e depois falou que ia sair muito e não saiu, só saiu aquele (risos). Mas, temos tudo apropriado pra fazer, a forma que for. Quando sai muito nós fazemos de alumínio, quando é pouquinho faz de madeira e fica aguardando, não sai, fica nisso.
E também pra crianças. Hoje em dia, sabe o que está acontecendo? Eles usam, tanto as mulheres, usam esse tipo de rodeio. De criança é aba menor e tamanho da cabeça menor, é o mesmo modelo.
Os materiais que uso são variados. O pêlo de coelho vem da Espanha. Antigamente tinha dez fornecedores, hoje tem um ou dois. E tem o chapéu de lã de ovelha que fica bonitinho, mas não dura nada. Se você pegar o chapéu, pegar um chuvisqueiro, entrar no carro e fechar o carro, ele já deforma. Mas, isso é no mundo inteiro, chapéu de lã. Só que é muito mais barato.
Criança é assim, às vezes quer imitar o pai, o pai é domador, então eles compram. É o mesmo tipo, com a aba um pouco menor, o enfeite, a fita um pouco mais alegre. O tamanho da cabeça é menor. Existem outros. Por exemplo, na Argentina, tem um coelho que dá um pêlo, um coelho selvagem, mas o Governo proíbe a caça, um pouco, perigo pra não acabar. É um pêlo muito bom, ninguém tem vontade de fazer um chapéu só daquele pêlo que é caro demais. Então, vai uma porcentagem daquele pêlo, junto com o do coelho doméstico e com aquele tipo chapéu, um pouco mais desse coelho da Argentina. Tem o pêlo de castor também, nos Estados Unidos. Já viu, esse filme de castor que faz aquele dique lá, uma represa? É um pêlo muito bom, demais, mas muito caro, a gente pode fazer, mas ninguém vai comprar. Nós temos sempre um pouco, pra fazer uma qualidade melhor, vai 10%, 20%, no máximo, na mistura do chapéu do pêlo doméstico. O panamá, a carapuça é importada do Equador. Pegou o nome de Panamá porque foi lá, o fabricante. Eles chamam de campesinos, faz na água, corta uma palmeira, eles arrancam aquilo, selecionam o fio e dá uma quantia, um fio finíssimo que chama Monte Cristo, é um chapéu finíssimo, finíssimo, o Panamá. E tem uns mais baratos. Nós não estamos mais comprando isso aí porque achamos que não compensa. Agora que já tem imitação Panamá, que nós compramos do México e vende. É muito bonita a imitação, eu não sei que material é, mas quem não conhece, pensa que é Panamá. Até nós compramos do México e revende. Fizemos muito tempo, mas quando achamos que o chapéu de pêlo que era mais interessante, porque tinha muito fabricante pequeno, vende sem nota, então nosso preço sempre era mais caro, então, paramos.
FAMÍLIA Esse é meu filho homem - e eu tenho só ele, tenho três filhas - ele está lá já, eu acho que uns 20 anos. Eu não sei bem quando ele entrou. Ele trabalha no escritório e já sabe muito da parte de fabricação. E tem um sobrinho que é na parte de propaganda, ele viaja muito, fala muito bem o inglês, ele trabalha lá. E na fábrica acabamos achando que não tem muito futuro pra muita gente, que não cabe muita gente, então, limitou nisso. Outros sobrinhos, filhos de um desses sete que fomos criados juntos, os filhos dele, caminharam pra outro lado porque ele viu que não... Todo mundo queria ir lá, uns tem muita vontade, outros não, e acharam melhor cair fora de lá porque não tinha futuro. Agora meu filho, talvez por acompanhar o avô, porque ele tem o mesmo nome do avô, ele lembra o que eu conto do avô, então ele está firme na fabricação. Ele já discute um pouco comigo, mas ele fica mais no escritório. Esse que tem a fábrica de bonés é o José Zakia Neto. As filhas todas são casadas. Uma é física na Unicamp, uma ótima aluna, sempre foi muito boa aluna. Tem a mais nova que tem uma casa de massas, trabalha, faz lanche, comida. Domingo enche de gente até o meio dia, está muito bem. E a outra se formou professora, trabalhou pouco como professora, mas casou com um médico, especialista em criança. Ele vai indo muito bem e ela cuida cegamente, muito bem, dos netos dela. Ela tem já, um casal de netos, que são meus bisnetos. Essa não trabalha, trabalha demais, mas em casa, vai buscar o neto na escola, leva. Eu tenho quatro filhos, sete netos e um casal de bisnetos. Tenho uma neta que formou advogada e vai ser juíza, já passou no exame. Tem um período lá, de coisa e depois é juíza, coisa que nós ficamos muito contentes com isso. Tem netos, bisnetos, estão todos, graças a Deus, com juízo, tudo muito bem. O ramo que era da irmã da minha mãe, teve sete filhos, morreu cedo e começou a família com meu tio que era mais velho que o meu pai. Um homem quase que um santo de tanta bondade que ele tinha. Ele não sabia como é que fazia, tanto vai pra lá, vai... A minha mãe que era irmã da falecida falou: “Não. Ou todos comigo ou nenhum.” E daí, foram todos pra Itu, então, ela ficou com dez. E é pura verdade, ela criou os dez sem a mínima preferência pra um ou pra outro. Tanto é que o meu companheiro a vida inteira foi esse que já morreu que tinha dez meses mais que eu, na mesma classe na escola. O outro que era um pouco mais velho que o meu irmão caçula, também ficaram estudando junto, todo o tempo e esse é o único que formou, é médico. Esse mais caçula, do meu tio e da minha tia. Ela morreu cedo, nem sei de que doença, e ela não tinha profissão, ela só, como minha mãe, era só casada. Era casada com o meu tio. Os outros tios participaram um tempo, mas já aposentou. Um vai fazer 88 anos, no mês que vem, era muito bom, excepcional, trabalhou lá, mas ele aposentou. E o mais velho que ele, também, tinha muita saúde, trabalhou, mas tinha enfisema e ele um dia de chuva, morava sozinho, era solteiro, ele escorregou, caiu, ficou na cama porque quebrou a costela, e por causa do enfisema o pulmão parou de funcionar, mas ele tinha bem idade, ia fazer 90 anos. De toda a família Cury quem ficou, na verdade, na fábrica foram os Zakia. Compramos a parte deles. Quando o Miguel Cury morreu, ele tinha um casal de filhos. A filha era casada com um rapaz de São Paulo e ela teve duas filhas e um filho. Quando ele morreu, nós vendemos uma fazenda pra comprar a parte deles, porque eles não tinham interesse, moravam em São Paulo, com todo mundo acomodado, então, ela quis vender. E meu pai falou: “É melhor comprar. De qualquer jeito. Porque se eles vêm aqui, eles tinham a mesma quantia de ações do que a parte Zakia.” Mas, eles também, não tinham... Tentaram lá, um advogado dela. Mas, eu falei: “Colocar onde, pai? Eles vão lá, aprender comigo. Porque não vão mandar na fábrica.” Daí, desistiram e nós vendemos a fazenda e mais alguma coisa (risos) e compramos a parte deles. Em 1975, compramos a Ramenzoni, que era a fábrica mais famosa quando nós começamos. Foi decaindo também, sabe é um serviço. Pra senhora ver como é, aquele pelinho vem no nariz. Quando nós fomos ver a Ramenzoni: “Lá, eu não vou porque tem pêlo e não sei o quê.” Meu pai falou: “Pôxa, mas o que é isso. O dono da fábrica. O que tem o pêlo?” Porque nós nunca tivemos alergia, tem gente que tem. Então, nós compramos a parte Cury, ficou o nome Cury, lógico. Meu tio tinha morrido. Mas ele mesmo falava que tinha só um casal de filhos e nós éramos em dez, entre homem e mulher, entre meu pai e meu tio. Ele falou: “Vocês tem muito mais vontade de crescer, eu não tenho mais.” E a filha acabou vendendo. E o filho, que é o Aderbal, morreu também, era muito bom, um companheiro, mas ele ficou com a fazenda e morreu cedo. Ele tinha uns problemas sérios, saía na rua e não conseguia voltar pra casa e ele parou cedo na fábrica também, porque ele ficou muito tempo doente, de cama. Só ficou a parte Zakia mesmo.
FORMAS DE PAGAMENTO Tem que dar prazo, é lógico, porque chapéu não é uma coisa que chega na loja e vende tudo na mesma hora. Tem vezes que demora. Então, dá 30, 60, 90 dias, divide. Faz de todo jeito. Eu tenho freguês que quer um desconto maior, paga à vista. E o pêlo nós pagamos à vista, a goma laca que é importada, tem que pagar até antecipado e vamos tocando (risos). Agora, a freguesia, tem freguês que quer um desconto maior e paga à vista. Cada um faz do jeito que der. Agora o de praxe é 30 e 60 e, às vezes, vai pra 90, se insistem muito. Essa é mais a parte do meu filho. Mas, eu pergunto sempre, converso com ele e não tem, está mais ou menos. Nós tínhamos mais fregueses. Eu lembro que eu trabalhei um pouco no escritório, eu tinha 60 e poucos anos, tinha 8 mil fregueses. Agora tem um pouco menos, então, diminuiu um pouco os fregueses, lojas. Mas, em compensação, aumentou muito a exportação.
COMÉRCIO DE CHAPEÚS Sabe quantas fábricas tinha em São Paulo em 1930? Tinha 32 fábricas, mas não grandes, era só parte, só acabamento. O meu tio, coitado, tio Miguel, ele ia de carro em São Paulo, era muito começo e pensava que só especialista que fazia, e ia atrás de um arcador, é onde nasce o chapéu. Então, ficava ali, na hora do almoço, eles ficavam com um, com outro, falavam, naquele tempo, não tinha registro de empregado, então eles saiam, qualquer desaforo, eles saiam dessa fábrica e iam pra outra, depois do almoço. Ele trazia gente, sacrifício, ele era moço, mas vinha de carro porque trazia, ficava aí. Depois que veio o meu pai. Meu pai ficou mais entrosado na fábrica, arcador é onde começa. Eu comecei, tinha um chefe de seção, meio idoso, muito amigo da gente, e ele começou a me ensinar e eu trabalhava um pouco em cada lugar. Eu fui trabalhar nesse lugar, tinha um tal de Miguelito, baixinho, baixinho, um espanhol, bravo. Me deu até um empurrão: “Aqui, não” Hoje, você ensina um homem e em dois dias ele trabalha sozinho, o mesmo serviço, é que tinha aquela fama, o fulano é bom e não era nada, era tudo engano (risos).
CHAPEÚS CURY Tem uma loja agora, mas é há pouco tempo. A loja começou porque tinha um rapaz que tinha fábrica de jeans e faliu, por um motivo, que ele coitado, foi enganado. Então, ele ficou empregado nosso e montamos a loja, mas começou, parecia muito bom negócio. Agora não está muito bom, está fazendo produção pequena e tentando ver se vai melhorar. Pusemos a loja, pensando em vender muito jeans e vende chapéu também. Mas, o jeans continua vendendo pouco, tem muita fábrica de jeans, eu acho que é isso. Mas, é muito bem feita a calça, e os viajantes que vendem chapéu também vendem o jeans, quem sabe com o tempo vai melhorando.
Aqui em Campinas, a venda na loja é pouca. É pouco, não muito não. Porque muita gente, chegava no sábado: “Oh, não tem onde comprar chapéu?” Então, mais foi por isso. Vem muita gente de Minas, não sei por que tanto mineiro aparecia ali.
E no sábado, a gente não trabalha. Nós abrimos a lojinha ali. Teve alguns reclamando na cidade porque sempre vendia mais barato, mas parou a reclamação, não tem tanto freguês aqui em Campinas, é mais para o interior, para o Norte, Nordeste, para o Rio Grande do Sul que é zona que mais vende chapéu.
PROPAGANDA Fazemos muito pouco de propaganda. Muito pouco, a maior parte era com a própria freguesia. Antigamente, hoje não dá mais, dava lápis, dava cortiça pra por no chapéu porque, às vezes, o chapéu é um pouco grande, punha uma cortiça assim, dentro do chapéu. Hoje, acabou tudo isso, não tem mais condições de ficar dando muita coisa, dá prazo (risos).
PROMOÇÕES Não fazemos promoções. Liquidação, às vezes, vem uma devolução de um tipo de chapéu, às vezes vem, sobra de rodeio, nessas vezes nós fazemos uma promoção, deixa mais barato pra vender logo, porque é tudo fora de padrão pra viajante vender. Então, isso faz, mas é pouco.
DESAFIOS O maior desafio foi quando teve, por exemplo, a guerra. Teve navio, que trazia pêlo nosso, que foi torpedeado, mas meu pai comprou muito, fez um estoque de pêlo. Todo mundo falava que ele era maluco, mas quando acabou a guerra aquilo subiu, foi quando a fábrica ganhou muito com isso. É uma coisa que muita gente fez e muita gente não fez, não acreditou, de outros ramos, tomaram na cabeça. O desafio foi quando começou a acabar, a fornecer o pêlo selvagem. Veio, uma vez, um inglês, almoçou em casa, chegava da Escócia, chegava de 30 graus abaixo de zero, quando chegava o máximo de frio, tinha uns caçadores todos importantes, que eles iam caçar o coelho, no frio, ele cria mais pêlo. Acabou tudo, tudo. Se não aparece esse espanhol que meu filho ensinou ele a fazer pêlo, ele tinha lá, porque outros tem, mas está tudo diminuindo. Esse espanhol está crescendo. Mas, é que os alemães criaram uma raça de coelho em três meses, é como granja, ele atinge um peso bom para sacrificar e vender pra comer a carne, e o pêlo é mais fraco mas, dá um chapéu muito bom ainda. Esse foi um susto que nós levamos. Podia ser que não tivesse mais matéria prima. Agora esse espanhol sabe que ele levou um ano, ele tinha fiação pra misturar o pêlo do coelho pra misturar com o cashmere e ele achou que podia fazer, ele veio, meu filho ensinou, no começo ele nem dava o chapéu, custou. Hoje ele faz um chapéu de pêlo muito bom, mas levou um ano. Nós compramos esse pêlo da Argentina que é melhor, muito pouco. Esse ano nem sabe se vai ter porque ela é uma fornecedora e nem sabe se o Governo vai deixar uma quantia, mais ou menos. Não pode comprar a vontade, não tem. Agora, dá um chapéu muito bom com esse pêlo doméstico, e esse é criado com frango e então parece que não tem tanta implicância, porque o castor, não querem que matem mais de jeito nenhum. O pessoal achava que aquela pele que mulher usava, que é muito cara, vison, é uma loucura, às vezes eles jogam tinta e as pessoas saem com aquela pele na... Eles não querem. Então, ainda esse rapaz que vende o pêlo, ele cresceu, ele vende pra outros, mas ele veio aqui aprendeu e, graças a Deus, deu tudo certo, porque era um problema não ter matéria prima pra fazer.
SEGREDOS DO COMÉRCIO O segredo é saber fazer o chapéu. A senhora, quando foi lá, não viu aquele negócio de água quente, onde o chapéu encolhe? Ele nasce desse tamanho, mas tem uns segredos que vamos aprendendo e, às vezes, acontece coisa que você não viu, mas pelo conhecimento de outras coisas, o sujeito acaba descobrindo. Tem coisa aqui, que eu não vou contar, não vou contar o segredo. Apesar de que aqui no Brasil não tem mais fábrica de chapéu de pêlo, só a nossa e a Companhia Pralana, em Limeira, mas só faz lã. Tem coisa que só estando lá, tantos anos. Eu chamo os empregados de companheiros e vários me acompanham o dia inteiro, qualquer problema eu chamo e eles aprendem. Tem vários que sabem, cada um no seu setor, na fábrica inteirinha, mas sabem tudo, estão lá há 30 anos, 40 anos. Teve gente lá com 60 anos de trabalho.
COMÉRCIO DE CAMPINAS O comércio é muito grande. Não o de chapéu. A senhora vê avenidas inteiras, só comércio, comércio. Agora, eu fico preocupado com a quantia de carro que está aumentando em Campinas. É uma coisa impressionante, essas vendas de carro a prazo, tem mais de 20 vendendo em cinco anos, sete anos, que aumenta aqui na cidade. Quando eu mudei lá para o Cambuí, tinha 12 anos, eu vinha na fábrica de manhã em sete minutos. Hoje, quando eu venho depressa, eu venho em 15, mesmo trajeto, de tanto carro, tanto carro. Agora, o comércio em Campinas eu acho que é muito grande. Você pede pizza pra comer, eu não sei quantas pizzarias tem em Campinas, tem mais de 50 e abre outra, abre outra, se está funcionando é porque vai. Eu fico impressionado com a quantia de carro. Não sei o que vai acontecer em Campinas (risos). O comércio em Campinas é impressionante, tem avenidas, por exemplo, a Orozimbo Maia, lá onde tem o supermercado, na saída para Mogi. Outro dia passei por lá e pra andar duas quadras, passei quinze minutos, é só comercio, é supermercado, açougue, é loja. Tem loja até um pouco longe do centro agora, porque eu acho que eles vão saindo porque não tem jeito de ficar ali, estou achando que cresceu demais, mas eu acho que está indo bem porque continuam.
Agora a minha filha tem aquela casa pequena. Ela faz massas, tudo quanto é massa, faz empada, tortas e ela vende, vai bem demais, ela vende bem. Porque agora, faz 22 anos que pediram a casa e ela já alugou uma, umas duas ou três quadras pra trás. Começou a fazer uma pesquisa entre os fregueses se a mudança... Logo de cara teve 400 fregueses que falaram que se ela mudar, eles vão mudar também, que ela é muito cuidadosa nisso, ela tem uma nutricionista. Uma vez teve que jogar tudo fora porque faltou força, ela teve medo de que a comida fosse fazer mal. Ela trabalha muito bem nisso.
LIÇÕES DO COMÉRCIO Tudo que aprendi de certo foi com meu pai. Se tem alguma coisa errada, eu aprendi com outro. Porque ele ensinava. Eu vou contar uma coisa aqui, que é difícil falar, de quando eu entrei lá. Eu era solteiro, tinha moça e ele falou: “Aqui está cheio de moça e moça bonita. Você não se intrometa, faz de conta que todas são parentes.” (risos) Ele não tinha um palavreado muito bonito, mas o que ele falava era inacreditável. E não pode perder calma com freguês, com empregado, tem que tratar todos muito bem. Eu acho por natureza, uma parte também, tinha muitos amigos na fábrica, eu tinha um amigo de caçada, caçava codorna, perdiz, tudo isso aí, ele era companheiro, teve um que eu jogava futebol contra ele, e ele dava cada pontapé que... Eu dava nele também, mas é amigão. Uma vez, eu tive uma coisa no pulmão, uma inflamação, fui no hospital e naquele tempo era penicilina de três em três horas. Minha mãe foi junto e chegou lá, ele todo arrumadinho: “Não, eu vim aqui pra ficar com o Sérgio, a senhora não precisa ficar.” Minha mãe: “Não, você vai embora, eu é que vou ficar.” E ele era empregado, eu tenho a absoluta certeza que foi influência do meu pai. Ele falava - ele era bravo com outras coisas -, mas falava: “Olha, nunca você perca a paciência com os empregados, porque eles nunca perdem a razão. Pode não ter razão no que está dizendo, mas... Ou a vida dele está difícil e ele perde a calma.” Então, eu sigo direitinho, pra falar a verdade eu me orgulho disso. Eu tenho verdadeiros amigos. Eu tive um problema de saúde e o que telefonavam em casa, foi uma comissão me visitar, minha mulher até assustou porque eu tenho muito amigo, verdadeira amizade, sincera mesmo.
MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS Eu acho que deve ser muito bonito. Porque coisa antiga ninguém sabe. Outro dia mesmo, perguntaram como era o bonde. Foi um empregado nosso, novo, e eu expliquei pra ele como era o bonde aqui em Campinas. Essa transformação precisa e é necessário relembrar isso. Por que quem sabe? Eu vejo fotografia antiga e criança, hoje, dá risada delas. É muito importante isso, eu acho.Recolher